INTRODUÇÃO
O aumento considerável do número de cirurgias bariátricas para tratamento cirúrgico
da obesidade mórbida implicou na maior demanda por procedimentos reparadores das
sequelas causadas pela grande perda ponderal, como abdominoplastias, mastopexias
e
braquioplastias1-5. A braquioplastia trata o excesso de
pele e a lipodistrofia localizada em braços e axilas, com vistas à obtenção de
um
contorno braquial atraente, cicatriz graciosa e discreta e menor número de
complicações possíveis, tais como: deiscência, infecção e seroma, cicatriz
hipertrófica e contraturas cicatriciais3,4.
Como grande parte dos procedimentos para correção de deformidade braquial pós-perda
ponderal ainda são incompletos e resultam em cicatrizes insatisfatórias4,6, surge a necessidade de aperfeiçoamento da técnica
operatória7 e de
normatização dos procedimentos cirúrgicos7-11. Criamos uma
classificação intuitiva que permite melhor comunicação entre os cirurgiões,
possibilitando a uniformização e padronização da avaliação do paciente ex-obeso
que
apresenta deformidades em região dos braços e axilas relacionadas à perda ponderal
maciça. Através desta sugerimos o tratamento cirúrgico adequado a cada caso, a
fim
de restabelecer um contorno braquial adequado. Esta padronização é adotada com
sucesso pelo Serviço de Cirurgia Plástica Prof. Ricardo Baroudi - Santa Casa de
Campinas.
OBJETIVO
Sugerir uma classificação prática e útil para as deformidades braquiais após
acentuada perda ponderal, com o intuito de facilitar a compreensão e a comunicação
entre os cirurgiões plásticos, e conjuntamente sugerir possível conduta específica
a
cada um dos subtipos.
MATERIAL E MÉTODO
Realizamos uma revisão da literatura e propomos uma classificação objetiva e prática
englobando todos os casos de deformidade braquial encontrados em nossa prática
diária, e sugerimos a modalidade de tratamento cirúrgico que poderá ser aplicada
em
cada subtipo.
Atualmente, nas classificações existentes encontramos limitações, como por exemplo:
dificuldade em classificar e diferenciar regiões com lipodistrofia e/ou frouxidão
cutânea e uso de valores fixos para determinar ptose, desconsiderando as dimensões
corporais do paciente.
Em vista de que tais classificações são insatisfatórias para normatizar uma conduta
cirúrgica adequada, propomos uma classificação que utiliza parâmetros facilmente
avaliáveis no exame físico e que de forma intuitiva orienta uma conduta de
tratamento. Didaticamente, dividimos tais deformidades em sete entidades clínicas,
que variam desde a deformidade mais simples com pequena lipodistrofia até a presença
de flacidez cutânea em toda extensão do braço com presença de lipodistrofia.
RESULTADOS
A classificação proposta se baseia na avaliação da presença de lipodistrofia e
flacidez cutânea na região dos braços e axilas durante o exame físico do paciente.
Após a avaliação destes parâmetros, é possível sugerir tratamento cirúrgico adequado
a cada caso.
Classificação LC
Entidades clínicas
Lipodistrofia sem flacidez de pele.
Flacidez de pele localizada em região axilar sem lipodistrofia.
Flacidez de pele localizada da região axilar até terço médio de braço
sem lipodistrofia.
Flacidez de pele localizada da região axilar até terço distal de
braço sem lipodistrofia.
Lipodistrofia com flacidez de pele localizada em região axilar.
Lipodistrofia com flacidez de pele localizada da região axilar até
terço médio do braço.
Lipodistrofia com flacidez de pele localizada da região axilar até
terço distal do braço.
Considerando cada um dos sete tipos de deformidades descritas acima, pode-se
estabelecer sete tipos de tratamentos cirúrgicos correspondentes.
Braço tipo L - Lipoaspiração
Braço tipo C1 - Incisão somente axilar
Braço tipo C2 - Incisão axilar indo até o terço médio do braço
Braço tipo C3 - Incisão axilar indo até o epicôndilo medial
Braço tipo LC1 - Lipoaspiração + Incisão somente axilar
Braço tipo LC2 - Lipoaspiração + Incisão axilar indo até o terço
médio do braço
Braço tipo LC3 - Lipoaspiração + Incisão axilar indo até o epicôndilo
medial
A demarcação cutânea para a cirurgia deve ser realizada com o paciente em
posição supina, braço em abdução de 90° e o antebraço fletido 90º em relação
ao braço (Figura 1). Identificam-se os
principais pontos anatômicos: pregas axilares anterior e posterior;
epicôndilo medial e o sulco bicipital medial. Inicia-se então a marcação
baseada no tipo de deformidade que o paciente apresenta segundo a
classificação aqui proposta.
