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Original Article - Year2024 - Volume39 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2024RBCP0873-PT

RESUMO

Introdução: A fissura labiopalatina é a malformação congênita craniofacial mais comum. Dificuldades na alimentação, fala e audição são comuns nestes pacientes, necessitando de tratamento multidisciplinar, o que dificulta a criação e manutenção de serviços especializados. A diversidade de classificações e o grande número de técnicas cirúrgicas utilizadas nas cirurgias primárias (queiloplastia e palatoplastia) dificultam a comparação de dados epidemiológicos e de complicações entre os serviços, existindo carência de estudos avaliando centros especializados em fissuras labiopalatinas recém-criados.
Método: Foi realizado estudo do tipo coorte prospectiva com pacientes com diagnóstico de fissura labiopalatina submetidos a procedimentos cirúrgicos primários, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, entre julho de 2017 e fevereiro de 2023. Foram incluídos pacientes menores de 18 anos com acompanhamento pós-operatório de pelo menos 3 meses.
Resultados: Participaram do estudo 79 pacientes, que foram submetidos a 115 cirurgias primárias (54 queiloplastias e 61 palatoplastias). Foram relatadas 11 complicações neste período: 2 deiscências em queiloplastia (3,70%), 1 cicatriz hipertrófica em queiloplastia (1,85%), 6 fístulas em palatoplastia (9,83%) e 2 deiscências em palatoplastia (3,28%). A incidência de complicações foi de 9,56% quando analisado o total de cirurgias, sendo 5,55% nos pacientes submetidos a queiloplastia e 13,11% nos pacientes submetidos a palatoplastia.
Conclusão: A incidência de complicações durante os anos iniciais de estruturação do serviço foi semelhante a outros estudos da literatura.

Palavras-chave: Fissura palatina; Fenda labial; Anormalidades craniofaciais; Fístula; Complicações pós-operatórias.

ABSTRACT

Introduction: Cleft lip and palate is the most common congenital craniofacial malformation. Difficulties in eating, speaking, and hearing are common in these patients, requiring multidisciplinary treatment, which makes it difficult to create and maintain specialized services. The diversity of classifications and the large number of surgical techniques used in primary surgeries (cheiloplasty and palatoplasty) make it difficult to compare epidemiological data and complications between services, and there is a lack of studies evaluating newly created specialized centers for cleft lip and palate.
Method: A prospective cohort study was carried out with patients diagnosed with cleft lip and palate who underwent primary surgical procedures at the Hospital de Clínicas of the Universidade Federal de Uberlândia, between July 2017 and February 2023. Patients under 18 years of age with follow-up were included. post-operative period of at least 3 months.
Results: 79 patients participated in the study, who underwent 115 primary surgeries (54 cheiloplasties and 61 palatoplasties). 11 complications were reported in this period: 2 dehiscences in cheiloplasty (3.70%), 1 hypertrophic scar in cheiloplasty (1.85%), 6 fistulas in palatoplasty (9.83%) and 2 dehiscences in palatoplasty (3.28%). The incidence of complications was 9.56% when analyzing the total number of surgeries, being 5.55% in patients undergoing cheiloplasty and 13.11% in patients undergoing palatoplasty.
Conclusion: The incidence of complications during the initial years of structuring the service was similar to other studies in the literature.

Keywords: Cleft palate; Cleft lip; Craniofacial abnormalities; Fistula; Postoperative complications.


INTRODUÇÃO

A fissura labiopalatina é a má-formação congênita craniofacial mais comum, com prevalência estimada em 1 caso a cada 700 nascidos vivos. Dificuldades de alimentação, alterações na fala e distúrbios auditivos são comuns nestes pacientes, tornando o tratamento adequado multidisciplinar geralmente envolvendo cirurgia plástica, otorrinolaringologia, fonoaudiologia, fisioterapia, ortodontia, enfermagem e psicologia. A necessidade de diferentes especialidades dificulta a criação e manutenção de serviços especializados nesta condição1,2.

