INTRODUÇÃO
A reparação de defeitos estruturais com tecidos endógenos, sem dúvida uma habilidade
dos cirurgiões plásticos, é limitada em muitas situações e estimulou a produção
de
biomateriais de suporte, com inúmeros materiais sintéticos desenvolvidos e
utilizados em larga escala para aplicações em vários campos da cirurgia
reconstrutiva.
Dentro de uma evolução desse processo, desenvolveram-se as próteses biológicas,
originadas a partir de tecidos naturais acelularizados1, fornecendo um suporte tridimensional biodegradável
para o crescimento celular do receptor e exigindo uma cinética de degradação
sofisticada ao longo do tempo2.
Representadas basicamente pela membrana extracelular (MEC) resultante do processo
de
acelularização, essas membranas desenvolvem um papel biológico ativo no local
de
implantação, em tese favorecendo a remodelação tecidual ao invés da formação de
fibrose cicatricial ou inflamação crônica3, conceitos perseguidos no campo da medicina
regenerativa.
Degradadas progressivamente por metaloproteinases4 - em especial pela colagenase - as membranas acelulares
devem suportar um equilíbrio complexo entre resistência à degradação e promoção
de
crescimento celular a partir do leito receptor, com uma reciprocidade dinâmica
favorecendo a neoformação tecidual e adequada deposição de colágeno, até que o
local
do reparo tenha cicatrizado adequadamente. Assim, além do aspecto básico da
biocompatibilidade, avaliar o tempo de degradação do suporte tridimensional também
é
primordial, já que sua ocorrência muito precoce pode levar à falência da reparação,
especialmente naquelas que demandam maior resistência mecânica, como na reconstrução
da parede abdominal5.
Neste sentido, além das diferenças em relação à sua origem alogênica ou xenogênica,
assim como a sua natureza biológica tecidual - derme, mucosa intestinal, pericárdio,
etc. - aspectos relacionados aos processos de preparo e reticulação são descritos
como fatores importantes no comportamento biológico das MECs. Estudos demonstram
que
a reticulação aumenta a durabilidade dos biomateriais implantados, conferindo
assim
uma capacidade maior de fornecer suporte adequado para os processos de remodelagem
com o colágeno endógeno nas reparações de hérnias abdominais7.
Inúmeras publicações utilizam as análises histológicas como principal ferramenta para
avaliação desses processos biológicos em diferentes biopróteses, mas em sua grande
maioria em experimentação animal8,9, com observações em humanos
restritas a casos complicados de reoperações, na vigência de infecções e remoção
dos
implantes10,11.
OBJETIVO
O objetivo desta publicação é relatar os achados histológicos observados em biópsias
de membranas acelulares de pericárdio bovino, implantadas na reparação da parede
abdominal.
MÉTODO
De uma série de 40 reparações de parede abdominal associadas a implante de membrana
acelular de pericárdio bovino, 3 pacientes foram submetidas a revisão cirúrgica,
a
saber: 2 casos, secundários a hérnias incisionais, para correção de cicatriz
hipertrófica aos 13 meses (Figura 1) e 22 meses
de pós-operatório, e 1 caso, secundário a reconstrução pós-ressecção de endometrioma
de parede, revisado aos 23 meses de pós-operatório para exploração de possível
recidiva. Em todos os casos a evolução pós-operatória transcorreu sem qualquer
complicação, com os exames clínicos e radiológicos não identificando problemas
relativos às áreas implantadas, com sucesso das reparações, sendo as revisões
por
indicações não relacionadas aos implantes. As pacientes foram devidamente
informadas, por termo de consentimento, que seriam feitas biópsias na área do
implante no momento de eventual revisão cirúrgica.
Figura 1 - A: Paciente com hérnia incisional supraumbilical, com
indicação de reparação associada a reforço de parede abdominal com
membrana acelular de pericárdio bovino. B: Visão
intraoperatória da correção realizada, com membrana em posição
suprafascial após aproximação direta da musculatura. C:
Pós-operatório de 13 meses, mostrando cicatriz hipertrófica
supraumbilical e suprapúbica comprometendo o resultado estético. Na
revisão cirúrgica dessa cicatriz pôde-se observar a área implantada,
confirmando-se a ausência de recidiva da hérnia ou outras alterações,
obtendo-se então 3 biópsias para análises histológicas.
