INTRODUÇÃO
O tumor filoide (TF) de mama é uma neoplasia fibroepitelial rara e representa menos
de 1% de todos os tumores primários de mama1. Sua incidência é de aproximadamente 2,1 por milhão de
habitantes e ocorre principalmente em mulheres de 45 a 49 anos2,3. O TF geralmente apresenta rápido crescimento e mede entre 4 e
7cm, mas quando atinge tamanho superior a 10cm é considerado gigante2.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os TF são classificados
histopatologicamente como benignos, malignos e limítrofes3. O TF borderline apresenta
frequência de 12% a 26%1,3, taxa de recorrência de 15% a 25% e
baixo potencial de metástase4. As
características histopatológicas incluem um limite circunscrito ou focalmente
invasivo, mitoses frequentes e celularidade estromal moderada e/ou atípica1.
O tratamento recomendado para todos os tipos de TF é a excisão cirúrgica5. Para evitar recorrência local,
recomenda-se obter margem livre de pelo menos 1cm. Em geral, tumores maiores que
5cm
são tratados por mastectomia5,6. Porém, o tratamento final dependerá
da classificação histopatológica do tumor, tamanho, extensão e localização. Ao
decidir pela ressecção cirúrgica ampla de um TF gigante borderline,
é necessário considerar diferentes técnicas reconstrutivas, seja a reconstrução
baseada em implantes (RBI) ou a reconstrução autóloga (RA) baseada em
retalhos7. Qualidade de
vida, a autoestima e o bem-estar psicossocial tendem a melhorar em mulheres que
foram submetidas a cirurgia reconstrutiva após mastectomia8.
Apresentamos o caso de uma mulher de 46 anos com TF gigante
borderline recorrente em mama esquerda de aproximadamente 40cm
de diâmetro, submetida a ressecção ampla com mastectomia e reconstrução mamária
imediata com retalho de grande dorsal (RGD) mais gordura injeção de enxerto e
que
teve evolução favorável após a cirurgia, sem complicações ou recidivas.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 46 anos, sem comorbidades, com história de mastectomia
por
TF em mama esquerda há 4 anos compareceu à Faculdade de Medicina, da Universidad
Nacional de San Agustín de Arequipa, em Arequipa, Peru. Anteriormente, ela foi
à
consulta referindo reaparecimento do tumor na mama esquerda. Ao exame físico,
foi
observada cicatriz cirúrgica periareolar na mama esquerda, no quadrante superior
externo e palpado um tumor duro, pouco móvel, com aproximadamente 8cm de diâmetro.
Foi realizada biópsia, que revelou TF recorrente. Devido às restrições impostas
pela
pandemia de COVID-19 no Peru, perdeu-se o contato com o paciente e não foi realizado
o acompanhamento correto.
Nove meses depois, a paciente procurou o prontosocorro devido ao aumento do tamanho
do tumor e à presença de dor intensa na mama esquerda. Ao exame físico, a mama
esquerda apresentava dor à palpação, tumoração pouco móvel de aproximadamente
40cm
de diâmetro e eritema com circulação venosa colateral (Figura 1).
Figura 1 - Tumor filoide gigante da mama esquerda (seta) que ocupa todo o volume
da mama esquerda e respeita o sulco mamário. Há evidências (*) de
circulação colateral abundante, eritema extenso e áreas circulares
difusas de coloração violácea.
Figura 1 - Tumor filoide gigante da mama esquerda (seta) que ocupa todo o volume
da mama esquerda e respeita o sulco mamário. Há evidências (*) de
circulação colateral abundante, eritema extenso e áreas circulares
difusas de coloração violácea.
Os achados encontrados no estudo ultrassonográfico foram compatíveis com a categoria
BI-RADS2, descrevendo tumor vascularizado, predominantemente sólido, com margens
bem
definidas e focos císticos de aproximadamente 15cm. Não houve evidência de
metástases à distância na ressonância magnética e na tomografia computadorizada
(TC). Os resultados histopatológicos iniciais da biópsia concluíram a presença
de
neoplasia fibroepitelial com atipias leves, correspondendo a um TF
borderline.
Devido aos achados, optou-se pela realização de mastectomia total esquerda e
reconstrução mamária imediata. A mastectomia total esquerda foi realizada pelo
Serviço de Oncologia Ginecológica. Inicialmente, foi realizada dissecção axilar
baixa e incisão de Steward; em seguida, foi confeccionado um retalho superior
tendo
como limite a borda clavicular inferior, e um retalho inferior tendo como limites
o
sulco submamário, a borda anterior do grande dorsal e a borda esternal.
