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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0718-PT

RESUMO

Introdução: O diagnóstico tardio do câncer de mama eleva o número de cirurgias, resultando em alta mortalidade e resultado pouco estético. Assim, é fundamental a instituição de procedimentos de reconstrução mamária.
Método: Estudo descritivo, quantitativo e retrospectivo sobre as autorizações de internação hospitalar de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de mama em oncologia, no período de 2011 a 2020, cujo dados foram obtidos na plataforma DATASUS.
Resultados: 7.529 cirurgias de câncer de mama e 1.949 cirurgias reparadoras foram realizadas na Região Norte. Houve aumento do número de procedimentos ao longo da década. Em todos os estados é possível perceber a diferença no número de municípios de residência, comparado aos municípios de internação.
Conclusão: Necessita-se instituir centros de referência oncológica, garantindo tratamento individualizado e a reconstrução mamária.

Palavras-chave: Neoplasias da mama; Mastectomia; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Mamoplastia; Epidemiologia.

ABSTRACT

Introduction: Late breast cancer diagnosis increases the number of surgeries, resulting in high mortality and unsightly results. Therefore, the institution of breast reconstruction procedures is essential.
Method: Descriptive, quantitative, and retrospective study on authorizations for hospital admission of patients undergoing breast surgical procedures in oncology from 2011 to 2020, whose data were obtained from the DATASUS platform.
Results: 7,529 breast cancer surgeries and 1,949 reconstructive surgeries were performed in the North Region. There was an increase in the number of procedures throughout the decade. In all states, it is possible to notice the difference in the number of municipalities of residence compared to the municipalities of hospitalization.
Conclusion: It is necessary to establish oncological reference centers, guaranteeing individualized treatment and breast reconstruction.

Keywords: Breast neoplasms; Mastectomy; Reconstructive surgical procedures; Mammaplasty; Epidemiology.


INTRODUÇÃO

Considerando a distribuição mundial, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres1. No Brasil, excluindo os tumores de pele não melanoma, esse câncer ocupa a primeira posição em todas as regiões, perfazendo um risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres1. Em uma série histórica brasileira, as taxas de mortalidade por essa malignidade apresentam uma tendência ascendente, com a Região Norte apresentando taxas aceleradas de crescimento, o que configura um problema de saúde pública2.

O tratamento de câncer de mama baseia-se em clínico e cirúrgico3,4. Esse último subdivide-se em abordagem conservadora, reservada para casos de diagnóstico precoce, e técnica radical, cirurgia invasiva para casos mais avançados3-6. Apesar das várias possibilidades terapêuticas, a alta mortalidade decorre da baixa oportunidade de acesso ao rastreio, o que resulta em detecção tardia, tratamento radical e prognóstico reservado3-5.

Observa-se que o diagnóstico tardio eleva o número de cirurgias, sobretudo as mutiladoras, como as mastectomias radicais, as quais possuem como sequelas dor e inchaço crônicos, com alta mortalidade e resultados pouco estéticos que repercutem na qualidade de vida3-7. Transtornos psicológicos, alterações de autoimagem e autoestima, sensação de perda da feminilidade, mudanças emocionais e sociais são comuns e afetam a vida familiar e laboral, além de implicar maiores gastos com tratamentos3-8.

Assim, é fundamental o refinamento das técnicas cirúrgicas e a instituição de procedimentos de reconstrução mamária, unindo princípios da cirurgia oncológica e da cirurgia plástica4-6. Implantes mamários, técnicas de expansão tecidual e a utilização de retalhos miocutâneos são exemplos de cirurgias reconstrutivas4-7. Nesse contexto, a Lei da Reconstrução Mamária (Lei n° 12.802/2013)9 garantiu o direito de realização do procedimento para pacientes mastectomizadas, objetivando minimizar o impacto físico e emocional e melhorar a qualidade de vida5-7.

