ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0843-PT

RESUMO

Introdução: A cirurgia ortognática envolve manipulação da arquitetura óssea facial, através de osteotomias, para restaurar a forma e a função, corrigindo a má oclusão, as desproporções maxilomandibulares e assimetrias faciais. O planejamento virtual em cirurgia ortognática é realizado com ajuda de softwares que utilizam as medidas reais do esqueleto craniofacial e registros da oclusão do paciente, através de uma análise 3D.
Método: Foram avaliados 18 pacientes com deformidades dentofaciais, de acordo com a classificação de Angle submetidos a cirurgia ortognática com o uso do planejamento virtual, entre 2018 e 2019. Os critérios de inclusão foram pacientes entre 16 e 60 anos com desproporções maxilo-mandibulares nas quais o tratamento ortodôntico isolado não era suficiente. Os critérios de exclusão foram a presença de lesões císticas ou tumorais nos maxilares e comorbidades clínicas que contraindicavam a cirurgia. O planejamento virtual foi realizado em todos os pacientes, utilizando o software Dolphin® Imaging 11 e os guias cirúrgicos confeccionados em impressora 3D.
Resultados: O guia cirúrgico intermediário apresentou adaptação perfeita nas faces oclusais promovendo grande estabilidade para o reposicionamento e fixação da maxila na oclusão intermediária. Os 18 pacientes operados responderam como "totalmente satisfeitos" em relação ao resultado estético-funcional nessa série estudada. Foi encontrada uma semelhança muito grande da posição do esqueleto maxilofacial no planejamento virtual pré-operatório e o obtido no pós-operatório, através da avaliação das telerradiografias.
Conclusão: O planejamento virtual em cirurgia craniomaxilofacial possui inúmeras vantagens, como diminuição do tempo laboratorial pré-operatório, maior precisão na confecção dos guias cirúrgicos e melhor reprodutibilidade dos resultados simulados.

Palavras-chave: Cirurgia ortognática; Sistemas de navegação cirúrgica; Imageamento tridimensional; Técnicas de planejamento; Software; Osteotomia maxilar; Osteotomia mandibular; Anormalidades craniofaciais; Tomografia computadorizada de feixe cônico

ABSTRACT

Introduction: Orthognathic surgery involves the manipulation of facial bone architecture through osteotomies to restore form and function, correcting malocclusion, maxillomandibular disproportions, and facial asymmetries. Virtual planning in orthognathic surgery is carried out with the help of software that uses real measurements of the craniofacial skeleton and records of the patient's occlusion through 3D analysis.
Method: 18 patients with dentofacial deformities were evaluated, according to Angle's classification, who underwent orthognathic surgery using virtual planning between 2018 and 2019. The inclusion criteria were patients between 16 and 60 years old with maxylo-mandibular disproportions in which orthodontic treatment alone was not sufficient. Exclusion criteria were the presence of cystic or tumoral lesions in the jaw and clinical comorbidities that contraindicated surgery. Virtual planning was carried out on all patients, using Dolphin® Imaging 11 software and surgical guides made with a 3D printer.
Results: The intermediate surgical guide presented perfect adaptation on the occlusal surfaces, promoting great stability for the repositioning and fixation of the maxilla in intermediate occlusion. The 18 operated patients responded as "completely satisfied" in relation to the aesthetic-functional result in this series studied. A very great similarity was found between the position of the maxillofacial skeleton in the preoperative virtual planning and that obtained post-operatively through the evaluation of teleradiography.
Conclusion: Virtual planning in craniomaxillofacial surgery has numerous advantages, such as reduced pre-operative laboratory time, greater precision in the creation of surgical guides, and better reproducibility of simulated results.

Keywords: Orthognathic surgery; Surgical navigation systems; Imaging, threedimensional; Planning techniques; Software; Maxillary osteotomy; Mandibular osteotomy; Craniofacial abnormalities; Cone-beam computed tomography.


INTRODUÇÃO

A cirurgia ortognática envolve manipulação da arquitetura óssea facial, através de osteotomias, para restaurar a forma e a função, corrigindo a má oclusão, as desproporções maxilomandibulares e assimetrias faciais1. O reposicionamento dos maxilares se dá através da utilização de guias cirúrgicos confeccionados na fase laboratorial (pré-operatória) durante o planejamento cirúrgico.

