INTRODUÇÃO
A síndrome de Binder também pode ser conhecida como displasia maxilonasal e é uma
malformação congênita caracterizada por hipoplasia nasomaxilar devido a um
subdesenvolvimento do esqueleto facial médio1. Em 1962, Binder relatou três casos e seis características:
(1) face arrinoide; (2) posição anormal dos ossos nasais; (3) hipoplasia
intermaxilar com má oclusão consecutiva; (4) espinha nasal anterior reduzida ou
ausente; (5) atrofia da mucosa nasal e (6) ausência do seio frontal (não
obrigatório)1,2. A aparência fenotípica é
característica, com o perfil do meio da face hipoplásico, o nariz achatado, o
lábio
superior convexo com filtro largo, as narinas tipicamente crescentes ou semilunares
dando uma aparência de meia-lua1.
A etiologia ainda não foi completamente definida, porém sabe-se que pode estar
associada a múltiplas etiologias, como ingestão materna de anticoagulantes à base
de
cumarina durante a gravidez, lúpus eritematoso sistêmico e algumas outras condições
monogênicas, como síndrome de Keutel ou condrodisplasia punctata3.
O diagnóstico pode ser realizado na ultrassonografia pré-natal, caracterizada por
nariz achatado e convexidade anormal da maxila, e, além disso, pode haver centros
de
ossificação epifisária anormais, membros curtos e braquitelefalangia3. O presente artigo relata o caso de
uma paciente com síndrome de Binder que foi submetida a tratamento cirúrgico para
melhora nasal estética e funcional.
RELATO DO CASO
Paciente feminina, 16 anos, procura o ambulatório de Cirurgia Plástica do Hospital
Universitário, Faculdade de Medicina de Botucatu, em Botucatu-SP, por desejo de
melhora de projeção da ponta nasal, alongamento do dorso nasal e de funcionalidade
respiratória. Refere que desde a infância apresenta as queixas, porém procurou
outros médicos previamente, que optaram por não realizar intervenção cirúrgica.
A
paciente não apresentava comorbidades ou utilização de medicações de uso contínuo,
porém refere diagnóstico de síndrome de Binder aos 14 anos de idade. Nunca havia
realizado nenhuma cirurgia prévia. Também não apresentava história familiar de
quaisquer anomalias genéticas. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da instituição.
Ao exame físico nasal, é possível observar encurtamento do dorso nasal, desvio para
a
esquerda, narinas de pequeno diâmetro, ponta inadequadamente projetada e alta,
além
do terço médio da face hipoplásico, conforme pode ser visualizado nas Figuras 1 e 2. Ao exame físico, ausência de estruturas cartilaginosas firmes em
dorso e asas nasais, com colabamento completo à palpação, ausência de espinha
nasal
anterior à palpação e ausência de qualquer estrutura de suporte nasal. A paciente
não apresentava anomalias vertebrais, em membros ou quaisquer outras alterações.
Também não apresentava alterações ortodônticas significativas.
Figura 1 - Foto anterior - pré-operatório.
Figura 1 - Foto anterior - pré-operatório.
Figura 2 - Foto perfil - pré-operatório.
Figura 2 - Foto perfil - pré-operatório.
Foi realizada tomografia computadorizada dos ossos da face, que demonstrou desvio
sinuoso do septo nasal, anterior para a esquerda e posterior para a direita,
associado a esporão ósseo para a direita e conteúdo mucoso arredondado no seio
esfenoidal à esquerda, com ausência da espinha nasal anterior, conforme evidenciado
na Figura 3. Notou-se também hipoplasia maxilar
e espessamento mucoso arredondado nos seios maxilares, como indica a Figura 4.
Figura 3 - Tomografia computadorizada dos ossos da face.
Figura 3 - Tomografia computadorizada dos ossos da face.
Figura 4 - Hipoplasia maxilar e espessamento mucoso arredondado nos seios
maxilares.
Figura 4 - Hipoplasia maxilar e espessamento mucoso arredondado nos seios
maxilares.
Foi proposta realização de reconstrução nasal com uso de enxertos de cartilagem
costal, e explicado sobre as limitações do procedimento, porém, mesmo após
esclarecimento das dúvidas, a paciente optou pela realização da cirurgia, pois
apresentava incômodo estético e funcional importantes de longa data. A proposta
cirúrgica foi reconstrução do dorso nasal, asas nasais e septo nasal.