Apesar do direito assegurado, poucas mulheres tratadas cirurgicamente por câncer têm acesso à realização da reconstrução mamária, sendo um dos principais fatores o diminuto número de serviços públicos de referência estruturados, bem como o reduzido número de cirurgiões especialistas em oncoplastia no sistema público de saúde5,6,8,10,11.

Nesse contexto, apesar da relevância clínico-epidemiológica desse tema para a saúde da mulher, não foram encontradas pesquisas atuais na literatura sobre a distribuição dessas cirurgias na Região Norte.

OBJETIVO

Analisar o perfil das cirurgias de câncer de mama e cirurgias de reconstrução mamária realizadas na Região Norte do Brasil, na rede pública de saúde, durante os anos de 2011 a 2020.

MÉTODO

Estudo descritivo, quantitativo e retrospectivo cujos dados foram obtidos nas bases de dados do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), disponibilizadas no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), no endereço eletrônico https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/producao-hospitalar-sih-sus/, com data de acesso no dia 11/11/2021.

Foram analisadas todas as autorizações de internação hospitalar (AIH) aprovadas de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de mama em oncologia na Região Norte, no período de 2011 a 2020.

Os procedimentos em análise foram subdivididos em dois grupos:

    Cirurgias de câncer de mama (código 0416120032 - mastectomia simples em oncologia; 0416120024 - mastectomia radical com linfadenectomia axilar em oncologia; código 0416120059 - segmentectomia/ quadrantectomia /setorectomia de mama em oncologia; código 0416020216 - linfadenectomia axilar unilateral em oncologia; código 0416020062 - linfadenectomia radical axilar unilateral em oncologia; código 0416020054 - linfadenectomia radical axilar bilateral em oncologia; código 0416120040 - ressecção de lesão não palpável de mama com marcação em oncologia) e

    Cirurgia de plástica mamária (código 0410010090 - plástica mamária reconstrutiva pós-mastectomia com implante de prótese; código 0410010073 - plástica mamária feminina não estética). Os códigos dos procedimentos cirúrgicos estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1 - Códigos de procedimentos cirúrgicos por grupamento de cirurgias.
Códigos de procedimentos cirúrgicos Cirurgias
0416120032/0416120024 Mastectomias em oncologia
0416120059 Segmentectomia/quadrantectomia/setorectomia de mama em oncologia
0416020216/ 0416020062/ 0416020054 Linfadenectomias axilares em oncologia
0416120040 Ressecção de lesão não palpável de mama em oncologia
0410010090/ 0410010073 Cirurgia de plástica mamária

Fonte: dados extraídos do DATASUS.

Tabela 1 - Códigos de procedimentos cirúrgicos por grupamento de cirurgias.

Os dados foram tabelados e categorizados de acordo com o município, unidade federativa, região e ano de atendimento. O coeficiente de incidência foi distribuído por frequências iguais e calculado a partir da divisão do número absoluto de procedimentos em cada município pela respectiva população residente e multiplicado por 100.000. O número da população residente foi coletado do Estudo de Estimativas Populacionais, disponibilizado na plataforma online DATASUS. De modo a ilustrar os dados, utilizou-se o programa TabWin v4.15, disponível no DATASUS, para confecção dos mapas referentes à Região Norte.

A presente pesquisa baseou-se em informações contidas em base de dados secundários de domínio público, não sendo necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

No período de 2011 a 2020, 7529 cirurgias de câncer de mama foram realizadas na Região Norte. Desse total, o tratamento radical, mastectomias simples e radical, foi a conduta cirúrgica mais frequente, correspondendo a 61,1% do total de cirurgias, seguido do tratamento conservador, incluindo segmentectomia/quadrantectomia/setorectomia, correspondendo a 23% das cirurgias. A ressecção de lesão não palpável de mama em oncologia somou 11,5% dos casos cirúrgicos e as linfadenectomias axilares totalizaram 4,23% (Tabela 2).

