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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0767-PT

RESUMO

Introdução: O carcinoma de células escamosas é o tumor maligno mais frequente dos lábios e acomete principalmente o lábio inferior. O tratamento adequado desta neoplasia deve ser precoce e radical, pois metástases podem ocorrer. Considerando que os lábios têm extrema relevância na dinâmica e motricidade da face, a reconstrução labial após grandes ressecções nesta região é um desafio para o cirurgião na busca de bons resultados estéticos e funcionais. Este estudo busca apresentar uma técnica já consagrada e confiável para a reconstrução do lábio inferior após ressecções tumorais, o retalho de Karapandizic.
Método: Nesta revisão de casos são avaliados, retrospectivamente, 4 pacientes que tiveram o lábio inferior reconstruído por meio da técnica de Karapandzic no período de 2013-2022.
Resultados: As complicações mais frequentemente observadas foram cicatriz hipertrófica, deiscência de sutura em vermelhão de lábio e microstomia (redução da abertura oral). A redução da fenda labial (microstomia) foi corrigida parcialmente através do uso de órteses odontológicas, não havendo necessidade de indicação de comissuroplastia em nenhum dos casos. Outra colaboração deste trabalho refere-se à utilização do ecoDoppler colorido pré-operatório, que permite o planejamento do retalho verificando a viabilidade do pedículo vascular e o real posicionamento deste pedículo, reduzindo as chances de lesão inadvertida dos vasos durante a cirurgia.
Conclusão: Mesmo sendo a microstomia uma limitação deste retalho, concluímos que esta técnica atende à necessidade de reconstrução de lábio inferior em grandes ressecções, uma vez que é capaz de proporcionar resultados satisfatórios em termos oncológicos, funcionais e estéticos.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Carcinoma; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Lábio; Carcinoma de células escamosas.

ABSTRACT

Introduction: Squamous cell carcinoma is the most common malignant tumor of the lips and mainly affects the lower lip. Adequate treatment of this neoplasm must be early and radical, as metastases can occur. Considering that the lips are extremely important in the dynamics and motricity of the face, lip reconstruction after major resections in this region is a challenge for the surgeon in the search for good aesthetic and functional results. This study seeks to present an already established and reliable technique for reconstructing the lower lip after tumor resection, the Karapandizic flap.
Method: In this case review, 4 patients with lower lips reconstructed using the Karapandzic technique in 2013-2022 are retrospectively evaluated.
Results: The most frequently observed complications were hypertrophic scar, lip vermilion suture dehiscence, and microstomia (reduction of oral opening). The cleft lip (microstomia) reduction was partially corrected through dental orthoses, with no need for commissuroplasty in any of the cases. Another contribution of this work is the use of preoperative color echoDoppler, which allows flap planning by checking the viability of the vascular pedicle and the actual positioning of this pedicle, reducing the chances of inadvertent injury to the vessels during surgery.
Conclusion: Even though microstomy is a limitation of this flap, we conclude that this technique meets the need for lower lip reconstruction in large resections, as it can provide satisfactory results in oncological, functional, and aesthetic terms.

Keywords: Surgical flaps; Carcinoma. Reconstructive surgical procedures; Lip; Carcinoma, squamous cell.


INTRODUÇÃO

Os lábios possuem participação fundamental no cotidiano das pessoas exercendo funções motoras (mímica facial, articulação da fala e deglutição) e importância estética, pois representam um dos centros dinâmicos da face e impactam significativamente a autoestima e a qualidade de vida do indivíduo1.

As principais causas de deformidades nos lábios decorrem de malformações congênitas (lábio leporino), traumas ou perdas de substância após ressecção de tumores nesta região2.

O carcinoma de células escamosas (CEC) é o tumor maligno mais frequente dos lábios, sendo mais diagnosticado no lábio inferior3 (Figura 1) e totaliza cerca de 25% a 30% de todos os tipos de câncer oral. As manifestações clínicas iniciais são atrofia, ressecamento e fissuras do vermelhão do lábio com margem indefinida entre o vermelhão e a pele.

Figura 1 - Carcinoma de células escamosas em lábio inferior.

Acometem, sobretudo, pacientes entre 50 e 70 anos de idade, sendo o sexo masculino preferencial quando comparado ao sexo feminino4. Tal fato pode ser explicado pelo fato de os homens exercerem atividades ao ar livre (trabalhadores ao relento, principalmente) e estarem mais expostos aos fatores predisponentes ao câncer labial. Sabe-se que grande parte do público masculino, em relação ao feminino, tende a não ter preocupação em se proteger contra a radiação solar, a exemplo do protetor labial5,6. O CEC dos lábios tem como principais fatores de risco algumas práticas nocivas como: exposição solar por longos períodos, consumo de álcool, tabagismo e predisposição genética5.

