INTRODUÇÃO
A reconstrução do complexo areolopapilar (CAP) é um passo essencial durante a
reconstrução da mama. Ocorre, geralmente, entre três a quatro meses após o
procedimento que repõe o volume e contorno da mama1. Essa cirurgia é indicada nos casos em que há
amputação desse complexo durante mastectomias com o objetivo de garantir maior
naturalidade à mama reconstruída.
Seu primeiro relato foi feito em 1946, por Berson, e para a realização desse
procedimento eram usados três retalhos triangulares de pele. Logo em seguida,
houve a publicação de Adams, em 1949, a qual também abordava novas técnicas
sobre a reconstrução do CAP1.
Em 2005, ocorreu uma atualização sobre a reconstrução do CAP pela publicação
de
Farhadi et al., que apontavam quatro princípios básicos para obter sucesso nessa
cirurgia, eram eles:
1 - O tempo para reconstrução de mama que seria de aproximadamente entre 3 a 4
meses após a reconstrução mamária2;
2 - Em uma reconstrução unilateral, o mamilo colateral deveria servir como
modelo, adaptando, apenas, a posição e as assimetrias da mama residual;
3 - Em uma reconstrução bilateral a localização é baseada de acordo com os marcos
anatômicos relativos e preferenciais de cada paciente;
4 - A perda da projeção mamilar, devido à contração da estrutura no período
cicatricial, deve ser prevista, podendo haver uma correção que exceda de 25 a
50% o resultado almejado com retalhos locais2.
Na literatura, entre os meses de fevereiro e de agosto de 2020, são descritos
cerca de 92 artigos que descreveram novas técnicas de CAP3. Há mais de 60 contagens de
técnicas diferentes que foram descritas nas últimas 8 décadas.
Desde então, surgiram inúmeras técnicas com objetivo de melhorar a simetria
contralateral em posição, tamanho, formato, textura e pigmentação. Hoje, a
reconstrução do CAP é um procedimento bastante aprimorado com técnicas como
star flap, skate flap, retalho em flecha, S-flap,
C-V flap, retalho cilíndrico, double opposing
flap, entre outras3.
Ademais, faz-se necessário citar as contraindicações e as complicações desse
procedimento, como a realização da CAP antes da conclusão da reconstrução da
mama, principalmente quando a forma e o volume final ainda foram definidos. A
principal complicação é a perda da projeção do mamilo por meio dos retalhos
locais, já que está próximo ou em cicatrizes anteriores e o suprimento sanguíneo
pode ficar danificado, sendo prevista de 45% a 75% da projeção, tornando uma
complicação imprevisível. Além disso, a aparência e a assimetria são riscos
existentes que devem ser sempre discutidos no pré-operatório4.
Dessa forma, fez-se necessária a criação de modelos sintéticos, para o
aprimoramento da técnica, como o “modelo de treinamento em zona IV do retalho
TRAM”, divulgado na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, o qual foi testado
com os residentes entre os anos de 2006 a 2009 e mostrou que as habilidades
adquiridas durante o treinamento com o modelo foram transferidas para as salas
de operação4.
Com esse mesmo intuito, o modelo sintético de baixo custo para o treinamento e
simulação de CAP foi criado, a fim de reduzir as curvas de aprendizagem das
técnicas, tornando mais simples para os profissionais nas situações de sala de
operação. Esse modelo aborda técnicas como CV Flap, Star Flap, Skate
Flap, entre outras, além de ser facilmente reutilizado, o que gera
uma curva exponencial de crescimento, posto que o treinamento nesse modelo se
torna ilimitado4,5.
OBJETIVO
O presente artigo tem como objetivo apresentar um modelo sintético, inédito e
prático para o treinamento das técnicas de reconstrução do complexo
areolopapilar, desenvolvido para ser de fácil execução e baixo custo.
MÉTODO
Para a construção do modelo, foi necessário 1 manequim de busto feminino, lâmina
de espuma de 1 e 2cm de espessura, tecido malha (96% poliéster, 4% elastano),
tesoura, cola quente, cola de isopor e material para costura.
De início, a montagem consistiu em forrar o manequim usando as espumas de
diferentes espessuras e cola quente e, em seguida, revesti-lo com o tecido malha
para dar acabamento (Figuras 1A e 1B), deixando 2 aberturas circulares na
região dos seios para posterior posicionamento das peças de recarga do modelo
(Figuras 1C e 1D).