Posteriormente, foi excisado o tecido tumoral da mama esquerda, dissecandose até
a
aponeurose do peitoral maior (Figura 2).
Figura 2 - A: Peça de mastectomia na qual o tumor está incluído.
B: Mastectomia esquerda com ressecção radical do tumor
filoide, evidenciando aponeurose* do peitoral maior.
Figura 2 - A: Peça de mastectomia na qual o tumor está incluído.
B: Mastectomia esquerda com ressecção radical do tumor
filoide, evidenciando aponeurose* do peitoral maior.
Linfadenopatias de aproximadamente 2cm foram encontradas no grupo axilar I e a
excisão correspondente foi realizada. As características histopatológicas da peça
pós-operatória foram consistentes com um TF borderline.
Supercrescimento estromal, atipia moderada, camada cambial, bordas permeativas
e
contagem mitótica de 5/10 por 10 campos foram evidentes. As bordas cirúrgicas
eram
maiores que 1mm em relação ao tumor. A pele circundante, o mamilo e os ductos
terminais livres não apresentavam sinais de malignidade. Os linfonodos do grupo
I
não apresentavam sinais de malignidade.
A reconstrução mamária foi realizada pelo Serviço de Cirurgia Plástica. Foi realizado
retalho miocutâneo pediculado de grande dorsal mais enxerto de gordura. Para
obtenção do retalho miocutâneo, foi feita incisão anterior na pele até o músculo
grande dorsal. Posteriormente, o músculo grande dorsal foi separado dos músculos
serrátil anterior e oblíquo externo, e feita uma abordagem inferior até as inserções
da crista ilíaca e finalizada com uma incisão posterior até a fáscia toracolombar
sobre o músculo grande dorsal. O retalho foi elevado da posição distal para proximal
para localizar o pedículo do grande dorsal (artéria toracodorsal) (Figura 3A). Foi realizada tunelização subcutânea
e mobilização do retalho para a área receptora no hemitórax esquerdo. Ambas as
áreas
doadora e receptora foram fechadas em planos (Figura 3B).
Figura 3 - A: Na obtenção do retalho miocutâneo, valoriza-se o
retalho pediculado* de grande dorsal. B: Resultados
pós-operatórios imediatos.
Figura 3 - A: Na obtenção do retalho miocutâneo, valoriza-se o
retalho pediculado* de grande dorsal. B: Resultados
pós-operatórios imediatos.
Ao final do procedimento, foi colocado dreno Hemovac para recuperação do volume
mamário e colocado enxerto de gordura. Foi infiltrada solução tumescente no abdome
e
realizada lipoaspiração, obtendose 300cc de enxerto de gordura, que foi colocado
por
via intramuscular no RGD mobilizado e na região mamária. Por fim, foram aplicadas
gazes limpas e bandagens elásticas não compressivas.
Uma semana após a cirurgia, a evolução do retalho foi favorável, sem áreas de
desconforto ou complicações locais ou sistêmicas. Os drenos diminuíram
progressivamente para menos de 30cc de conteúdo sero-hemático e foram removidos.
A
alta hospitalar foi decidida e foram indicados controles ambulatoriais semanais
durante um mês. Com um ano foi realizada tomografia computadorizada que não mostrou
sinais de extensão da doença. Nossa paciente está atualmente em acompanhamento
rigoroso, apresentando evolução favorável, sem recidiva local ou metástase à
distância (Figura 4).
Figura 4 - Paciente chega à consulta após 18 dias de cirurgia, apresentando
evolução adequada. A: Anterior. B: Lateral.
C: Oblíqua posterior.
Figura 4 - Paciente chega à consulta após 18 dias de cirurgia, apresentando
evolução adequada. A: Anterior. B: Lateral.
C: Oblíqua posterior.
DISCUSSÃO
O diagnóstico precoce e o estadiamento da TF são importantes para o tratamento
oportuno2. A TF está
crescendo rapidamente e o atraso no tratamento pode aumentar a
morbimortalidade3. Em
função das restrições de confiança social devido à pandemia de COVID-19 e à mudança
do atendimento exclusivo de pacientes com COVID-19 para hospitais de maior
resolução, o acompanhamento e o contato dos pacientes foram perdidos, levando
ao
crescimento excessivo do tumor.
A base do tratamento da TF é a excisão cirúrgica5,9. Ao realizar a
excisão cirúrgica, além de considerar alguns fatores como tamanho, extensão do
tumor, linfonodos palpáveis e margens livres, é necessário considerar a estética
para posterior reconstrução da mama afetada. A reconstrução mamária é classificada
de acordo com o tipo de procedimento como RBI ou RA7. Embora o uso do RBI seja muito mais frequente,
constatou-se que a RA foi associada a um melhor grau de satisfação e bem-estar
sexual em comparação ao RBI, e também foi constatado que o RBI apresenta maior
risco
de falha reconstrutiva a longo prazo7. Portanto, em conjunto com o paciente, decidimos realizar RA em
vez de RBI.