Figura 1 - A: Paciente com hérnia incisional supraumbilical, com
indicação de reparação associada a reforço de parede abdominal com
membrana acelular de pericárdio bovino. B: Visão
intraoperatória da correção realizada, com membrana em posição
suprafascial após aproximação direta da musculatura. C:
Pós-operatório de 13 meses, mostrando cicatriz hipertrófica
supraumbilical e suprapúbica comprometendo o resultado estético. Na
revisão cirúrgica dessa cicatriz pôde-se observar a área implantada,
confirmando-se a ausência de recidiva da hérnia ou outras alterações,
obtendo-se então 3 biópsias para análises histológicas.
Nas áreas correspondentes aos implantes prévios em situação pré-aponeurótica, feitos
pelo mesmo cirurgião e identificados fotograficamente, foram colhidas 3 amostras
em
pontos distintos da região implantada, retirando-se as amostras da aponeurose
muscular em toda sua espessura. Após fixação e inclusão em parafina, foram
realizados cortes seriados de 5µm de espessura, sendo coradas 60 lâminas para
cada
paciente com Hematoxilina - Eosina, Tricrômio de Gomori e Picrosirius Red para
as
diferentes análises.
Análise morfométrica
As lâminas foram examinadas com microscópio ótico Nikon SI E200 Trinocular para
as colorações habituais e com luz polarizada para Picrosirius Red, sendo as
imagens digitalizadas com câmera Digilab™ jkc em resolução de 8MB. Além dos
aspectos básicos referentes à biocompatibilidade do material e características
da neoformação tecidual, foram analisados também os aspectos de
absorção/degradação dos implantes e o processo de celularização e deposição de
colágeno no leito receptor, quantificados por análise computadorizada pelo
software ImageJ, específico para esse fim12 .
Tendo como padrão a imagem histológica do pericárdio acelular “in
natura” (Figura 2), nas
lâminas coradas em HE foram quantificadas as porcentagens de membrana residual
presente nos diferentes períodos. O pericárdio acelular ainda presente nas
diferentes amostras foi identificado e delimitado manualmente por dois
examinadores independentes, sendo a porcentagem correspondente calculada
automaticamente pelo software.
Figura 2 - Aspecto histológico padrão da membrana de pericárdio bovino
"in natura" após processo de acelularização, confirmada
pela total ausência de núcleos celulares. Este padrão, digitalmente
memorizado em pixels e coloração pelas ferramentas do software
ImageJ, foi utilizado para identificar e quantificar fragmentos
residuais das membranas implantadas nos diferentes períodos de
pós-operatório. Coloração HE/ Aumento 100xx.
Figura 2 - Aspecto histológico padrão da membrana de pericárdio bovino
"in natura" após processo de acelularização, confirmada
pela total ausência de núcleos celulares. Este padrão, digitalmente
memorizado em pixels e coloração pelas ferramentas do software
ImageJ, foi utilizado para identificar e quantificar fragmentos
residuais das membranas implantadas nos diferentes períodos de
pós-operatório. Coloração HE/ Aumento 100xx.
Nas lâminas coradas com Picrosirius Red - específica para fibras colágenas - foi
feita complementarmente a quantificação da dimensão fractal tecidual por análise
digital13,
utilizando-se também o software ImageJ, representando a
fragmentação tecidual por método automático específico denominado
“Box-Count /Binary - Outline”.
Análise estatística
Os valores obtidos na quantificação das porcentagens de membrana residual tiveram
suas médias comparadas estatisticamente por análise de variância (ANOVA) e pelo
teste T de Student não pareado, também utilizado para as análises dos valores
obtidos na quantificação da dimensão fractal. Admitiu-se erro alfa de 5%, sendo
considerados significantes valores de p menores ou iguais a
0,05.