Figura 1 - Etapas de construção do modelo. A. Manequim por completo; B.
Revestimento do manequim com tecido malha; C. Espaço demarcado para
local de prática do modelo sintético; D. Posicionamento completo dos
seios para prática e recarga do modelo.
Figura 1 - Etapas de construção do modelo. A. Manequim por completo; B.
Revestimento do manequim com tecido malha; C. Espaço demarcado para
local de prática do modelo sintético; D. Posicionamento completo dos
seios para prática e recarga do modelo.
As peças de recarga foram feitas a partir da colagem de um pedaço circular da
malha à lâmina de espuma de 2cm de espessura com o auxílio da cola de isopor
(Figura 2A), de modo que se permitisse
a simulação da pele e do subcutâneo.
Figura 2 - Demonstração da prática de reconstrução do complexo areolopapilar
(CAP) através do modelo proposto via técnica C-V
Flap. A. Simulação da pele e subcutâneo; B. Demarcação
do retalho do CAP para realização da técnica C-V
Flap; C. Incisão no local demarcado anteriormente; D.
Descolamento de pele e subcutâneo mantendo pedículo; E. Sutura das
bordas do CAP; F. Primeira aproximação das "asas" laterais
do retalho; G. Segunda aproximação das "asas" laterais do
retalho; H. Fechamento central com confecção da protrusão da papila;
I. Sutura de retalho e de defeito secundário.
Figura 2 - Demonstração da prática de reconstrução do complexo areolopapilar
(CAP) através do modelo proposto via técnica C-V
Flap. A. Simulação da pele e subcutâneo; B. Demarcação
do retalho do CAP para realização da técnica C-V
Flap; C. Incisão no local demarcado anteriormente; D.
Descolamento de pele e subcutâneo mantendo pedículo; E. Sutura das
bordas do CAP; F. Primeira aproximação das "asas" laterais
do retalho; G. Segunda aproximação das "asas" laterais do
retalho; H. Fechamento central com confecção da protrusão da papila;
I. Sutura de retalho e de defeito secundário.
Após a finalização, a marcação do retalho é feita na região areolopapilar com um
pincel de ponta fina (Figura 2B), sendo
possível treinar as diversas técnicas descritas na literatura.
O processo de criação do modelo foi realizado pela liga acadêmica de cirurgia
plástica da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), no início do semestre letivo
de
2023, apresentando custo médio de R$ 175,50, com custo de recarga de
aproximadamente R$ 83,07 por treino. O processo entre o desenvolvimento da ideia
até a finalização do modelo levou em torno de 30 dias.
O modelo foi apresentado ao cirurgião plástico docente e orientador da Liga
Acadêmica de Cirurgia Plástica da UNIFOR, sendo aprovado e recomendado para a
simulação de baixo custo do referido procedimento. Além disso, vale ressaltar
que o estudo não envolveu seres humanos ou animais, dessa forma, seguindo os
princípios de Helsinque, não houve necessidade de permissão do Comitê de Ética
em Pesquisa para a construção do modelo, o qual foi obtido por meio de materiais
sintéticos e descartáveis.
RESULTADOS
Acadêmicos demonstraram interesse na realização do procedimento após aula teórica
extracurricular sobre técnicas da reconstrução do complexo areolopapilar.
O experimento desenvolveu um modelo para simulação de uma determinada técnica da
reconstrução de complexo areolopapilar, sem restrição de utilização quanto ao
modelo sintético e ao material.
Com relação ao formato da aréola e aos materiais utilizados para semelhança à
estrutura do tecido cutâneo e subcutâneo local, observou-se facilidade de manejo
prático do modelo sintético e, consequentemente, completa simulação, devido à
estrutura contemplada, possibilitando o treinamento da técnica de C-V
Flap, a qual requer incisão, descolamento, mantendo o pedículo e
sutura dos retalhos.
DISCUSSÃO
O conhecimento cirúrgico na graduação em medicina é uma problemática relevante,
principalmente em relação à sua aplicação prática, devido à carência de métodos
economicamente acessíveis que possam simular o referido processo, além do
escasso tempo destinado na aprendizagem de tais procedimentos. Nesse contexto,
a
simulação no cenário prático oferece diversos benefícios para o aprendizado em
níveis variados de conhecimento, proporcionando um melhor desempenho no ambiente
cirúrgico em virtude das habilidades contempladas pelos modelos de
treinamento.