A diversidade de classificações e o grande número de técnicas cirúrgicas utilizadas nas cirurgias primárias (queiloplastia e palatoplastia) dificultam a comparação dos dados epidemiológicos entre os serviços especializados e a avaliação de incidência de complicações associadas a estas cirurgias.

Apesar de existirem muitos estudos que avaliaram a incidência de complicações em pacientes submetidos a queiloplastia e palatoplastia, são escassos os trabalhos realizados em centros especializados com menor tempo de criação3-9.

OBJETIVO

O objetivo desse trabalho foi avaliar o perfil epidemiológico e a incidência de complicações dos pacientes com fissuras labiopalatinas submetidos a correção cirúrgica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), em Uberlândia-MG, durante os anos iniciais de estruturação do serviço de tratamento aos pacientes com fissuras labiopalatinas (composto por um cirurgião plástico e craniomaxilofacial, equipe de otorrinolaringologia, fonoaudióloga, odontólogo e residentes em cirurgia craniomaxilofacial e otorrinolaringologia).

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo tipo coorte prospectiva com os pacientes com diagnóstico de fissuras labiopalatinas submetidos a procedimentos cirúrgicos primários, pelo mesmo cirurgião, acompanhado de residentes em cirurgia crâniomaxilo-facial, no HC-UFU, no período de julho de 2017 a fevereiro de 2023.

Foram incluídos pacientes com idade inferior a 18 anos, submetidos aos procedimentos cirúrgicos primários (queiloplastia e/ou palatoplastia) e que apresentavam acompanhamento pós-operatório de pelo menos 3 meses no período analisado.

Pacientes com idade igual ou superior a 18 anos e submetidos a outros procedimentos cirúrgicos foram excluídos do estudo.

Foi realizada a coleta dos seguintes dados: data de nascimento, data da realização da cirurgia, classificação do tipo de fissura labiopalatina (através da classificação de Veau), tipo(s) de cirurgia(s) realizada(s) e complicações associadas aos procedimentos. Os pais ou responsáveis assinaram termo de consentimento informado previamente à cirurgia concordando com os procedimentos cirúrgicos e autorizando a utilização dos dados. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o número 57032022.5.0000.5152.

Foi utilizada exclusivamente estatística descritiva para caracterização epidemiológica e determinação da incidência de complicações.

RESULTADOS

Durante o período analisado, foram acompanhados 79 pacientes com diagnóstico de fissura labiopalatina que foram submetidos a 115 cirurgias primárias (54 queiloplastias e 61 palatoplastias).

Dentre os pacientes acompanhados, 15 pacientes (18,98%) apresentavam classificação de Veau tipo I , 12 pacientes (15,18%) tipo II, 31 pacientes (39,24%) tipo III e 21 pacientes (26,58%) tipo IV (Tabela 1).

Tabela 1 - Dados epidemiológicos dos pacientes com fissuras labiopalatinas.
Classificação (Veau) Número de casos Percentual
Tipo 1 15 18,98%
Tipo 2 12 15,18%
Tipo 3 31 39,24%
Tipo 4 21 26,58%
Total 79
Tabela 1 - Dados epidemiológicos dos pacientes com fissuras labiopalatinas.

As técnicas utilizadas nas queiloplastias foram Fisher em 35 casos (64,81%), Mulliken (bilateral) em 2 casos (3,70%) e adesão labial em 15 casos (27,78%) (Tabela 2).

Tabela 2 - Tipos de cirurgias realizados.
Técnicas cirúrgicas Número de casos Percentual
Queiloplastia
Fisher 35 64,81%
Adesão labial 17 27,78%
Mulliken (bilateral) 2 3,70%
Total 54
Palatoplastia
Bardach (dois retalhos) 38 62,29%
Von Langenbeck 20 32,78%
Furlow 3 4,92%
Total 61
Tabela 2 - Tipos de cirurgias realizados.

