INTRODUÇÃO
Considerando a distribuição mundial, o câncer de mama é o mais incidente entre as
mulheres1. No Brasil,
excluindo os tumores de pele não melanoma, esse câncer ocupa a primeira posição
em
todas as regiões, perfazendo um risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100
mil
mulheres1. Em uma série
histórica brasileira, as taxas de mortalidade por essa malignidade apresentam
uma
tendência ascendente, com a Região Norte apresentando taxas aceleradas de
crescimento, o que configura um problema de saúde pública2.
O tratamento de câncer de mama baseia-se em clínico e cirúrgico3,4. Esse último subdivide-se em abordagem conservadora, reservada
para casos de diagnóstico precoce, e técnica radical, cirurgia invasiva para casos
mais avançados3-6. Apesar das várias possibilidades terapêuticas, a
alta mortalidade decorre da baixa oportunidade de acesso ao rastreio, o que resulta
em detecção tardia, tratamento radical e prognóstico reservado3-5.
Observa-se que o diagnóstico tardio eleva o número de cirurgias, sobretudo as
mutiladoras, como as mastectomias radicais, as quais possuem como sequelas dor
e
inchaço crônicos, com alta mortalidade e resultados pouco estéticos que repercutem
na qualidade de vida3-7. Transtornos psicológicos,
alterações de autoimagem e autoestima, sensação de perda da feminilidade, mudanças
emocionais e sociais são comuns e afetam a vida familiar e laboral, além de implicar
maiores gastos com tratamentos3-8.
Assim, é fundamental o refinamento das técnicas cirúrgicas e a instituição de
procedimentos de reconstrução mamária, unindo princípios da cirurgia oncológica
e da
cirurgia plástica4-6. Implantes mamários, técnicas de expansão tecidual e
a utilização de retalhos miocutâneos são exemplos de cirurgias
reconstrutivas4-7. Nesse contexto, a Lei da
Reconstrução Mamária (Lei n° 12.802/2013)9 garantiu o direito de realização do procedimento para
pacientes mastectomizadas, objetivando minimizar o impacto físico e emocional
e
melhorar a qualidade de vida5-7.
Apesar do direito assegurado, poucas mulheres tratadas cirurgicamente por câncer têm
acesso à realização da reconstrução mamária, sendo um dos principais fatores o
diminuto número de serviços públicos de referência estruturados, bem como o reduzido
número de cirurgiões especialistas em oncoplastia no sistema público de
saúde5,6,8,10,11.
Nesse contexto, apesar da relevância clínico-epidemiológica desse tema para a saúde
da mulher, não foram encontradas pesquisas atuais na literatura sobre a distribuição
dessas cirurgias na Região Norte.
OBJETIVO
Analisar o perfil das cirurgias de câncer de mama e cirurgias de reconstrução mamária
realizadas na Região Norte do Brasil, na rede pública de saúde, durante os anos
de
2011 a 2020.
MÉTODO
Estudo descritivo, quantitativo e retrospectivo cujos dados foram obtidos nas bases
de dados do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS),
disponibilizadas no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS),
no endereço eletrônico https://datasus.saude.gov.br/acesso-a-informacao/producao-hospitalar-sih-sus/,
com data de acesso no dia 11/11/2021.
Foram analisadas todas as autorizações de internação hospitalar (AIH) aprovadas de
pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de mama em oncologia na Região
Norte, no período de 2011 a 2020.
Os procedimentos em análise foram subdivididos em dois grupos:
Cirurgias de câncer de mama (código 0416120032 - mastectomia simples em
oncologia; 0416120024 - mastectomia radical com linfadenectomia axilar em
oncologia; código 0416120059 - segmentectomia/ quadrantectomia /setorectomia
de mama em oncologia; código 0416020216 - linfadenectomia axilar unilateral
em oncologia; código 0416020062 - linfadenectomia radical axilar unilateral
em oncologia; código 0416020054 - linfadenectomia radical axilar bilateral
em oncologia; código 0416120040 - ressecção de lesão não palpável de mama
com marcação em oncologia) e
Cirurgia de plástica mamária (código 0410010090 - plástica mamária
reconstrutiva pós-mastectomia com implante de prótese; código 0410010073 -
plástica mamária feminina não estética). Os códigos dos procedimentos
cirúrgicos estão descritos na Tabela 1.
