INTRODUÇÃO
Cútis laxa é uma doença multissistêmica rara do tecido conectivo, caracterizada
pela disfunção das fibras elásticas gerando uma pele inflexível, com dobras
redundantes e aspecto enrugado. Assim, os indivíduos acometidos por essa
enfermidade queixam-se de sua aparência envelhecida, além de apresentar em maior
frequência aneurismas de aorta e problemas pulmonares1-3. Este
distúrbio pode ser adquirido ou hereditário - de caráter dominante ou recessivo,
este último apresentando acometimento simétrico e normalmente de pior
prognóstico.
As fibras elásticas são compostas principalmente de elastina, proteína da família
dos colágenos que possibilita a flexibilidade dos tecidos e resistência à
tensão. Na cútis laxa, foi detectada a perda de elastina, com fragmentação das
fibras elásticas na derme reticular, acarretando frouxidão de pele, vasos,
pulmões e demais tecidos2.
Os tratamentos baseiam-se no uso de cosméticos ou em técnicas cirúrgicas, como
uma forma de amenização ou correção, sendo a cirurgia plástica uma ferramenta
de
extrema relevância para a terapêutica desses pacientes4.
Diante das alterações da aparência, mais notadamente na região da face, pescoço,
axila e virilha, surge grande desejo por parte dos pacientes por correções
cirúrgicas, principalmente aquelas relacionadas às alterações faciais5.
Dos possíveis procedimentos cirúrgicos, a cirurgia de blefaroplastia, tanto
inferior quanto superior, tem o objetivo de melhorar a aparência senil e
proporcionar rejuvenescimento na área ao redor dos olhos, fazendo assim com que
o olhar pareça mais descansado e alerta6.
A tradicional blefaroplastia inferior é um procedimento que, na maioria das
vezes, traz bons resultados, obtendo-se uma cicatriz subciliar pouco
perceptível7.
A cantopexia é um procedimento cirúrgico realizado após a blefaroplastia superior
clássica e a inferior por via conjuntival. No segmento anterior, é retirado uma
elipse de tecido, além de uma faixa do músculo orbicular pré-septal. Na parte
inferior, é empregado um acesso conjuntival para a excisão dos bolsões de
gordura. A técnica cirúrgica é iniciada fazendo-se uma incisão no tecido com
diâmetro aproximado de 2mm, localizada instantaneamente abaixo do canto
palpebral lateral6,8.
OBJETIVO
Este artigo tem por objetivo relatar o caso de uma paciente jovem submetida a
blefaroplastia superoinferior com cantopexia para correção das alterações
periorbitárias anatômicas e estéticas decorrentes da cútis laxa.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 17 anos, encaminhada ao serviço de cirurgia plástica
do Hospital Universitário Walter Cantídio, Fortaleza-CE, procurando ajuda médica
para tratamento devido à insatisfação com a sua aparência, principalmente na
região orbitária, além de dificuldade de inserção social por estigmatização.
Ao exame físico, foi evidenciada exuberante dermatocálase superior, com
abaulamento devido à herniação de bolsas de gordura e à ptose bilateral das
glândulas lacrimais, contribuindo para o efeito de pseudoptose palpebral,
associado a herniação de bolsas palpebrais inferiores e a canto arredondado com
ângulo cantal negativo (Figura 1). Além
disso, identificou-se ptose do tecido malar com proeminência do sulco
nasogeniano, aumento do jowl fat e um retrognatismo.
Percebeu-se ainda uma hipertrofia de polo superior das orelhas, com leve
apagamento da fossa escafoide, associado a hipertrofia de concha.
Figura 1 - Paciente portadora de cútis laxa no pré-operatório.
Figura 1 - Paciente portadora de cútis laxa no pré-operatório.
Durante avaliação pré-operatória, foram realizados exames complementares buscando
alterações cardiopulmonares, respiratórias ou de grandes vasos relevantes para
a
investigação, que não demonstraram nenhuma alteração. Ainda no préoperatório
a
paciente assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme aprovado
pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Walter Cantídio (CAAE:
50728421.5.0000.5045).