Em geral, a RA depende da anatomia da região de origem do retalho. Entre os mais
utilizados estão o retalho perfurante da artéria epigástrica inferior profunda
(DIEP), o RGD ou o transverso miocutâneo do reto abdominal (TRAM)7. O RGD fornece uma grande quantidade
de tecido mole flexível; anatomicamente, o músculo grande dorsal está entre os
maiores e mais fortes do corpo, as complicações isquêmicas do retalho são raras
devido ao suprimento vascular fornecido pela artéria toracodorsal, pelas artérias
intercostais perfurantes posteriores, e a artéria lombar10.
A escolha da área a ser utilizada é determinada pela constituição corporal do
paciente, cirurgias anteriores e comorbidades associadas. O uso do RGD é preferido
em pacientes não candidatos ao uso do TRAM, por abdominoplastia prévia, TRAM prévio
ou insuficiência de pele e gordura abdominal10. No nosso caso, devido à gordura e constituição abdominal
do paciente, optou-se pelo uso do RGD.
Concomitante à RA, a lipoenxertia também pode ser realizada na área11. Entre os benefícios encontrados
com o uso da lipoenxertia, estão aumento de volume com resultados mais naturais
e
maior grau de satisfação sem necessidade de uso de próteses11,12. No contexto da reconstrução autóloga, a colocação do
enxerto de gordura pode ser realizada tardiamente ou imediatamente após a
transposição do retalho pediculado. Anteriormente, foi encontrado um bom ganho
de
volume na área após injeção imediata de enxerto de gordura durante o procedimento
reconstrutivo11. No nosso
caso, optou-se por realizar injeção de enxerto de gordura após mobilização do
RGD.
Atualmente, poucos estudos relataram a reconstrução do TF gigante
borderline usando RA e enxerto de gordura. Wang et
al.13 relataram
mastectomia total e ressecção de TF borderline de 30cm de diâmetro,
porém não relataram reconstrução mamária. Liu et al.14 e Zhao et al.15 relataram a possível associação entre hipoglicemia e TF
gigante borderline, em ambos os casos foram realizadas mastectomias
radicais, porém também não relataram nenhuma reconstrução mamária. Tsuruta et
al.16 informaram o uso de
retalho DIEP para reconstrução mamária após mastectomia total para TF gigante,
porém
não relataram o uso de lipoenxertia.
A terapia adjuvante, como quimioterapia e radioterapia, não demonstrou diminuir a
recorrência no TF9. A taxa de
recorrência local é de 10,9%, 14,4% e 29,6% em tumores benignos, limítrofes e
malignos, respectivamente9.
Portanto, é razoável monitorar por pelo menos 3 anos, principalmente em pacientes
com TF com margens positivas, por exame físico, ultrassonografia ou
mamografia17. Em nossa
paciente, foram realizados controles mensais em ambulatório e, em um ano, foi
realizado controle com TC. Não houve evidência de novas massas ou tumores na área
operada e foi observada evolução clínica adequada.
CONCLUSÃO
Concluindo, o TF gigante borderline recorrente é uma afecção rara.
Devido às restrições impostas pela pandemia de COVID-19, o acompanhamento foi
perdido e o tratamento oportuno não foi realizado. O manejo cirúrgico desses tumores
é um desafio e o tratamento deve ser multidisciplinar. A reconstrução mamária
utilizando RGD mais enxerto de gordura parece ser uma opção atraente para obter
resultados estéticos positivos.
DECLARAÇÕES DE ÉTICA
Aprovação ética: Todos os procedimentos realizados seguiram os padrões
éticos dos Princípios Éticos para Pesquisas Médicas Envolvendo Seres Humanos,
contidos na Declaração de Helsinque. No presente estudo, o consentimento informado
por escrito foi obtido do paciente.
Consentimento do paciente: A paciente forneceu consentimento informado
por escrito para a publicação e uso de suas imagens.
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https://www.nccn.org/guidelines/guidelines-detail?category=1&id=1419
1. Universidad Nacional de San Agustín de
Arequipa, Arequipa, Peru
Autor correspondente: Elizbet Susan
Montes-Madariaga Urb. José Luis Bustamante y Rivero, Cerro Colorado,
Arequipa, Peru. E-mail: emontesma@unsa.edu.pe
Artigo submetido: 18/10/2023.
Artigo aceito: 04/02/2024.
Conflitos de interesse: não há.