INTRODUÇÃO
Em 1947, Pickrell et al. utilizaram o músculo peitoral maior para reconstruir um
defeito da parede torácica pós-mastectomia1. No entanto, somente em 1977 McCraw et al.2,3 realizaram estudos anatômicos que viabilizaram a sua utilização
como retalho miocutâneo. A experiência acumulada na utilização do retalho e o
maior
conhecimento de sua anatomia propiciaram a transferência de segmentos de pele
cada
vez maiores4. O pedículo que,
inicialmente, incluía a pele, passou a se constituir apenas de musculatura e dos
vasos toracoacromiais na parte proximal. Isto permitiu a utilização do retalho
em
ilha5.
Em 2019, Rauchenwald et al.6
publicaram um estudo retrospectivo com 23 pacientes submetidos a reconstrução
com
retalho miocutâneo em ilha de peitoral maior para a profilaxia de fístula após
laringectomia de resgate, demonstrando grande evolução da técnica operatória e
das
suas indicações.
Por outro lado, a ideia de combinar as técnicas de mamaplastia para acessar o retalho
miocutâneo do músculo peitoral maior para cobertura de defeitos da parede torácica
começou a ser descrita em 1996 por alguns autores como de Fontaine et al.7 e Griffin8. Em 2023, Boodhun & Zinn9 utilizaram também o retalho
miocutâneo do músculo peitoral maior em associação com a mamaplastia redutora
para a
cobertura de um defeito da região cervical anterior.
No presente artigo, descrevemos o caso de um paciente masculino submetido a
reconstrução de um grande defeito da parede anterior do tórax através do retalho
miocutâneo ilhado do músculo peitoral maior em associação com técnicas de
mamaplastia.
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e conflito de interesses
O projeto de pesquisa do presente artigo está de acordo com o CEP do Hospital
Governador Celso Ramos, de Florianópolis-SC, e foi aprovado sob o parecer número
6.305.043.
Os autores declaram não possuir conflito de interesse.
RELATO DO CASO
A.E.S., 66 anos, sexo masculino, compareceu ao Hospital Governador Celso Ramos, em
Florianópolis, SC, e apresentava um tumor de pele com evolução de aproximadamente
10
anos na região paraesternal direita. Nesse período, já havia sido submetido a
diversas sessões de crioterapia e a quatro ressecções do mesmo tumor em outros
Serviços. A biópsia da lesão apresentou o diagnóstico de carcinoma basocelular
infiltrativo.
Ao exame físico, o tumor de pele comprometia a região correspondente à porção medial
da clavícula direita, seguindo inferiormente e paralelamente à direita do esterno.
O
tumor compreendia 13,0cm no seu maior eixo vertical e 8,0cm no seu maior eixo
horizontal. O paciente apresentava também retração de pele da região anterior
do
pescoço (Figura 1). Porém, sem linfonodomegalia
cervical.
Figura 1 - Extenso carcinoma basocelular infiltrativo e recidivante na região
paraesternal à direita.
Figura 1 - Extenso carcinoma basocelular infiltrativo e recidivante na região
paraesternal à direita.
Técnica cirúrgica
Marcação da ressecção tumoral
A marcação da peça tumoral a ser ressecada foi realizada com margens laterais
de segurança de 2,0cm (Figura 2). A
ferida resultante expunha a porção medial da clavícula direita e o músculo
peitoral maior ipsilateral (Figura 3).
Figura 2 - Peça cirúrgica encaminhada para exame
anatomopatológico.
Figura 2 - Peça cirúrgica encaminhada para exame
anatomopatológico.
Figura 3 - Extensa ferida operatória resultante da ressecção ampla do
tumor.
Figura 3 - Extensa ferida operatória resultante da ressecção ampla do
tumor.
Marcação da área doadora do retalho
Foi realizada com o paciente em posição ortostática. Foi definido o ponto A
da mama e a partir dele foi desenhado um semicírculo periareolar, mantendo a
papila no seu centro. O semicírculo foi finalizado nos pontos definidos como
B e C a 1,0cm do limite inferior da aréola.