Figura 1 - Posição ideal do braço para demarcação cutânea
Figura 1 - Posição ideal do braço para demarcação cutânea
Demarcação cutânea mostrando o desenho em fuso determinado pela pinçamento
bidigital. Linhas paralelas que orientam o fechamento livre de orelhas
cutâneas (Figura 2).
Figura 2 - Exemplo de marcação.
Figura 2 - Exemplo de marcação.
Braço do tipo L: ao exame físico, verificamos que no braço do tipo L existe
somente lipodistrofia, sem flacidez ou excesso de pele. Neste tipo de braço
indica-se somente lipoaspiração. A demarcação cutânea deve ser realizada
somente no local a ser lipoaspirado, utilizando técnica topográfica
clássica, sendo que na cirurgia deve-se tomar o devido cuidado com
estruturas nobres localizadas profundamente nesta região (Figura 3).
Figura 3 - Braço do tipo L, em que se verifica somente lipodistrofia,
sem excesso de pele.
Figura 3 - Braço do tipo L, em que se verifica somente lipodistrofia,
sem excesso de pele.
Braço do tipo C1: neste tipo de braço verificamos excesso de pele somente
próximo à axila, sem acúmulo de gordura. Os terços médio e distal do braço
não apresentam alterações. No tipo de braço C1 está indicada a cirurgia de
retirada de excesso de pele somente na região proximal do braço, sendo
assim, a demarcação da incisão deve ser realizada do cavo axilar, atingindo
no máximo o terço medial do braço, numa linha que se situa 1cm cranial ao
sulco bicipital (Figura 4).
Figura 4 - Braço tipo C1, apresenta somente excesso de pele proximal,
sem lipodistrofia.
Figura 4 - Braço tipo C1, apresenta somente excesso de pele proximal,
sem lipodistrofia.
Braço tipo C2: este tipo de braço apresenta excesso de pele que se estende da
axila até o terço médio do braço, sem lipodistrofia. No tipo C2 está
indicada a cirurgia de retirada do excesso de pele da axila estendendo-se
até o terço médio do braço, demarcando-se numa linha situada 1cm
cranialmente ao sulco bicipital (Figura 5).
Figura 5 - Braço do tipo C2: presença de excesso de pele desde a axila
até o terço médio do braço.
Figura 5 - Braço do tipo C2: presença de excesso de pele desde a axila
até o terço médio do braço.
Braço tipo C3: neste tipo de braço verifica-se grande excesso de pele que vai
da axila ao epicôndilo medial, sem lipodistrofia, portanto, não havendo
indicação de lipoaspiração. A incisão é realizada numa linha 1cm cranial ao
sulco bicipital, desde a prega axilar até o final da deformidade. A linha
inferior é delimitada pelo pinçamento cutâneo englobando-se o excesso
cutâneo. Como resultante, obtém-se um fuso desde a prega do cotovelo, junto
ao epicôndilo medial, estendendo-se até o cavo axilar (Figura 6).
Figura 6 - Braço tipo C3, excesso de pele da axila ao epicôndilo medial,
sem lipodistrofia.
Figura 6 - Braço tipo C3, excesso de pele da axila ao epicôndilo medial,
sem lipodistrofia.
Os seguintes tipos são a combinação dos tipos já descritos:
LC1: braço do tipo C1, com excesso de pele da axila ao terço proximal do
braço associado à lipodistrofia do braço, em qualquer região. Portanto,
neste tipo de braço indica-se a cirurgia de retirada de excesso de pele
somente na região proximal do braço que vai do cavo axilar a no máximo o
terço medial do braço, numa linha que se situa 1cm cranial ao sulco
bicipital, associado à lipoaspiração (Figura 7).
Figura 7 - Braço tipo LC1, com excesso de pele proximal associado à
lipodistrofia.
Figura 7 - Braço tipo LC1, com excesso de pele proximal associado à
lipodistrofia.
LC2: Braço que apresenta excesso de pele da axila até o terço médio do braço
associado com lipodistrofia. A ressecção de pele indica-se desde o cavo
axilar até o terço médio do braço, respeitando o limite até 1cm do sulco
bicipital. A lipodistrofia é tratada com lipoaspiração (Figura 8).
Figura 8 - Braço tipo LC2: excesso de pele até terço médio do braço
associado com lipodistrofia.
Figura 8 - Braço tipo LC2: excesso de pele até terço médio do braço
associado com lipodistrofia.
LC3: Indica o braço que apresenta tanto flacidez e excesso de pele como
lipodistrofia associada. A ressecção será levada até o epicôndilo medial. A
lipodistrofia será tratada com lipoaspiração (Figura 9).
Figura 9 - Braço tipo LC3 com flacidez: lipodistrofia até a região
distal do braço.
Figura 9 - Braço tipo LC3 com flacidez: lipodistrofia até a região
distal do braço.