RESULTADOS
As análises histológicas demonstraram nitidamente a biocompatibilidade do material,
com todas as amostras evidenciando neoformação tecidual em substituição às membranas
implantadas, com importante deposição de colágeno e tecido celularizado de aspecto
normal. Não foram observadas reações locais importantes, identificando-se alguns
raros pontos focais isolados mostrando macrófagos em processo inflamatório de
leve
intensidade. Em todos os períodos analisados foi possível identificar a presença
de
fragmentos de tecido acelular correspondente à membrana original (Figura 3).
Utilizando-se o software ImageJ, os fragmentos residuais da membrana
implantada foram quantificados em 40%±7% aos 13 meses, em 20%±6% aos 22 meses
e em
17%±6% aos 23 meses de pós-operatório. Essa quantificação, analisada pelo teste
t
não pareado, foi estatisticamente significante entre as amostras de 13 meses e
as
mais tardias, sendo que não houve diferença estatística entre 22 e 23 meses (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Representação em Box-Plot da quantificação e estatística por análise
de variância das porcentagens de fragmentos residuais de membrana
acelular de pericárdio nos diferentes períodos. As membranas residuais
foram identificadas histologicamente nos períodos de 13, 22 e 23 meses
de pós-operatório e suas respectivas porcentagens calculadas na
ferramenta específica do software ImageJ. Houve
diferença estatisticamente significativa entre as amostras de 13 meses
comparadas aos 22 e 23 meses (p<0,0001) e sem
diferença na comparação entre 22 e 23 meses.
Gráfico 1 - Representação em Box-Plot da quantificação e estatística por análise
de variância das porcentagens de fragmentos residuais de membrana
acelular de pericárdio nos diferentes períodos. As membranas residuais
foram identificadas histologicamente nos períodos de 13, 22 e 23 meses
de pós-operatório e suas respectivas porcentagens calculadas na
ferramenta específica do software ImageJ. Houve
diferença estatisticamente significativa entre as amostras de 13 meses
comparadas aos 22 e 23 meses (p<0,0001) e sem
diferença na comparação entre 22 e 23 meses.
Figura 3 - Cortes histológicos de biópsias das áreas correspondentes aos
implantes de membranas acelulares de pericárdio bovino, nos períodos
pós-operatórios de: A, 13 meses; B, 22 meses; C e D, 23 meses. Em todos
os períodos observa-se tecido celularizado neoformado em substituição às
membranas implantadas, demonstrando processo de reparação de boa
qualidade e ausência de processos inflamatórios ou reação do tipo
"corpo estranho". Em todas as amostras se observam fragmentos
de tecido acelularizado residual da membrana implantada (setas pretas),
quantificados em cerca de 40% aos 13 meses, 20% aos 22 meses e 17% aos
23 meses de pós-operatório. Em D, aos 23 meses de pós-operatório,
observa-se deposição de neocolágeno com bom padrão de reparação
cicatricial e tecido celularizado normal em substituição ao implante
(setas vermelhas). A, B e C Coloração Hematoxilina-Eosina. Em D
Tricrômio de Gomori. Aumento 40xx em B e D; Aumento 100xx em A e
C.
Figura 3 - Cortes histológicos de biópsias das áreas correspondentes aos
implantes de membranas acelulares de pericárdio bovino, nos períodos
pós-operatórios de: A, 13 meses; B, 22 meses; C e D, 23 meses. Em todos
os períodos observa-se tecido celularizado neoformado em substituição às
membranas implantadas, demonstrando processo de reparação de boa
qualidade e ausência de processos inflamatórios ou reação do tipo
"corpo estranho". Em todas as amostras se observam fragmentos
de tecido acelularizado residual da membrana implantada (setas pretas),
quantificados em cerca de 40% aos 13 meses, 20% aos 22 meses e 17% aos
23 meses de pós-operatório. Em D, aos 23 meses de pós-operatório,
observa-se deposição de neocolágeno com bom padrão de reparação
cicatricial e tecido celularizado normal em substituição ao implante
(setas vermelhas). A, B e C Coloração Hematoxilina-Eosina. Em D
Tricrômio de Gomori. Aumento 40xx em B e D; Aumento 100xx em A e
C.