Tabela 1 - Códigos de procedimentos cirúrgicos por grupamento de cirurgias.
Códigos de
procedimentos cirúrgicos
|
Cirurgias |
0416120032/0416120024 |
Mastectomias em
oncologia
|
0416120059 |
Segmentectomia/quadrantectomia/setorectomia de mama
em oncologia
|
0416020216/
0416020062/ 0416020054
|
Linfadenectomias
axilares em oncologia
|
0416120040 |
Ressecção de lesão não palpável de mama em
oncologia
|
0410010090/
0410010073
|
Cirurgia de
plástica mamária
|
Tabela 1 - Códigos de procedimentos cirúrgicos por grupamento de cirurgias.
Os dados foram tabelados e categorizados de acordo com o município, unidade
federativa, região e ano de atendimento. O coeficiente de incidência foi distribuído
por frequências iguais e calculado a partir da divisão do número absoluto de
procedimentos em cada município pela respectiva população residente e multiplicado
por 100.000. O número da população residente foi coletado do Estudo de Estimativas
Populacionais, disponibilizado na plataforma online DATASUS. De
modo a ilustrar os dados, utilizou-se o programa TabWin v4.15, disponível no
DATASUS, para confecção dos mapas referentes à Região Norte.
A presente pesquisa baseou-se em informações contidas em base de dados secundários
de
domínio público, não sendo necessária a submissão ao Comitê de Ética em
Pesquisa.
RESULTADOS
No período de 2011 a 2020, 7529 cirurgias de câncer de mama foram realizadas na
Região Norte. Desse total, o tratamento radical, mastectomias simples e radical,
foi
a conduta cirúrgica mais frequente, correspondendo a 61,1% do total de cirurgias,
seguido do tratamento conservador, incluindo
segmentectomia/quadrantectomia/setorectomia, correspondendo a 23% das cirurgias.
A
ressecção de lesão não palpável de mama em oncologia somou 11,5% dos casos
cirúrgicos e as linfadenectomias axilares totalizaram 4,23% (Tabela 2).
Tabela 2 - Procedimentos cirúrgicos de câncer de mama e reconstrução mamária, por
unidade federativa da Região Norte do Brasil, entre 2011 e 2020.
Procedimentos/Unidade Federativa |
2011 |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
2020 |
TOTAL |
% |
MASTECTOMIAS |
375 |
324 |
399 |
391 |
385 |
489 |
559 |
563 |
571 |
549 |
4605 |
|
Acre |
23 |
9 |
12 |
8 |
10 |
16 |
18 |
12 |
15 |
24 |
147 |
3% |
Amapá |
2 |
6 |
0 |
0 |
1 |
3 |
10 |
12 |
17 |
16 |
67 |
1% |
Amazonas |
137 |
129 |
137 |
93 |
72 |
133 |
175 |
157 |
191 |
170 |
1394 |
30% |
Pará |
165 |
134 |
172 |
200 |
184 |
202 |
227 |
221 |
179 |
174 |
1858 |
40% |
Rondônia |
8 |
0 |
26 |
44 |
62 |
66 |
74 |
79 |
82 |
91 |
532 |
12% |
Roraima |
12 |
16 |
9 |
15 |
21 |
18 |
15 |
23 |
23 |
25 |
177 |
4% |
Tocantins |
28 |
30 |
43 |
31 |
35 |
51 |
40 |
59 |
64 |
49 |
430 |
9% |
SEGMENTECTOMIA/QUADRANTECTOMIA/
SETORECTOMIA |
26 |
16 |
96 |
124 |
137 |
233 |
236 |
255 |
339 |
277 |
1739 |
|
Acre |
0 |
0 |