O tratamento adequado desta neoplasia deve ser precoce e radical, pois metástases podem ocorrer. O médico deve estar sempre preparado para realizar um meticuloso exame intra e extraoral, avaliando qualquer alteração de normalidade. Uma vez diagnosticada e tratada no seu estágio inicial pode-se impedir a progressão da lesão, estabelecendo o tratamento imediato e buscando melhoria na qualidade de vida7. Os métodos tradicionais de tratamento oncológico são cirurgia, radioterapia e a quimioterapia. O tratamento a ser estabelecido estará na dependência da localização, grau de malignidade, estadiamento do tumor e da condição de saúde do indivíduo8.

A reconstrução labial visa à recuperação do aspecto funcional com manutenção do componente esfincteriano, buscando o máximo de preservação da sensibilidade e abertura oral com resultado estético satisfatório. Com intuito de se obter um bom resultado na reconstrução, os seguintes princípios devem ser respeitados: priorizar a função em relação à estética, ter como primeira opção um tecido local, reconstituir todos os planos lesados e respeitar unidades estéticas1.

A ressecção cirúrgica com margens seguras é o tratamento de escolha, sempre que possível, na abordagem inicial do CEC de lábio inferior. Neste contexto, Gillies foi um dos primeiros a descrever uma técnica, em 1920, com um método de transposição de pele e mucosa nasolabial para o lábio inferior, por meio do que denominou retalho em leque8,9.

Tal técnica foi posteriormente aprimorada por Gillies e Millard, em 195710, e novamente em 1974, com a descrição da técnica de Karapandzic11, que se trata de um retalho miocutâneo neurovascular que preserva a vascularização e inervação labiais exigindo uma dissecção cuidadosa que não seccione as estruturas vasculares e nervosas, preservando a sensação e a motricidade do lábio reconstruído. A vantagem desta técnica é a de ser uma cirurgia realizada em tempo único, diferentemente do retalho de Abbe12, com a capacidade de preservar tanto a funcionalidade quanto a estética labial.

O retalho de Karapandzic é uma técnica de fácil execução e que fornece resultados excelentes: um lábio com sensação e função orbicular preservadas desde o primeiro dia pós-operatório. A redução do estoma oral raramente causa problema significativo e o resultado estético é excelente no sentido de que as cicatrizes ficam bem posicionadas, a boca é simétrica e as dobras nasolabiais não se alteram. Não há evidência de abaulamento dos retalhos e os resultados a longo prazo revelam pouca chance de reintervenção cirúrgica e é aí que reside o ponto alto desse procedimento, seguido de perto pela facilidade com que é realizado7.

A microstomia possui certo destaque dentre as principais desvantagens da técnica de Karapandzic, principalmente quando utilizada para reconstrução de defeitos maiores13,14. Qualquer lesão que atinja, direta ou indiretamente as comissuras labiais pode originar as microstomias (redução da abertura da boca), por vezes graves, com prejuízos estéticos e funcionais (alimentação, fala e higiene oral). Dependendo da gravidade, exigem tratamento cirúrgico e ou multidisciplinar (odontólogo, fonoaudiólogo)15.

Considerações anatômicas

O conhecimento da anatomia do lábio foi necessário para se indicar a técnica adequada para reconstrução. O componente esfincteriano (fechamento) labial é representado pelas fibras circulares ou semicirculares do músculo orbicular da boca e músculo mentual. O componente dilatador (abertura) é formado pelas fibras radiais dos músculos faciais: levantador do lábio superior e asa do nariz, levantador do lábio superior, zigomático maior, bucinador, depressor do ângulo da boca, depressor do lábio inferior, levantador do ângulo da boca. A irrigação é feita pelas artérias labial superior e inferior, ramos da artéria facial. A linfa é drenada para os linfonodos submandibulares e submentais. A inervação sensitiva do lábio superior é fornecida pelo nervo infraorbital; a do lábio inferior, pelo nervo mentual e a motora pelo nervo facial16.

Técnica cirúrgica

Os pacientes foram posicionados em decúbito dorsal. Realizadas marcações da área tumoral a ser ressecada, das linhas do retalho e da localização do pedículo vasculonervoso com auxílio de ecoDoppler portátil (Figura 2). Submetidos a anestesia geral e intubação nasotraqueal, antissepsia com digliconato de clorexidina a 4% e assepsia. A infiltração anestésica local foi feita com solução de bupivacaína a 0,5% contendo vasoconstritor - adrenalina a 1:200.000. Procedeu-se à ressecção do carcinoma espinocelular com margens cirúrgicas mínimas de 4mm e hemostasia (Figura 3).

