INTRODUÇÃO
Introduzida por Illouz no início da década de 1980, a lipoaspiração é um procedimento
cirúrgico que busca a melhoria do contorno corporal, a partir da remoção de
depósitos localizados de gordura1,2.
Desde a metade do século XX, nota-se um foco do ser humano na aparência física como
veículo de identidade e expressão, atualmente ainda mais intensificado com a
disseminação e popularização das mídias sociais digitais. Logo, ocorre uma busca
crescente por melhorias no contorno corporal, inclusive na realização de
lipoaspiração. De acordo com os dados da International Society of Aesthetic
Plastic Surgery (ISAPS), em 2019, a lipoaspiração foi o segundo
procedimento cirúrgico estético mais realizado no mundo, com cerca de 1,7 milhão
de
cirurgias, e o mais realizado no Brasil, com 231 mil cirurgias3-5.
Devido à crescente compreensão das propriedades bioquímicas e fisiológicas do
procedimento, assim como avanços tecnológicos biomédicos, a lipoaspiração apresenta
uma evolução constante, com aprimoramentos na técnica, na segurança do paciente
e
nos resultados. Novidades em equipamentos e treinamentos dos cirurgiões refinam
progressivamente o procedimento, tais como a infiltração de soluções, os avanços
no
desenho e no formato da cânula, a lipoaspiração assistida por ultrassom, a
vibrolipoaspiração, a lipoaspiração assistida por vaser e a
lipoaspiração assistida por laser1,6.
Tais inovações ampliaram, inclusive, as possibilidades para o aperfeiçoamento do
desenho corporal, como a lipoaspiração de definição muscular. Essa técnica, que
representa um tema altamente em voga dentre o público leigo, consiste em
lipoaspiração de camadas mais superficiais da gordura subcutânea, com o intuito
de
definir contornos musculares em quaisquer áreas do corpo, independentemente do
equipamento utilizado. Cabe ao cirurgião plástico a avaliação integral do paciente
para se indicar - ou não - a realização desse recurso na melhoria do aspecto do
corpo7.
Assim, ao longo das últimas décadas, a lipoaspiração evoluiu de um procedimento que
apenas retirava pequenas quantidades de gordura para uma ferramenta praticamente
insubstituível no arsenal da cirurgia plástica para melhorias do contorno corporal.
Tornou-se, além disso, um complemento útil em outras áreas da cirurgia plástica,
como na reconstrução mamária e no contorno pós-operatório na reconstrução do pescoço
e extremidades superiores e inferiores1.
Por outro lado, deve ser de conhecimento de todos que a lipoaspiração não é isenta
de
riscos. Algumas complicações como irregularidades da pele, edema prolongado,
equimoses, hiperpigmentação, alterações na sensibilidade, seromas, hematomas,
úlceras, necroses, perfurações viscerais, infecção sistêmica, embolia gordurosa,
sepse e morte podem ocorrer. A taxa de mortalidade estimada da lipoaspiração é
de 1
em cada 5.000 procedimentos realizados2.
Atualmente, perante o modelo contratualista de relação médico-paciente, no qual o
paciente participa do processo de tomada de decisões, a maioria das pessoas que
deseja realizar lipoaspiração busca ativamente informações sobre o procedimento
antes mesmo da consulta médica8.
Neste caso, a Internet e as redes sociais digitais oferecem conteúdos sobre
cirurgias plásticas de forma rápida, direta e acessível à maioria dos pacientes
e,
hoje, são as principais fontes de busca. Entretanto, a qualidade dos conteúdos
disponibilizados na rede é motivo de preocupação, com alguns estudos demonstrando
informações precárias. No entanto, até aqui, não foram encontradas na literatura
revisões científicas que avaliassem esse quesito.
OBJETIVO
Portanto, o presente estudo consiste em uma revisão de escopo da literatura dosando
a
qualidade de informações disseminadas ao público leigo abordando a
lipoaspiração.
MÉTODO
O presente estudo é uma revisão de escopo da literatura. O checklist
PRISMA- Scr (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and
Meta-Analyses extension for Scoping Review) foi utilizado para guiar a
realização desta revisão de escopo9. Foi realizada busca na literatura no período de 18 de novembro a 12
de dezembro de 2021 nas seguintes plataformas de base de dados: Medline, Cochrane,
LILACS, Embase e BVS.