4 |
9 |
1 |
6 |
12 |
6 |
1 |
0 |
39 |
2% |
Amapá |
3 |
0 |
2 |
0 |
1 |
1 |
2 |
7 |
9 |
16 |
41 |
2% |
Amazonas |
6 |
0 |
13 |
13 |
32 |
81 |
86 |
81 |
130 |
125 |
567 |
33% |
Pará |
0 |
0 |
29 |
51 |
44 |
92 |
76 |
87 |
120 |
65 |
564 |
32% |
Rondônia |
1 |
1 |
8 |
4 |
14 |
18 |
25 |
24 |
17 |
9 |
121 |
7% |
Roraima |
6 |
9 |
7 |
4 |
8 |
7 |
9 |
7 |
6 |
9 |
72 |
4% |
Tocantins |
10 |
6 |
33 |
43 |
37 |
28 |
26 |
43 |
56 |
53 |
335 |
19% |
PLÁSTICA
MAMÁRIA RECONSTRUTIVA |
136 |
132 |
166 |
222 |
170 |
151 |
234 |
294 |
310 |
134 |
1949 |
|
Acre |
19 |
5 |
14 |
18 |
17 |
15 |
21 |
6 |
5 |
4 |
124 |
6% |
Amapá |
16 |
19 |
18 |
20 |
15 |
16 |
25 |
18 |
23 |
4 |
174 |
9% |
Amazonas |
22 |
43 |
54 |
95 |
54 |
54 |
41 |
50 |
50 |
28 |
491 |
25% |
Pará |
30 |
29 |
28 |
41 |
56 |
44 |
51 |
134 |
126 |
76 |
615 |
32% |
Rondônia |
35 |
15 |
11 |
6 |
17 |
14 |
48 |
65 |
75 |
16 |
302 |
15% |
Roraima |
3 |
13 |
21 |
8 |
1 |
3 |
16 |
9 |
4 |
1 |
79 |
4% |
Tocantins |
11 |
8 |
20 |
34 |
10 |
5 |
32 |
12 |
27 |
5 |
164 |
8% |
LINFADENECTOMIAS AXILARES EM
ONCOLOGIA |
15 |
28 |
20 |
20 |
29 |
51 |
54 |
29 |
40 |
33 |
319 |
|
Acre |
0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
2 |
1 |
1 |
6 |
2% |
Amapá |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
1 |
2 |
0 |
3 |
0 |
6 |
2% |
Amazonas |
7 |
9 |
7 |
3 |
2 |
9 |
9 |
4 |
7 |
11 |
68 |
21% |
Pará |
2 |
7 |
4 |
3 |
8 |
17 |
15 |
11 |
14 |
2 |
83 |
26% |
Rondônia |
0 |
2 |
1 |
8 |
10 |
13 |
10 |
5 |
5 |
13 |
67 |
21% |
Roraima |
2 |
1 |
0 |
1 |
3 |
4 |
7 |
5 |
4 |
3 |
30 |
9% |
Tocantins |
4 |
8 |
8 |
5 |
6 |
6 |
11 |
2 |
6 |
3 |
59 |
18% |
RESSECÇÃO DE
LESÃO NÃO PALPÁVEL EM MAMA |
63 |
56 |
71 |
48 |
37 |
66 |
62 |
102 |
174 |
187 |
866 |
|
Acre |
0 |
3 |
27 |
12 |
8 |
11 |
22 |
51 |
38 |
39 |
211 |
24,4% |
Amapá |
1 |
0 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
1 |
0 |
0 |
3 |
0,3% |
Amazonas |
46 |
33 |
28 |
16 |
14 |
17 |
14 |
7 |
7 |
4 |
186 |
21,5% |
Pará |
0 |
2 |
2 |
3 |
3 |
0 |
1 |
2 |
2 |
1 |
16 |
1,8% |
Rondônia |
0 |
1 |
2 |
2 |
9 |
36 |
19 |
37 |
124 |
139 |
369 |
42,6% |
Roraima |
0 |
2 |
3 |
4 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
9 |
1,0% |
Tocantins |
16 |
15 |
9 |
11 |
2 |
2 |
6 |
4 |
3 |
4 |
72 |
8,3% |
TOTAL
GERAL |
615 |
556 |
752 |
805 |
758 |
990 |
1145 |
1243 |
1434 |
1180 |
9478 |
|
Tabela 2 - Procedimentos cirúrgicos de câncer de mama e reconstrução mamária, por
unidade federativa da Região Norte do Brasil, entre 2011 e 2020.
Quanto ao ano de realização das cirurgias de mama, percebe-se um aumento do número
de
procedimentos ao longo da década. 2020 apresentou discreta redução no número de
cirurgias em relação ao ano anterior (Figura 1).
Figura 1 - Número de cirurgias de câncer de mama notificadas na Região Norte, no
período de 2011 a 2020, conforme ano do procedimento.
