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Case Report - Year2023 - Volume38 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0738-PT

RESUMO

Introdução: A hidradenite supurativa (HS) é uma doença inflamatória crônica que afeta preferencialmente a pele intertriginosa e está associada a numerosas comorbidades sistêmicas. A área perineal é a segunda área mais comumente afetada depois da axila. A excisão ampla é o tratamento que tem maior probabilidade de atingir melhores resultados com menor risco de recorrência. Com a excisão cirúrgica extensa, o fechamento com retalho oferece maior probabilidade de tratamento definitivo. Alguns retalhos são descritos para reconstruir defeitos da região perineal após câncer, porém poucos deles são estudados no tratamento da HS. Relato de Caso: Mulher de 43 anos, com HS perineal, submetida a ressecção das lesões e reconstrução com retalho fasciocutâneo medial da coxa em V-Y bilateral como tratamento da doença. O retalho permitiu o fechamento completo do períneo total sem complicações graves.
Conclusão: Este caso mostra que é útil e prático utilizar o retalho fasciocutâneo medial da coxa em V-Y para reconstrução perineal após ressecções amplas de pele, glândulas apócrinas e folículos pilosos no tratamento da HS, oferecendo boa cobertura de pele, e tecido celular subcutâneo com suprimento vascular confiável, que evita sequelas associadas a sacrifício de músculos e alcança dimensões maiores do que outros retalhos, podendo ser considerado em casos selecionados como uma alternativa no tratamento cirúrgico da HS perineal.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Hidradenite supurativa; Períneo; Hidradenite; Retalho perfurante

ABSTRACT

Introduction: Hidradenitis suppurativa (HS) is a chronic inflammatory disease that preferentially affects the intertriginous skin and is associated with numerous systemic comorbidities. The perineal area is the second most commonly affected area after the armpit. Wide excision is the treatment most likely to achieve better results with a lower risk of recurrence. With extensive surgical excision, flap closure offers a greater likelihood of definitive treatment. Some flaps have been described to reconstruct defects in the perineal region after cancer, but few have been studied in treating HS.
Case Report: A 43-year-old woman with perineal HS underwent resection of the lesions and reconstruction with a bilateral V-Y medial thigh fasciocutaneous flap to treat the disease. The flap allowed complete closure of the total perineum without serious complications.
Conclusion: This case shows that it is useful and practical to use the V-Y medial thigh fasciocutaneous flap for perineal reconstruction after wide resections of skin, apocrine glands, and hair follicles in the treatment of HS, offering good skin coverage and subcutaneous cellular tissue with supply reliable vascular flap, which avoids sequelae associated with muscle sacrifice and reaches larger dimensions than other flaps, and can be considered in selected cases as an alternative in the surgical treatment of perineal HS.

Keywords: Surgical flaps; Hidradenitis suppurativa; Perineum; Hidradenitis; Perforator flap.


INTRODUÇÃO

A hidradenite supurativa (HS) é uma doença folicular cutânea crônica, inflamatória, recorrente e debilitante que geralmente se apresenta após a puberdade com lesões dolorosas profundas e inflamadas nas áreas do corpo com glândulas apócrinas, mais comumente axilar, inguinal e região anogenital, podendo levar a consequências físicas e emocionais sérias.

A prevalência de HS é desconhecida, mas as estimativas variam de 0,00033% a 4,10%. Ocorre com mais frequência em adultos jovens e é duas vezes mais comum em mulheres em comparação aos homens1,2. A área perineal é a segunda mais comumente afetada, sendo tratada com excisões amplas, precisando de reconstruções desafiadoras. A ressecção cirúrgica dos tecidos afetados oferece maior expectativa de tratamento definitivo da HS, e por essa razão ter uma opção de retalho para reconstruir defeitos perineais amplos após ressecções de HS é importante2.

Já foram divulgadas algumas técnicas para reconstrução de defeitos de região perineal e glútea no tratamento de HS como fechamento primário, enxertos ou retalhos perfurantes da artéria glútea superior e inferior, porém não estão amplamente estudadas em defeitos extensos que comprometam o períneo anterior e posterior2,3.