A estratégia de busca envolveu a combinação dos seguintes descritores: (“abdominal
etching” OR “aspiration lipectomy” OR “aspiration lipectomies” OR “aspiration
lipolysis” OR “body sculpting” OR “lipectomies” OR “lipectomies, aspiration” OR
“lipectomies, suction” OR lipectomy OR “lipectomy, aspiration” OR “lipectomy,
suction” OR lipoabdominoplasty OR “lipolysis, aspiration” OR “lipolysis, suction”
OR
liposculpture OR liposuction OR liposuctions OR lipoplasty OR lipoplasties OR
“suction lipectomy” OR “suction lipectomies” OR “suction lipolysis”) AND (“health
communication” OR “educational communication” OR “health communications” OR “printed
media” OR “population education” OR “health education” OR “patient education”
OR
“patient communication” OR “user information” OR “patient information” OR
“information search” OR “information dissemination” OR “social media” OR internet
OR
twitter OR “communications media” OR “search engine” OR “patient portals” OR
comprehension OR “consumer health information” OR language OR reading OR instagram
OR facebook OR “google trends” OR “Data Sharing” OR “Data Sharings” OR “Information
Distribution” OR “Information Distribution” OR “Information Exchange” OR
“Information Sharing” OR “Information Sharings” OR “Knowledge Dissemination” OR
“Knowledge Sharing” OR “Sharing of Knowledge”). Também foram checadas as referências
bibliográficas dos próprios estudos selecionados, a fim de ampliar o rol de artigos
de interesse.
Os critérios de inclusão foram artigos do tipo ensaio clínico randomizado, revisão
sistemática ou estudo observacional, em humanos, com pacientes com idade acima
de 18
anos, sem restrição de data de publicação, nas línguas inglesa, portuguesa ou
espanhola e estudos com resultados relevantes referentes ao tema abordado. Os
critérios de exclusão foram publicações do tipo dissertações, teses, estudos em
animais e aquelas que não apresentarem desfechos pertinentes ao tema proposto.
Dois investigadores independentes leram o resumo dos estudos que foram obtidos usando
a estratégia de busca para avaliar aqueles que preenchiam os critérios de
elegibilidade. Nos casos de discordância, um terceiro investigador participou
do
processo de triagem. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra e os dados
relacionados à data de publicação, tipo de estudo, plataforma estudada e desfechos
avaliados foram transferidos para uma planilha alimentada em conjunto pelos
pesquisadores.
Este estudo foi desenvolvido com o apoio do Curso de Mestrado Profissional em
Ciência, Tecnologia e Gestão Aplicadas à Regeneração Tecidual da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) e fez parte do projeto de pesquisa intitulado
“Lipoaspiração: elaboração e validação de livro destinado ao público leigo”. Tal
iniciativa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Unifesp, em 13 de abril
de 2021, sob o número de parecer 4.646.756 e CAAE 43920621.5.0000.5505.
RESULTADOS
Dez artigos foram selecionados para esta revisão de escopo. Os processos de
identificação, screening e inclusão dos estudos estão representados
no fluxograma da Figura 1.
Figura 1 - Fluxograma da seleção dos artigos da revisão de escopo.
Figura 1 - Fluxograma da seleção dos artigos da revisão de escopo.
Para análise dos artigos selecionados, foram construídas as Tabelas 1 a 3.
Tabela 1 - Título, autor, ano e país dos artigos.