A ilha de pele do retalho miocutâneo correspondeu à área do triangular medial
da mama que normalmente seria ressecada e descartada em uma mamaplastia
redutora (Figura 4).
Figura 4 - Retalho miocutâneo do músculo peitoral maior em ilha.
Figura 4 - Retalho miocutâneo do músculo peitoral maior em ilha.
Descrição cirúrgica
Foi realizada a ressecção ampla do tumor com o paciente em decúbito dorsal e
sob anestesia geral.
A pele da mama direita foi infiltrada com solução contendo 200ml de SF 0,9%,
40ml de xilocaína a 2% sem vasoconstrictor e 1ml de adrenalina.
Foi realizada a manobra de Schwarzmann10 e a secção do triângulo medial de pele e gordura.
Realizado o descolamento subcutâneo da região peitoral direita, expondo toda
a face anterior do músculo peitoral maior até a sua origem. Após, as suas
inserções nos arcos costais e no esterno foram seccionadas e a sua face
posterior foi igualmente descolada até a sua origem. Dessa forma, o retalho
miocutâneo foi completamente liberado, possibilitando a sua rotação
subcutânea e cobertura do defeito da região paraesternal direita (Figuras 4 e 5).
Figura 5 - Transposição do retalho peitoral.
Figura 5 - Transposição do retalho peitoral.
Após a pequena ascensão do complexo areolopapilar (CAP), a mama masculina é
suturada por planos. Um triângulo lateral de pele e gordura foi ressecado
para ajuste da cicatriz de mamaplastia em T invertido11,12. Na área de descolamento, foi deixado um dreno de
sucção 4.8 (Figura 6)13.
Figura 6 - Aspecto final da mamaplastia e da reconstrução do defeito
peitoral.
Figura 6 - Aspecto final da mamaplastia e da reconstrução do defeito
peitoral.
No pós-operatório, o dreno foi retirado após 7 dias e não houve
complicações13. O
exame anatomopatológico confirmou o diagnóstico de carcinoma basocelular
infiltrativo e margens cirúrgicas livres de neoplasia. O paciente fez
acompanhamento ambulatorial e não apresentou mais recidiva tumoral (Figura 7).
Figura 7 - Três meses de pós-operatório.
Figura 7 - Três meses de pós-operatório.
DISCUSSÃO
Embora o enxerto de pele fosse uma opção mais simples de tratamento, nesse caso, essa
técnica apresentava algumas desvantagens. A maior parte do leito do defeito era
constituído por ventre do muscular, que favorecia a integração do enxerto de pele,
mas havia outras áreas de exposição óssea (clavícula) e de tecido celular
subcutâneo. Haveria também maior morbidade da área doadora de pele. Além disso,
a
espessura e a textura da pele do enxerto seriam diferentes das encontradas na
região
peitoral.
Alguns retalhos cutâneos locais poderiam ser planejados, mas resultariam em grandes
cicatrizes aparentes14. Já no caso
de outros retalhos miocutâneos pediculados, haveria as alternativas do grande
dorsal
e do reto abdominal. No entanto, resultariam em mais cicatrizes, maior tempo
cirúrgico e maior morbidade pós-operatória.
Por sua vez, os retalhos cutâneos livres baseados na artéria epigástrica profunda
ou
superficial seriam boas alternativas para a cobertura do defeito torácico. No
entanto, o paciente era obeso e apresentava um avental abdominal volumoso e
protuberante. Dessa forma, a dissecção da região abdominal inferior seria de difícil
execução e, também, com chance maior de complicações pósoperatórias locais.
Por outro lado, a simplicidade e a baixa morbidade do retalho miocutâneo peitoral
em
ilha motivaram a sua escolha. O descolamento do músculo peitoral maior nos seus
planos anterior e posterior foi de simples execução. O ponto pivô da transposição
subcutânea da ilha de pele foi o acrômio e o defeito torácico estava dentro do
seu
arco de rotação. Para a reparação da área doadora do retalho, foram utilizadas
técnicas de mamaplastia a fim de evitar cicatrizes em locais desfavoráveis ou
provocar alguma assimetria inaceitável.