O retalho fasciocutâneo medial da coxa V-Y é um retalho baseado em artérias perfurantes da artéria femoral, é tecnicamente reprodutível, fornece volume suficiente com boa cobertura de pele e tecido celular subcutâneo para defeitos extensos do períneo no tratamento de HS.

OBJETIVO

Apresentar um relato de caso que mostra o uso do retalho fasciocutâneo medial da coxa em avanço V-Y bilateral como uma opção de reconstrução de áreas extensas da região perineal no tratamento de hidradenite supurativa.

Paciente do sexo feminino, 43 anos, encaminhada ao serviço de cirurgia plástica após diagnóstico de hidradenite supurativa no períneo anterior e posterior, sem tratamento prévio (Figura 1). Foi planejada ressecção do tecido afetado e reconstrução com retalho fasciocutâneo medial da coxa V-Y bilateral em dois tempos cirúrgicos.

Figura 1 - Lesão por hidradenite supurativa da região perineal total bilateral.

Com a paciente em posição de litotomia, sob anestesia geral, foram ressecadas lesões da região perineal e grandes lábios bilaterais, com margem de 1,5cm lateralmente e medialmente, até o plano subcutâneo, com ressecção de toda a lesão (Figura 2), coleta de amostras para estudo anatomopatológico, culturas com uso de terapia por pressão negativa a 125mmHg contínuo. Laudo anatomopatológico concluiu diagnóstico de hidradenite supurativa bilateral e os resultados das culturas indicaram infecção por Staphylococcus aureus multissensível e Corynebacterium striatum, sendo indicada antibioticoterapia.

Figura 2 - Aspecto do defeito perineal após 3 dias de terapia por pressão negativa.

Após 48 horas, foi realizada a reconstrução do defeito com retalhos de 25x30cm na coxa direita e 25x22cm na coxa esquerda, baseados em artérias perfurantes da artéria femoral. A dissecção foi realizada no plano fasciocutâneo até o plano fascial com descolamento do terço proximal e distal do retalho e avanço em V-Y, com pontos de fixação e colocação de drenos portovac com exteriorização distal e fechamento por planos (Figura 3).

Figura 3 - Reconstrução perineal concluída com retalho fasciocutâneo medial da coxa em avanço V-Y bilateral.

O procedimento realizou-se sem intercorrências, os retalhos apresentaram boa cobertura de pele e tecido celular subcutâneo, não foram prescritos medicamentos para diminuir o número das evacuações nem ostomia. 24 horas após a cirurgia foi prescrita profilaxia antitrombótica, mantida por 7 dias. No segundo dia pós-operatório foi autorizada a sentar e deambular com passos curtos e teve alta no sexto dia. Os drenos foram retirados no oitavo dia. Dois meses após a cirurgia, foram observadas três áreas de deiscência tratadas de forma conservadora. Um ano e meio após a cirurgia o retalho se mantém em bom estado, sem evidência de recidiva da doença ou irritação vulvar, com resultado estético aceitável (Figuras 4 a 6).

Figura 4 - Retalho fasciocutâneo medial da coxa em V-Y bilateral um 1 ano 6 meses de pós-operatório.

Figura 5 - Retalho fasciocutâneo medial da coxa em V-Y bilateral um 1 ano 6 meses de pós-operatório. Visão anterior.

Figura 6 - Retalho fasciocutâneo medial da coxa em V-Y bilateral um 1 ano 6 meses de pós-operatório. Visão posterior.

DISCUSSÃO

Hidradenite supurativa (HS) é uma doença crônica, inflamatória, recorrente, debilitante e cutânea caracterizada por lesões dolorosas, profundas e inflamadas, principalmente nas regiões portadoras de glândulas apócrinas e folículos pilosos, caracterizada por um infiltrado leucocitário perifolicular. A prevalência da HS varia de 1% a 4% na Europa e nos Estados Unidos na população em geral. Geralmente, manifesta-se após a puberdade na segunda e terceira décadas de vida, com predominância feminina. As lesões a longo prazo podem complicar-se com carcinoma de células escamosas1-3.