Estudo |
Título |
Autor |
Ano |
País |
1 |
Can you trust what
you watch? An assessment of the quality of information in aesthetic
surgery videos on youtube
|
Gray MC, Gemmiti A,
Ata A, Jun B, Johnson PK, Ricci JA, et al.19 |
2020 |
EUA |
2 |
Influence of social media on cosmetic procedure
interest
|
Hopkins ZH, Moreno C, Secrest AM12 |
2020 |
EUA |
3 |
Youtube for
cosmetic plastic surgery: an effective patient resource?
|
Ward B, Ayyala HS,
Zhang K, Manuskhani PA, Paskhover B, Lee ES21 |
2020 |
EUA |
4 |
Social Media and the Plastic Surgery Patient |
Sorice SC, Li AY, Gilstrap J, Canales FL,
Furnas HJ11 |
2017 |
EUA |
5 |
Systematic review
of quality of patient information on liposuction in the
internet
|
Zuk G, Palma AF,
Eylert G, Raptis DA, Guggenheim M, Shafighi M17 |
2016 |
Suíça |
6 |
Online patient resources for liposuction a
comparative analysis of readability
|
Vargas CR, Ricci JA, Chuang DJ, Lee
BT18 |
2016 |
EUA |
7 |
The influence of
social media and easily accessible online information on the
aesthetic plastic surgery practice: literature review and our own
experience
|
Montemurro P,
Porcnik A, Hedén P, Otte M10 |
2015 |
Suécia |
8 |
Patient preferences in print advertisement marketing
for plastic surgery
|
Sanan A, Quinn C, Spiegel JH13 |
2013 |
EUA |
9 |
The quality of
internet advertising in aesthetic surgery: an in-depth analysis
|
Wong WW, Camp MC,
Camp JS, Gupta SC16 |
2010 |
EUA |
10 |
Representations of cosmetic surgery and emotional
health in women’s magazines in Canada
|
Polonijo AN, Carpiano RM20 |
2008 |
Canadá |
Tabela 1 - Título, autor, ano e país dos artigos.
Tabela 2 - Número da amostra, plataforma estudada e metodologia dos artigos
selecionados.
Estudo |
Número da
Amostra
|
Plataforma
Estudada
|
Metodologia |
1 |
523 vídeos |
Youtube |
Consultou-se a
plataforma YouTube em busca de vídeos sobre 12 temas comuns em
procedimentos cirúrgicos estéticos, incluindo lipoaspiração. Os 25
primeiros vídeos para cada termo pesquisado foram selecionados e
analisados por três cirurgiões plásticos, por meio da ferramenta
Ensuring Quality Information for Patients
(EQIP), com base na estrutura do vídeo, conteúdo e identificação do
autor.
|
2 |
14 termos |
Google, Facebook e Instragram |
Google Trends foi consultado para pesquisas nos EUA
de janeiro de 2004 a dezembro de 2017 para os termos:
dermatologista, cirurgião plástico, Botox, Juvederm, Radiesse,
Restylane, CoolSculpting, Sculptra, Kybella, lifting facial,
lipoaspiração, rinoplastia, blefaroplastia e aumento de mama, bem
como seus termos alternativos, como nomes genéricos ou coloquiais
para procedimentos. Regressão linear univariável foi usada
para avaliar tendências e popularidade dos termos pesquisados no
Google Trends ao longo do tempo. A correlação de Pearson foi
usada para avaliar o interesse pelo termo de pesquisa e o
crescimento das redes sociais e o ajuste de Benjamini-Hochberg foi
usado para comparações múltiplas.
|
3 |
173 vídeos |
Youtube |
Avaliou-se
qualidade dos vídeos mais prováveis que os pacientes encontrarão ao
pesquisar no YouTube sobre procedimentos de cirurgia plástica mais
comuns, incluindo lipoaspiração. Os termos médicos e coloquais mais
comuns sobre o tema, segundo Google Trends, foram pesquisados por
relevância e contagem de visualizações. Os 10 melhores de cada termo
foram coletados e classificados usando os critérios
DISCERN - uma pontuação de 1 indicava alto viés
e baixa qualidade geral e uma pontuação de 5 indicava o oposto.
|
4 |
100 pacientes |
Aplicação de questionário |
Aplicou-se questionário sobre cirurgia estética para
pacientes atendidos em duas clínicas de estética, pelo qual
analisaram: perfil de uso de redes sociais pelos pacientes,
influência das redes sociais e site da clínica no
comportamento do paciente, nível de interesse nos diferentes tipos
de postagens em redes sociais e os conteúdos considerados mais
relevantes no site da clínica
|
5 |
245 |
Websites |
Em uma revisão
sistemática, avaliam a qualidade das informações sobre lipoaspiração
disponíveis aos pacientes na Internet. Uma avaliação quantitativa e
qualitativa dos sites da Web foi baseada em uma ferramenta
modificada chamada Ensuring Quality Information for
Patients (EQIP), com 36 itens.
