INTRODUÇÃO
A mastectomia é um procedimento que consiste na remoção total ou parcial de tecido
mamário, variando conforme a extensão da ressecção de tecidos adicionais (tecido
glandular, pele sobrejacente, músculos peitorais e linfonodos regionais). Suas
principais indicações são para o tratamento de neoplasia de mama e para a profilaxia
em pacientes com alto risco de desenvolverem neoplasia de mama (a exemplo de
pacientes com mutação dos genes BRCA1 e BRCA2)1. Essa cirurgia constitui uma possível fonte de estresse
psicológico que dificulta o funcionamento psicossocial do paciente que lhe é
submetido, na medida em que terá de lidar com a tensão e com o dismorfismo corporal,
além de diversas outras questões daí decursivas2.
Sendo assim, nos últimos anos, a busca por cirurgias plásticas de reconstrução
mamária pós-mastectomia tem sido crescente, principalmente devido aos benefícios
gerados pelo referido procedimento, como a tendência de os pacientes valorizarem
mais a qualidade de vida e se sentirem mais atraentes3.
Entretanto, realizar procedimentos anestésico-cirúrgicos em pacientes considerados
de
alto risco perioperatório pode ser um desafio e, em decorrência da preocupação
de
anestesiologistas e cirurgiões quanto à segurança do procedimento, a tendência
atual
é a implementação de protocolos que revolucionem os cuidados perioperatórios,
aprimorando o manejo intra-hospitalar desses pacientes e melhorando
desfechos4.
Dentre os protocolos que visam aprimorar a recuperação de pacientes após cirurgias,
destaca-se a revisão sistemática de meta-análises endossada pela Enhanced
Recovery After Surgery Society (ERAS). Esse protocolo consiste em um
consenso de recomendações, baseadas em evidências científicas, que objetivam
promover um cuidado perioperatório ideal e gerar uma recuperação aprimorada,
inclusive após uma cirurgia plástica de reconstrução mamária5.
Por meio desse conjunto de recomendações é possível garantir uma abordagem mais
segura e eficiente em relação aos cuidados pré, intra e pósoperatórios. A
implementação do protocolo pode trazer benefícios significativos, como o engajamento
do paciente, mitigação do estresse fisiológico associado à cirurgia, redução de
complicações pós-operatórias evitáveis (redução de morbimortalidade, recuperação
mais rápida, redução de tempo de internação hospitalar), resultando em redução
de
custo hospitalar e diminuição das taxas de readmissão hospitalar no período de
30
dias6.
OBJETIVO
O presente estudo buscou realizar uma análise das recomendações do protocolo ERAS
em
cirurgia plástica de reconstrução mamária empregadas em dois hospitais no Sul
do
país, gerando estratégias para implementação de um protocolo que alinha a prática
com evidências científicas, promove lideranças institucionais e fomenta o trabalho
em equipe, engajando todas as partes envolvidas no cuidado do paciente, além dos
demais benefícios citados previamente7.
MÉTODO
Estudo com delineamento transversal, utilizando banco de dados de prontuários físicos
e eletrônicos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade do Sul de Santa Catarina, sob parecer 5.570.697, CAAE
59026222.8.0000.5369, em 9 de agosto de 2022.
Foram avaliadas pacientes do sexo feminino, com 18 anos ou mais, submetidas a
cirurgia plástica de reconstrução mamária pós-mastectomia, em dois hospitais gerais
do Sul do Brasil, entre 2018 e 2021. A amostra foi do tipo censo.
Foram coletados dos prontuários médicos variáveis relativas às características
sociodemográficas do paciente (sexo, idade, presença de hábitos sociais,
comorbidades, IMC (Índice de Massa Corporal), e o tipo de procedimento a ser
realizado); presença de aconselhamento pré-operatório e orientações, principalmente
quanto à cessação de tabagismo, perda de peso pré-cirurgia e abstinência alcoólica;
realização de angiotomografia computadorizada pré-cirúrgica; tempo de jejum
préoperatório para líquidos claros e alimentos sólidos determinado pelo
anestesiologista; realização de condicionamento pré-operatório com carboidratos.