O planejamento virtual em cirurgia ortognática é realizado com ajuda de softwares que utilizam as medidas reais do esqueleto craniofacial e registros da oclusão do paciente, através de uma análise 3D, diferente da avaliação 2D do planejamento convencional. É possível simular os movimentos cirúrgicos virtualmente da maxila, mandíbula e mento em todos os sentidos e criar no computador os guias cirúrgicos para impressão 3D. Entre as vantagens, quando comparado ao método convencional, estão uma maior precisão da tradução do plano cirúrgico no intraoperatório, na confecção de guias e um menor tempo na execução do planejamento2,3.

OBJETIVO

O objetivo desse trabalho é demonstrar a utilização do planejamento virtual em uma série de 18 casos de pacientes com deformidades dentoesqueléticas tratados através de cirurgia ortognática.

MÉTODO

Foram avaliados 18 pacientes com deformidades dentofaciais, de acordo com a classificação de Angle (Classe 1, 2 e 3), submetidos a cirurgia ortognática com o uso do planejamento virtual, entre 2018 e 2019, no Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte-MG. Os critérios de inclusão foram pacientes entre 16 e 60 anos com desproporções maxilomandibulares, com assimetrias ou não, nos quais o tratamento ortodôntico isolado não era suficiente para correção da má oclusão e melhora da estética facial. Os critérios de exclusão foram a presença de lesões císticas ou tumorais nos maxilares e comorbidades clínicas que contraindicavam o procedimento cirúrgico.

O planejamento virtual foi realizado em todos os pacientes, utilizando o software Dolphin® Imaging 11 e os guias cirúrgicos confeccionados em impressora 3D. Foram utilizados em todos os casos para a execução do planejamento tomografias computadorizadas de face multislice ou cone beam, escaneamento intraoral das arcadas dentais, fotos intra e extraorais. Os guias cirúrgicos foram todos confeccionados em resina na mesma impressora 3D. Os planejamentos virtuais e a execução das cirurgias foram realizados pelo mesmo cirurgião. As cirurgias foram feitas sob anestesia geral, através de intubação nasotraqueal.

A técnica cirúrgica utilizada na maxila foi osteotomia Lefort I; na mandíbula, as osteotomias sagitais dos ramos; e na mentoplastia, a osteotomia basilar. Todas as cirurgias iniciaram-se pela maxila, que, após mobilização, foi reposicionada com auxílio do guia intermediário criado no planejamento virtual e fixada com materiais de osteossíntese (placas e parafusos 1.5) na posição planejada virtualmente. Logo em seguida, foram realizadas as osteotomias da mandíbula, sendo reposicionada em oclusão classe 1 e fixada com material de osteossíntese 2.0. A osteotomia basilar foi realizada para reposicionamento do mento e fixada com placa de Paulus 2.0.

O tempo de seguimento foi de no mínimo 6 meses e o máximo, 14 meses. O grau de satisfação do resultado estético-funcional com o uso do planejamento virtual foi avaliado através de uma escala numérica 1-5 (1-totalmente insatisfeito, 2-insatisfeito, 3-nem satisfeito nem insatisfeito, 4-satisfeito, 5-totalmente satisfeito). A telerradiografia de perfil foi realizada no pós-operatório com 7 dias para avaliação da posição maxilomandibular.

RESULTADOS

A anomalia dentofacial mais encontrada foi a Classe 2 (10 pacientes), seguida da Classe 3 (8 pacientes), com 3 pacientes do total apresentando assimetria facial associada. O sexo feminino foi o prevalente (10 casos). A idade variou de 16 até 55 anos. O tempo gasto durante o planejamento virtual foi de 4 horas. Seis pacientes foram submetidos a cirurgias bimaxilares (maxila e mandíbula), 11 pacientes a cirurgias trimaxilares (maxila, mandíbula e mento) e 1 paciente a cirurgia monomaxilar (mandíbula/mento) associada a artroplastia de articulação temporomandibular esquerda com prótese customizada.