|
6 |
80 artigos |
Websites |
Buscaram-se identificar as informações on-line mais
usadas sobre lipoaspiração e avaliar sua legibilidade em relação à
alfabetização americana média. Foi realizada uma busca na internet
pelo termo “lipoaspiração”. Os dez sites mais populares foram
identificados, seus artigos foram analisados por testes de
legibilidade estabelecidos e comparados com conteúdos que abordavam
o tema tatuagem
|
7 |
Revisão de
literatura com 19 artigos; Estudo transversal com 500 pacientes e
128 cirurgiões plásticos
|
Bases de dados e
questionários
|
Determinou-se o
impacto das redes sociais e das informações online
por meio de uma pesquisa realizada com pacientes e cirurgiões
plásticos, além de uma revisão da literatura.
|
8 |
404 pessoas |
Aplicação de questionário |
Questionário online aplicado a 404 indivíduos com
interesse em cirurgia plástica. Os participantes eram apresentados a
cinco anúncios diferentes de cirurgiões plásticos de todo o país,
avaliando veracidade, qualidade e comercialização de cada
anúncio.
|
9 |
Avaliação de
propagandas segundo códigos de ética: 2001 profissionais
Avaliação de preferência de propaganda: 208 indivíduos
|
Websites e
questionário
|
Foram listados os
médicos que realizam procedimentos estéticos no sul da Califórnia,
EUA. Tais profissionais foram categorizados de acordo com a sua
especialidade e seus sites foram pontuados de acordo com critérios
do código de ética da American Society for Aesthetic Plastic
Surgery (ASAPS) e da American Society of
Plastic Surgeons (ASPS). Uma análise geográfica
determinou se a presença de um grande número de concorrentes teve
impacto na adesão às diretrizes éticas da publicidade. Para examinar
as preferências dos pacientes na publicidade médica, uma pesquisa
foi realizada online.
|
10 |
5 revistas |
Revistas destinadas ao público feminino |
Examinou-se como as revistas femininas populares
retratam a cirurgia estética, incluindo a lipoaspiração, e a saúde
emocional associada. Artigos sobre cirurgia estética de cinco
revistas femininas mais circuladas no Canadá foram analisadas quanto
ao tipo de procedimento, dados demográficos do paciente, informações
de risco e indicadores de saúde emocional.
|
Tabela 2 - Número da amostra, plataforma estudada e metodologia dos artigos
selecionados.
Tabela 3 - Resultados e conclusões dos artigos.
Estudo |
Resultados e
Conclusões
|
1 |
Um total de 523
vídeos foram avaliados, com um escore médio 13,1, dentre 27 pontos
possíveis. Assim, evidenciaram-se que as informações contidas nos
vídeos de cirurgia estética no YouTube são de baixa qualidade,
devendo os pacientes estarem cientes disso. Sugere-se o
encorajamento dos cirurgiões plásticos a desenvolverem vídeos de
alta qualidade para educar o público.
|
2 |
Os termos pesquisados que tiveram popularidade
crescente foram: Dermatologista, Botox, Juvederm, Radiesse,
CoolSculpting, Kybella e Facelift; já os em queda de popularidade
foram: Restylane, Lipoaspiração, Rinoplastia, e
Mamoplastia. Ao olhar para a relação com a especialidade
médica, foram associados apenas com a pesquisa do termo
dermatologista os termos: Juvederm e Facelift, enquanto Sculptra,
rinoplastia, e os termos de pesquisa de blefaroplastia foram apenas
associado ao cirurgião plástico. Os seguintes termos que
tiveram aumento da popularidade foram associados a números do
Instagram e do Facebook: Dermatologista, Botox, Juvederm, Radiesse,
CoolSculpting e Kybella. Isso sugere o aumento do interesse
online em procedimentos cosméticos não
invasivos, potencialmente impulsionado, em parte, pelas mídias
sociais.
|
3 |
Dentre os 143 vídeos
identificados, o escore de viés médio foi 2,29. A maior parte dos
vídeos era de propaganda médica (31,79%) ou relatos de pacientes
(29,48%), sendo os vídeos com médicos cirurgiões plásticos aqueles
com o menor número médio de visualizações, mas melhor qualidade
geral, especialmente quando produzidos por instituições acadêmicas.
