ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2024 - Volume39 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2024RBCP0847-PT

RESUMO

Introdução: Defeitos na região superior do dorso geralmente são de difícil tratamento, especialmente nos casos de exposição de vértebras, meninge ou material de síntese. O fechamento primário com retalho muscular ou musculocutâneo é a melhor escolha, mas a área doadora para tratar grandes defeitos pode requerer enxertia. A preservação da artéria dorsal da escápula parece assegurar um território cutâneo maior do que o do retalho musculocutâneo do trapézio clássico baseado apenas na artéria cervical transversa.
Método: Foi concebida uma ampla ilha triangular de pele sobre o músculo trapézio baseado na artéria dorsal da escápula com transferência por movimento pendular e um procedimento tipo V-Y em cinco pacientes após a extirpação de tumores malignos.
Resultados: Os defeitos e as áreas doadoras foram fechados primariamente com total viabilidade dos retalhos e não foram observadas complicações além da ocorrência de seroma.
Conclusão: O retalho musculocutâneo do trapézio baseado na artéria dorsal da escápula oferece segurança no tratamento de exposição óssea na região superior do dorso.

Palavras-chave: Dorso; Músculos do dorso; Retalhos cirúrgicos; Retalho miocutâneo; Coluna vertebral; Procedimentos de cirurgia plástica.

ABSTRACT

Introduction: Defects in the upper region of the back are generally difficult to treat, especially in cases of exposure of vertebrae, meninges, or synthetic material. Primary closure with a muscular or musculocutaneous flap is the best choice, but the donor area to treat large defects may require grafting. Preservation of the dorsal artery of the scapula appears to ensure a larger cutaneous territory than that of the classic trapezius musculocutaneous flap based only on the transverse cervical artery.
Method: A wide triangular island of skin was designed over the trapezius muscle based on the dorsal scapular artery with pendulum transfer and a V-Y type procedure in five patients after the extirpation of malignant tumors.
Results: The defects and donor areas were closed primarily with full viability of the flaps and no complications were observed other than the occurrence of seroma.
Conclusion: The trapezius musculocutaneous flap based on the dorsal artery of the scapula offers safety in the treatment of bone exposure in the upper back region.

Keywords: Back; Back muscles; Surgical flaps; Myocutaneous flap; Spine; Plastic surgery procedures.


INTRODUÇÃO

Defeitos de grandes dimensões na região superior do dorso, como nos casos de exposição de vértebras, nas úlceras de pressão ou naqueles que evoluem com deiscência e exposição de placas ou parafusos, podem ser de fechamento complexo, assim como nas exposições de meninge em mielomeningoceles altas. O tratamento convencional pode exigir grandes retalhos com enxertia de pele na área doadora e, por vezes, o tempo necessário para a suficiente granulação1.

O músculo trapézio pode ser dividido em três partes: ascendente, transversa e descendente, com irrigação pelas artérias occipital, cervical transversa, dorsal da escápula e intercostais posteriores. De acordo com a classificação de Mathes & Nahai1, essa vascularização é do tipo II baseada em um pedículo dominante, a artéria cervical transversa (ACT)1.

Segundo Horch & Stark2, após a extirpação de tumores, o tratamento ideal é o fechamento precoce e feito de eleição com retalho muscular, que leva à irrigação ao defeito.

O primeiro retalho musculocutâneo do trapézio foi descrito por Baek et al., em 1980, com aplicação em cabeça e pescoço, porém com limitações de vascularização que ainda são referidas em outras publicações1-5.

De acordo com os estudos de Weiglein et al.3, a artéria dorsal da escápula (ADE) tem importância na garantia de um território cutâneo maior e sua preservação nos retalhos de trapézio pode incluí-la na classificação de tipo V de Mathes e Nahai.

Segundo Cormack & Lamberty6, a irrigação das partes ascendente e transversa do músculo é feita pelas artérias occipital e cervical transversa com ramos perfurantes para a pele que garantem um território cutâneo dentro dos limites anatômicos do músculo. Porém, na parte descendente, quando a porção cutânea ultrapassa em 5 centímetros o ângulo inferior da escápula, sofre e necrosa, pois a pele desta região é irrigada por perfurantes diretas da ADE que, embora tenha território cutâneo maior, não é preservada nos retalhos baseados na ACT2,6.

Yang & Morris4 dissecaram 20 cadáveres e descreveram dois padrões de irrigação para a porção descendente do músculo trapézio e constataram a constância da ADE cujo território cutâneo é descrito com dimensões que ultrapassam os limites daquele atribuído à ACT, mas não estabeleceram seus limites.