Também verificados realização de profilaxia para tromboembolismo venoso, e métodos;
preparação de pele, e qual substância utilizada, administração de antibiótico
antes
da cirurgia e tempo de sua administração pré-cirúrgica; medicações utilizadas
para
náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO); analgesia multimodal pré e
intraoperatória; protocolo anestésico padrão, contendo o tipo de anestesia
intraoperatória utilizada; prevenção de hipotermia intraoperatória; fluidos
administrados no intraoperatório; prescrição de analgésicos pós-operatórios; tempo
para início de ingestão oral de líquidos e para deambulação a partir da cirurgia;
tempo para alta hospitalar. Adicionalmente, analisamos as complicações imediatas
e
reinternações.
As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e percentuais,
e as variáveis contínuas como média e desvio padrão (DP). A taxa de seguimento
por
paciente foi calculada por média aritmética simples. Para avaliar a dependência
estatística entre duas variáveis, foi utilizado o coeficiente de correlação de
Spearman. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (valor de
p<0,05).
RESULTADOS
No período em estudo foram realizados 99 procedimentos de reconstrução mamária, sendo
100% dos casos entre pacientes do sexo feminino. A mediana de idade dos pacientes
foi de 56 anos (DP=15,75), variando de 19 a 81 anos de idade. IMC médio foi de
26,97
kg/m2 (DP=4,22). Os dados relativos aos participantes do estudo e do
procedimentos estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução
mamária (n=99).
Variável |
n |
% |
Idade |
|
|
19-30 anos |
15 |
15,2 |
31-50 anos |
34 |
34,3 |
> 50 anos |
50 |
50,5 |
Hábitos sociais / Comorbidades
(pré-admissão) |
Tabagismo |
8 |
8,1 |
Obesidade |
26 |
26,3 |
Etilismo |
4 |
4,0 |
IMC |
< 18,5 |
1 |
1,0 |
18,6 - 24,9 |
34 |
34,4 |
25,0 - 29,9 |
43 |
43,4 |
30,0 - 34,9 |
16 |
16,1 |
35,5 - 39,9 |
6 |
5,1 |
> 40 |
- |
0,0 |
Procedimento a ser
realizado |
Prótese E/Ou Expansor |
35 |
35,4 |
Reconstrução Parcial Pós-Quadrantectomia |
45 |
45,5 |
Retalho Muscular Ou Miocutâneo |
13 |
13,1 |
Retalhos Cutâneos Regionais |
6 |
6,1 |
Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução
mamária (n=99).
Dos pacientes que participaram do estudo, 100% passaram por avaliação préanestésica,
recebendo informação, educação e aconselhamento pré-operatório detalhado, conforme
pode ser visto na Figura 1. Os dados
apresentados são seguidos de seu Nível de Evidência (NE).
Figura 1 - Adesão às indicações fortemente recomendadas no protocolo ERAS para
cirurgia plástica de reconstrução mamária. ERAS: Enhanced
Recovery After Surgery.
Figura 1 - Adesão às indicações fortemente recomendadas no protocolo ERAS para
cirurgia plástica de reconstrução mamária. ERAS: Enhanced
Recovery After Surgery.
A otimização da pré-admissão - que consiste em realizar, antes da cirurgia, um mês
de
abstinência ao tabaco, para tabagistas (NE = moderado); um mês de abstinência
ao
álcool, para etilistas (NE = moderado); e a redução de peso em obesos para atingir
um IMC ≤ 30kg/m2 (NE = alto) - foi realizada por 52,5% dos pacientes. O
planejamento do retalho, com realização de mapeamento pré-operatório dos vasos
perfurantes com angiotomografia (NE = moderado) foi realizado por somente 1,0%
dos
pacientes (n=1).