A média de internação foi de 1 dia. O tempo cirúrgico médio foi de 4 horas, sem nenhuma intercorrência pós-operatória local grave como recidiva da má oclusão, pseudoartrose ou infecção nos 18 casos operados. Um paciente do sexo masculino evoluiu com rabdomiólise sem repercussão renal, sem etiologia diagnosticada. O guia cirúrgico intermediário apresentou adaptação perfeita nas faces oclusais promovendo grande estabilidade para o reposicionamento e fixação da maxila na oclusão intermediária.

Os 18 pacientes operados responderam como “totalmente satisfeitos” em relação ao resultado estético-funcional nessa série estudada. Foi encontrada uma semelhança muito grande da posição do esqueleto maxilofacial no planejamento virtual pré-operatório e o obtido no pós-operatório, através da avaliação das telerradiografias.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento histórico da cirurgia ortognática remonta a 1906, quando a primeira cirurgia para correção de prognatismo mandibular foi realizada em um estudante de medicina da Universidade de Washington pelo pioneiro da cirurgia plástica Vilray Blair. O pai da cirurgia ortognática, Hugo Obwegeser, cirurgião europeu com formação médica e odontológica, introduziu em 1950 a técnica de osteotomia sagital dos ramos mandibulares, sendo também o pioneiro na realização da cirurgia bimaxilar no mesmo tempo cirúrgico. Bell, em 1975, em seu trabalho sobre a vascularização da maxila, garantiu a segurança na mobilização completa das osteotomias Le Fort I4.

Em geral, um plano pré-operatório é a etapa mais importante do fluxo de trabalho dos procedimentos ortognáticos3. A cirurgia ortognática requer avaliação precisa de deformidades dentofaciais complexas do esqueleto craniofacial e é indicada para correção das desproporções maxilomandibulares com repercussão estética e/ou funcional (má oclusão, dificuldades mastigatórias, fonatórias ou respiratórias) em que o tratamento ortodôntico isolado não é suficiente.

O sucesso do plano cirúrgico não depende apenas da precisão do diagnóstico esquelético e dentário da deformidade, mas também da predição pré-cirúrgica dos movimentos propostos. É tarefa do cirurgião definir primeiro a posição original do esqueleto dentofacial e então estimar a posição final desejada e, finalmente, desenvolver uma representação tridimensional dos movimentos necessários para atingir o objetivo pretendido1.

Anteriormente, o planejamento cirúrgico convencional utilizava a análise cefalométrica manual da telerradiografia de perfil, análise facial e cortes dos modelos de gesso das arcadas dentárias do paciente. Realizava-se, então, o reposicionamento dos modelos de gesso na posição determinada pelo cirurgião e a confecção manual dos guias cirúrgicos com resina acrílica na nova posição dos maxilares.

No entanto, a abordagem tradicional tem suas limitações, especialmente no caso de pacientes com grande deformidade facial ou assimetria, pois as imagens cefalométricas 2D não podem fornecer informações completas sobre as estruturas 3D. Quando planos cirúrgicos 2D convencionais são executados, podem ocorrer problemas inesperados, como colisão óssea na área do ramo, discrepância no pitch, rotação de giro plano, diferença na linha média e inadequação do queixo5.

Avanços nos métodos de propedêutica por imagem como a tomografia cone beam, tomografia multislice com reprodução fidedigna da anatomia craniofacial e os scanners manuais com registro da oclusão dentária em alta definição possibilitaram a execução virtual do planejamento em cirurgia ortognática, trazendo uma mudança no paradigma de tratamento das deformidades dentoesqueléticas. O planejamento virtual em cirurgia ortognática é um processo que integra o planejamento e a intervenção cirúrgica, através do uso de softwares que realizam a análise cefalométrica em três dimensões (3D) da anatomia do tecido ósseo, oclusão e do tecido mole (Figura 1).

Figura 1 - Avaliação 3D do esqueleto craniofacial, tecido mole e oclusão.

O cirurgião realiza o reposicionamento virtual dos maxilares (Figura 2) e a confecção de guias cirúrgicos que posteriormente serão impressos em impressora 3D e utilizados durante o procedimento1,2,6 (Figuras 3 e 4).