Netterville & Wood5 estudaram a irrigação do músculo trapézio e relataram o encontro da ADE como pedículo dominante em 15 lados de 30 dissecções, a ACT em 9 lados e em 6 lados a dominância de ambas as artérias. Os autores enfatizaram a importância da primeira na irrigação da porção musculocutânea caudal ao ângulo inferior da escápula.

Rocha et al.7 estudaram oito lados por dissecções em cadáveres e 60 lados por EcoDoppler em voluntários e constataram a constância da artéria dorsal da escápula com os dois padrões de trajeto já descritos. Verificaram que os dois padrões permitem a mobilização do retalho em composição musculocutânea com território cutâneo que ultrapassa os limites do músculo em seu terço inferior.

Tendo em vista estes conceitos e as dificuldades encontradas em casos de defeito na região superior do dorso, os autores planejaram um retalho musculocutâneo do trapézio que, com a preservação da artéria dorsal da escápula, assegurasse um território cutâneo de grandes dimensões e permitisse o fechamento primário da área doadora com mobilização em V-Y.

OBJETIVO

Tratar defeitos de grandes dimensões com exposição óssea na região superior do dorso com retalho musculocutâneo do trapézio com território cutâneo maior que o recomendado na literatura e fechar a área doadora primariamente com mobilização em V-Y.

MÉTODO

O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Vale do Sapucaí, sob o número 169/02, em 20 de agosto de 2002, e os procedimentos foram conduzidos no período de 2002 a 2012.

Cinco casos de pacientes sucessivos portadores de neoplasia maligna na região superior do dorso (Tabela 1) foram submetidos a biópsia incisional diagnóstica.

Tabela 1 - Pacientes.
Sexo Idade em
anos
Diagnóstico Dimensões do defeito
(longitudinal x transversal)
Masculino 69 Carcinoma basocelular 8cm x 8cm
Feminino 80 Carcinoma escamocelular 9cm x 9cm
Masculino 17 Dermatofibrosarcoma Protuberans 10cm x 16cm
Masculino 70 Carcinoma basocelular 10cm x 9cm
Masculino 53 Carcinoma basocelular semeado por tatuagem ornamental 10cm x 14cm
Tabela 1 - Pacientes.

Por consentimento pós-informado aderiram ao protocolo e foram individualmente submetidos a extirpação do tumor.

Os procedimentos consistiram na confecção de uma ilha triangular de pele e subcutâneo à vizinhança do defeito e com uma parte de sua extensão sobre o músculo trapézio do lado escolhido, preservando as perfurantes da extremidade inferior provenientes da artéria dorsal da escápula. Em cada caso o músculo foi dissecado em sua parte descendente, liberado de suas origens vertebrais e inserções escapulares. Os vasos intercostais posteriores foram ligados com fio 4-0 de poliglactina 910 e seccionados sem o uso de termocautério. O músculo foi rebatido da margem medial para a lateral para permitir a identificação e preservação da ADE que penetra pela face profunda (Figuras 1 a 20).

Figura 1 - (Caso 1): Carcinoma basocelular em região superior do dorso.

Figura 2 - (Caso 1): Defeito de 8 x 8cm com exposição de vértebras.

Figura 3 - (Caso 1): Ilha de pele e subcutâneo sobre a porção inferior do músculo trapézio esquerdo.

Figura 4 - (Caso 1): Músculo rebatido e artéria dorsal da escápula preservada. A ilha de pele ultrapassa as dimensões do músculo e a linha média.

Figura 5 - (Caso 1): Rotação do músculo com transferência da ilha de pele para o defeito. A seta indica a artéria dorsal da escápula no pivô da rotação.

Figura 6 - (Caso 1): Retalho transferido e área doadora fechada em V-Y.

Figura 7 - (Caso 2): Carcinoma basocelular em transição toracocervical.

Figura 8 - (Caso 2): Defeito de 9 x 9cm com exposição de vértebras.

Figura 9 - (Caso 2): Retalho com ilha de pele que ultrapassa os limites do músculo. A seta indica a artéria dorsal da escápula penetrando a face profunda do músculo.

Figura 10 - (Caso 2): Retalho suturado no defeito e área doadora fechada em V-Y.

Figura 11 - (Caso 3): Dermatofibrossarcoma em região superior do dorso.

Figura 12 - (Caso 3): Defeito de 10 x16cm com exposição de vértebras e escápula direita.

Figura 13 - (Caso 3): Retalho com ilha de pele que ultrapassa os limites do músculo e a linha média. A seta indica a artéria dorsal da escápula penetrando a face profunda do músculo.

Figura 14 - (Caso 3): Terceiro dia pós-operatório. Retalho suturado no defeito e área doadora fechada em V-Y.

Figura 15 - (Caso 4): Carcinoma basocelular em transição toracocervical.

Figura 16 - (Caso 4): Defeito de 10 x 9cm com exposição de vértebras.