O jejum perioperatório minimizado foi indicado para 84,8% dos pacientes, sendo esses
autorizados a beber líquidos claros até duas horas antes da cirurgia (NE =
moderado). Em nenhum dos pacientes foram administradas bebidas pré-operatórias
à
base de maltodextrina, nas duas horas que antecedem a cirurgia (NE = baixo).
Durante o período pré e intraoperatório, a analgesia multimodal para atenuar a dor
foi realizada em 100% dos pacientes (NE = moderado). O protocolo anestésico padrão
com anestesia total intravenosa (TIVA) não foi realizado em nenhum paciente, em
contrapartida, todos os pacientes receberam anestesia geral combinada. Medidas
pré-operatórias e intraoperatórias para evitar hipotermia, bem como o gerenciamento
de fluido intravenoso perioperatório, na tentativa de evitar ressuscitação excessiva
ou insuficiente de fluidos (NE = moderado), foram indicadas em somente 2,0% dos
prontuários (n=2).
No pós-operatório, 22,2% dos pacientes foram encorajados a ingerir líquidos e
alimentos por via oral o mais rápido possível, de preferência dentro de 24 horas
após a cirurgia (NE = moderado) (n=22). O monitoramento frequente do retalho,
nas
primeiras 72 horas do pós-operatório, foi indicado pela equipe de enfermagem em
somente 2% dos prontuários (n=2).
Não foram encontradas informações nos prontuários acerca de mobilização antecipada
nas primeiras 24 horas após a cirurgia (NE = moderado), assim como sobre suporte
domiciliar pós-alta e fisioterapia (NE = moderado).
A taxa média de cumprimento do protocolo ERAS por participante foi de 50,7%. Em
relação aos procedimentos perioperatórios realizados, conforme é possível avaliar
na
Tabela 2, o gerenciamento cirúrgico foi
realizado em 99% dos pacientes, todos recebendo suturas convencionais para
fechamento incisional (NE = alto) (n=98).
Tabela 2 - Procedimentos realizados em pacientes submetidos à cirurgia de
reconstrução mamária (n=99).
|
n |
% |
Gerenciamento
de feridas |
|
|
Sutura
convencional
|
98 |
99,9 |
TFPN |
- |
0,0 |
Profilaxia de tromboembolismo venoso
em pacientes com risco alto |
Profilaxia mecânica |
56 |
56,6 |
Profilaxia farmacológica com HBPM |
24 |
24,2 |
Profilaxia farmacológica com HNF |
23 |
23,1 |
Preparação da
pele |
|
|
Clorexidine |
90 |
90,9 |
Antibiótico
administrados dentro de 1 hora antes da incisão
|
97 |
98,0 |
Etilismo |
4 |
4,0 |
Medicamentos para NPVO |
|
|
Dexametasona |
65 |
65,7 |
Ondansetrona |
67 |
67,7 |
Metoclopramida |
36 |
36,7 |
Outro |
11 |
11,1 |
Analgesia e sedação pré e intraoperatória |
Opioide |
99 |
100,0 |
Relaxante
muscular
|
99 |
100,0 |
Benzodiazepínico
|
99 |
100,0 |
Protocolo anestésico padrão |
|
|
TIVA |
- |
0,0 |
Anestesia geral balanceada |
99 |
100,0 |
Analgesia
pós-operatória |
|
|
Dipirona |
44 |
44,4 |
Acetominofeno |
60 |
60,6 |
AINES |
68 |
68,7 |
Corticosteroide |
36 |
36,4 |
Opioide
fracoa |
21 |
21,2 |
Opioide
forteb |
29 |
29,3 |
Outro |
8 |
8,1 |
Tabela 2 - Procedimentos realizados em pacientes submetidos à cirurgia de
reconstrução mamária (n=99).
