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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0805-PT

RESUMO

Introdução: O protocolo Enhanced Recovery After Surgery Society (ERAS) revolucionou os cuidados perioperatórios, aprimorando o manejo intra-hospitalar e melhorando desfechos de pacientes submetidas a cirurgia plástica de reconstrução mamária. O objetivo deste estudo foi avaliar a adesão às recomendações do protocolo ERAS para cirurgia plástica em dois hospitais de referência do Sul do país.
Método: Estudo transversal, utilizando banco de dados de prontuários, em dois hospitais do Sul do Brasil, nos anos de 2018 a 2021. A definição das variáveis a serem avaliadas foi baseada no protocolo ERAS mais recente proposto por Temple-Oberle e colaboradores. Os resultados foram analisados por epidemiologia descritiva.
Resultados: A taxa média de cumprimento do protocolo ERAS por participante foi de 50,7%. O tempo médio de internação foi de 11 horas e 52 minutos. A quantidade de indicações com forte grau de recomendação atingida mostrou capacidade de diminuir tempo de internação (? de Spearman = -0,397) (p<0,001).
Conclusão: A adesão a medidas de otimização perioperatória em cirurgia plástica de reconstrução mamária é capaz de reduzir tempo de internação dos pacientes. Entretanto, a taxa média de adesão por paciente ainda é baixa, tornando-se evidente a necessidade de otimizar os cuidados dos pacientes submetidos a esta cirurgia.

Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Assistência perioperatória; Recuperação pós-cirúrgica melhorada; Mamoplastia; Anestesiologia; Protocolos clínicos

ABSTRACT

Introduction: The Enhanced Recovery After Surgery Society (ERAS) protocol has revolutionized perioperative care, improving in-hospital management and outcomes for patients undergoing breast reconstruction plastic surgery. This study evaluated adherence to the ERAS protocol recommendations for plastic surgery in two reference hospitals in the country's south.
Method: Cross-sectional study using a medical record database in two hospitals in southern Brazil from 2018 to 2021. The definition of the variables to be evaluated was based on the most recent ERAS protocol proposed by Temple-Oberle and collaborators. The results were analyzed by descriptive epidemiology.
Results: The average rate of compliance with the ERAS protocol per participant was 50.7%. The mean length of stay was 11 hours and 52 minutes. The number of indications with a strong degree of recommendation achieved showed the ability to reduce the length of stay (Spearman ? = -0.397) (p<0.001).
Conclusion: Adherence to perioperative optimization measures in breast reconstruction plastic surgery can reduce patients' hospital stays. However, the average adherence rate per patient is still low, making it evident the need to optimize the care of patients undergoing this surgery.

Keywords: Reconstructive surgical procedures; perioperative care; Enhanced recovery after surgery; Mammaplasty; Anesthesiology; Clinical protocols


INTRODUÇÃO

A mastectomia é um procedimento que consiste na remoção total ou parcial de tecido mamário, variando conforme a extensão da ressecção de tecidos adicionais (tecido glandular, pele sobrejacente, músculos peitorais e linfonodos regionais). Suas principais indicações são para o tratamento de neoplasia de mama e para a profilaxia em pacientes com alto risco de desenvolverem neoplasia de mama (a exemplo de pacientes com mutação dos genes BRCA1 e BRCA2)1. Essa cirurgia constitui uma possível fonte de estresse psicológico que dificulta o funcionamento psicossocial do paciente que lhe é submetido, na medida em que terá de lidar com a tensão e com o dismorfismo corporal, além de diversas outras questões daí decursivas2.

Sendo assim, nos últimos anos, a busca por cirurgias plásticas de reconstrução mamária pós-mastectomia tem sido crescente, principalmente devido aos benefícios gerados pelo referido procedimento, como a tendência de os pacientes valorizarem mais a qualidade de vida e se sentirem mais atraentes3.

Entretanto, realizar procedimentos anestésico-cirúrgicos em pacientes considerados de alto risco perioperatório pode ser um desafio e, em decorrência da preocupação de anestesiologistas e cirurgiões quanto à segurança do procedimento, a tendência atual é a implementação de protocolos que revolucionem os cuidados perioperatórios, aprimorando o manejo intra-hospitalar desses pacientes e melhorando desfechos4.