Figura 1 - Número de cirurgias de câncer de mama notificadas na Região Norte, no
período de 2011 a 2020, conforme ano do procedimento.
Em se tratando de mortalidade pelo procedimento cirúrgico, reunindo todos os códigos
de cirurgias citados, foram registrados 22 óbitos, sendo 68,1% notificações no
estado do Pará, seguido do Amazonas (22,7%), Tocantins e Rondônia, ambos com 4,5%
dos óbitos. Os estados do Acre, Amapá e Roraima não notificaram óbitos por cirurgias
de câncer de mama no período analisado.
Em relação às cirurgias de plástica mamária reconstrutiva, totalizaram-se 1949
procedimentos na Região Norte. O estado que mais notificou esse procedimento foi
o
Pará (31%), seguido do Amazonas (25%), Rondônia (15%), Amapá (8%), Tocantins (8%),
Acre (6%) e Roraima (4%) (Tabela 2).
Quanto ano de realização desse procedimento, os anos de 2018 e 2019 foram os que
apresentaram maior número de notificações. De modo contrário, os anos de 2011,
2012
e 2020 apresentaram uma queda no total de notificações das cirurgias reconstrutivas
(Figura 2).
Figura 2 - Número de cirurgias de plástica mamária reconstrutiva notificadas na
Região Norte, no período de 2011 a 2020, conforme ano do
procedimento.
Figura 2 - Número de cirurgias de plástica mamária reconstrutiva notificadas na
Região Norte, no período de 2011 a 2020, conforme ano do
procedimento.
O mapa descrito compara o coeficiente de incidência de cirurgias de plástica mamária
por local de residência e por local de internação, para cada unidade federativa
da
Região Norte. De 450 municípios existentes no norte do país, 191 municípios
correspondem à notificação por residência e somente 40 notificam internações de
cirurgias plásticas reconstrutivas.
Em todos os estados é possível perceber a diferença no número de municípios de
residência, comparado ao número de municípios de internação. A exemplo, percebe-se
que, no estado do Amazonas, 21 municípios notificaram como local de residência,
mas
somente 5 municípios como locais de internação. O mesmo aconteceu no estado de
Rondônia, contrapondo 38 municípios de residência e 4 municípios de internação.
O
estado do Pará, numericamente mais expressivo, contrapondo 74 municípios de
residência contra 21 de internação (Figura 3).
Figura 3 - Coeficiente de incidência de cirurgias de plástica mamária
reconstrutiva notificadas na Região Norte por local de residência e por
local de internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000
habitantes.
Figura 3 - Coeficiente de incidência de cirurgias de plástica mamária
reconstrutiva notificadas na Região Norte por local de residência e por
local de internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000
habitantes.
Do mesmo modo, o mapa abaixo contrapõe o coeficiente de incidência de cirurgias de
mama em oncologia, por local de residência e por local de internação, para cada
unidade federativa. Verifica-se o maior número de municípios notificados quanto
ao
local de residência, comparado ao diminuto número de municípios notificados por
local de internação, para cada estado. Como exemplo, no estado do Pará 134
municípios notificaram como local de residência, comparado a 2 municípios
notificados como local de internação. No estado de Rondônia, 51 municípios de
residência foram notificados contra 2 municípios de internação, o mesmo aconteceu
no
estado do Amazonas, contrapondo 49 municípios de residência comparado apenas ao
município de Manaus, único local de internação notificado (Figura 4).
Figura 4 - Coeficiente de incidência de cirurgias de mama em oncologia
notificadas na Região Norte por local de residência e por local de
internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000 habitantes.
Figura 4 - Coeficiente de incidência de cirurgias de mama em oncologia
notificadas na Região Norte por local de residência e por local de
internação, no período de 2011 a 2020, por 100.000 habitantes.
DISCUSSÃO
Entre os anos de 2011 e 2020, 61,1% das cirurgias corresponderam às abordagens
radicais e somente 23% às abordagens conservadoras. Essa mesma proporção foi
encontrada no estudo feito em um hospital de referência da Paraíba, em que 68,8%
das
pacientes foram submetidas ao tratamento cirúrgico radical13. Em se tratando do cenário nacional, uma pesquisa
constatou que do total de cirurgias oncológicas de mama realizados no país, entre
2015 e 2020, 43% corresponderam a algum tipo de mastectomia12.
