INTRODUÇÃO
Em 1962, Thomas Cronin e Frank Gerow realizaram a primeira cirurgia para a inserção
de prótese mamária de silicone. A partir daí, com o crescimento progressivo, mais
de
1,5 milhões de mulheres se submetem a mamoplastia de aumento, anualmente, seja por
motivos estéticos ou reconstrução1. No Brasil,
esse procedimento teve um aumento gradual nos últimos 25 anos e, somente em 2011,
cerca de 145 mil brasileiras foram submetidas a essa cirurgia2, 3. Com isso, o Brasil
tornou-se o segundo maior mercado mundial de implantes mamários, atrás dos Estados
Unidos2, 3, 4.
Em 1997, Keech e Creech descreveram o primeiro caso do linfoma anaplásico de grandes
células associado ao implante de mama (BIA-ALCL)5, 6, 7, 8, 9. Porém, foi reconhecido pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como uma entidade oncológica apenas em 20165, 7,
8, 9. A incidência e prevalência do BIA-ALCL é extremamente baixa, sendo que,
em 2019, a U.S. Food and Drug Administration (FDA) relatou 573 casos nos Estados
Unidos e no mundo, tendo 33 mortes decorrentes desse linfoma6, 10.
A patogênese do BIA-ALCL não está totalmente esclarecida, porém é descrita como um
processo que envolve múltiplos fatores5, 6, 11.
Uma das teorias encontradas foi de que as próteses texturizadas possuem
concavidades, o que resulta em uma superfície ampla e com maior textura. Essa
condição aumenta a probabilidade de ocasionar uma resposta inflamatória crônica,
favorecendo o desenvolvimento do biofilme1,
5, 8, 11.
Em decorrência da formação do biofilme, observou-se um crescimento de bactérias gram
negativas, Ralstonia spp, no microbioma da cápsula das próteses de
pacientes diagnosticadas com BIA-ALCL5, 12. Além disso, a evolução para o linfoma
ocorre como resultado da transformação maligna das células T envolvidas, associado
ao período de progressão da doença, à ativação da resposta imune e à genética da
paciente5.
O BIA-ALCL constitui um desafio médico que requer maior compreensão e atenção, pois
o
uso de implantes mamários cresce de forma exponencial em todo o mundo, inclusive no
Brasil. E, por consequência, a probabilidade de novos casos tende a aumentar1. Nesse artigo, descrevemos um caso de uma
paciente diagnosticada com BIA-ALCL cinco anos após a implementação da prótese
mamária.
RELATO DE CASO
Paciente M.S.S., 54 anos, sexo feminino, leucoderma, comparece à consulta em clínica
privada com queixa de flacidez abdominal pós-gestação e mamas de pequeno volume.
Paciente sem histórico prévio de câncer na família. Realizou previamente
esplenectomia pós-trauma, herniorrafia epigástrica, varizes e duas cesáreas. Possui
artrose nos dedos e faz uso de sinvastatina e enalapril (Figura 1).
Figura 1 - Pré-operatório.
Figura 1 - Pré-operatório.
No dia 02/12/2015 foi submetida a abdominoplastia em âncora e a mamoplastia de
aumento, sendo utilizadas próteses de silicone, perfil alto, texturizadas: 275cc à
direita e 315cc à esquerda (Figura 2). Não
houve intercorrências durante ou após a cirurgia. O seguimento pós-operatório foi
realizado até 2019, quando recebeu alta ambulatorial.
Figura 2 - Paciente em 2019, com resultado final da cirurgia.
Figura 2 - Paciente em 2019, com resultado final da cirurgia.
Em 22/10/2020, queixou-se de aumento progressivo de mama direita associado a dor
local, com aproximadamente um mês de evolução. No exame físico, não havia sinais
característicos de contratura capsular (Figura 3). Foi então realizada drenagem de 200ml, de líquido amarelo citrino,
guiado por ultrassom, com melhora imediata dos sintomas;
Figura 3 - À esquerda, paciente em momento de alta ambulatorial (2019). À
direita, em 2020, paciente com aumento da mama direita.
Figura 3 - À esquerda, paciente em momento de alta ambulatorial (2019). À
direita, em 2020, paciente com aumento da mama direita.
O material foi encaminhado para citologia oncótica. No primeiro laboratório, a
citologia foi negativa. Devido à alta suspeição de malignidade pelo autor sênior,
a
amostra foi encaminhada a um novo laboratório. Dessa vez, constatou-se citologia
oncótica positiva e cultura negativa. Paciente foi imediatamente encaminhada ao
oncologista.