Tabela 2 - Procedimentos cirúrgicos de câncer de mama e reconstrução mamária, por unidade federativa da Região Norte do Brasil, entre 2011 e 2020.
Procedimentos/Unidade Federativa 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 TOTAL %
MASTECTOMIAS 375 324 399 391 385 489 559 563 571 549 4605
Acre 23 9 12 8 10 16 18 12 15 24 147 3%
Amapá 2 6 0 0 1 3 10 12 17 16 67 1%
Amazonas 137 129 137 93 72 133 175 157 191 170 1394 30%
Pará 165 134 172 200 184 202 227 221 179 174 1858 40%
Rondônia 8 0 26 44 62 66 74 79 82 91 532 12%
Roraima 12 16 9 15 21 18 15 23 23 25 177 4%
Tocantins 28 30 43 31 35 51 40 59 64 49 430 9%
SEGMENTECTOMIA/QUADRANTECTOMIA/ SETORECTOMIA 26 16 96 124 137 233 236 255 339 277 1739
Acre 0 0 4 9 1 6 12 6 1 0 39 2%
Amapá 3 0 2 0 1 1 2 7 9 16 41 2%
Amazonas 6 0 13 13 32 81 86 81 130 125 567 33%
Pará 0 0 29 51 44 92 76 87 120 65 564 32%
Rondônia 1 1 8 4 14 18 25 24 17 9 121 7%
Roraima 6 9 7 4 8 7 9 7 6 9 72 4%
Tocantins 10 6 33 43 37 28 26 43 56 53 335 19%
PLÁSTICA MAMÁRIA RECONSTRUTIVA 136 132 166 222 170 151 234 294 310 134 1949
Acre 19 5 14 18 17 15 21 6 5 4 124 6%
Amapá 16 19 18 20 15 16 25 18 23 4 174 9%
Amazonas 22 43 54 95 54 54 41 50 50 28 491 25%
Pará 30 29 28 41 56 44 51 134 126 76 615 32%
Rondônia 35 15 11 6 17 14 48 65 75 16 302 15%
Roraima 3 13 21 8 1 3 16 9 4 1 79 4%
Tocantins 11 8 20 34 10 5 32 12 27 5 164 8%
LINFADENECTOMIAS AXILARES EM ONCOLOGIA 15 28 20 20 29 51 54 29 40 33 319
Acre 0 1 0 0 0 1 0 2 1 1 6 2%
Amapá 0 0 0 0 0 1 2 0 3 0 6 2%
Amazonas 7 9 7 3 2 9 9 4 7 11 68 21%
Pará 2 7 4 3 8 17 15 11 14 2 83 26%
Rondônia 0 2 1 8 10 13 10 5 5 13 67 21%
Roraima 2 1 0 1 3 4 7 5 4 3 30 9%
Tocantins 4 8 8 5 6 6 11 2 6 3 59 18%
RESSECÇÃO DE LESÃO NÃO PALPÁVEL EM MAMA 63 56 71 48 37 66 62 102 174 187 866
Acre 0 3 27 12 8 11 22 51 38 39 211 24,4%
Amapá 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 3 0,3%
Amazonas 46 33 28 16 14 17 14 7 7 4 186 21,5%
Pará 0 2 2 3 3 0 1 2 2 1 16 1,8%
Rondônia 0 1 2 2 9 36 19 37 124 139 369 42,6%
Roraima 0 2 3 4 0 0 0 0 0 0 9 1,0%
Tocantins 16 15 9 11 2 2 6 4 3 4 72 8,3%
TOTAL GERAL 615 556 752 805 758 990 1145 1243 1434 1180 9478

Fonte: dados extraídos do DATASUS.

Tabela 2 - Procedimentos cirúrgicos de câncer de mama e reconstrução mamária, por unidade federativa da Região Norte do Brasil, entre 2011 e 2020.

Quanto ao ano de realização das cirurgias de mama, percebe-se um aumento do número de procedimentos ao longo da década. 2020 apresentou discreta redução no número de cirurgias em relação ao ano anterior (Figura 1).

Figura 1 - Número de cirurgias de câncer de mama notificadas na Região Norte, no período de 2011 a 2020, conforme ano do procedimento.