Esse grande percentual de tratamento radical justifica-se pela significativa
proporção de casos de câncer de mama classificados como doença avançada - estádios
II e III - antes do início do tratamento, sendo esse dado ainda mais expressivo
na
Região Norte quando comparado ao restante do país (50,1%)12-14. Como
causa, a dificuldade do acesso aos serviços públicos de saúde, o baixo
esclarecimento sobre a importância do autocuidado e o distanciamento geográfico
dos
centros de referência aumentam o tempo entre a suspeita e a confirmação diagnóstica,
agravam o quadro clínico e corroboram com medidas terapêuticas mais invasivas,
resultados estéticos desfavoráveis e pior prognóstico2,12-14.
A necessidade de conduzir um tratamento radical para um paciente com câncer de mama
implica maiores riscos e morbidade2,12,14. Uma série de estudos comprovou a grande janela de tempo
que existe no pós-tratamento com abordagem radical e o processo de aceitação do
corpo4-8. Grande parte de mulheres mastectomizadas, por vezes
associado a dificuldades de acesso ao tratamento multidisciplinar, desenvolvem
estresse crônico pós-traumático e transtornos psicoemocionais e psicossociais,
especialmente relacionados ao corpo e às expectativas sociais de feminilidade,
que
impactam no curso e adesão ao tratamento adjuvante4-8,15. Devido a isso, compreende-se a
necessidade de investimento em rastreamento e diagnóstico precoce, visando
tratamento conservador, bem como garantir acesso à equipe multiprofissional para
ganho na qualidade de vida durante tratamento.
Durante o período analisado, percebe-se uma taxa de crescimento de 1500% das
cirurgias de mama, justificado pela incidência crescente desse tipo de câncer
no
país1. A estimativa é de
66.280 casos novos, para cada ano do triênio 2020-20221. Observou-se redução de cirurgias eletivas no ano de
2020, decorrente da pandemia de COVID-19, a qual teve impacto negativo nos serviços
médicos no mundo16-18. Houve maior impacto nas cirurgias reconstrutivas,
as quais, diante de um cenário pandêmico, não são consideradas prioritárias e
podem
ser feitas tardiamente.
Quanto à mortalidade pelos procedimentos cirúrgicos, é evidente o baixo quantitativo
de óbitos absolutos associados à cirurgia. Apesar do procedimento cirúrgico ser
responsável por baixa mortalidade decorrente do procedimento cirúrgico diretamente,
o câncer de mama, quando não tratado ou diagnosticado em estágios avançados, é
responsável pela primeira causa de morte na população feminina brasileira, com
tendência ascendente ao longo das últimas décadas1,14, com risco de
óbito estimado de 16,16 a cada 100 mil mulheres, o que dimensiona a sua magnitude
como problema de saúde pública1,2,12,14.
Com o avanço da medicina e do entendimento de assistência global à saúde, as
cirurgias reconstrutivas ganharam grande visibilidade19. No Brasil, a Lei Federal nº 12.8029 reconheceu a obrigatoriedade da
oferta de cirurgias reconstrutoras de mama para pacientes mastectomizadas, devendo
ser oferecida por todas as instituições do SUS3,5,9.
Apesar da grande conquista, a sua aplicabilidade ainda é falha, sendo insuficiente
para equiparar o número de mastectomias realizadas com os de reconstrução
mamária3,20,21.
Isso se justifica no baixo quantitativo de cirurgias reparadoras encontrado no
estudo, comparado ao número de cirurgias oncológicas. Em um estudo do panorama
brasileiro de cirurgias de mama, resultado similar foi encontrado, em que somente
20% das mulheres brasileiras tiveram o direito garantido de cirurgia plástica
com
implantes mamários pós-mastectomia, com a Região Norte tendo o menor número de
cirurgias reconstrutivas (1,79%)12.