Foi realizado um PET-SCAN, que evidenciou áreas de hipercaptação em polo superior
e
inferior da mama direita, sem acometimento linfonodal ou de metástases a distância
(Figura 4).
A paciente concordou em participar do estudo e assinou o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
Em dezembro de 2020, foi realizada mastopexia com explante das próteses, bem como
ressecção estendida de gordura e do músculo adjacente (Figura 5). Durante o procedimento cirúrgico, foi visualizada, na mama
direita, uma pseudocápsula periprótese usual, sem sinais de malignidade (Figura 6).
Figura 5 - Explante de prótese - intraoperatório.
Figura 5 - Explante de prótese - intraoperatório.
Figura 6 - Prótese mamária com pseudocápsula.
Figura 6 - Prótese mamária com pseudocápsula.
O estudo anatomopatológico confirmou uma pseudocápsula infiltrada por células
linfoides volumosas anaplásicas, sem invasão extracapsular. A imunohistoquímica
evidenciou o marcador CD30, CD4, CD3 e TIA-1 positivos e os marcadores ALK-1 e CD20
negativos. Diante disso, foi confirmado se tratar de linfoma anaplásico de grandes
células T associado a implante mamário à direita, restrito à pseudocápsula.
Após 3 meses da realização da mastopexia com explante de prótese mamária, foi
realizado PET-SCAN de seguimento que não evidenciou mais áreas de hipermetabolismo
na mama direita da paciente. Assim, paciente encontrava-se livre de doença
localizada ou a distância. A paciente relatou que após a operação apresentou dores
nas mamas e equimoses na região lombar, mas que depois de um determinado tempo
passaram. As mamas ficaram de tamanhos diferentes e as cicatrizes pós-cirúrgicas a
incomodam, e apesar disso afetar sua autoestima, ela ficou feliz com o tratamento
médico e a atenção médica durante todo o processo (Figuras 7
8
9
10).
Figura 7 - Imagem demonstrando o pós-operatório imediato.
Figura 7 - Imagem demonstrando o pós-operatório imediato.
Figura 8 - Imagem demonstrando a cicatrização no pós-operatório de 3
meses.
Figura 8 - Imagem demonstrando a cicatrização no pós-operatório de 3
meses.
Figura 9 - Resultado de exame de PET-SCAN.
Figura 9 - Resultado de exame de PET-SCAN.
A doença tem como principais manifestações clínicas o seroma tardio, assimetria
mamária, massa e contratura capsular, com frequência mais elevada do primeiro1. No caso relatado, a presença de seroma tardio
e súbito foi a primeira alteração encontrada.
Figura 10 - Resultado de exame de PET-SCAN.
Figura 10 - Resultado de exame de PET-SCAN.
DISCUSSÃO
O linfoma anaplásico de grandes células associado ao implante mamário (breast implant
associated anaplastic large cell lymphoma - BIA-ALCL), é um subtipo raro de linfoma
não Hodgkin de células T, caracterizado como CD30 positivo e ALK negativo5.
A doença é uma afecção rara que afeta cerca de uma pessoa a cada 30.000 com implante
mamário. Os implantes de poliuretano e os texturizados estão mais associados à
doença devido uma maior área de superfície, o que causa uma reação inflamatória
crônica mais intensa com ativação imune mediada por linfócitos Th1 e TM71.
O explante da prótese com capsulectomia total pode ser suficiente para tratar o BIA-
ALCL, com ressecções estendidas a locais adjacentes, quando necessário. Entretanto,
em alguns casos, é realizada a radioterapia e/ou quimioterapia adjuvante, por
exemplo, se metástase regional ou a distância1.
Neste caso foi demonstrado que, para um tratamento efetivo, mulheres com seroma de
aparecimento súbito e tardio deverão realizar exames complementares para o
diagnóstico o mais precoce possível dessa afecção, mesmo com tempo inferior à média
de desenvolvimento, de cerca de 10,6 anos, como neste caso, no qual a doença surgiu
em 5 anos5. Entre os exames complementares que
podem ser úteis no prognóstico da afecção, podemos destacar o PET-SCAN, que
evidencia áreas de hipermetabolismo, correspondendo a células cancerígenas.
A importância de conhecer a afecção e a ter em seu leque de hipóteses diagnósticas
se
faz necessário, mesmo que a maioria de seromas de surgimento tardio sejam benignos.
A alta suspeição como no caso retratado, por ser divisor de águas em um tratamento
precoce e um tardio, é essencial para a intervenção no momento oportuno e com
elevados índices de cura.