Em se tratando de mortalidade pelo procedimento cirúrgico, reunindo todos os códigos de cirurgias citados, foram registrados 22 óbitos, sendo 68,1% notificações no estado do Pará, seguido do Amazonas (22,7%), Tocantins e Rondônia, ambos com 4,5% dos óbitos. Os estados do Acre, Amapá e Roraima não notificaram óbitos por cirurgias de câncer de mama no período analisado.

Em relação às cirurgias de plástica mamária reconstrutiva, totalizaram-se 1949 procedimentos na Região Norte. O estado que mais notificou esse procedimento foi o Pará (31%), seguido do Amazonas (25%), Rondônia (15%), Amapá (8%), Tocantins (8%), Acre (6%) e Roraima (4%) (Tabela 2).

Quanto ano de realização desse procedimento, os anos de 2018 e 2019 foram os que apresentaram maior número de notificações. De modo contrário, os anos de 2011, 2012 e 2020 apresentaram uma queda no total de notificações das cirurgias reconstrutivas (Figura 2).

Figura 2 - Número de cirurgias de plástica mamária reconstrutiva notificadas na Região Norte, no período de 2011 a 2020, conforme ano do procedimento.

O mapa descrito compara o coeficiente de incidência de cirurgias de plástica mamária por local de residência e por local de internação, para cada unidade federativa da Região Norte. De 450 municípios existentes no norte do país, 191 municípios correspondem à notificação por residência e somente 40 notificam internações de cirurgias plásticas reconstrutivas.

Em todos os estados é possível perceber a diferença no número de municípios de residência, comparado ao número de municípios de internação. A exemplo, percebe-se que, no estado do Amazonas, 21 municípios notificaram como local de residência, mas somente 5 municípios como locais de internação. O mesmo aconteceu no estado de Rondônia, contrapondo 38 municípios de residência e 4 municípios de internação. O estado do Pará, numericamente mais expressivo, contrapondo 74 municípios de residência contra 21 de internação (Figura 3).

Figura 3 - Coeficiente de incidência de cirurgias de plástica mamária reconstrutiva notificadas na Região Norte por local de residência e por local de internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000 habitantes.

Do mesmo modo, o mapa abaixo contrapõe o coeficiente de incidência de cirurgias de mama em oncologia, por local de residência e por local de internação, para cada unidade federativa. Verifica-se o maior número de municípios notificados quanto ao local de residência, comparado ao diminuto número de municípios notificados por local de internação, para cada estado. Como exemplo, no estado do Pará 134 municípios notificaram como local de residência, comparado a 2 municípios notificados como local de internação. No estado de Rondônia, 51 municípios de residência foram notificados contra 2 municípios de internação, o mesmo aconteceu no estado do Amazonas, contrapondo 49 municípios de residência comparado apenas ao município de Manaus, único local de internação notificado (Figura 4).

Figura 4 - Coeficiente de incidência de cirurgias de mama em oncologia notificadas na Região Norte por local de residência e por local de internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000 habitantes.

DISCUSSÃO

Entre os anos de 2011 e 2020, 61,1% das cirurgias corresponderam às abordagens radicais e somente 23% às abordagens conservadoras. Essa mesma proporção foi encontrada no estudo feito em um hospital de referência da Paraíba, em que 68,8% das pacientes foram submetidas ao tratamento cirúrgico radical13. Em se tratando do cenário nacional, uma pesquisa constatou que do total de cirurgias oncológicas de mama realizados no país, entre 2015 e 2020, 43% corresponderam a algum tipo de mastectomia12.

Esse grande percentual de tratamento radical justifica-se pela significativa proporção de casos de câncer de mama classificados como doença avançada - estádios II e III - antes do início do tratamento, sendo esse dado ainda mais expressivo na Região Norte quando comparado ao restante do país (50,1%)12-14. Como causa, a dificuldade do acesso aos serviços públicos de saúde, o baixo esclarecimento sobre a importância do autocuidado e o distanciamento geográfico dos centros de referência aumentam o tempo entre a suspeita e a confirmação diagnóstica, agravam o quadro clínico e corroboram com medidas terapêuticas mais invasivas, resultados estéticos desfavoráveis e pior prognóstico2,12-14.