Dentre os protocolos que visam aprimorar a recuperação de pacientes após cirurgias, destaca-se a revisão sistemática de meta-análises endossada pela Enhanced Recovery After Surgery Society (ERAS). Esse protocolo consiste em um consenso de recomendações, baseadas em evidências científicas, que objetivam promover um cuidado perioperatório ideal e gerar uma recuperação aprimorada, inclusive após uma cirurgia plástica de reconstrução mamária5.

Por meio desse conjunto de recomendações é possível garantir uma abordagem mais segura e eficiente em relação aos cuidados pré, intra e pósoperatórios. A implementação do protocolo pode trazer benefícios significativos, como o engajamento do paciente, mitigação do estresse fisiológico associado à cirurgia, redução de complicações pós-operatórias evitáveis (redução de morbimortalidade, recuperação mais rápida, redução de tempo de internação hospitalar), resultando em redução de custo hospitalar e diminuição das taxas de readmissão hospitalar no período de 30 dias6.

OBJETIVO

O presente estudo buscou realizar uma análise das recomendações do protocolo ERAS em cirurgia plástica de reconstrução mamária empregadas em dois hospitais no Sul do país, gerando estratégias para implementação de um protocolo que alinha a prática com evidências científicas, promove lideranças institucionais e fomenta o trabalho em equipe, engajando todas as partes envolvidas no cuidado do paciente, além dos demais benefícios citados previamente7.

MÉTODO

Estudo com delineamento transversal, utilizando banco de dados de prontuários físicos e eletrônicos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina, sob parecer 5.570.697, CAAE 59026222.8.0000.5369, em 9 de agosto de 2022.

Foram avaliadas pacientes do sexo feminino, com 18 anos ou mais, submetidas a cirurgia plástica de reconstrução mamária pós-mastectomia, em dois hospitais gerais do Sul do Brasil, entre 2018 e 2021. A amostra foi do tipo censo.

Foram coletados dos prontuários médicos variáveis relativas às características sociodemográficas do paciente (sexo, idade, presença de hábitos sociais, comorbidades, IMC (Índice de Massa Corporal), e o tipo de procedimento a ser realizado); presença de aconselhamento pré-operatório e orientações, principalmente quanto à cessação de tabagismo, perda de peso pré-cirurgia e abstinência alcoólica; realização de angiotomografia computadorizada pré-cirúrgica; tempo de jejum préoperatório para líquidos claros e alimentos sólidos determinado pelo anestesiologista; realização de condicionamento pré-operatório com carboidratos.

Também verificados realização de profilaxia para tromboembolismo venoso, e métodos; preparação de pele, e qual substância utilizada, administração de antibiótico antes da cirurgia e tempo de sua administração pré-cirúrgica; medicações utilizadas para náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO); analgesia multimodal pré e intraoperatória; protocolo anestésico padrão, contendo o tipo de anestesia intraoperatória utilizada; prevenção de hipotermia intraoperatória; fluidos administrados no intraoperatório; prescrição de analgésicos pós-operatórios; tempo para início de ingestão oral de líquidos e para deambulação a partir da cirurgia; tempo para alta hospitalar. Adicionalmente, analisamos as complicações imediatas e reinternações.

As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e percentuais, e as variáveis contínuas como média e desvio padrão (DP). A taxa de seguimento por paciente foi calculada por média aritmética simples. Para avaliar a dependência estatística entre duas variáveis, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. O nível de significância estatística adotado foi de 5% (valor de p<0,05).