O triênio 2017-2019 foi responsável pelo maior número de cirurgias, o que pode se
justificar pela garantia da Lei de Reconstrução Mamária, a partir de 20139. De outro modo, os anos de 2011,
2012 e 2020 demarcaram menor número de cirurgias. Mudanças de gestão hospitalar,
baixa de cirurgiões especializados em oncoplastia e diminuição de verbas destinadas
a essa área no sistema público de saúde são algumas das possíveis causas dessa
diminuição. Outro fator associado ao ano de 2020 é o quadro pandêmico que diminuiu
ainda mais o acesso das pacientes mastectomizadas ao direito de cirurgia reparadora,
devido restrição de leitos para cirurgias eletivas17,18. Cabe
ainda ressaltar que a infraestrutura e o modelo de serviço de saúde, bem como
o grau
de impacto da pandemia, predizem como cada país pode contornar o atrasado e o
aumento da fila de pacientes que requerem reconstruções tardias12,17-19.
Outro ponto analisado no estudo diz respeito ao contraste entre o quantitativo de
municípios por residência e o diminuto número de municípios por internação das
cirurgias de mama. Essa diferença se justifica, entre outros fatores, pelo número
reduzido de serviços de referência no tratamento oncológico e consequente falta
de
infraestrutura para aumentar a demanda de atendimento3,11,20-23.
A disparidade é ainda mais expressiva ao analisar as cirurgias plásticas de
reconstrução mamária, em que o número de municípios de internação é mais restrito
nos estados da Região Norte - somente 9% dos municípios dispõem de notificações
de
cirurgia reparadora. Essa discrepância relaciona-se à falta de serviços de
referência que disponham de infraestrutura e logística adequada, o que, por
consequência, superlota a fila e aumenta a demora para garantir acesso ao direito
da
cirurgia reparadora11,20-22.
Outro fator refere-se ao baixo número de cirurgiões treinados e com capacidade para
realizar oncoplastia, considerando a demanda do país, bem como os salários reduzidos
nos serviços públicos, comparado ao privado, o que diminui a permanência desses
profissionais nesse setor11,12,20-24. Segundo o
Demografia Médica do Brasil, de 2020, totalizam-se 6152 cirurgiões plásticos e
2302
mastologistas ativos25.
Além disso, esses cirurgiões especialistas estão distribuídos heterogeneamente entre
as regiões, maiormente no eixo Sul-Sudeste, agravado pelas disparidades
geográficas3,11,19-23. Diante dessas
condições, o fluxo de pacientes limita-se a um número restrito de municípios,
encarregados de receber uma grande demanda de pacientes oncológicos11,19-23.
A grandeza territorial do Brasil e sua diversidade no perfil epidemiológico se
traduzem em diferenças de acessibilidade à saúde22,24. O grande
contraste entre a notificação por municípios existente entre os estados da Região
Norte permite identificar barreiras de disponibilidade e acessibilidade dos
pacientes com diagnóstico de câncer de mama em serviços de referência e, portanto,
a
necessidade de ampliar a infraestrutura e o atendimento à saúde desse grupo.
A principal limitação do presente trabalho se traduz na possibilidade de
subnotificação, em que um número menor dos procedimentos citados tenha sido
analisado, quando comparado à realidade numérica dos centros de referência. Outra
limitação são as possíveis classificações errôneas, relacionadas à escolha dos
códigos de procedimentos no DATASUS, tanto pelos profissionais, durante
preenchimento da AIHs, como pelos departamentos responsáveis pela notificação
da
plataforma. Além disso, deve-se ressaltar que a base de dados não diferencia por
diferentes códigos os variados tipos de reconstrução por retalhos miocutâneos
existentes na oncologia, agrupando todos em um só código, limitando, portanto,
sua
utilização na presente pesquisa.
CONCLUSÃO
O crescente número de cirurgias de câncer de mama na Região Norte corresponde, em
sua
maioria, às abordagens radicais, em contraste com o número ainda baixo de cirurgias
de reconstrução mamária. Por fim, demonstrou-se a heterogeneidade existente entre
os
municípios de notificação no Norte do país, o que revela a necessidade de
reorganizar e instituir novos centros de referência oncológica, com objetivo de
garantir o acesso ao diagnóstico e tratamento individualizado e precoce, aumentando
chances de tratamento conservador e garantindo o direito de reconstrução após
tratamento radical.
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Brasil
Autor correspondente: Nyara Rodrigues Conde de
Almeida Avenida Perimetral, 1284, Belém, PA, Brasil, CEP: 66079-420,
E-mail: nyaraconde@gmail.com
Artigo submetido: 09/04/2022.
Artigo aceito: 26/05/2023.
Conflitos de interesse: não há.