No ambiente clínico, o estadiamento Hurley é recomendado, pois é simples e ajuda a determinar as necessidades terapêuticas. O estágio Hurley I caracteriza-se por presença de abcesso único, ou múltiplos, porém, sem fístula ou cicatrizes; o estágio II por presença de abscesso recorrente único, ou múltiplos, separados com formação de fístulas e cicatrizes; e o estágio III se caracteriza por presença de múltiplas fístulas interconectadas e abcessos envolvendo ao menos uma área anatômica completa. Para estágio III, o tratamento preferencial são as resseções cirúrgicas amplas de pele, glândulas apócrinas e folículos pilosos porque apresentam maior probabilidade de cura, com menor taxa de recorrência da HS2-4. Por essa razão, ter opções de retalhos para reconstruir defeitos após grandes resseções de HS na região perineal é fundamental.

As feridas perineais que fecham primariamente estão associadas a alta taxa de recorrência da HS3. A cura por segunda intenção, mesmo em excisões grandes, apesar de ser uma opção resolutiva, submete os pacientes a longos períodos de troca de curativos, que são dolorosos, com contração cicatricial pronunciada e aparência final desagradável2,3. O fechamento com enxerto de pele parcial também é descrito, mas na região perineal o risco de perda por contaminação bacteriana é grande3-5.

Alguns retalhos baseados nos ramos descendentes e medial da artéria glútea inferior e femoral profunda foram divulgados na reconstrução de feridas por HS do períneo parcialmente, mas nenhum deles foi descrito para reconstruir feridas grandes que comprometam o períneo total4,6.

Com retalhos glúteos pediculados baseados em perfurantes da artéria glútea superior e inferior, estudados em reconstrução de defeitos perineais por HS, apesar de serem considerados retalhos grandes, foi necessária dissecção pelicular de 10 a 12cm para alcançar áreas mais distantes, tornando-se retalhos mais difíceis de ser feitos, em contraste com os fasciocutâneos da coxa. Ademais, pela proximidade à região perianal, em alguns casos foram indicados medicamentos antidiarreicos ou colostomia para inibir contaminação fecal das áreas reconstruídas com tempo mínimo de internação de 6 dias4,5,7.

Em geral, retalhos glúteos precisam de posição prona no pós-operatório, sendo mais desconfortável para o paciente. Outros retalhos como o retalho fasciocutâneo de pétala de lótus e da prega glútea foram descritos para feridas perineais por HS, porém foram indicados para defeitos da zona medial e posterior do períneo, e no caso do períneo total não foram descritos até agora5,6,8.

O retalho fasciocutâneo medial da coxa V-Y é um retalho baseado em perfurantes da artéria femoral, foi amplamente estudado em defeitos perineais por câncer e não para HS, apesar das múltiplas vantagens como cobrir defeitos do períneo anterior e posterior sem precisar dissecção pedicular, tornando-se um retalho mais fácil e prático de ser feito9,10. Este retalho não sacrifica músculo, evitando morbidade da área doadora e o suprimento vascular é confiável.

O retalho fasciocutâneo medial da coxa em avanço V-Y é uma técnica reprodutível, oferece cobertura de pele e tecido celular subcutâneo suficiente, sendo uma boa opção para reconstruir defeitos após ressecções amplas de pele, glândulas apócrinas e folículos pilosos no tratamento da HS perineal grave, com resultados estéticos e funcionais aceitáveis.

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1. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
2. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Instituição: Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente: Alexander Fabricio Vicente-Rivas Rua Alves Guimarães, 1554, Pinheiros, São Paulo, SP, Brasil, CEP: 05410-000, E-mail: afvr90@live.com

Artigo submetido: 26/06/2022.
Artigo aceito: 20/08/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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