RESULTADOS

No período em estudo foram realizados 99 procedimentos de reconstrução mamária, sendo 100% dos casos entre pacientes do sexo feminino. A mediana de idade dos pacientes foi de 56 anos (DP=15,75), variando de 19 a 81 anos de idade. IMC médio foi de 26,97 kg/m2 (DP=4,22). Os dados relativos aos participantes do estudo e do procedimentos estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária (n=99).
Variável n %
Idade
19-30 anos 15 15,2
31-50 anos 34 34,3
> 50 anos 50 50,5
Hábitos sociais / Comorbidades (pré-admissão)
Tabagismo 8 8,1
Obesidade 26 26,3
Etilismo 4 4,0
IMC
< 18,5 1 1,0
18,6 - 24,9 34 34,4
25,0 - 29,9 43 43,4
30,0 - 34,9 16 16,1
35,5 - 39,9 6 5,1
> 40 - 0,0
Procedimento a ser realizado
Prótese E/Ou Expansor 35 35,4
Reconstrução Parcial Pós-Quadrantectomia 45 45,5
Retalho Muscular Ou Miocutâneo 13 13,1
Retalhos Cutâneos Regionais 6 6,1

IMC: Índice de Massa Corporal.

Tabela 1 - Características dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária (n=99).

Dos pacientes que participaram do estudo, 100% passaram por avaliação préanestésica, recebendo informação, educação e aconselhamento pré-operatório detalhado, conforme pode ser visto na Figura 1. Os dados apresentados são seguidos de seu Nível de Evidência (NE).

Figura 1 - Adesão às indicações fortemente recomendadas no protocolo ERAS para cirurgia plástica de reconstrução mamária. ERAS: Enhanced Recovery After Surgery.

A otimização da pré-admissão - que consiste em realizar, antes da cirurgia, um mês de abstinência ao tabaco, para tabagistas (NE = moderado); um mês de abstinência ao álcool, para etilistas (NE = moderado); e a redução de peso em obesos para atingir um IMC ≤ 30kg/m2 (NE = alto) - foi realizada por 52,5% dos pacientes. O planejamento do retalho, com realização de mapeamento pré-operatório dos vasos perfurantes com angiotomografia (NE = moderado) foi realizado por somente 1,0% dos pacientes (n=1).

O jejum perioperatório minimizado foi indicado para 84,8% dos pacientes, sendo esses autorizados a beber líquidos claros até duas horas antes da cirurgia (NE = moderado). Em nenhum dos pacientes foram administradas bebidas pré-operatórias à base de maltodextrina, nas duas horas que antecedem a cirurgia (NE = baixo).

Durante o período pré e intraoperatório, a analgesia multimodal para atenuar a dor foi realizada em 100% dos pacientes (NE = moderado). O protocolo anestésico padrão com anestesia total intravenosa (TIVA) não foi realizado em nenhum paciente, em contrapartida, todos os pacientes receberam anestesia geral combinada. Medidas pré-operatórias e intraoperatórias para evitar hipotermia, bem como o gerenciamento de fluido intravenoso perioperatório, na tentativa de evitar ressuscitação excessiva ou insuficiente de fluidos (NE = moderado), foram indicadas em somente 2,0% dos prontuários (n=2).

No pós-operatório, 22,2% dos pacientes foram encorajados a ingerir líquidos e alimentos por via oral o mais rápido possível, de preferência dentro de 24 horas após a cirurgia (NE = moderado) (n=22). O monitoramento frequente do retalho, nas primeiras 72 horas do pós-operatório, foi indicado pela equipe de enfermagem em somente 2% dos prontuários (n=2).

Não foram encontradas informações nos prontuários acerca de mobilização antecipada nas primeiras 24 horas após a cirurgia (NE = moderado), assim como sobre suporte domiciliar pós-alta e fisioterapia (NE = moderado).

A taxa média de cumprimento do protocolo ERAS por participante foi de 50,7%. Em relação aos procedimentos perioperatórios realizados, conforme é possível avaliar na Tabela 2, o gerenciamento cirúrgico foi realizado em 99% dos pacientes, todos recebendo suturas convencionais para fechamento incisional (NE = alto) (n=98).