As técnicas utilizadas nas palatoplastias foram: Bardach (dois retalhos) em 38 pacientes (62,29%), Von Langenbeck em 20 pacientes (32,78%) e Furlow em 3 pacientes (4,92%). Em 5 pacientes (8,19%) foi associado o retalho de vômer (Tabela 2).

Onze complicações foram relatadas neste período: 2 deiscências em queiloplastias (3,70%), 1 cicatriz hipertrófica em queiloplastia (1,85%), 6 fístula em palatoplastias (9,83%) e 2 deiscências em palatoplastias (3,28%) (Tabela 3).

Tabela 3 - Incidências de complicações.
Complicações Número de casos Percentual
Queiloplastia
Deiscência 2 3,70%
Cicatriz hipertrófica 1 1,85%
Total 3 5,55%
Palatoplastia
Fístula 6 9,83%
Deiscência 2 3,28%
Total 8 13,11%
Tabela 3 - Incidências de complicações.

A incidência de complicações foi de 9,56% quando analisado o total de cirurgias, 5,55% em pacientes submetidos a queiloplastia e 13,11% em pacientes submetidos a palatoplastia.

DISCUSSÃO

Este trabalho avaliou o perfil epidemiológico e a incidência de complicações em pacientes com FLP submetidos a cirurgias primárias nos anos iniciais de estruturação do serviço de fissuras labiopalatinas do HC-UFU.

A comparação de incidência de complicações totais encontra limitação na literatura devido ao fato de trabalhos considerarem diferentes ocorrências como complicações (alguns trabalhos consideram, por exemplo, a presença de febre no período pós-operatório como complicação). Apesar da diferença de critérios, nossa incidência de 9,56% apresenta-se inferior ao trabalho realizado por Gatti et al.10, que apresentou incidência de 14,16%.

Em relação à queiloplastia, trabalhos recentes mostram presença de complicações variando entre 4,4% e 40%, enquanto apresentamos 5,55%3,6,7,11. A presença de deiscência em queiloplastias apresenta variação entre 3,2% e 15,4% dos pacientes, enquanto nós observamos em 3,70%3,11. E a cicatrização hipertrófica em 14,9%, enquanto em nossos pacientes foi de 1,85%11.

Nas palatoplastias a incidência total de complicações apresenta grande variabilidade na literatura recente (15,8% a 70%); nossa incidência foi de 13,11%5-7. A evolução com fístulas apresenta-se em 2,4% a 28% dos pacientes e, em nosso serviço a incidência foi de 9,83%4,5,11-17. Já a presença de deiscência em palatoplastia varia entre 0,7% e 4%, enquanto apresentamos 3,28%5,12,18.

Trabalhos recentes mostram que o volume cirúrgico (acima de 25 cirurgias/ano) bem como a experiência do cirurgião influenciam na redução de complicações em pacientes com fissuras labiopalatinas18,19.

Nosso trabalho apresenta limitações importantes (quantidade de pacientes devido à estruturação recente do serviço, somente um cirurgião com experiência em fissuras labiopalatinas, dificuldade de comparação com outros estudos devido à variação de critérios de diagnóstico e complicações e variabilidade de técnicas cirúrgicas utilizadas em cada serviço) e, apesar destas limitações, a incidência de complicações foi semelhante a estudos em centros já consolidados.

CONCLUSÃO

Nosso estudo evidenciou incidência de complicações similar à de outros centros já consolidados e é necessário acompanhamento de longo prazo para avaliarmos a possibilidade de redução de complicações com o aumento do volume cirúrgico e maior experiência.

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1. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil

Autor correspondente: José Mauro de Oliveira Squarisi Rua Francisco Sales, 86, Osvaldo Resende, Uberlândia, MG, Brasil., CEP: 38400-440, E-mail: josemauroeu@yahoo.com.br

Artigo submetido: 14/09/2023.
Artigo aceito: 04/02/2024.

Conflitos de interesse: não há.

 

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