Utilizando-se a coloração em Picrosirius com luz polarizada, foi feita a análise da
dimensão fractal das lâminas nos diferentes períodos de pós-operatório, também
se
utilizando método automático em ferramenta específica do software
ImageJ, demonstrado na Figura 4.
A distribuição dos valores da dimensão fractal de cada subgrupo, pelo gráfico de
Box-Plot, mostra nítida separação de valores entre o subgrupo com menor tempo
de
seguimento (13 meses) e os subgrupos (juntos ou separados) com 22 e 23 meses de
seguimento (Gráfico 2).
Gráfico 2 - Análise em Box-Plot da dimensão fractal das imagens histológicas do
pericárdio bovino acelular nos diferentes períodos de pós-operatório,
mostrando nítida separação de valores para as amostras de 13 meses e os
subgrupos (juntos ou separados) de 22 e 23 meses, indicando diferença
estatisticamente significativa na fragmentação progressiva dos
implantes. Software ImageJ (Método Make Binary,
Outline).
Gráfico 2 - Análise em Box-Plot da dimensão fractal das imagens histológicas do
pericárdio bovino acelular nos diferentes períodos de pós-operatório,
mostrando nítida separação de valores para as amostras de 13 meses e os
subgrupos (juntos ou separados) de 22 e 23 meses, indicando diferença
estatisticamente significativa na fragmentação progressiva dos
implantes. Software ImageJ (Método Make Binary,
Outline).
Figura 4 - Representação da análise automatizada da dimensão fractal pelo
software ImageJ. Na coluna da esquerda, imagens
digitalizadas de lâminas coradas em Picrosirius sob visão de luz
polarizada, aos 13 e 23 meses de pós-operatório conforme indicado. À
direita, a correspondente representação computadorizada para análise do
grau de fragmentação estrutural, definida como dimensão fractal. As
análises automáticas mostram um aumento estatisticamente significante da
dimensão fractal nos casos mais tardios, indicando ocorrência
progressiva de neoformação tecidual por processo de celularização e
deposição de colágeno no leito receptor, corroborando os achados da
cinética de degradação da membrana.
Figura 4 - Representação da análise automatizada da dimensão fractal pelo
software ImageJ. Na coluna da esquerda, imagens
digitalizadas de lâminas coradas em Picrosirius sob visão de luz
polarizada, aos 13 e 23 meses de pós-operatório conforme indicado. À
direita, a correspondente representação computadorizada para análise do
grau de fragmentação estrutural, definida como dimensão fractal. As
análises automáticas mostram um aumento estatisticamente significante da
dimensão fractal nos casos mais tardios, indicando ocorrência
progressiva de neoformação tecidual por processo de celularização e
deposição de colágeno no leito receptor, corroborando os achados da
cinética de degradação da membrana.
A análise por meio do teste t não pareado mostrou diferença estatisticamente
significante ente 13 meses contra 22 meses (p=0,0058), entre 13
meses contra 23 meses (p=0,0128) e entre 13 meses contra o conjunto
de 22 e 23 meses (p<0,0001), com o aumento da dimensão fractal
indicando a ocorrência progressiva de neoformação tecidual por processo de
celularização e deposição de colágeno no leito receptor. Não houve diferença
estatisticamente significante na dimensão fractal comparando-se 22 meses contra
23
meses (p=0,3141).
Os dois métodos de avaliação morfométrica adotados tiveram achados concordantes, com
redução da porcentagem de implante residual demonstrando sua progressiva
absorção/degradação, concomitante à ocorrência de celularização e deposição de
colágeno evidenciada pelo aumento progressivo da dimensão fractal.
DISCUSSÃO
O aumento exponencial da oferta de matrizes acelulares de diferentes origens nos
últimos anos e as projeções de crescimento desse mercado14 comprovam a adoção crescente de biopróteses em
diferentes opções terapêuticas, assim como na engenharia de tecidos15, como moldes para cultivo de
células tronco16 e na aplicação de
“drug delivery”17, com MECs embebidas em medicamentos com diferentes
finalidades.