O risco de tromboembolismo venoso foi avaliado em 80,8% dos pacientes (n=80), sendo
que 56,6% receberam métodos mecânicos para profilaxia (n=56); 24,2% receberam
heparina de baixo peso molecular (HBPM) (n=24); e 23,1% receberam heparina não
fracionada (HNF) (n=23) até ambulatorização ou alta (NE = moderado). A profilaxia
antimicrobiana foi realizada em 99,0% dos pacientes (NE = moderado) (n=98). Desses,
90,9% tiveram a pele preparada com clorexidine (n=90) e 98,0% receberam antibióticos
intravenosos cobrindo organismos comuns da pele dentro de uma hora antes da incisão
(n=97).
Medicações pré e intraoperatórias para atenuar as náuseas e vômitos pósoperatórios
foram realizadas em 85,9% dos pacientes (NE = moderado) (n=85). Dos medicamentos
utilizados: dexametasona 65,7% (n=65); ondansetrona 67,7% (n=67); metoclopramida
36,7% (n=36); e outro 11,1% (n=11). Para controle da dor, 100% dos pacientes
receberam regimes multimodais de medicamentos (NE = alto).
Desses medicamentos: dipirona 44,4% (n=44); acetominofeno 60,6% (n=60);
anti-inflamatórios não esteroides (AINES) 68,7% (n=68); corticosteroide 36,4 (n=36);
opioide fraco (codeína, tramadol, dextropropoxifeno, hidrocodona) 21,2% (n=21);
opioide forte (fentanil, metadona, hidromorfona, morfina, oxicodona) 29,3% (n=29);
outro 8,1% (n=8).
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3, que representa os desfechos pós-operatórios, todos os pacientes
receberam alta. No entanto, houve prevalência de 29,3% de casos de complicações.
As
três principais causas de complicações foram: dor (15,2%); náusea e vômito (11,1%)
e
constipação (3,0%). Além disso, 20,2% dos pacientes precisaram ser reinternados.
Tabela 3 - Desfechos dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução
mamária.
|
n |
% |
Alta |
99 |
100,0 |
Complicação |
29 |
29,3 |
Dor |
15 |
15,2 |
Náusea e vômito |
11 |
11,1 |
Constipação |
3 |
3,0 |
Reinternação |
20 |
20,2 |
Tabela 3 - Desfechos dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução
mamária.
Ao analisar o tempo médio de internação (11 horas e 52 minutos) e sua relação com
a
quantidade de indicações com forte grau de recomendação atingida, foi observada
correlação negativa moderada entre as variáveis. A Figura 2 apresenta essa dependência estatística como sendo uma tendência
monotônica decrescente, ou seja, à medida que a quantidade de indicações com forte
grau de recomendação atingidas aumenta, o tempo de internação diminui até a alta
do
paciente (ρ de Spearman = -0,397) (p<0,001).
Figura 2 - Relação entre a quantidade de recomendações do protocolo ERAS
seguidas e tempo de internação até a alta hospitalar. ERAS:
Enhanced Recovery After Surgery.
Figura 2 - Relação entre a quantidade de recomendações do protocolo ERAS
seguidas e tempo de internação até a alta hospitalar. ERAS:
Enhanced Recovery After Surgery.
DISCUSSÃO
Cada elemento do protocolo ERAS é projetado para diminuir o estresse fisiológico da
intervenção cirúrgica, e há evidências na literatura de que cada recomendação
individual esteja associada a uma série de benefícios clínicos, incluindo um menor
tempo de internação hospitalar. No entanto, a baixa adesão ou a implementação
de
apenas algumas recomendações é insuficiente para alcançar todos os benefícios
esperados. Disso resulta que a conformidade com a maioria dos itens pode ser crucial
para alcançar um resultado clínico desejado, e que isso produzirá maiores benefícios
clínicos do que suas partes individuais8.