A correção cirúrgica foi iniciada pela extração de um bloco da sexta cartilagem
costal à esquerda medindo 5x1,5cm de extensão, respeitando-se a manipulação gentil
dos tecidos para evitar complicações e, após a retirada do material, realizada
manobra de borracheiro para excluir presença de pneumotórax. Foi realizada abertura
nasal na margem columelar, no padrão de uma rinoplastia aberta, e dissecados os
tecidos no plano subSMAS.
Após preparo da área receptora nasal, foram esculpidos bloco de cartilagem para
reconstrução do dorso nasal, enxertos alares e enxerto de cartilagem septal. O
enxerto foi fixado no cranialmente no radix com um parafuso de titânio e caudalmente
na porção mais anterior da maxila, tendo em vista a presença de espinha nasal
anterior atrófica, conforme observado na Figura 5. Foi alocado um enxerto tipo strut e criação de novo
domus com pontos de Prolene 5-0, com o objetivo de melhorar a
projeção da ponta nasal. A sustentação nasal pode ser visualizada na foto
intraoperatória na Figura 6.
Figura 5 - Reconstrução do dorso nasal, enxertos alares e enxerto de cartilagem
septal.
Figura 5 - Reconstrução do dorso nasal, enxertos alares e enxerto de cartilagem
septal.
Figura 6 - Sustentação nasal.
Figura 6 - Sustentação nasal.
A paciente recebeu alta no primeiro dia pós-operatório, não apresentando
intercorrências durante a internação e compareceu ao primeiro retorno ambulatorial
no sexto dia pós-operatório. Foi realizada retirada dos splints e
do aquaplast e o nariz apresentava ainda edema importante. Na
consulta após uma semana, apresentou melhora importante do edema e da obstrução
nasal. A paciente foi seguida até o momento no pós-operatório por três meses e
não
apresentou intercorrências nesse período, referindo melhora tanto da estética
quanto
da funcionalidade nasal. Foi possível observar alongamento nasal e melhor projeção
da ponta, conforme pode ser visto nas Figuras 7
e 8, que indicam o pós-operatório de três
meses.
Figura 7 - Foto perfil - pós-operatório.
Figura 7 - Foto perfil - pós-operatório.
Figura 8 - Foto anterior - pós-operatório.
Figura 8 - Foto anterior - pós-operatório.
DISCUSSÃO
A síndrome de Binder foi inicialmente descrita em 1962 e pode ser definida como uma
malformação congênita caracterizada por hipoplasia nasomaxilar3. As características dessa síndrome
incluem nariz achatado e vertical; mau posicionamento do osso nasal; hipoplasia
intermaxilar com má oclusão; hipoplasia ou ausência de espinha nasal anterior;
atrofia da mucosa nasal; e ausência de seios frontais2. De forma semelhante, a paciente deste relato
apresentava nariz curto, com achatamento importante em sua porção dorsal, osso
nasal
desalinhado e desvio do septo nasal, além de hipoplasia da espinha nasal
anterior.
A atual incidência ou prevalência ainda é desconhecida, mas afeta aproximadamente
um
recém-nascido vivo em cada 10.000 nascimentos4. Atualmente, além do exame físico, pode ser realizado o
diagnóstico por meio de ultrassonografia pré-natal, a qual demonstra detecção
do
fenótipo Binder associado a centros de ossificação epifisária anormais e hipoplasia
das falanges distais das mãos5. O
diagnóstico pré-natal do fenótipo Binder por ultrassom baseia-se na observação
de um
perfil plano em um corte sagital mediano da face com osso nasal verticalizado,
geralmente de comprimento normal, e um ângulo nasofrontal aumentado
anormal6. O diagnóstico
pós-natal pode ser feito com base nos resultados clínicos e radiológicos
habituais7.
Pode ser isolada ou associada a múltiplas etiologias, como ingestão materna de
anticoagulantes à base de cumarina durante a gravidez, lúpus eritematoso sistêmico
e
algumas outras condições monogênicas, como síndrome de Keutel ou condrodisplasia
punctata3. No caso da
paciente do presente relato de caso, não havia ingestão de medicamentos durante
a
gestação ou de outras condições já relatadas. Outra questão importante é que a
síndrome de Binder pode estar associada a outras malformações, dentre as quais
destacam-se as anomalias vertebrais1. Foi sugerido que existe um processo de indução concomitante
comum tanto para a área prosencefálica quanto para as vértebras, o que justificaria
a associação dessas características.