Figura 17 - (Caso 4): Terceiro mês pós-operatório.

Figura 18 - (Caso 5): Carcinoma basocelular semeado por tatuagem ornamental.

Figura 19 - (Caso 5): Defeito de 10 x 14cm com remoção da porção transversa do músculo trapézio e da artéria cervical transversa (ACT), sendo preservada somente a artéria dorsal da escápula (ADE).

Figura 20 - (Caso 5): Quarta semana pós-operatória.

Os retalhos foram transferidos por rotação do músculo de modo a promover, num movimento pendular, o avanço da ilha de pele para o defeito e fechamento em V-Y. Os descolamentos foram drenados com aspiração contínua por três dias.

RESULTADOS

Todos os espécimes foram estudados e apresentaram margens livres de tumor.

Não houve complicações relativas à anestesia nem ao procedimento operatório, exceto pela ocorrência de seroma que foi constatado e drenado ambulatorialmente na segunda semana de pós-operatório nos dois primeiros casos, a despeito do uso do dreno.

Os pontos da pele foram removidos entre o 10º e o 15º dias.

Nos cinco casos, os retalhos evoluíram sem sofrimento e foram suficientes para tratar defeitos de grandes dimensões (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Os pedículos foram facilmente identificados nos dois padrões anatômicos da ADE e preservados1,3,4.

A preservação da ADE não dificultou o arco de rotação do retalho, uma vez que os retalhos foram desenhados distalmente aos defeitos e mobilizados no sentido cefálico, aproximando-se da origem dos vasos2,4-7.

Em todos os casos o território cutâneo ultrapassou os limites longitudinal e transverso, diferentemente das recomendações desencorajadoras descritas na literatura como características dos retalhos baseados na ACT. A viabilidade ficou demonstrada muito além dos 5cm caudais à ponta da escápula e da dimensão do músculo trapézio e, até mesmo, além da linha média do dorso2,4,6,7.

A extensão do território cutâneo obtido com a preservação da ADE permitiu a confecção da ilha de pele com formato alongado, conveniente para o fechamento em V-Y, atenuando a tensão na área doadora e as dimensões do pedículo permitiram a mobilização da ilha para defeitos até a quarta vértebra cervical e acima da espinha da escápula (Figuras 8, 9, 10, 18, 19, 20).

O retalho em V-Y tem a virtude de transferir grande território cutâneo e tratar a área doadora simultaneamente, pela redistribuição da ilha cutânea, diferentemente dos retalhos de transposição, habitualmente confeccionados com o músculo trapézio.

A inervação motora, pelo XI nervo craniano, da porção ascendente do músculo foi preservada e manteve o movimento de elevação da escápula em todos os casos.

CONCLUSÃO

O retalho musculocutâneo ilhado do trapézio baseado na ADE é seguro e pode ser transferido em V-Y com fechamento primário da área doadora para os casos de defeito com exposição óssea na região superior do dorso.

REFERÊNCIAS

1. Mathes SJ, Nahai F. Reconstructive surgery: principles, anatomy and technique. 1st ed. New York: Churchill Livingstone; 1997. p. 651-77.

2. Horch RE, Stark GB. The contralateral bilobed trapezius myocutaneous flap for closure of large defects of the dorsal neck permitting primary donor site closure. Head Neck. 2000;22(5):513-9.

3. Weiglein AH, Haas F, Pierer G. Anatomic basis of the lower trapezius musculocutaneous flap. Surg Radiol Anat. 1996;18(4):257-61.

4. Yang D, Morris SF. Trapezius muscle: anatomic basis for flap design. Ann Plast Surg. 1998;41(1):52-7.

5. Netterville JL, Wood DE. The lower trapezius flap. Vascular anatomy and surgical technique. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;117(1):73-6.

6. Cormack GC, Lamberty BGH. The arterial anatomy of skin flaps. 2nd ed. New York: Churchill Livingstone; 1994. p. 324.

7. Rocha JLBS, Paiva GR, Rocha LCS. A artéria dorsal da escápula no terço inferior do músculo trapézio. Rev Bras Cir Plást. 2021;36(2):151-5.











1. Fundação Hospitalar do Acre, Programa de Reabilitação e Assistência aos Fissurados da Face, Rio Branco, AC, Brasil
2. Clínica Paiva e Rocha, Pouso Alegre, MG Brasil

Autor correspondente: João Lorenzo Bidart Sampaio Rocha Av. Alberto de Barros Cobra, 717, Pouso Alegre, MG, Brasil. CEP: 37553-459, E-mail: joaolorenzorocha@gmail.com

Artigo submetido: 16/07/2023.
Artigo aceito: 04/02/2024.

Conflitos de interesse: não há.

 

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