A necessidade de conduzir um tratamento radical para um paciente com câncer de mama implica maiores riscos e morbidade2,12,14. Uma série de estudos comprovou a grande janela de tempo que existe no pós-tratamento com abordagem radical e o processo de aceitação do corpo4-8. Grande parte de mulheres mastectomizadas, por vezes associado a dificuldades de acesso ao tratamento multidisciplinar, desenvolvem estresse crônico pós-traumático e transtornos psicoemocionais e psicossociais, especialmente relacionados ao corpo e às expectativas sociais de feminilidade, que impactam no curso e adesão ao tratamento adjuvante4-8,15. Devido a isso, compreende-se a necessidade de investimento em rastreamento e diagnóstico precoce, visando tratamento conservador, bem como garantir acesso à equipe multiprofissional para ganho na qualidade de vida durante tratamento.

Durante o período analisado, percebe-se uma taxa de crescimento de 1500% das cirurgias de mama, justificado pela incidência crescente desse tipo de câncer no país1. A estimativa é de 66.280 casos novos, para cada ano do triênio 2020-20221. Observou-se redução de cirurgias eletivas no ano de 2020, decorrente da pandemia de COVID-19, a qual teve impacto negativo nos serviços médicos no mundo16-18. Houve maior impacto nas cirurgias reconstrutivas, as quais, diante de um cenário pandêmico, não são consideradas prioritárias e podem ser feitas tardiamente.

Quanto à mortalidade pelos procedimentos cirúrgicos, é evidente o baixo quantitativo de óbitos absolutos associados à cirurgia. Apesar do procedimento cirúrgico ser responsável por baixa mortalidade decorrente do procedimento cirúrgico diretamente, o câncer de mama, quando não tratado ou diagnosticado em estágios avançados, é responsável pela primeira causa de morte na população feminina brasileira, com tendência ascendente ao longo das últimas décadas1,14, com risco de óbito estimado de 16,16 a cada 100 mil mulheres, o que dimensiona a sua magnitude como problema de saúde pública1,2,12,14.

Com o avanço da medicina e do entendimento de assistência global à saúde, as cirurgias reconstrutivas ganharam grande visibilidade19. No Brasil, a Lei Federal nº 12.8029 reconheceu a obrigatoriedade da oferta de cirurgias reconstrutoras de mama para pacientes mastectomizadas, devendo ser oferecida por todas as instituições do SUS3,5,9.

Apesar da grande conquista, a sua aplicabilidade ainda é falha, sendo insuficiente para equiparar o número de mastectomias realizadas com os de reconstrução mamária3,20,21.

Isso se justifica no baixo quantitativo de cirurgias reparadoras encontrado no estudo, comparado ao número de cirurgias oncológicas. Em um estudo do panorama brasileiro de cirurgias de mama, resultado similar foi encontrado, em que somente 20% das mulheres brasileiras tiveram o direito garantido de cirurgia plástica com implantes mamários pós-mastectomia, com a Região Norte tendo o menor número de cirurgias reconstrutivas (1,79%)12.

O triênio 2017-2019 foi responsável pelo maior número de cirurgias, o que pode se justificar pela garantia da Lei de Reconstrução Mamária, a partir de 20139. De outro modo, os anos de 2011, 2012 e 2020 demarcaram menor número de cirurgias. Mudanças de gestão hospitalar, baixa de cirurgiões especializados em oncoplastia e diminuição de verbas destinadas a essa área no sistema público de saúde são algumas das possíveis causas dessa diminuição. Outro fator associado ao ano de 2020 é o quadro pandêmico que diminuiu ainda mais o acesso das pacientes mastectomizadas ao direito de cirurgia reparadora, devido restrição de leitos para cirurgias eletivas17,18. Cabe ainda ressaltar que a infraestrutura e o modelo de serviço de saúde, bem como o grau de impacto da pandemia, predizem como cada país pode contornar o atrasado e o aumento da fila de pacientes que requerem reconstruções tardias12,17-19.