Tabela 2 - Procedimentos realizados em pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária (n=99).
n %
Gerenciamento de feridas
Sutura convencional 98 99,9
TFPN - 0,0
Profilaxia de tromboembolismo venoso em pacientes com risco alto
Profilaxia mecânica 56 56,6
Profilaxia farmacológica com HBPM 24 24,2
Profilaxia farmacológica com HNF 23 23,1
Preparação da pele
Clorexidine 90 90,9
Antibiótico administrados dentro de 1 hora antes da incisão 97 98,0
Etilismo 4 4,0
Medicamentos para NPVO
Dexametasona 65 65,7
Ondansetrona 67 67,7
Metoclopramida 36 36,7
Outro 11 11,1
Analgesia e sedação pré e intraoperatória
Opioide 99 100,0
Relaxante muscular 99 100,0
Benzodiazepínico 99 100,0
Protocolo anestésico padrão
TIVA - 0,0
Anestesia geral balanceada 99 100,0
Analgesia pós-operatória
Dipirona 44 44,4
Acetominofeno 60 60,6
AINES 68 68,7
Corticosteroide 36 36,4
Opioide fracoa 21 21,2
Opioide forteb 29 29,3
Outro 8 8,1

ATC, angiotomografia computadorizada; TIVA, anestesia intravenosa total; TFPN, terapia de feridas por pressão negativa; HBPM, heparina de baixo peso molecular; HNF, heparina não fracionada.

a codeína, tramadol, dextropropoxifeno, hidrocodona.

b fentanil, metadona, hidromorfona, morfina, oxicodona.

Tabela 2 - Procedimentos realizados em pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária (n=99).

O risco de tromboembolismo venoso foi avaliado em 80,8% dos pacientes (n=80), sendo que 56,6% receberam métodos mecânicos para profilaxia (n=56); 24,2% receberam heparina de baixo peso molecular (HBPM) (n=24); e 23,1% receberam heparina não fracionada (HNF) (n=23) até ambulatorização ou alta (NE = moderado). A profilaxia antimicrobiana foi realizada em 99,0% dos pacientes (NE = moderado) (n=98). Desses, 90,9% tiveram a pele preparada com clorexidine (n=90) e 98,0% receberam antibióticos intravenosos cobrindo organismos comuns da pele dentro de uma hora antes da incisão (n=97).

Medicações pré e intraoperatórias para atenuar as náuseas e vômitos pósoperatórios foram realizadas em 85,9% dos pacientes (NE = moderado) (n=85). Dos medicamentos utilizados: dexametasona 65,7% (n=65); ondansetrona 67,7% (n=67); metoclopramida 36,7% (n=36); e outro 11,1% (n=11). Para controle da dor, 100% dos pacientes receberam regimes multimodais de medicamentos (NE = alto).

Desses medicamentos: dipirona 44,4% (n=44); acetominofeno 60,6% (n=60); anti-inflamatórios não esteroides (AINES) 68,7% (n=68); corticosteroide 36,4 (n=36); opioide fraco (codeína, tramadol, dextropropoxifeno, hidrocodona) 21,2% (n=21); opioide forte (fentanil, metadona, hidromorfona, morfina, oxicodona) 29,3% (n=29); outro 8,1% (n=8).

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3, que representa os desfechos pós-operatórios, todos os pacientes receberam alta. No entanto, houve prevalência de 29,3% de casos de complicações. As três principais causas de complicações foram: dor (15,2%); náusea e vômito (11,1%) e constipação (3,0%). Além disso, 20,2% dos pacientes precisaram ser reinternados.

Tabela 3 - Desfechos dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária.
n %
Alta 99 100,0
Complicação 29 29,3
Dor 15 15,2
Náusea e vômito 11 11,1
Constipação 3 3,0
Reinternação 20 20,2
Tabela 3 - Desfechos dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução mamária.

Ao analisar o tempo médio de internação (11 horas e 52 minutos) e sua relação com a quantidade de indicações com forte grau de recomendação atingida, foi observada correlação negativa moderada entre as variáveis. A Figura 2 apresenta essa dependência estatística como sendo uma tendência monotônica decrescente, ou seja, à medida que a quantidade de indicações com forte grau de recomendação atingidas aumenta, o tempo de internação diminui até a alta do paciente (ρ de Spearman = -0,397) (p<0,001).

Figura 2 - Relação entre a quantidade de recomendações do protocolo ERAS seguidas e tempo de internação até a alta hospitalar. ERAS: Enhanced Recovery After Surgery.