Sugere-se, então, que cirurgiões plásticos e organizações acadêmicas
devam se esforçar para enviar vídeos imparciais e de alta qualidade
para fornecer aos pacientes um recurso mais apropriado.
|
4 |
A rede com maior engajamento foi o Facebook, já a menos
popular e menos engajada foi o Twitter. As publicações mais
populares tratavam-se de sorteio/concurso para tratamento ou
produtos gratuitos, fotografias com resultado (antes x depois) e
informações sobre a clínica de estética. Em relação ao tipo de
conteúdo de maior interesse no site, as fotos comparando o pré e
pós-operatório foram as escolhidas, seguido pelas informações sobre
os procedimentos.
|
5 |
A qualidade da
informação disponível sobre lipoaspiração para os pacientes é muito
insatisfatória. Poucos sites apresentaram as taxas de morbidade e
mortalidade estimadas. Menos de um terço dos sites mencionou um
potencial pós-operatório envolvendo complicações ou mesmo morte após
o procedimento de lipoaspiração, sendo que grande maioria destes
foram desenvolvidos por cirurgiões privados. Sites desenvolvidos por
centros acadêmicos e por organizações sem fins lucrativos forneciam
uma qualidade de informações melhor do que aqueles desenvolvidos por
cirurgiões privados.
|
6 |
Foram coletados 80 artigos de sites sobre
lipoaspiração. A análise de legibilidade revelou um nível geral
médio de leitura de 13,6 anos, superando o nível alvo da sexta
série. Como comparação, sites sobre tatuagem foram
significativamente mais fáceis de ler, com média de 7,8 anos, e
continham significativamente menos caracteres por palavra e palavras
por frase, bem como uma proporção menor de palavras complexas,
longas e desconhecidas. Assim, notaram-se que recursos
online para pacientes sobre lipoaspiração são
potencialmente muito difíceis para um grande número de americanos
entenderem.
|
7 |
Notou-se que 95% dos
pacientes utilizaram a Internet para coletar informações prévias à
consulta, sendo para 68% deles o primeiro método de busca. As redes
sociais foram utilizadas por 46% dos pacientes e 40% destes foram
fortemente influenciados na escolha de um médico específico. A
maioria dos cirurgiões plásticos (85%) achou que as informações
encontradas nas redes sociais poderiam levar a expectativas irreais.
Ademais, 45% dos cirurgiões plásticos acreditaram que suas consultas
ficaram mais fáceis após o advento das redes sociais, enquanto 29%
as acharam mais difíceis. Na revisão, encontrou-se um alto
percentual de sites de Internet de baixa qualidade sobre cirurgia
plástica e um aumento no uso de mídias sociais entre os cirurgiões
plásticos. Sugerem que, mesmo que a Internet forneça ampla
informação, ela não pode substituir a consulta presencial, que deve
ser sempre um processo minucioso, abrangendo tanto os riscos quanto
as limitações dos procedimentos alternativos.
|
8 |
Metade dos entrevistados neste estudo já passaram por
procedimentos cosméticos ou cirurgia plástica, sendo que 80% de
todos os participantes eram mulheres. Quanto às peças de
publicidade, as melhores avaliadas pelos participantes foram as que
usaram cores claras, que continham fotos dos médicos em seus
consultórios de forma menos formal, fotos realistas dos pacientes,
descrições claras dos serviços e das credenciais dos cirurgiões,
além de mensagens simples e um layout sem excesso
de informações e equilibrado na quantidade de texto e imagens.
|
9 |
Os cirurgiões
plásticos certificados pelo conselho apresentaram os maiores escores
éticos totais, dentre especialidades. Nenhum decréscimo na qualidade
da publicidade foi encontrado em ambientes densamente competitivos.