Os resultados do presente estudo vão ao encontro de uma pesquisa piloto do ERAS no
Programa Nacional de Melhoria da Qualidade Cirúrgica (PNMQC) do American
College of Surgeons (ACS), que incluiu 16 hospitais que implementaram o
protocolo em mais de 1500 pacientes. O estudo descobriu que o tempo médio de
internação aumenta à medida que a adesão ao protocolo ERAS diminui
(p<0,001), reforçando a importância da adesão completa às
recomendações para alcançar os benefícios clínicos esperados8,9.
Essa informação é importante, pois a maioria dos pacientes com câncer de mama têm
uma
doença tempo-dependente, o que significa que o tempo de recuperação e a eficácia
do
tratamento afetam diretamente o resultado pós-mastectomia, ou seja, quanto mais
rápido e eficaz for a recuperação, maior a chance de cura ou controle da doença.
Além disso, a mastectomia é frequentemente seguida de terapias adicionais, como
quimioterapia e radioterapia, que também podem ter efeitos adversos significativos.
Portanto, a otimização da recuperação pode ajudar a minimizar o tempo total de
tratamento e reduzir o risco de complicações que lhe são relacionadas10.
Sabe-se que nem todas as etapas do protocolo ERAS são aplicáveis a cada paciente.
No
entanto, a coleta de dados de prontuários sobre a sua adesão, em nível individual,
permite que os provedores identifiquem quais componentes do protocolo são
problemáticos e direcionem a suas intervenções para melhorar a
conformidade9.
Nessa ordem de ideias, tem-se, a título de exemplo, que, durante a avaliação
pré-operatória, a cessação do tabagismo deve ser orientada a todos os pacientes,
entretanto, apenas metade atingiu essa recomendação. Estudos apontam que a
persistência do tabagismo no período perioperatório resulta em maiores taxas de
complicações pós-operatórias, principalmente infecção da ferida incisional11. A cessação espontânea do
tabagismo está relacionada a diversos fatores biopsicossociais. Logo, para atingir
esta recomendação, é preciso implementar um acompanhamento
multidisciplinar12.
A otimização pré-operatória com uso de carboidratos, como maltodextrina, evita o
estado catabólico induzido pela resposta ao estresse cirúrgico, reduz as perdas
pósoperatórias de nitrogênio e proteína, ajuda a manter a massa corporal magra
e a
força muscular, além de diminuir a resistência à insulina. Somado a isso, reduz
a
sede, a fome e a ansiedade pré-operatórias13. Essa recomendação, porém, ainda se enquadra como baixo
nível de evidência, e seus benefícios variam conforme o tipo da cirurgia e o
paciente avaliado, o que explicaria a baixa adesão nos locais alvo do presente
estudo14.
Em grandes centros, a fisioterapia é realizada ainda na sala de recuperação
pós-anestésica, mesmo com o paciente em ventilação mecânica15. Este estudo, porém, demonstrou
que não houve mobilização precoce nos pacientes estudados. Em decorrências das
diversas barreiras que se impõem a essa recomendação, tem-se que a sua implementação
reclama esforços e engajamento de uma equipe multidisciplinar.
Outrossim, notou-se que a analgesia se deu de forma endovenosa, predominantemente,
o
que vai contra a literatura atual, que recomenda uma analgesia perioperatória
multimodal, usando-se combinações de medicações analgésicas que atuam em diferentes
locais e vias, de maneira aditiva ou sinérgica, para obter alívio da dor com consumo
mínimo ou inexistente de opioides16.
O uso de um protocolo anestésico padrão com TIVA tem como objetivo minimizar os
efeitos colaterais dos anestésicos e facilitar o rápido despertar e recuperação,
após a cirurgia. Contudo, a superioridade na escolha dessa técnica anestésica,
em
comparação com técnicas balanceadas, foi vista somente em algumas situações
específicas. Dentre os principais obstáculos para a sua adesão, encontramse o
custo
alto, a baixa disponibilidade de equipamentos, e a necessidade de treinamento
de
profissionais possivelmente já habituados a outras técnicas, conforme o respectivo
serviço de anestesiologia17.