DISCUSSÃO

Cada elemento do protocolo ERAS é projetado para diminuir o estresse fisiológico da intervenção cirúrgica, e há evidências na literatura de que cada recomendação individual esteja associada a uma série de benefícios clínicos, incluindo um menor tempo de internação hospitalar. No entanto, a baixa adesão ou a implementação de apenas algumas recomendações é insuficiente para alcançar todos os benefícios esperados. Disso resulta que a conformidade com a maioria dos itens pode ser crucial para alcançar um resultado clínico desejado, e que isso produzirá maiores benefícios clínicos do que suas partes individuais8.

Os resultados do presente estudo vão ao encontro de uma pesquisa piloto do ERAS no Programa Nacional de Melhoria da Qualidade Cirúrgica (PNMQC) do American College of Surgeons (ACS), que incluiu 16 hospitais que implementaram o protocolo em mais de 1500 pacientes. O estudo descobriu que o tempo médio de internação aumenta à medida que a adesão ao protocolo ERAS diminui (p<0,001), reforçando a importância da adesão completa às recomendações para alcançar os benefícios clínicos esperados8,9.

Essa informação é importante, pois a maioria dos pacientes com câncer de mama têm uma doença tempo-dependente, o que significa que o tempo de recuperação e a eficácia do tratamento afetam diretamente o resultado pós-mastectomia, ou seja, quanto mais rápido e eficaz for a recuperação, maior a chance de cura ou controle da doença. Além disso, a mastectomia é frequentemente seguida de terapias adicionais, como quimioterapia e radioterapia, que também podem ter efeitos adversos significativos. Portanto, a otimização da recuperação pode ajudar a minimizar o tempo total de tratamento e reduzir o risco de complicações que lhe são relacionadas10.

Sabe-se que nem todas as etapas do protocolo ERAS são aplicáveis a cada paciente. No entanto, a coleta de dados de prontuários sobre a sua adesão, em nível individual, permite que os provedores identifiquem quais componentes do protocolo são problemáticos e direcionem a suas intervenções para melhorar a conformidade9.

Nessa ordem de ideias, tem-se, a título de exemplo, que, durante a avaliação pré-operatória, a cessação do tabagismo deve ser orientada a todos os pacientes, entretanto, apenas metade atingiu essa recomendação. Estudos apontam que a persistência do tabagismo no período perioperatório resulta em maiores taxas de complicações pós-operatórias, principalmente infecção da ferida incisional11. A cessação espontânea do tabagismo está relacionada a diversos fatores biopsicossociais. Logo, para atingir esta recomendação, é preciso implementar um acompanhamento multidisciplinar12.

A otimização pré-operatória com uso de carboidratos, como maltodextrina, evita o estado catabólico induzido pela resposta ao estresse cirúrgico, reduz as perdas pósoperatórias de nitrogênio e proteína, ajuda a manter a massa corporal magra e a força muscular, além de diminuir a resistência à insulina. Somado a isso, reduz a sede, a fome e a ansiedade pré-operatórias13. Essa recomendação, porém, ainda se enquadra como baixo nível de evidência, e seus benefícios variam conforme o tipo da cirurgia e o paciente avaliado, o que explicaria a baixa adesão nos locais alvo do presente estudo14.

Em grandes centros, a fisioterapia é realizada ainda na sala de recuperação pós-anestésica, mesmo com o paciente em ventilação mecânica15. Este estudo, porém, demonstrou que não houve mobilização precoce nos pacientes estudados. Em decorrências das diversas barreiras que se impõem a essa recomendação, tem-se que a sua implementação reclama esforços e engajamento de uma equipe multidisciplinar.

Outrossim, notou-se que a analgesia se deu de forma endovenosa, predominantemente, o que vai contra a literatura atual, que recomenda uma analgesia perioperatória multimodal, usando-se combinações de medicações analgésicas que atuam em diferentes locais e vias, de maneira aditiva ou sinérgica, para obter alívio da dor com consumo mínimo ou inexistente de opioides16.