Seu diferencial como implante em diversos processos de reparação reside
particularmente por suas características de biocompatibilidade, pela
degradação/absorção progressiva dos implantes e por sua concomitante substituição
por neoformação tecidual. Além disso, diferentemente dos implantes sintéticos,
que
podem induzir resposta inflamatória polímero-dependente com a formação de
biofilmes18,19, biopróteses acelulares exercem
funções biológicas “in situ”, favorecendo os processos
regenerativos20,21, além de permitir sua aplicação em
locais cirúrgicos contaminados e infectados22,23.
As análises histológicas a partir de modelos experimentais constituem a principal
ferramenta de avaliação desses processos biológicos, com centenas de publicações
descrevendo diversos aspectos das matrizes extracelulares como origem tecidual,
espessura, métodos de acelularização, reticulação, etc. - na tentativa de indicar
as
melhores escolhas para os diferentes processos de reparação. No presente estudo
foi
possível observar histologicamente os principais processos biológicos em humanos
em
condições de normalidade, uma condição incomum e com aspectos ainda não descritos
na
literatura para reparações em parede abdominal.
Nas áreas implantadas pôde-se observar a incorporação da MEC de pericárdio no leito
receptor, com neovascularização e presença crescente de neotecido celularizado
e
adequada deposição de colágeno em todos os períodos analisados, com reparação
de boa
qualidade e ausência de processos inflamatórios ou sinais importantes de resposta
imune. Além da excelente biocompatibilidade, isto demonstra que o material cumpriu
sua função de “scaffold” biológico, favorecendo os processos de
adesão, proliferação e diferenciação celular, servindo como substrato para reparo
tecidual, característica fundamental esperada em estruturas biológicas compostas
de
matrizes extracelulares24.
Achados similares com biopróteses acelulares implantadas em humanos para
reconstruções mamárias foram relatados na literatura, com derme humana25 e porcina26,27, descrevendo o processo de integração das MECs como uma
forma de cicatrização normal, com neovascularização inicial seguida de repopulação
celular progressiva da matriz com células do receptor e ausência de reações tipo
corpo estranho.
Com dados também ainda não encontrados na literatura, foi possível quantificar a
cinética de degradação do pericárdio bovino acelular implantado
na parede abdominal, analisados por dois métodos computadorizados complementares.
Em
todas as biópsias das áreas implantadas nos diferentes períodos foi possível
identificar fragmentos padrão de pericárdio acelular residual, que foram
quantificados percentualmente, complementados com a análise da dimensão fractal
das
amostras ao longo do tempo.
Ambas as análises indicaram que o processo de reabsorção e substituição por neotecido
é progressivo, com diferença estatisticamente significante, observando-se que
cerca
de 60% do implante foi reabsorvido após 13 meses de pós-operatório e cerca de
80%
após cerca de dois anos, sugerindo que toda matriz deverá ser degradada a longo
prazo.
Outras publicações também descrevem a cinética de degradação em porcentagens de MEC
residual ou absorvida para derme porcina e serosa intestinal, também com morfometria
computadorizada, por análise multiespectral das imagens histológicas28 ou com matrizes marcadas com
Carbono-1429. Os
resultados mostram presença de membrana residual até 90 dias para matrizes de
serosa
intestinal não reticuladas, desaparecendo por volta de 180 dias e, para matizes
dérmicas reticuladas, de reabsorção bem mais lenta, com presença de 80% do implante
nas primeiras 4 semanas e 50% ainda presente por volta de 6 meses.
Como descrito na literatura7,8,30, esse aspecto confirma a maior resistência à degradação da
matriz reticulada utilizada, podendo representar uma vantagem para reparações
nas
quais se exige maior resistência mecânica a longo prazo como na parede abdominal.
A
funcionalidade de materiais degradáveis depende do balanço entre a razão de
degradação e a razão de remodelamento tecidual no leito hospedeiro, devendo-se
compreender não só a resposta biológica aos biomateriais degradáveis, mas também
as
propriedades mecânicas esperadas do implante e dos tecidos de substituição ao
longo
do tempo para cada aplicação terapêutica31.