DISCUSSÃO
O advento e a popularidade da lipoaspiração ampliaram o leque de opções para a
melhora do contorno corporal6,9,12, inclusive no que tange às braquioplastias6. A classificação proposta infere a
modalidade de tratamento cirúrgico a partir da avaliação clínica pré-operatória,
e
esta é objetiva, abrangente e prática para todos os casos de deformidade braquial
no
paciente ex-obeso1,2,12. A
proposta de classificação é o plano diretor para o conhecimento dos tipos de
deformidades existentes com a sugestão de tratamento cirúrgico necessário para
correção de cada caso. Tal classificação realça os principais pontos a serem
observados no tratamento cirúrgico da deformidade braquial pós-perda ponderal
acentuada, como: necessidade ou não de lipoaspiração, planejamento da cicatriz
e
técnica cirúrgica adequada visando a prevenção de potenciais complicações
operatórias.
O grau de deformidade pode ser variável e os bons resultados cirúrgicos devem sempre
levar em consideração a flacidez cutânea e o acúmulo de tecido subcutâneo2,7.
Entre as escalas existentes, temos as de Temouriam e Malekzadeh, Appelt, Pitsbourgh
e
a de El Khatip; esta última é a mais utilizada. Todas as escalas utilizam como
parâmetros frouxidão de pele e lipodistrofia, porém as classificações anteriores
não
levam em conta as particularidades corporais dos pacientes.
El Khatip utiliza números fixos como pontos de referências, esses pontos dificilmente
serão universalmente aplicáveis. Nossa classificação utiliza medidas não fixas,
com
isso, consideramos que pode ser aplicada em todos os pacientes pós-bariátricos
que
apresentem algum grau de lipodistrofia e/ou flacidez cutânea na região dos braços
e
axilas. Devido a sua praticidade e objetividade, permite a fácil interpretação
do
cirurgião plástico, registro fidedigno em prontuários, artigos e literatura,
facilitando a comunicação entre profissionais. Por último, nossa escala propõe
uma
sugestão de tratamento cirúrgico, a fim de promover ao paciente um contorno braquial
harmonioso e com cicatrizes discretas (Tabela 1).
Tabela 1 - Comparação entre as escalas El Khatip11 e LC.
Escala
de El Khatip11 |
Grupo |
Pele e
Gordura |
Tratamento |
I |
Gordura mínima
(menos de 300ml) sem ptose
|
Lipoaspiração
circunferencial
|
IIa |
Gordura moderada e ptose menor de 5cm |
Lipoaspiração em várias etapas |
IIb |
Gordura severa com
ptose 5-10cm
|
Lipoaspiração +/-
excisão de pele axilar
|
III |
Obesidade generalizada e laxitude de pele |
Lipoaspiração + braquioplastia com cicatriz
reduzida
|
IV |
Depósito de gordura
mínimo com ptose grau 3
|
Braquioplastia |
Escala LC |
Tipo de
Braço |
Pele e
Gordura |
Tratamento |
L |
Lipodistrofia sem
flacidez
|
Lipoaspiração |
C1 |
Flacidez de pele axilar sem Lipodistrofia |
Incisão somente axilar |
C2 |
Flacidez de pele em
região axilar até terço médio de braço sem lipodistrofia
|
Incisão axilar indo
até o terço médio do braço
|
C3 |
Flacidez de pele até terço distal sem
lipodistrofia
|
Incisão axilar até o epicôndilo medial |
LC1 |
Lipodistrofia com
flacidez de pele em região axilar
|
Lipoaspiração +
incisão somente axilar
|
LC2 |
Lipodistrofia com flacidez de pele até terço médio do
braço
|
Lipoaspiração + excisão até terço médio do braço |
LC3 |
Lipodistrofia com
flacidez de pele da região axilar até terço distal do Braço
|
Lipoaspiração +
incisão axilar até epicôndilo medial
|
Tabela 1 - Comparação entre as escalas El Khatip11 e LC.
CONCLUSÃO
A escala proposta oferece uma linguagem universal para classificar as alterações na
região dos braços e axilas no paciente ex-obeso baseando-se na região anatômica
onde
está localizada a lipodistrofia e a presença de flacidez cutânea concomitante.
Foram
identificados sete tipos de alterações avaliando tais parâmetros e, a partir destes
achados, alinham-se os tipos de deformidades preexistentes com a respectiva
modalidade cirúrgica necessária para a correção de cada caso. A existência de
uma
classificação objetiva e prática facilita a comunicação entre os profissionais
e
orienta o melhor tratamento, proporcionando ao paciente um contorno braquial
atraente, cicatriz graciosa e uma menor taxa de complicações.
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1. Santa Casa de Campinas, Serviço de Cirurgia
Plástica Ricardo Baroudi, Campinas, SP, Brasil
Autor correspondente: Erick Samuel Santos de Mello
Av. José Bonifácio, 2001, Jardim das Paineiras, Campinas, - SP, Brasil, CEP:
13092-305, E-mail: santos2224@gmail.com
Artigo submetido: 22/06/2022.
Artigo aceito: 16/11/2022.
Conflitos de interesse: não há.