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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0728-PT

RESUMO

Introdução: A reconstrução da região plantar ainda é um dos grandes desafios da cirurgia plástica reconstrutiva. Os tecidos dessa região apresentam características únicas e que são essenciais para a manutenção da funcionalidade do membro. De toda a região plantar, a região do calcanhar é a área de maior sustentação do peso e submetida ao maior impacto. O retalho fasciocutâneo plantar medial é uma das opções reconstrutivas, pois representa tecido semelhante e mantém a sensibilidade para a área receptora.
Método: Foi realizado um estudo retrospectivo através da coleta de dados de prontuário de pacientes que realizaram reconstruções da região do calcanhar com retalho plantar medial, no período de julho de 2013 a setembro de 2019. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HCFMUSP (Número CAAE: 56849422.0.0000.0068).
Resultados: A reconstrução de calcanhar após ressecção de melanoma lentiginoso acral foi realizada em 7 pacientes. Complicações cirúrgicas foram observadas em 3 pacientes, sendo que todos eles tinham idade acima de 50 anos e/ou alguma comorbidade associada. Houve 57,1% de complicações, sendo 37,5% relacionadas ao retalho e 12,5% relacionadas à área doadora. Ocorreram 3 necroses totais de retalho (42,9%) e 1 perda total de enxerto na área doadora (14,3%).
Conclusão: O retalho plantar medial se apresenta como uma boa alternativa para a realização de reconstruções oncológicas de defeitos na região plantar do pé. Contudo, deve-se ponderar a escolha do paciente ideal e lembrar que a dissecção do seu pedículo vascular não é de fácil execução.

Palavras-chave: Melanoma; Neoplasias cutâneas; Retalhos cirúrgicos; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Calcanhar

ABSTRACT

Introduction: Resurfacing the sole is still one of the great challenges of reconstructive plastic surgery. The tissues on the sole of the foot have unique characteristics essential for maintaining the limbs functionality. The heel has the most significant weight support and is subjected to the entire soles greatest impact. The medial plantar artery flap is one of the reconstructive options, as it represents similar tissue and maintains sensitivity to the recipient area.
Methods: A retrospective study was performed by collecting data from medical records of patients who underwent reconstructions of the heel with a medial plantar artery flap from July 2013 to September 2019. The study was approved by the Ethics Committee for Analysis of Research Projects of HCFMUSP (CAAE number: 56849422.0.0000.0068).
Results: Heel reconstruction was performed in 7 patients after acral lentiginous melanoma excision. Surgical complications were observed in 3 patients, all of whom were aged over 50 years or have associated comorbidity. There were 57.1% of complications, 37.5% related to the flap, and 12.5% related to the donor area. There were three total flap necroses (42.9%) and one total graft loss in the donor area (14.3%).
Conclusion: The medial plantar flap presents itself as a good alternative for performing oncological reconstructions of defects in the plantar region of the foot. However, the choice of the ideal patient should be considered and we must remember that the dissection of its vascular pedicle is not easily executed.

Keywords: Melanoma; Skin neoplasms; Surgical flaps; Reconstructive surgical procedures; Heel.


INTRODUÇÃO

A reconstrução da região plantar ainda é um dos grandes desafios da cirurgia plástica reconstrutiva1,2. Os tecidos dessa região apresentam características únicas e que são essenciais para a manutenção da funcionalidade do membro. Como características locais, podemos citar: forte aderência entre a pele e estruturas profundas, proporcionando estabilidade na marcha; presença de um coxim espesso, permitindo a absorção do impacto ao deambular.

De toda a região plantar, a região do calcanhar é a área de maior sustentação do peso e submetida ao maior impacto. Para isso, ela é ricamente vascularizada e possui septos fibrosos que conectam a derme ao periósteo do osso calcâneo, formando compartimentos de gorduras3-7.

Devemos, portanto, procurar tecidos com características semelhantes para a reconstrução de defeitos plantares em calcanhar8.

Existem diversos métodos de reconstrução da região plantar, que variam desde enxertia de pele até retalhos microcirúrgicos, mas poucos atendem a todas essas necessidades1,2,8-14.

O retalho fasciocutâneo plantar medial é uma excelente opção, pois representa tecido semelhante e mantém a sensibilidade para a área receptora15,16.

Inicialmente descrito em 1981 por Harrison & Morgan9, o retalho plantar medial é baseado na artéria plantar medial e mantém a sensibilidade local por ramos cutâneos do nervo plantar medial17. Desde então, existem diversos estudos descritos na literatura, mas poucos que avaliem o seu uso em pacientes oncológicos18,19.