Esses achados são compatíveis com diversos estudos clínicos e experimentais
utilizando diferentes MECs em reparações de parede abdominal32,33, incluindo também o pericárdio bovino34, mostrando características muito
satisfatórias para seu emprego mesmo em situações de alto risco35. Numa análise comparativa com a
vasta literatura apresentada, os resultados evidenciam o caráter translacional
dos
modelos experimentais utilizados para avaliação e caracterização de matrizes
acelulares e demonstram a estreita similaridade do pericárdio utilizado com aquelas
características gerais e aplicações terapêuticas. No entanto, inúmeras variáveis
particulares podem afetar os resultados clínicos36-38, destacando aqui
para discussão aspectos específicos do leito receptor em si e da matriz utilizada
em
termos de acelularização, reticulação e sua apresentação em meio líquido.
A ação de forças biomecânicas atuando em diferentes localizações pode afetar
diferencialmente a distribuição de colágeno e a remodelação tecidual dos moldes
biológicos39, sendo este
um componente fundamental a ser considerado no emprego de MECs em parede
abdominal40. Os resultados
obtidos demonstraram neoformação tecidual de boa qualidade em todas as amostras,
atestando a funcionalidade do implante sob diferentes níveis de estresse mecânico
na
parede abdominal.
O pericárdio utilizado é fixado em glutaraldeído - técnica empregada eficazmente há
décadas em matrizes acelulares41 -
e embebido pós-fixação em formaldeído a 4%, sendo comercializado dessa forma.
Além
do glutaraldeído promover redução da antigenicidade do tecido conectivo e
estabilização contra degradação química e enzimática em graus variados de
“cross-linking”42,43, esta associação
tem efeitos bem descritos de esterilização terminal44, importante fator que também pode afetar as
propriedades estruturais de matrizes acelulares45. Além de processamento mais simples, a manutenção em meio
líquido é descrita como vantajosa para a arquitetura tecidual, evitando o colapso
e
preservando os componentes da matriz que fornecem benefícios mecânicos e bioquímicos
após a implantação46.
Embora a liofilização facilite a manipulação e preservação a longo prazo de MECs,
fatores podem afetar sua performance tanto na sua síntese, com
perturbações das fibras colágenas47, como no momento de sua implantação, com o tempo de reidratação
podendo alterar significativamente suas propriedades biomecânicas e
físico-químicas48. Podemos
especular que também estes fatores favoreceram o comportamento da membrana
empregada, tanto em função da sua biocompatibilidade como de sua cinética de
degradação observada.
CONCLUSÕES
As análises histológicas demonstraram similaridade com todas as características
biológicas descritas na literatura para matrizes acelulares teciduais, podendo-se
observar nas amostras processo de integração e incorporação das MECs, com
neovascularização seguida de repopulação celular progressiva da matriz com células
do receptor e deposição de colágeno com boa qualidade cicatricial, demonstrada
pelo
aumento da dimensão fractal. Também com aspecto relevante em humanos, a cinética
de
degradação da matriz de pericárdio bovino foi quantificada em aproximadamente
60%
após 13 meses e 80% após cerca de dois anos, sugerindo que toda matriz poderá
ser
degradada em prazo mais longo.
Sob ambos os aspectos, os resultados atestaram a funcionalidade do pericárdio bovino
acelular sob diferentes níveis de estresse mecânico nas reparações da parede
abdominal em humanos.
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1. Hospital do Coração de São José do Rio Preto,
São José do Rio Preto, SP, Brasil
2. Instituto Frascino, Unidade de Publicação e
Pesquisa, São José do Rio Preto, SP, Brasil
3. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de
São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
4. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto,
São José do Rio Preto, SP, Brasil
Autor correspondente: Luiz Fernando Frascino Av.
Juscelino Kubitscheck de Oliveira, 3700, São José do Rio Preto, SP, Brasil, CEP:
15093-225, E-mail: drfrascino@gmail.com
Artigo submetido: 14/03/2023.
Artigo aceito: 05/12/2023.
Conflitos de interesse: não há.