Outro ponto analisado no estudo diz respeito ao contraste entre o quantitativo de municípios por residência e o diminuto número de municípios por internação das cirurgias de mama. Essa diferença se justifica, entre outros fatores, pelo número reduzido de serviços de referência no tratamento oncológico e consequente falta de infraestrutura para aumentar a demanda de atendimento3,11,20-23.

A disparidade é ainda mais expressiva ao analisar as cirurgias plásticas de reconstrução mamária, em que o número de municípios de internação é mais restrito nos estados da Região Norte - somente 9% dos municípios dispõem de notificações de cirurgia reparadora. Essa discrepância relaciona-se à falta de serviços de referência que disponham de infraestrutura e logística adequada, o que, por consequência, superlota a fila e aumenta a demora para garantir acesso ao direito da cirurgia reparadora11,20-22.

Outro fator refere-se ao baixo número de cirurgiões treinados e com capacidade para realizar oncoplastia, considerando a demanda do país, bem como os salários reduzidos nos serviços públicos, comparado ao privado, o que diminui a permanência desses profissionais nesse setor11,12,20-24. Segundo o Demografia Médica do Brasil, de 2020, totalizam-se 6152 cirurgiões plásticos e 2302 mastologistas ativos25.

Além disso, esses cirurgiões especialistas estão distribuídos heterogeneamente entre as regiões, maiormente no eixo Sul-Sudeste, agravado pelas disparidades geográficas3,11,19-23. Diante dessas condições, o fluxo de pacientes limita-se a um número restrito de municípios, encarregados de receber uma grande demanda de pacientes oncológicos11,19-23.

A grandeza territorial do Brasil e sua diversidade no perfil epidemiológico se traduzem em diferenças de acessibilidade à saúde22,24. O grande contraste entre a notificação por municípios existente entre os estados da Região Norte permite identificar barreiras de disponibilidade e acessibilidade dos pacientes com diagnóstico de câncer de mama em serviços de referência e, portanto, a necessidade de ampliar a infraestrutura e o atendimento à saúde desse grupo.

A principal limitação do presente trabalho se traduz na possibilidade de subnotificação, em que um número menor dos procedimentos citados tenha sido analisado, quando comparado à realidade numérica dos centros de referência. Outra limitação são as possíveis classificações errôneas, relacionadas à escolha dos códigos de procedimentos no DATASUS, tanto pelos profissionais, durante preenchimento da AIHs, como pelos departamentos responsáveis pela notificação da plataforma. Além disso, deve-se ressaltar que a base de dados não diferencia por diferentes códigos os variados tipos de reconstrução por retalhos miocutâneos existentes na oncologia, agrupando todos em um só código, limitando, portanto, sua utilização na presente pesquisa.

CONCLUSÃO

O crescente número de cirurgias de câncer de mama na Região Norte corresponde, em sua maioria, às abordagens radicais, em contraste com o número ainda baixo de cirurgias de reconstrução mamária. Por fim, demonstrou-se a heterogeneidade existente entre os municípios de notificação no Norte do país, o que revela a necessidade de reorganizar e instituir novos centros de referência oncológica, com objetivo de garantir o acesso ao diagnóstico e tratamento individualizado e precoce, aumentando chances de tratamento conservador e garantindo o direito de reconstrução após tratamento radical.

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1. Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil
2. Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil
3. Hospital Ophir Loyola, Belém, PA, Brasil

Instituição: Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, Brasil.

Autor correspondente: Nyara Rodrigues Conde de Almeida Avenida Perimetral, 1284, Belém, PA, Brasil, CEP: 66079-420, E-mail: nyaraconde@gmail.com

Artigo submetido: 09/04/2022.
Artigo aceito: 26/05/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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