É sabido que um currículo cirúrgico pressupõe treinamento repetitório de tais
técnicas, com o fito de desenvolver as habilidades manuais finas necessárias,
sobretudo em acadêmicos cujo contato com o centro cirúrgico é cerceado, como
as
competências exemplificadas nas etapas B a I na Figura 2. Assim, de modo complementar ao modelo tradicional de
aprendizado baseado em longos estágios e dependente da relação mestre-aprendiz,
o método alternativo apresentado no presente estudo propõe a construção de um
simulador anatômico de mama que possibilita espelhar o cenário cirúrgico real,
permitindo a execução reiterada da reconstrução do complexo areolopapilar, com
aceitável nível de fidelidade6.
Segundo Santos et al.7, são
variados os benefícios da experiência com a simulação para residentes ou
estudantes da graduação. O baixo custo de produção e manutenção do modelo
democratiza o acesso a esse tipo de treinamento para além dos modelos sintéticos
de alto custo, expondo o aluno a situações semelhantes ao contexto real,
reduzindo assim complicações iatrogênicas e estéticas para pacientes, além de
questões éticas7.
Dentre as breves limitações do protótipo proposto, a inconveniência que
porventura pode restringir seu uso de maneira ampla é a necessidade de certa
expertise em costura para sua construção, embora a
reutilização de um manequim poupe grande parte do tempo despendido na confecção,
como é possível observar nas etapas de acabamento B e C da Figura 1.
Em comparação aos modelos de treinamento que utilizam cadáveres frescos e peças
de animais, a criação de um modelo sintético substitui o impasse ético no
esforço da busca por insumos que possuam máxima similaridade ao tecido humano,
como o simulador de Jefferson et al.8, que equipara o uso da pele sintética à suína enquanto
objetos de manuseio para treinamento.
A disposição dos materiais no modelo sintético proposto simula a estrutura do
tecido cutâneo e subcutâneo, possibilitando a prática das técnicas descritas
na
literatura de maneira eficaz e proporcionando um fácil manuseio do retalho e
da
incisão com bisturi. Além disso, a utilização de materiais de fácil reposição
difere positivamente dos modelos orgânicos propostos por estudiosos que
utilizam, para treinamento de residentes de cirurgia plástica, retalhos
provindos de animais postmortem, como pele de galinha, língua
de boi, tecidos suínos desprezados, e até cultura simbiótica de leveduras,
tornando a experiência limitada ao uso pela falta de disponibilidade do
material9.
No que tange ao investimento financeiro relacionado à sua arquitetura, bem como à
reinstalação das mamas sintéticas para novas suturas, aludida nas etapas C e
D
da Figura 1, os materiais selecionados
permitem um reuso do simulador quase ilimitado por acadêmicos e por cirurgiões
orientadores, devido ao baixo custo dos principais insumos, tais como: malha,
cola de isopor e lâmina de esponja. Comparativamente, modelos anatômicos de
grande relevância contemporânea, como os que lançam mão da impressão
tridimensional (3D) pressupõem custos adicionais em tecnologia inacessíveis para
grande parcela da população acadêmica. A aprovação por cirurgiões plásticos
renomados do simulador inédito criado, com sucesso, demonstrou a qualidade deste
modelo sintético de baixo custo, a despeito de sua simplicidade10.
CONCLUSÃO
O modelo sintético de reconstrução do complexo areolopapilar proposto tem um
grande potencial de auxiliar no treinamento e aperfeiçoamento das técnicas
cirúrgicas disponíveis do referido procedimento, visto que consegue proporcionar
a simulação das etapas do procedimento cirúrgico real com precisão. Além disso,
mostrou ser uma ferramenta que proporciona ganhos em relação à acessibilidade
e
ao baixo custo para fabricação.
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1. Universidade de Fortaleza, Medicina, Fortaleza,
CE, Brasil
Pedro Lucena de Aquino Av.
Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, Fortaleza, CE, Brasil., CEP: 60911-905,
E-mail: pedrolucena@edu.unifor.br
Article received: February 08, 2023.
Article accepted: July 26, 2024.
Conflitos de interesse: não há.