OBJETIVO

Descrever uma série de 7 casos de reconstrução de defeitos no calcanhar após ressecção de melanoma lentiginoso acral, realizada no Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, no período de julho de 2013 a setembro de 2019.

MÉTODO

Foi realizado um estudo retrospectivo através da coleta de dados de prontuário de pacientes que realizaram reconstruções da região do calcanhar com retalho plantar medial, no período de julho de 2013 a setembro de 2019.

Os pacientes foram selecionados de acordo com o tipo de reconstrução empregado após ressecção de melanoma lentiginoso acral pelo Grupo de Sarcoma e Melanoma no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. O critério de inclusão do estudo foi: pacientes internados no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo para ressecção de melanoma lentiginoso acral da região de calcanhar, submetidos a reconstrução com retalho plantar medial.

Dos 7 pacientes, 3 (42,8%) eram do sexo feminino e 4 (57,1%) do sexo masculino (Tabela 1). Seis pacientes (85,7%) tinham alguma comorbidade associada, sendo que tabagismo e hipertensão arterial sistêmica foram as comorbidades mais prevalentes. A média de idade dos pacientes foi de 57,3 anos, com variação de 45 a 73 anos.

Tabela 1 - Características dos pacientes, tipo de reconstrução realizada e complicações relacionadas aos procedimentos.
Idade Sexo Tipo
histológico
Comorbidades Reconstrução
local adicional
Área doadora Complicações do retalho Complicações
da área doadora
1 58 M Melanoma
acral
Tabagismo, HAS Não Enxertia
de pele
Necrose Não
2 53 M Melanoma
acral
Tabagismo, HAS,
DM
Não Enxertia
de pele
parcial
Necrose Não
3 64 M Melanoma
acral
Tabagismo, HAS,
etilismo, DRC
Não Enxertia
de pele
parcial
Não Não
4 73 M Melanoma
acral
Tabagismo, HAS,
IAM prévio
Não Enxertia
de pele
parcial
Não Não
5 51 F Melanoma
acral
Tabagismo, artrite
reumatoide
Enxertia de pele
total
Enxertia
de pele
parcial
Não Perda do enxerto
6 45 F Melanoma
acral
Não Enxertia
de pele
parcial
Não Não
7 57 F Melanoma
acral
HAS Não Enxertia
de pele
parcial
Necrose Não

M: Masculino; F: Feminino; HAS: Hipertensão Arterial Sistêmica; DM: Diabetes Mellitus; DRC: Doença Renal Crônica; IAM: Infarto Agudo do Miocárdio.

Tabela 1 - Características dos pacientes, tipo de reconstrução realizada e complicações relacionadas aos procedimentos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HCFMUSP (Número CAAE: 56849422.0.0000.0068).

Técnica cirúrgica

A artéria tibial posterior é identificada através da palpação posterior ao maléolo medial e é realizada uma demarcação em linha quebrada logo acima dessa região.

A ilha de pele é demarcada conforme o tamanho do defeito na região do calcanhar e pode se estender por toda a área fora de apoio plantar.

A incisão se inicia pela demarcação posterior ao maléolo medial e identifica-se a artéria tibial posterior. A incisão da borda medial do retalho é realizada e disseca-se a artéria até sua bifurcação. O ramo medial é identificado entre os músculos abdutor do hálux e flexor curto dos dedos. O retalho é então elevado com a inclusão da fáscia plantar e do ramo lateral do nervo plantar medial, poupando a inervação medial do hálux.

Conforme a dissecção progride, realiza-se a incisão das bordas lateral, distal e proximal. O retalho é transposto para o defeito no calcanhar e a área doadora é reconstruída com enxerto de pele parcial da coxa ipsilateral (Figuras 1 e 2).

Figura 1 - A: Intraoperatório, após ressecção da lesão com margens. B: Pós-operatório imediato de reconstrução com retalho plantar medial pediculado em calcanhar e enxertia de pele parcial em área doadora do retalho.

Figura 2 - Resultado pós-operatório, com resultado funcional e estético adequados.

RESULTADOS

Um paciente necessitou de reconstrução adicional com enxertia de pele local; nos demais, o retalho plantar medial foi suficiente para as coberturas cutâneas das áreas ressecadas. Em todos os casos foi realizada a enxertia de pele parcial na área doadora do retalho.

A linfadenectomia foi realizada em 3 pacientes (42,8%), sendo 2 (28,6%) da região inguinal esquerda e 1 (14,3%) da região inguinal esquerda associada à região ilíaco-obturatória esquerda. Dentre os 7 pacientes, 2 apresentavam doença metastática (28,6%).