Figura 2 - Marcação pré-operatória na pele (em vermelho) dos pedículos vasculares.

Figura 3 - A: Marcações das linhas do retalho e da área de ressecção labial. B: Defeito após ressecção do tumor.

A confecção dos retalhos foi o passo seguinte: incisão na linha nasolabial direita e esquerda, dissecção cuidadosa do músculo orbicular, identificação e preservação dos ramos arteriais e venosos (labiais superiores e inferiores) e nervosos obtendo-se dois retalhos miocutâneos: direito e esquerdo. Revisão da hemostasia com bisturi elétrico bipolar e rotação dos retalhos em direção à linha média. Síntese da musculatura e mucosa com pontos simples, separados e invertidos com fio absorvível de poliglecaprone 4.0 e sutura da pele com fios de nylon monofilamentado 5.0 e 6.0 (Figura 4). Curativo adesivo estéril (Opsite®) aplicado sobre a ferida nas primeiras 48 horas. Não foram usados drenos.

Figura 4 - A e B: Confecção e rotação dos retalhos miocutâneos. C e D: Síntese e aspecto ao final da cirurgia.

OBJETIVO

Demonstrar uma opção confiável e segura de reconstrução de lábio inferior após excisão de carcinoma de células escamosas utilizando-se a técnica de Karapandzic.

MÉTODO

Realizado estudo transversal, retrospectivo, do tipo descritivo e observacional, em pacientes avaliados e operados pelo autor principal na cidade de Barbacena-MG durante o período de junho de 2013 a janeiro de 2022.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica do serviço onde foi realizado (nº de aprovação do CEP: 0001-2022) e os pacientes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, incluindo autorização para divulgação de imagens com fins acadêmicos. A coleta de dados foi realizada a partir da análise dos prontuários eletrônicos dos pacientes operados pelo mesmo cirurgião plástico e no mesmo serviço. Foram levantados os prontuários que tivessem os registros “Reconstrução de Lábio Inferior” ou “Retalho de Karapandzic”.

Os critérios de inclusão para este estudo foram prontuários completos, registros fotográficos de boa qualidade e pacientes que fizeram o acompanhamento pós-operatório mínimo de 3 meses. Já entre os critérios de exclusão estão prontuários incompletos, fotografias de má qualidade ou ausentes, pacientes que não deram o seguimento pós-operatório devidamente e ou pacientes operados por outro cirurgião.

No período citado foram operados 4 pacientes. Todos do sexo masculino e avaliados no pré-operatório com exames físico e laboratoriais, associados à realização de ecoDoppler labial. Para a identificação dos pedículos arteriovenosos labiais superiores e inferiores, foi utilizado ecoDoppler colorido portátil Mindray M7 pelo imaginologista (Figura 5).

Figura 5 - Aparelho ecoDoppler colorido portátil Mindray M7.

As imagens analisadas na tela do aparelho no período pré-operatório imediato, na sala de cirurgia, atestam a viabilidade do pedículo bilateralmente, bem como a localização deste pedículo (Figura 6). Além de verificar a viabilidade do pedículo, a marcação da correspondência do feixe arteriovenoso na pele reduz as chances de lesão perioperatória parcial ou total deste pedículo.

Figura 6 - Visualização do pedículo vascular através do aparelho ecoDoppler colorido.

Pacientes que apresentaram microstomia pós-operatória foram encaminhados para o ortodontista, que confeccionou órtese estática para uso noturno e de tamanho individualizado e específico para expansão tecidual. A órtese utilizada foi produzida a partir de molde em alginato, depois vazada em gesso pedra tipo 2 e encaminhada ao laboratório de odontologia, que confecciona a órtese em placa de acrílico e base metálica apoiada na região vestibular dos dentes anteriores inferiores (Figura 7). As sessões de expansão iniciam-se 60 dias após a cirurgia e são feitas a cada 21 ou 30 dias, acrescentando-se mais acrílico polimerizável na placa de acrílico (Figura 8).

Figura 7 - A: Molde da órtese em placa de alginato. B: Órtese de acrílico. C e D: Posicionamento da órtese.

Figura 8 - Microstomia pós-operatória. A: Antes da expansão. B: Após expansão.