CONCLUSÃO
O linfoma anaplásico de grandes células T está associado ao implante mamário, e,
apesar de ser uma doença rara, deve ser suspeitado em pacientes pós-mamoplastia de
aumento que apresentem sintomas característicos associados. Depreende-se disso,
portanto, que, para um diagnóstico precoce e um tratamento efetivo, mulheres com
seroma de aparecimento súbito e tardio deverão realizar exames complementares para
a
exclusão dessa afecção, mesmo com tempo inferior à média de desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
1. Silva ACC, Pereira APA, Bicalho BC, Avelar CC, Abreu EDFA, Camarano
GCV et al. Linfoma anaplásico de grandes células associado a implante mamário:
uma revisão narrativa. Rev Eletr Acervo Saúde. 2020;12(11):e4767. Disponível em:
https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/4767
2. Monteiro LL, Mangiavacchi W, Machado DG. A evolução das próteses
mamárias e os métodos de incisão utilizados em procedimentos de mamoplastia de
aumento. Rev Bras Cir Plást. 2022;37(1):125-31.
3. Batista BN, Garicochea B, Aguilar VLN, Carvalho FM, Millan LS, Fraga
MFP, et al. Relato de caso de linfoma anaplásico de células grandes associado a
implante mamário em paciente brasileira. Rev Bras Cir Plást.
2017;32(3):445-9.
4. Veloso CN, Abbas K, Tonin JMF. Cirurgia plástica: qual o custo da
indústria da beleza? Anais do Congresso Brasileiro de Custos - ABC. Uberlândia:
XX Congresso Brasileiro de Custos; 2013. Disponível em: https://anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/view/20
5. Real DSS, Resendes BS. Linfoma anaplásico de grandes células
relacionado ao implante mamário: revisão sistemática da literatura. Rev Bras Cir
Plást. 2019;34(4):531-8.
6. Lee JH. Breast implant-associated anaplastic large-cell lymphoma
(BIA-ALCL). Yeungnam Univ J Med. 2021;38(3):175-82.
7. Clemens MW Jacobsen ED, Horwitz SM. 2019 NCCN Consensus Guidelines
on the Diagnosis and Treatment of Breast Implant-Associated Anaplastic Large
Cell Lymphoma (BIA-ALCL). Aesthet Surg J. 2019;39(Suppl_1):S3-S13. DOI:
10.1093/asj/sjy331
8. Berlin E, Singh K, Mills C, Shapira I, Bakst RL, Chadha M. Breast
Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma: Case Report and Review of the
Literature. Case Rep Hematol. 2018;2018:2414278. DOI:
10.1155/2018/2414278
9. Keech JA Jr, Creech BJ. Anaplastic T-cell lymphoma in proximity to a
saline-filled breast implant. Plast Reconstr Surg.
1997;100(2):554-5.
10. Pastorello RG, D’Almeida Costa F, Osório CABT, Makdissi FBA, Bezerra
SM, de Brot M, et al. Breast implant-associated anaplastic large cell lymphoma
in a Li-FRAUMENI patient: a case report. Diagn Pathol. 2018;13(1):10. DOI:
10.1186/s13000-018-0688-x
11. Loch-Wilkinson A, Beath KJ, Knight RJW, Wessels WLF, Magnusson M,
Papadopoulos T, et al. Breast Implant-Associated Anaplastic Large Cell Lymphoma
in Australia and New Zealand: High-Surface-Area Textured Implants Are Associated
with Increased Risk. Plast Reconstr Surg. 2017;140(4):645-54. DOI:
10.1097/PRS.0000000000003654
12. Johnson L, O’Donoghue JM, McLean N, Turton P, Khan AA, Turner SD, et
al. Breast implant associated anaplastic large cell lymphoma: The UK experience.
Recommendations on its management and implications for informed consent. Eur J
Surg Oncol. 2017;43(8):1393-401.
1. João XXIII Hospital, Belo Horizonte, MG,
Brasil
2. Baleia Hospital, Belo Horizonte, MG,
Brasil
3. José do Rosário Vellano University, Belo
Horizonte, MG, Brasil
4. Semper Hospital of Belo Horizonte, Belo
Horizonte, MG, Brasil
Autor correspondente: Antônio de Pádua Peppe
Neto Rodovia Papa João Paulo II, 4001, Edifício Gerais 13º and.,
Cidade Administrativa, Serra Verde, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31630-901.
E-mail: peppe-998@hotmail.com
Artigo submetido: 20/11/2023.
Artigo aceito: 30/04/2024.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Belo
Horizonte, MG, Brasil.