O uso de um protocolo anestésico padrão com TIVA tem como objetivo minimizar os efeitos colaterais dos anestésicos e facilitar o rápido despertar e recuperação, após a cirurgia. Contudo, a superioridade na escolha dessa técnica anestésica, em comparação com técnicas balanceadas, foi vista somente em algumas situações específicas. Dentre os principais obstáculos para a sua adesão, encontramse o custo alto, a baixa disponibilidade de equipamentos, e a necessidade de treinamento de profissionais possivelmente já habituados a outras técnicas, conforme o respectivo serviço de anestesiologia17.

Sabe-se que a hipotermia ocorre em 70% dos pacientes submetidos a operações que duram duas ou mais horas, aumentando a perda sanguínea intraoperatória. Na maioria dos casos, é um evento evitável por meio do aquecimento ativo pelo uso de manta e colchão térmico. O uso de monitores dinâmicos e medidas de fluido-responsividade também guiam a utilização de fluidos. Todavia, em cirurgias de pequeno a moderado porte, com tempo não prolongado e risco de sangramento baixo, o custo e a disponibilidade desses instrumentos, muitas vezes, ainda constituem óbice à sua utilização18.

A adesão ao protocolo ERAS pode ser deficitária devido a várias razões. Uma das principais barreiras é a falta de conhecimento do protocolo pelos profissionais de saúde que integram a equipe cirúrgica. A dificuldade de conscientização a respeito da necessidade de mudança de comportamentos habituais pode ser difícil nesse processo. Outra barreira pode ser a falta de recursos ou infraestrutura adequada para implementar o protocolo, especialmente em hospitais menores ou com menos recursos disponíveis19.

Para alcançar melhores resultados clínicos, é essencial que esses entraves sejam abordados e superados. A educação das equipes cirúrgicas e o treinamento para o protocolo ERAS podem ser essenciais para melhorar a adesão e a compreensão dos benefícios correspondentes. Também é importante fornecer suporte e recursos adequados para a implementação do protocolo em hospitais, incluindo a disponibilidade de equipe multidisciplinar para apoiar a sua execução. A monitorização e a avaliação contínuas dos resultados são fundamentais para garantir que o protocolo esteja sendo implementado de forma adequada e para identificar oportunidades de melhoria20.

Além disso, o protocolo ERAS oferece uma oportunidade exclusiva para otimização de recursos existentes, ao instituir uma abordagem padronizada para os desafios relacionados à anestesia e à cirurgia. Isso permite que hospitais em crescimento aumentem a capacidade de leitos e, consequentemente, o volume cirúrgico, gerando um aumento potencial na receita bruta, devido à economia com os dias de internação hospitalar21.

CONCLUSÃO

A taxa média de cumprimento do protocolo ERAS por participante foi de 50,73%. O tempo médio de internação foi de 11 horas e 52 minutos. A quantidade de indicações com forte grau de recomendação atingida mostrou capacidade de diminuir o tempo, em minutos, de internação até a alta (ρ de Spearman = -0,397) (p<0,001). Isso demonstra a necessidade de uma maior adesão ao protocolo, a fim de diminuir o tempo de internação hospitalar.

Limitações do estudo

É importante considerar as limitações inerentes aos estudos ecológicos que utilizam prontuários como base de dados. Uma das principais preocupações é a qualidade dos dados, que pode variar amplamente entre diferentes profissionais de saúde responsáveis pelo preenchimento dos registros, afetando a precisão dos resultados obtidos e a validade das conclusões alcançadas. Outro aspecto importante a ser considerado é a disponibilidade dos dados. Nem sempre os prontuários contêm todas as informações relevantes para um determinado estudo, o que pode limitar a capacidade dos pesquisadores de explorar certas questões. Além disso, os prontuários são geralmente coletados em uma amostra específica de pacientes em um local geográfico particular, o que pode restringir a generalização dos resultados para outras populações ou locais.

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1. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, SC, Brasil
2. Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC, Brasil

Autor correspondente: André Gabriel Gruber Avenida José Acácio Moreira, 787, Tubarão, SC, Brasil., CEP: 88704-900, E-mail: andre.gruber@hotmail.com

Artigo submetido: 24/03/2023.
Artigo aceito: 13/06/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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