A evolução e os resultados foram analisados através de consultas regulares de acompanhamento pós-operatório.

RESULTADOS

Quatro pacientes estudados, todos do sexo masculino, com idades entre 35 e 77 anos, foram submetidos a reconstrução de lábio inferior pela técnica de Karapandzic, conforme descrito na sessão anterior, após excisão de CEC. Operados no período entre 2013 e 2022. Foram excluídos do estudo três pacientes que não atenderam os critérios de inclusão.

Os fatores de risco para CEC mais frequentes foram tabagismo, etilismo, pele clara e exposição solar crônica. A biópsia pré-operatória (anatomopatológico em parafina) constatou diagnóstico de CEC bem ou moderadamente diferenciado, obviamente com margens comprometidas. Já a análise histopatológica (em parafina) da peça removida após a cirurgia, constatou CEC infiltrante, com profundidade variando de 3 a 7mm e margens cirúrgicas livres mínimas de 4mm para todos os casos (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição da série de casos conforme os aspectos tumorais, cirúrgicos e de seguimento.
Nome JPPH JCQ SPF MDS
Idade (anos) 69 39 77 35
Sexo Masculino Masculino Masculino Masculino
Fatores de risco Tabagismo e etilismo Pele fototipo I de Fitzpatrick17 Tabagismo, etilismo e exposição solar crônica Exposição solar crônica e pele fototipo I de
Fitzpatrick17
Biópsia
pré-operatória (em parafina)
CEC bem diferenciado infiltrante CEC
moderadamente diferenciado e invasor
CEC CEC
Margens cirúrgicas
pós-operatórias
Livres Livres e amplas Livres Livres
Profundidade 3mm 7mm 6mm 5mm
Anatomopatológico pós-operatório (em parafina) CEC bem diferenciado
e infiltrante
CEC bem diferenciado e
infiltrante
CEC bem diferenciado
e infiltrante
CEC bem diferenciado
e infiltrante
Complicações
pós-operatórias
- Cicatriz hipertrófica Deiscência parcial e
microstomia
Microstomia
Tempo de follow-up 3 meses e 6 dias 3 meses e 14 dias 7 meses e 23 dias 6 meses e 18 dias

CEC: carcinoma de células escamosas.

Tabela 1 - Distribuição da série de casos conforme os aspectos tumorais, cirúrgicos e de seguimento.

Não foram realizadas biópsias de congelação em nenhum destes casos.

As intercorrências e complicações detectadas neste estudo foram consideradas leves. Constatamos um caso de cicatriz hipertrófica leve e outro caso de pequena deiscência em vermelhão de lábio. A microstomia ocorreu em dois dos quatro casos operados. Complicações severas e graves como infecção, necrose, fenômenos tromboembólicos, entre outras, não ocorreram neste estudo.

DISCUSSÃO

Na casuística de nosso estudo, poucas foram as complicações dos pacientes submetidos ao retalho de Karapandzic corroborando a ideia de que esta técnica atende às necessidades para a reconstrução de lábio mediante grandes ressecções, trazendo bons resultados tanto funcionais quanto estéticos (Figuras 9 e 10).

Figura 9 - Pré e pós-operatório.

Figura 10 - Pré e pós-operatório.

Azevedo et al.13 publicaram o relato de caso de dois pacientes submetidos a reconstrução de lábio inferior pela técnica de Karapandzic. Um dos pacientes apresentou deiscência labial na junção dos retalhos e necessitou de procedimento complementar para refinamento do resultado estético, e o outro paciente teve bom resultado estético e funcional, sem complicações.

Matos da Fonseca & Gómez García3 e Guimarães et al.1 publicaram relatos sobre tal técnica e descreveram o relato de caso de um paciente submetido a reconstrução do lábio inferior pela técnica de Karapandzic com boa evolução, preservando-se a mímica facial e sensibilidade labial, sem déficit funcional.

Outro estudo, publicado por Mendes-Abreu et al.16, relatou o caso de um paciente submetido ao retalho de Karapandzic devido a carcinoma espinocelular avançado de lábio inferior, cujo resultado evidenciou cicatrizes a preencherem os sulcos fisiológicos, a manutenção da continência oral, da sensibilidade e da mobilidade labiais, embora com discreta assimetria e microstomia sem impacto funcional.

As eventuais intercorrências e ou complicações que relatamos estão em concordância com a literatura disponível. Os estudos publicados não trazem uma casuística com grande número de casos e se detêm a relatar a técnica de confecção do retalho e suas intercorrências ou complicações pós-operatórias. Embora seja importante ressaltar que a maioria destes autores consideraram o resultado final satisfatório, as intercorrências mais comumente citadas foram deiscência labial na junção dos retalhos14, ligeira assimetria e microstomia (redução da fenda labial) sem impacto funcional7.