A pesquisa com pacientes demonstrou o desejo por um cirurgião
plástico bem treinado e certificado pelo conselho para realizar seus
procedimentos cosméticos. Embora os cirurgiões plásticos demonstrem
maior conformidade geral com o Código de Ética da Publicidade, ainda
podem melhorar. Com grande variedade de médicos que oferecem os
mesmos procedimentos estéticos, é essencial manter uma comunicação
aberta, honesta e direta com o público.
|
10 |
Foram estudados padrões de retratação dos riscos e
benefícios da cirurgia estética e percebido que artigos tendem a
apresentar aos leitores informações detalhadas sobre riscos à saúde
física, apenas. No entanto, 48% dos artigos discutem o impacto que a
cirurgia estética possui na saúde emocional, associando tais
procedimentos a melhoria do bem-estar, independentemente da condição
pré-existente do paciente. Os artigos também tendem a usar relatos
dados por homens para fornecer padrões definidores de atratividade
feminina. Esses achados indicam uma medicalização do corpo feminino.
Em suma, os autores indicam que a cirurgia estética é geralmente
retratada como uma opção arriscada - mas que vale a pena - para as
mulheres melhorarem sua aparência física e saúde emocional.
|
Tabela 3 - Resultados e conclusões dos artigos.
DISCUSSÃO
O acesso à Internet e às redes sociais digitais oferece conteúdos sobre lipoaspiração
de forma rápida, direta e acessível à maioria dos pacientes e, atualmente, são
os
principais sítios de busca pelo público não especialista.
Montemurro et al.10 concluíram que,
em cinco dos estudos analisados em sua pesquisa, 37 a 81,8% dos pacientes procuram
dados antes da consulta, sendo em 38,6 a 72% dos casos a Internet como a primeira
fonte de pesquisa. Também podese observar que, em 2016, segundo Sorice et
al.11, a rede social com
maior engajamento, em se tratando de postagens relacionadas a cirurgias estéticas
(incluindo lipoaspiração), foi o Facebook, sendo a com menor engajamento o Twitter.
Revelou-se que o público possuía maior interesse em fotos de antes
versus depois e, em segundo lugar, por informações sobre os
procedimentos. Observa-se, além disso, o aumento da popularidade da busca
online em redes sociais por procedimentos estéticos não
invasivos12.
Quanto à forma em que os anúncios sobre lipoaspiração são apresentados, conforme
Sanan et al.13, o público leigo
prefere artigos com pouca descrição, que possuem um equilíbrio entre as imagens
e as
palavras. Não foi mostrada diferença entre o uso de pacientes reais e modelos
nos
anúncios. Para os observadores, o ideal seria a fotografia do profissional “em
ação”
em seu ambiente de trabalho.
Apesar de não incluídos nesta revisão, alguns artigos fornecem informações relevantes
sobre o uso da Internet para fins de educação em saúde. Vardanian et al.14 referem que as redes sociais são
importantes ferramentas para educar, engajar, divulgar e se comunicar diretamente
com os pacientes e colegas de profissão. Jejurikar et al.15 vão mais além em seu artigo e relatam que a
Internet possui um enorme potencial de providenciar ao público informações sobre
saúde. Sugerem que médicos orientem seus pacientes sobre o procedimento e os alertem
que a maioria dos sites não oferecem informações fidedignas e confiáveis a respeito
de cirurgias. Ainda indicam que os cirurgiões plásticos deveriam selecionar páginas
específicas da Internet - consideradas fontes confiáveis - e redirecionar seus
pacientes para esses sites. Acreditam que, quando usada de forma correta e embasada
em conteúdos científicos, a Internet pode ser um complemento útil para o diálogo
que
acontece no consultório médico.
Cabe aqui também salientar o conteúdo fornecido ao público leigo versando sobre
lipoaspiração. Apesar de Wong et al.16 chegarem à conclusão de que os cirurgiões plásticos obtiveram
as maiores pontuações médias gerais do código de ética da American Society
of Plastic Surgeons (ASPS) nos quesitos publicidade e anúncios, existe
uma evidente carência de informações com teor científico elevado e linguagem
acessível entre profissionais da área da saúde e o público leigo.