A displasia maxilonasal também pode ser combinada com outras malformações. Nos casos
mais graves, a síndrome está associada ao prognatismo mandibular verdadeiro,
exigindo tratamento ortodôntico e cirúrgico combinados. Pode haver prognatismo
pseudomandibular ou mandibular verdadeiro com maxila hipoplásica1. No presente caso, a paciente
apresentava hipoplasia maxilar com discreto prognatismo mandibular, mas não foi
realizada cirurgia ortognática por desejo da paciente e sua família. Ela usou
aparelho ortodôntico durante a adolescência por dois anos, mas ao buscar atendimento
pela Cirurgia Plástica não estava mais em tratamento ortodôntico.
A cirurgia corretiva visa corrigir a maxila curta com má oclusão, melhorar o
achatamento perialar e aumentar o nariz hipoplásico8. O tratamento ortodôntico planejado é um componente
integral do protocolo9. Pacientes
com características leves que se apresentam após a conclusão do crescimento facial
requerem enxerto ósseo, particularmente ao redor da abertura piriforme, enquanto
aqueles com deformidades graves podem precisar de cirurgia ortognática10.
A combinação de procedimentos é adaptada para cada paciente. Muitas vezes, os
pacientes também precisam passar por cirurgias secundárias como procedimentos
de
refinamento, que podem incluir rinoplastia secundária, mentoplastia e remoção
de
parafusos11. O cronograma
de tratamento na síndrome de Binder depende do progresso dos sintomas da oclusão
facial. O tratamento cirúrgico pode ser limitado apenas para reconstrução do dorso
e
ápice nasal ou, adicionalmente, avanço maxilar. Enxerto para o arcabouço
osteocondral do nariz pode ser realizado a partir dos 14 anos, e a osteotomia
do
nariz ou maxila deve ser planejada após os 18 anos12.
Na rinosseptoplastia realiza-se uma septoplastia, mantendo-se um
L-strut, e coloca-se um spreader graft. As
osteotomias laterais são iniciadas com fratura. Um enxerto de extensão do septo
caudal é usado para permitir a projeção e rotação da ponta13. Suturas domais e um enxerto de ponta infralobular
criam projeção de ponta adicional. Finalmente, as excisões da base alar e da soleira
são realizadas para controlar a largura basilar e a aparência da narina13.
Em relação ao tratamento cirúrgico, diferentes materiais têm sido propostos para
reconstruir a estrutura nasal, mas menos evidências dizem respeito a qual enxerto
pode ser mais estável e apreciado no contorno nasal14. O uso de osso e cartilagem tem sido mencionado na
literatura de acordo com a necessidade do cirurgião. Entre os enxertos - osso
passível de remodelação, mas com risco de reabsorção15. A cartilagem apresenta uma taxa baixa de
infecção, é fácil de moldar e tem um toque natural in-situ. No
entanto, a cartilagem da costela tem uma tendência a deformar que altera a
configuração do enxerto de cartilagem ao longo do tempo e as irregularidades do
enxerto também podem ser visíveis através da pele15,16.
Foi observado que a cartilagem costal autóloga é mais favorável para reconstruir a
estrutura nasal e recuperar a estética nasal da síndrome de Binder14. Esse foi o tratamento preconizado
no presente caso, realizando ressecção da sexta cartilagem costal e o preparo
dos
enxertos antes do adequado posicionamento dos mesmos na estruturação nasal. Apesar
do uso de enxertos de cartilagem envolvidos por fáscia ser uma opção descrita
na
literatura7, ainda não é um
método consagrado e no presente caso optou-se por realizar uma abordagem tradicional
com uso de bloco de cartilagem costal para estruturação do dorso nasal.
CONCLUSÃO
Apesar de rara, a síndrome de Binder resulta em alterações importantes na estrutura
nasal, gerando queixas estéticas e funcionais dos pacientes. A rinoplastia pode
ser
uma cirurgia desafiadora nesses pacientes, sendo a reconstrução autóloga com o
uso
de cartilagem costal indicada pela literatura como a melhor opção. É necessário
individualizar cada caso para programação de enxertos e reestruturação nasal,
sendo
fundamental também a melhora funcional desses casos.
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1. Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP,
Brasil
Autor correspondente: Oona Tomiê Daronch Rua Prof.
Dr. Mauro Rodrigues de Oliveira S/N, Botucatu, SP, Brasil, CEP: 18618-688,
E-mail: oona.daronch@yahoo.com.br
Artigo submetido: 01/02/2023.
Artigo aceito: 20/08/2023.
Conflitos de interesse: não há.