INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva relatar o caso de uma paciente acometida pela síndrome
de
Mondor no pós-operatório de uma mamoplastia de aumento. A síndrome de Mondor é uma
afecção rara, benigna e autolimitada em que ocorre tromboflebite dos vasos venosos
periféricos da mama, podendo acometer até o sistema linfático da região,
apresentando-se clinicamente como um cordão fibroso subcutâneo na parede
anterolateral do tórax1.
Assim, a importância do estudo urge em meio ao aumento exponencial das intervenções
cirúrgicas estéticas no mundo, as quais, em 2019, atingiram 11.363.569
procedimentos, número 7,4% maior que em 2018, segundo a Sociedade Internacional de
Cirurgia Plástica Estética (ISAPS)2. Ainda de
acordo com a ISAPS, o Brasil, em 2019, era responsável por 13,1% dos procedimentos,
totalizando quase 1.500.000 intervenções2.
Somado a isso, a relevante associação da síndrome de Mondor com o carcinoma mamário
requer preocupação para a doença3. Ademais, é
fulcral orientar adequadamente os pacientes acometidos por essa afecção clínica, a
fim de acalmá-los e tratá-los apropriadamente.
RELATO DE CASO
M.C.G.M., paciente do sexo feminino, 22 anos, parda, estudante de medicina, natural
de Sousa-PB e procedente de Natal-RN, realizou mamoplastia de aumento em 05/12/2020,
tendo evoluído sem intercorrências no pós-operatório imediato.
No 23º dia pós-operatório, passou a queixar-se de dor progressiva (intensidade 5/10)
e sem irradiação na região inferior da mama direita, com aparecimento de cordão fino
subcutâneo de consistência endurecida e de temperatura elevada, sem fator
desencadeante e de melhora, o qual direcionava-se ao quadrante superior direito do
abdome, retraindo a pele (Figura 1).
Figura 1 - A·B: Fotografias tiradas pela própria paciente no início do quadro
clínico relatado que apresentam o cordão fibroso típico da afecção
discutida.
Figura 1 - A·B: Fotografias tiradas pela própria paciente no início do quadro
clínico relatado que apresentam o cordão fibroso típico da afecção
discutida.
Ao exame físico, confirmou-se a presença de um cordão fibroso que se iniciava na
região inframamária e se estendia até o quadrante superior abdominal direito. O
cirurgião plástico responsável pelo procedimento estético ao qual a paciente
submeteu- se, apenas pelo exame físico, confirmou o diagnóstico de síndrome de
Mondor.
A posteriori, o profissional orientou a paciente a fazer uso oral de Prednisona® 20mg
uma vez ao dia, durante 7 dias, e a realizar compressa morna no local três vezes ao
dia. Além disso, orientou a paciente a respeito da síndrome de Mondor - a qual
reconheceu, portanto, o caráter autolimitado da afecção, conjuntura que reduziu o
nervosismo da paciente e suas preocupações quanto à síndrome.
Houve remissão progressiva do cordão fibroso projetado sob a pele, o qual desapareceu
por completo após 10 semanas, sem deixar quaisquer cicatrizes.
A paciente realizava terapia anticonceptiva sem orientação médica. No período de 8
meses antes da realização da cirurgia, estava em uso de Iumi®, um
contraceptivo oral combinado.
DISCUSSÃO
A síndrome de Mondor é quase dez vezes mais comum em mulheres do que em homens e
atinge, primordialmente, a faixa etária média de 43 anos. Apresentando maior
acometimento unilateral, com poucos relatos de surgimento bilateral, a síndrome de
Mondor evidencia-se sem sinais sistêmicos4.
Essa afecção apresenta associação, em até 12% dos casos, com o surgimento de
carcinoma mamário, conjuntura que explica a preocupação em torno do seu
diagnóstico3 e torna eminente a
necessidade de investigação da enfermidade causadora da patologia em discussão.
A etiologia relacionada ao desenvolvimento da síndrome de Mondor ainda não foi
completamente esclarecida, com 50 a 60% dos casos tidos como idiopáticos5. Entretanto, sua fisiopatologia é similar à
trombose venosa profunda (TVP)6 e sua gênese
também está relacionada à tríade de Virchow (estase, hipercoagulabilidade e dano
endotelial)7. Acredita-se que a ação
deficiente das válvulas venosas, por possibilitar o fluxo sanguíneo retrógrado, gera
uma estase favorecedora da formação de trombos, que podem progredir com a agressão
da parede vascular e a formação da fibrose venosa típica da síndrome em
discussão8.