Sabe-se que a hipotermia ocorre em 70% dos pacientes submetidos a operações que duram
duas ou mais horas, aumentando a perda sanguínea intraoperatória. Na maioria dos
casos, é um evento evitável por meio do aquecimento ativo pelo uso de manta e
colchão térmico. O uso de monitores dinâmicos e medidas de fluido-responsividade
também guiam a utilização de fluidos. Todavia, em cirurgias de pequeno a moderado
porte, com tempo não prolongado e risco de sangramento baixo, o custo e a
disponibilidade desses instrumentos, muitas vezes, ainda constituem óbice à sua
utilização18.
A adesão ao protocolo ERAS pode ser deficitária devido a várias razões. Uma das
principais barreiras é a falta de conhecimento do protocolo pelos profissionais
de
saúde que integram a equipe cirúrgica. A dificuldade de conscientização a respeito
da necessidade de mudança de comportamentos habituais pode ser difícil nesse
processo. Outra barreira pode ser a falta de recursos ou infraestrutura adequada
para implementar o protocolo, especialmente em hospitais menores ou com menos
recursos disponíveis19.
Para alcançar melhores resultados clínicos, é essencial que esses entraves sejam
abordados e superados. A educação das equipes cirúrgicas e o treinamento para
o
protocolo ERAS podem ser essenciais para melhorar a adesão e a compreensão dos
benefícios correspondentes. Também é importante fornecer suporte e recursos
adequados para a implementação do protocolo em hospitais, incluindo a
disponibilidade de equipe multidisciplinar para apoiar a sua execução. A
monitorização e a avaliação contínuas dos resultados são fundamentais para garantir
que o protocolo esteja sendo implementado de forma adequada e para identificar
oportunidades de melhoria20.
Além disso, o protocolo ERAS oferece uma oportunidade exclusiva para otimização de
recursos existentes, ao instituir uma abordagem padronizada para os desafios
relacionados à anestesia e à cirurgia. Isso permite que hospitais em crescimento
aumentem a capacidade de leitos e, consequentemente, o volume cirúrgico, gerando
um
aumento potencial na receita bruta, devido à economia com os dias de internação
hospitalar21.
CONCLUSÃO
A taxa média de cumprimento do protocolo ERAS por participante foi de 50,73%. O tempo
médio de internação foi de 11 horas e 52 minutos. A quantidade de indicações com
forte grau de recomendação atingida mostrou capacidade de diminuir o tempo, em
minutos, de internação até a alta (ρ de Spearman = -0,397)
(p<0,001). Isso demonstra a necessidade de uma maior adesão ao
protocolo, a fim de diminuir o tempo de internação hospitalar.
Limitações do estudo
É importante considerar as limitações inerentes aos estudos ecológicos que
utilizam prontuários como base de dados. Uma das principais preocupações é a
qualidade dos dados, que pode variar amplamente entre diferentes profissionais
de saúde responsáveis pelo preenchimento dos registros, afetando a precisão dos
resultados obtidos e a validade das conclusões alcançadas. Outro aspecto
importante a ser considerado é a disponibilidade dos dados. Nem sempre os
prontuários contêm todas as informações relevantes para um determinado estudo,
o
que pode limitar a capacidade dos pesquisadores de explorar certas questões.
Além disso, os prontuários são geralmente coletados em uma amostra específica
de
pacientes em um local geográfico particular, o que pode restringir a
generalização dos resultados para outras populações ou locais.
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10.1007/s00268-018-4850-0
1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão,
SC, Brasil
2. Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC,
Brasil
Autor correspondente: André Gabriel Gruber Avenida
José Acácio Moreira, 787, Tubarão, SC, Brasil., CEP: 88704-900, E-mail:
andre.gruber@hotmail.com
Artigo submetido: 24/03/2023.
Artigo aceito: 13/06/2023.
Conflitos de interesse: não há.