Figura 2 - Simulação dos movimentos de maxila, mandíbula e mento durante planejamento virtual.

Figura 3 - Utilização do guia intermediário criado durante o planejamento virtual na posição definida pelo cirurgião com maxila fixada na nova posição. Osteotomia Lefort I para avanço de maxila.

Figura 4 - Planejamento do guia intermediário com software de planejamento virtual. Fonte: Acervo pessoal.

Atualmente, o avanço tecnológico da tecnologia de impressão 3D e a melhoria do módulo de elasticidade das matrizes cirúrgicas impressas em 3D têm permitido resultados cada vez mais precisos5.

As aplicações do planejamento virtual na cirurgia craniomaxilofacial incluem cirurgia ortognática, reconstrução protética da ATM, trauma e reconstrução oncológica, para citar alguns.

Em cirurgia ortognática, especificamente, as vantagens estão no aumento da acurácia na relação oclusal, redução do tempo de cirurgia, aumento da satisfação do paciente, diminuição do custo7,8 e diminuição do tempo de planejamento em até 30%9. Além disso, o planejamento virtual possibilita maior precisão na previsão do posicionamento de tecidos moles no plano sagital, e pacientes tratados com ela apresentam maior simetria na visão frontal3. A simulação da cirurgia no pré-operatório permite medições de até um centésimo de milímetro, e quando combinados com os guias impressos 3D, o resultado funcional e estético é superior ao tradicional bidimensional (2D). Este tempo cirúrgico reduzido também se traduz diretamente em tempo sob anestesia e diminuição do custo total6.

Em 2012, pesquisas usando a satisfação do paciente, através de uma avaliação subjetiva dos resultados funcionais e estéticos, mostraram que os pacientes que foram submetidos ao planejamento virtual relataram escores mais favoráveis do que aqueles submetidos à cirurgia tradicional7.

O planejamento virtual desafiou o estado atual da preparação e dos procedimentos pré-operatórios em cirurgia ortognática. Associado à prototipagem médica de impressões 3D, tornou-se uma ferramenta significativa, demonstrando ser altamente precisa em termos de imagem, análise quantitativa e previsibilidade dos movimentos cirúrgicos planejados. Os guias cirúrgicos criados virtualmente são confiáveis em sua construção e precisão. Os cirurgiões estão relatando resultados da cirurgia virtual com margens de erro dentro de 2mm das posições maxilar e mandibular previstas ao comparar os desfechos pós-operatórios2,5 (Figura 5).

Figura 5 - Resultado pós-operatório da paciente. Realizado encurtamento vertical de maxila com giro anti-horário de plano e avanço de mandíbula e mento.

Todos esses benefícios podem fazer com que o tempo e as intercorrências do planejamento e o tempo cirúrgico diminuam em relação ao planejamento convencional1,2,4,8,10. A próxima geração de planejamento virtual irá realizar guias de corte para osteotomias e placas de osteossíntese impressas tridimensionalmente, correspondendo quase identicamente ao nível ósseo em todos os planos do espaço8.

O futuro planejamento cirúrgico ortognático será indiscutivelmente realizado pelo planejamento virtual tridimensional. As despesas financeiras, o tempo de planejamento do tratamento e o tempo intraoperatório provavelmente diminuirão devido ao maior desenvolvimento de técnicas de planejamento virtual tridimensional11.

CONCLUSÃO

O planejamento virtual em cirurgia craniomaxilofacial, em especial em cirurgia ortognática, é uma ferramenta que apresenta inúmeras vantagens, como diminuição do tempo da fase laboratorial pré-operatória, maior precisão na confecção dos guias cirúrgicos e melhor reprodutibilidade dos resultados simulados.

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1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

Autor correspondente: Klaus Rodrigues Oliveira Rua Fernandes Tourinho, 840, Savassi, Belo Horizonte, MG, Brasil, CEP: 30112-006, E-mail: contato@klausrodrigues.com.br

Artigo submetido: 12/07/2023.
Artigo aceito: 20/08/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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