O procedimento foi realizado em 15 de dezembro de 2021. Devido à queixa principal
da paciente em relação às pálpebras, iniciamos seu tratamento com blefaroplastia
superior e inferior, sendo retiradas elipses de pele e de bolsões gordurosos,
reposicionamento das glândulas lacrimais associado à cantopexia, sem cantotomia
e sem cantólise, para melhor posicionamento do ângulo cantal, refixando o
seguimento inferior do tendão cantal lateral mais internamente no rebordo
orbitário próximo de sua inserção.
No período pós-operatório, paciente retornou ao ambulatório de cirurgia plástica
do serviço no 7° dia para retirada de pontos da síntese da pele. Manteve-se o
acompanhamento periódico desde então. Foi observado resultado satisfatório para
a cirurgia proposta, identificando-se adequada correção das alterações
existentes, a saber: dermatocálase importante associada a prolapso das glândulas
lacrimais, bem como do ângulo cantal negativo (Figura 2).
Figura 2 - Pós-operatório de blefaroplastia superior com cantopexia.
Figura 2 - Pós-operatório de blefaroplastia superior com cantopexia.
A paciente evoluiu sem complicações pós-operatórias, mostrando-se bastante
satisfeita com o resultado obtido. A mesma segue em acompanhamento no serviço
de
cirurgia plástica do Hospital Universitário Walter Cantídio com propostas
futuras de ritidoplastia, avanço de mento ou prótese mentual e otoplastia.
DISCUSSÃO
Cútis laxa é uma doença genética que causa flacidez e redundância da pele,
deixando um aspecto envelhecido nesses pacientes. As alterações ocasionadas pela
doença podem levar a isolamento social, à dificuldade de interação e ao
agravamento de doenças psíquicas.
O planejamento terapêutico para correção das lesões deve ser individualizado e
executado por cirurgiões que reconheçam as diferenças dermatológicas desses
pacientes. São escassos os relatos na literatura sobre a abordagem cirúrgica
das
pálpebras em pacientes com cútis laxa9,10.
Ozsoy et al.11 descreveram um
caso de uma paciente de 20 anos com diagnóstico de cútis laxa, a qual apresentou
resultado estético satisfatório com blefaroplastia superior bilateral sem
excisão do tecido adiposo.
Banks et al.12 relataram dois
casos de pacientes portadores de cútis laxa, um de 44 anos e outro de 5 anos
de
idade, que foram submetidos a ritidoplastia com blefaroplastia para correção
dos
defeitos estéticos causados pela doença. Observouse um resultado aceitável no
pós-operatório imediato, com boa cicatrização, porém que apresentaram
recorrência da doença meses após a abordagem cirúrgica, devido ao defeito
crônico no metabolismo do colágeno.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, observa-se a importância da correção cirúrgica facial nos
casos de cútis laxa, ressaltando a importância da aplicação de técnicas
cirúrgicas adequadas e o aprimoramento das mesmas neste perfil de paciente.
Devido à multiplicidade de alterações, faz-se ainda necessário firmar para os
pacientes que o tratamento nem sempre é finalizado com apenas um procedimento
cirúrgico, sendo, muitas vezes, indicada abordagem dos demais defeitos em outras
etapas operatórias, como proposto para a paciente do caso.
REFERÊNCIAS
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2443-4. DOI: 10.1097/01.PRS.0000060800.54979.0C
1. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do
Hospital Universitário Dr. Walter Cantidio - HUWC
2. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE,
Brasil
3. Membro Titular SBCP - Staff Serviço de Cirurgia
Plástica do Hospital Universitário Dr. Walter Cantidio - HUWC
4. Membro Titular SBCP - Regente e Chefe do
Servico de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital
Universitário Dr. Walter Cantidio - HUWC
Autor correspondente: José Isnack Ponte de Alencar
Filho, Rua Pastor Samuel Munguba, 1290, Rodolfo Teófilo, Fortaleza,
CE, Brasil, CEP: 60430-372, E-mail: isnack_alencar@yahoo.com
Artigo submetido: 12/10/2022.
Artigo aceito: 23/10/2023.
Conflitos de interesse: não há.