Complicações cirúrgicas foram observadas em 3 pacientes, sendo que todos eles tinham idade acima de 50 anos e/ou alguma comorbidade associada. A taxa de sobrevivência do retalho foi de 57%. Em relação às complicações, ocorreram 3 necroses totais de retalho (42,9%) e 1 perda total de enxerto na área doadora (14,3%). Dos 3 pacientes com necrose do retalho, 2 deles necessitaram de posterior reconstrução local com retalho fasciocutâneo microcirúrgico anterolateral da coxa e 1 deles com retalho microcirúrgico fasciocutâneo lateral do braço.

Um dos pacientes com necrose total do retalho plantar medial realizou ressecção de melanoma lentiginoso acral em membro inferior esquerdo, com reconstrução imediata com retalho plantar medial. Apresentou boa evolução durante a internação e recebeu alta hospitalar no 7° dia de pós-operatório. Retornou em consulta ambulatorial no 11° dia de pós-operatório, apresentando retalho com sinais de sofrimento em bordas. Optou-se por tratamento expectante da complicação e o retalho apresentou necrose total no 26° dia de pósoperatório. Realizado desbridamento e reconstrução com retalho microcirúrgico anterolateral da coxa. Atualmente, o paciente apresenta bom aspecto do retalho e boa funcionalidade do membro inferior esquerdo.

DISCUSSÃO

A reconstrução de partes moles do calcanhar ainda representa um desafio para os cirurgiões plásticos, devido à escassez de tecidos locais e à complexidade dessa reconstrução para a preservação da funcionalidade.

Durante o planejamento cirúrgico, é importante avaliar se a lesão plantar se encontra em área de apoio, pois enxertos nesta região podem evoluir com complicações como ulceração, retração cicatricial, dor, deformidades ósseas e impossibilidade de deambulação.

Descrito inicialmente em 1981, o retalho plantar medial representa até hoje uma das melhores opções para a reconstrução da região do calcanhar, principalmente em sua face plantar9. Dentre suas vantagens, destacam-se: tecido local semelhante e inervação preservada.

O tecido local é formado por coxim espesso de pele sem folículos pilosos, o que possibilita uma cobertura adequada para a área de pressão e de suporte para o peso do paciente, além de ser esteticamente mais favorável. A inervação através do ramo cutâneo do nervo plantar medial permite ao paciente manter sensibilidade tátil suficiente para a adequada deambulação e proteção do membro.

Como desvantagem do retalho plantar medial, podemos citar a morbidade da área doadora, localizada na região do cavo plantar, que constitui uma área de não apoio e onde se faz necessária a enxertia de pele parcial. Apesar da secção da artéria plantar medial, o pé mantém sua adequada vascularização pelo arco plantar profundo, sendo formado pelas artérias plantar lateral e dorsal do pé.

O retalho plantar medial tem como limitações: tamanho e profundidade da área a ser reconstruída, limitando-se a defeitos de menor extensão. Ressecções maiores preferencialmente devem ser reconstruídas com retalhos microcirúrgicos fasciocutâneos ou musculocutâneos e, alternativamente, podem ser reconstruídas com o retalho sural reverso.

Apesar do retalho plantar medial ser descrito na literatura com baixas taxas de complicações, a maioria dos trabalhos publicados descrevem o retalho plantar medial em pacientes vítimas de traumas ou úlceras de pressão, com menor idade média4,8,11,16,17,20,21. O foco deste trabalho foi em pacientes oncológicos, os quais normalmente possuem múltiplas comorbidades, idade avançada e, por conseguinte, ateromatose, viés de seleção que poderia explicar a maior taxa de complicações encontradas neste estudo. Outrossim, o estudo foi realizado em um hospital-escola, no qual os procedimentos cirúrgicos foram realizados por diferentes cirurgiões e que ainda estão em curva de aprendizado.

CONCLUSÃO

O retalho plantar medial é versátil e de anatomia vascular bem conhecida. Hoje se apresenta como uma ótima alternativa para a realização de reconstruções oncológicas de defeitos na região plantar do pé. Contudo, devese ponderar a escolha do paciente ideal e lembrar que a dissecção do seu pedículo vascular não é de fácil execução.

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1. Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente: Giulia Godoy Takahashi Rua Arruda Alvim, 423, apto 51, Pinheiros, São Paulo, SP, Brasil, CEP: 05410-020, E-mail: giu.godoy@gmail.com

Artigo submetido: 24/05/2022.
Artigo aceito: 13/06/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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