Embora a cicatriz em T invertido pudesse produzir o estigma de mamaplastia feminina,
nesse caso, isso não ocorreu. Como o paciente apresentava ginecomastia grau 4
e a
mamaplastia não objetivava o tratamento dessa condição, as cicatrizes finais da
mama
doadora do retalho não ficaram tão destacadas.
CONCLUSÃO
Com a associação das técnicas do retalho miocutâneo peitoral e o fechamento da área
doadora do retalho em forma de mamaplastia em T invertido foi possível obter-se
um
resultado estético e funcional satisfatório, em tempo cirúrgico único e com baixa
morbidade.
A presente tática cirúrgica é uma alternativa simples para o tratamento de defeitos
localizados no arco de rotação do retalho peitoral maior, quando executada por
cirurgiões habituados com reconstruções mamárias.
Colaborações |
FBW |
Aprovação final do manuscrito, Realização
das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do
original.
|
VE |
Aprovação final do manuscrito,
Supervisão.
|
REFERÊNCIAS
1. Pickrell KL, Baker HM, Collins JP. Reconstructive surgery of the
chest wall. Surg Gynecol Obstet. 1947;84(4):465-76.
2. McCraw JB, Dibbell DG, Carraway JH. Clinical definition of
independent myocutaneous vascular territories. Plast Reconstr Surg.
1977;60(3):341-52.
3. McCraw JB, Dibbell DG. Experimental definition of independent
myocutaneous vascular territories. Plast Reconstr Surg.
1977;60(2):212-20.
4. Freeman JL, Walker EP, Wilson JS, Shaw HJ. The vascular anatomy of
the pectoralis major myocutaneous flap. Br J Plast Surg.
1981;34(1):3-10.
5. Wei WI, Lam KH, Wong J. The true pectoralis major myocutaneous
island flap: an anatomical study. Br J Plast Surg.
1984;37(4):568-73.
6. Rauchenwald T, Dejaco D, Morandi EM, Djedovic G, Wolfram D,
Riechelmann H, et al. The Pectoralis Major Island Flap: Short Scar Modified
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Head and Neck Surgery. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2019;81(5-6):327-37.
DOI: 10.1159/000503008
7. de Fontaine S, Devos S, Goldschmidt D. Reduction mammaplasty
combined with pectoralis major muscle flaps for median sternotomy wound closure.
Brit J Plast Surg. 1996;49(4):220-2.
8. Griffin P. Reduction mammaplasty combined with pectoralis major
muscle flaps for median sternotomy wound closure. Brit J Plast Surg.
1996;49(8):575-6.
9. Boodhun WS, Zinn R. Using a breast reduction to access a pedicled
myocutaneous pectoralis major flap for anterior neck defect reconstruction: a
case report. Australas J Plast Surg. 2023;6(1):71409. DOI:
10.34239/ajops.71409
10. Schwarzmann E. Die technik der mammaplastik. Chirurg.
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11. Pitanguy I. Une nouvelle technique de plastie mammaire. Étude de 245
cas consécutifs et présentation d’une technique personnelle. Ann Chir Plast
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10.7507/1002-1892.201811076
13. Scomacao I, Cummins A, Roan E, Duraes EFR, Djohan R. The use of
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10.1016/j.bjps.2019.11.019
14. Jo GY, Yoon JM, Ki SH. Reconstruction of a large chest wall defect
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flaps: a case report. Arch Plast Surg. 2022;49(1):39-42. DOI:
10.5999/aps.2021.01368
1. Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis,
SC, Brasil
Autor correspondente: Felipe Barbieri Wohlgemuth
Rua Irmã Benwarda, 297, 8º andar, Sala 802, Centro, Florianópolis, SC, Brasil,
CEP: 88015-270, E-mail: felipewohlgemuth@gmail.com
Artigo submetido: 23/10/2023.
Artigo aceito: 04/02/2024.
Conflitos de interesse: não há.