O uso de anticoncepcionais orais eleva o risco de TVP à medida que aumenta a dosagem
dos estrógenos. O estrogênio tende a aumentar os níveis de fatores de coagulação,
reduz os níveis de antitrombina III e diminui o ativador de plasminogênio9. Alguns fatores de risco estão associados ao
desenvolvimento da doença, como procedimentos cirúrgicos, câncer de mama, trauma,
abuso de drogas injetáveis, seios pendulares, excesso de atividade física, gravidez,
discrasia sanguínea, infecções e artrite reumatoide9.
A lesão característica da síndrome de Mondor inicia-se com o surgimento de um cordão
arredondado, doloroso e de coloração avermelhada, que progride para uma grossa linha
fibrosa e indolor10, cuja estrutura torna-se
mais evidente com o movimento de abdução do braço. O aparecimento do cordão fibroso
está limitado, preferencialmente, à região inframamária, tendo seu surgimento até
a
quarta semana de pós-operatório e remissão total até a oitava semana4.
A priori, a clínica do paciente com síndrome de Mondor é caracterizada por dor,
aumento do volume da mama e retração da pele na altura da lesão, a qual pode ser
identificada como um cordão fibroso ou massa palpável, no exame físico. Além disso,
o paciente pode ser assintomático ou até mesmo ter sintomas menos comuns, como
febre, equimose e inflamação da pele5.
A mamografia é um exame que pode ser solicitado, observando-se uma densidade tubular,
dilatada, longa e superficial, dado um aspecto de “contas de rosário”, sendo, com
isso, sugestivo de trombose da veia afetada4.
A importância desse exame dá-se, sobretudo, pela possibilidade de diagnóstico de
neoplasia mamária não palpável.
O tratamento da síndrome de Mondor é apenas sintomático. Geralmente, utiliza-se
compressa morna no local da tromboflebite e recomenda-se o repouso, o uso de
analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais. Ao médico e examinador, é
essencial esclarecer ao paciente sobre o caráter benigno e autolimitado da afecção,
acolhendo suas preocupações.
CONCLUSÃO
À luz dessas considerações, conclui-se que a síndrome de Mondor é uma rara afecção
e
tem como principal característica a presença de um cordão fibroso ocasionado pela
formação de um trombo, sendo a mama a região do corpo humano mais acometida
-surgindo como uma complicação da cirurgia de mama, mas podendo acometer também o
sexo masculino em menor proporção, atingindo preferencialmente regiões de pênis e
escroto.
Por fim, vale salientar que é uma condição benigna e autolimitada (com início, meio
e
fim), mas que, em função de sua relação com o carcinoma mamário, requer atenção para
seu diagnóstico.
REFERÊNCIAS
1. Faucz RA, Hidalgo RT, Faucz RS. Doença de Mondor: achados
mamográficos e ultra-sonográficos. Radiol Bras.
2005;38(2):153-5.
2. International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS).
International Survey of Aesthetic/Cosmetic Procedures 2019. Mount Royal: ISAPS;
2019.
3. Catania S, Zurrida S, Veronesi P Galimberti V, Bono A, Pluchinotta
A. Mondor’s disease and breast cancer. Cancer.
1992;69(9):2267-70.
4. Becker L, McCurdy LI, Taves DH. Superficial thrombophlebitis of the
breast (Mondor’s disease). Can Assoc Radiol J.
2001;52(3):193-5.
5. Pasta V D’Orazi V Sottile D, Del Vecchio L, Panunzi A, Urciuoli P.
Breast Mondor’s disease: Diagnosis and management of six new cases of this
underestimated pathology. Phlebology. 2015;30(8):564-8.
6. Sobreira ML, Yoshida WB, Lastória S. Tromboflebite superficial:
epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento. J Vasc Bras.
2008;7(2):131-43.
7. Alvarez-Garrido H, Garrido-Ríos AA, Sanz-Muñoz C, Miranda-Romero A.
Mondor’s disease. Clin Exp Dermatol. 2009;34(7):753-6.
8. Khan UD. Incidence of mondor disease in breast augmentation: a
retrospective study of 2052 breasts using inframammary incision. Plast Reconstr
Surg. 2008;122(2):88e-89e.
9. Favarin GJ, Favarin E, Rocha LPS, Horner C. Mondor’s disease, case
report and literature review. Arq Catarin Med.
2016;45(2):102-6.
10. Piccinato CE. Trombose venosa pós-operatória. Medicina (Ribeirão
Preto). 2008;41(4):477-86.
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, RN, Brasil
2. Universidade de Brasília, Brasília, DF
Brasil
3. Secretaria de Estado da Saúde Pública, Centro
Estadual de Reabilitação e Atenção Ambulatorial Especializada, Natal, RN,
Brasil
Autor correspondente: Rafael Rodolfo Tomaz de
Lima Av. Alexandrino de Alencar, 1900, Tirol, Natal, RN, Brasil, CEP:
59030-660, E-mail: limarrt@gmail.com
Artigo submetido: 18/09/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN,
Brasil.