Dentre os estudos revisados, os artigos de Montemurro et al.10, Zuk et al.17, Vargas et al.18, Gray et al.19, Polonijo & Carpiano20 e Ward et al.21 indicam que as considerações sobre
procedimentos estéticos fornecidas ao público leigo são muito superficiais e
imprecisas. Torna-se importante, assim, o desenvolvimento de materiais produzidos
a
partir de uma metodologia científica elaborada, a fim de entregar às pessoas
interessadas um material de elevada qualidade científica, que realmente possa
ajudar
no entendimento do procedimento.
Além disso, Montemurro et al.10,
assim como Vargas et al.18,
afirmam também que as muitas informações divulgadas em websites são
difíceis de serem compreendidas pelo leitor leigo, devido ao uso de linguagem
técnica. Nesse ponto, os autores poderiam adequar os jargões médicos a termos
coloquiais e rotineiros, divulgando o assunto com seriedade, mas de modo facilmente
compreendido por aqueles interessados.
Vale aqui também destacar o uso de imagens tendenciosas sobre lipoaspiração, que
tantas vezes comparam os resultados de antes e depois do procedimento, por exemplo,
publicadas e compartilhadas à revelia pelas redes sociais. Nesses casos, muitas
vezes, há a utilização de artimanhas para aprimorar os resultados de pós-operatório:
jogo de luzes e sombras, uso de vaselina, captura de fotos em ângulos
favoráveis.
Ao divulgar seus trabalhos desse modo, os cirurgiões plásticos, erroneamente, induzem
o público leigo a uma falsa sensação de resultados utópicos, inatingíveis em muitos
pacientes. No Brasil atualmente o Conselho Federal de Medicina (CFM) não permite
a
publicação de fotografias do tipo “antes e depois” (Resolução CFM nº
1.974/11)22, porém os maus
exemplos que ocorrem no exterior demonstram a necessidade deste tema ser discutido
de forma ampla e profunda antes que qualquer tipo de mudança no posicionamento
do
CFM venha a ocorrer no futuro.
A presente revisão de escopo apresenta algumas limitações a serem destacadas: a
inclusão de materiais apenas em inglês, espanhol e português; e a ausência da
utilização de uma ferramenta para avaliar a qualidade metodológica dos estudos
selecionados. Por outro lado, esta revisão seguiu o checklist
PRISMA-Scr9
(Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses
extension for Scoping Review), o que aumenta sua confiabilidade
metodológica.
Em suma, atualmente, percebe-se uma escassez de informação de qualidade e com
linguagem acessível para o público leigo, de modo a deixar os leitores (possíveis
pacientes no futuro) mais esclarecidos quanto ao procedimento. Sendo a lipoaspiração
uma das cirurgias plásticas mais realizadas no mundo e, por conseguinte, de grande
interesse ao público em geral, os autores consideram como necessária uma maior
robustez das informações destinadas aos pacientes, especialmente em termos do
procedimento cirúrgico, benefícios qualitativos e quantitativos, riscos, tratamento
de complicações e cuidados pré e pós-operatórios. A exploração de diferentes
técnicas cirúrgicas e alternativas à cirurgia também poderia ser melhor
abordada17.
CONCLUSÃO
Dentre os dez artigos selecionados no presente estudo, nove relatam que as
informações sobre lipoaspiração são precárias e imprecisas. Torna-se imperativa
a
necessidade de melhorar a qualidade científica dos materiais destinados ao público
leigo sobre a temática lipoaspiração.
REFERÊNCIAS
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Divulgação de Assuntos Médicos. Brasília: Conselho Federal de Medicina;
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1. Universidade Federal de São Paulo, Escola
Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil
Autor correspondente: Anderson Henrique da Silva
Stahelin Disciplina de Cirurgia Plástica - Escola Paulista de
Medicina, Rua Botucatu, 740 - 2º andar, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil,
CEP: 04023-062, E-mail: andersonstahelin@gmail.com
Artigo submetido: 10/11/2022.
Artigo aceito: 13/06/2023.
Conflitos de interesse: não há.