O retalho descrito por Karapandzic em 1974 é uma das opções para a reconstrução de grandes defeitos labiais e se baseia na preservação anatômica dos pedículos vasculonervosos faciais, que mantêm a futura irrigação e funcionalidade do lábio, com a vantagem de ser em tempo único18,19. Conseguimos confirmar com nosso estudo de casos todas estas características e constatamos que este retalho é realmente adequado para corrigir defeitos que ocupam de 40 a 75% de extensão do lábio inferior, podendo ser aplicado de forma invertida na reconstrução do lábio superior.

O retalho de Karapandzic preserva a mobilidade e sensibilidade do lábio inferior, bem como da continência oral. Seu maior inconveniente é a microstomia, descrita por vários autores e que ocorre também com outras técnicas de retalhos miocutâneos, em maior ou menor grau, utilizados na reconstrução de defeitos cirúrgicos de espessura total13,20.

Quanto à microstomia, observamos que não houve relatos de casos graves, inclusive em nosso estudo, e devemos considerar que a microstomia é inerente a esta técnica e poderá ser descrita em graus variados. Optamos por melhorar os resultados pós-operatórios complementando o tratamento com expansão dos tecidos buscando a obtenção de pele de mesma cor, textura e sensibilidade, sem causar dano à área doadora21.

Uma prótese ou órtese de expansão para alongar comissuras e músculos fibróticos pode ser essencial para pacientes que se recuperam de ressecções labiais extensas. Prótese de resina Triad e parafuso regulador de pressão já foi descrita e com bons resultados22. A microstomia referida no presente estudo (Figura 6) foi corrigida parcialmente com tratamentos conservadores através do uso de órteses odontológicas especialmente confeccionadas para cada caso. Aparelhos feitos de metal e acrílico de uso temporário, noturno e que promoveram a expansão tecidual do lábio inferior.

O advento da expansão controlada teve sua primeira utilização clínica por Neumann23 em 1957 na reconstrução do polo superior da orelha e depois, na década de 1970, com Radovan24 em um trabalho sobre reconstrução mamária, posteriormente respaldado por Austad & Rose25 em 1982, dando início a uma nova era na cirurgia reparadora. A expansão dos tecidos possibilita a obtenção de pele de mesma cor, textura e sensibilidade, sem causar dano à área doadora26.

Outra colaboração deste trabalho refere-se à utilização do ecoDoppler colorido pré-operatório, que permite o planejamento do retalho verificando a viabilidade do pedículo vascular e o real posicionamento deste pedículo, reduzindo as chances de lesão inadvertida dos vasos durante a cirurgia, o que poderia acarretar perda total ou parcial de um retalho em uma área muito nobre da face. Além disso, sabe-se que tabagismo é um frequente fator de risco para CEC e tem significativa influência nas alterações do fluxo da circulação dérmica regional da face21.

Portanto, mesmo não sendo absolutamente necessária, a marcação prévia do pedículo vascular com ecoDoppler é um complemento que pode aumentar a segurança do retalho. Na eventualidade de não se identificar a viabilidade unilateral ou bilateral do feixe vascular, como nos casos de traumas prévios, deve-se considerar a possibilidade de isquemia deste retalho e outras técnicas cirúrgicas devem ser consideradas.

CONCLUSÃO

A reconstrução do lábio inferior após resseções de extenso carcinoma de células escamosas utilizando a técnica de Karapandzic demonstrou ser um procedimento confiável, seguro, de execução acessível, podendo ser realizada em tempo único e de forma rápida. Além disso, a técnica mantém o pedículo vasculonervoso íntegro, proporcionando bons resultados funcionais e estéticos. Seu maior inconveniente é a produção de microstomia nas etapas precoces, mas que melhora gradualmente com o passar do tempo e/ou adoção de medidas especiais de expansão tecidual.

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1. Hospital São Francisco de Barbacena, Barbacena, MG, Brasil
2. Hospital Universitário Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
3. Hospital Municipal Odilon Behrens,Belo Horizonte, MG, Brasil

Autor correspondente: Marcelo Lima Pupo Nogueira Rua Capitão Aviador Corteleti , 351, Centro, Barbacena, MG, Brasil, CEP: 36200-720, E-mail: marcelolimapn@hotmail.com

Artigo submetido: 14/11/2022.
Artigo aceito: 13/06/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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