INTRODUÇÃO
Ginecomastia tem como definição o aumento patológico da mama em homens, podendo estar
associado à presença de tecido gorduroso (lipomastia) e/ou excesso de pele1-5. A primeira descrição cirúrgica foi feita por Paulo de Égina
(625 d.C.) e as técnicas cirúrgicas mais comuns são a mastectomia subcutânea via
areolar associada ou não à lipoaspiração1,5-7.
A classificação utilizada para graduação da ginecomastia foi proposta em 1973 por
Simon1:
Grau I - Pequena, sem excesso de pele;
Grau II a - Moderada, sem excesso de pele;
Grau II b - Moderada, com excesso de pele;
Grau III - Grande, com excesso de pele.
A demanda por cirurgia para correção de ginecomastia tem aumentado em função da
grande quantidade de pacientes submetidos a tratamentos bariátricos1. A maioria destes pacientes são do
grau III da classificação acima citada e requerem grande remoção do excesso de
pele,
tecido gorduroso e reposicionamento do complexo areolopapilar (CAP), assim como
adequação do volume da aréola5.
As técnicas utilizadas para casos avançados de ginecomastia foram, na maioria das
vezes, adaptadas das técnicas de mamoplastia redutora em mulheres, o que pode
determinar estigmatização do paciente com grandes cicatrizes em “T” invertido,
por
exemplo5,8.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo e descrever a técnica de correção de ginecomastia grau III
através de cicatriz horizontal sem cicatriz vertical com reposicionamento do CAP
e
avaliar sua aplicabilidade, sua morbidade e resultados cirúrgicos.
MÉTODO
Estudo prospectivo de 27 pacientes masculinos com diagnóstico de ginecomastia grau
III da classificação de Simon, operados em clínica particular, em Curitiba-PR,
entre
janeiro de 2013 a agosto de 2020, pela técnica de cicatriz horizontal com
reposicionamento (transposição) do CAP e sem cicatriz vertical. Todos os pacientes
foram atendidos até o sexto mês de pós-operatório (PO).
Técnica operatória
Paciente em posição ortostática; marcação do ponto “A” (ponto de Pitanguy) a 16cm
da fúrcula esternal; marcação do sulco submamário (SSM); palpação bidigital do
excesso de pele (pele redundante) a ser ressecado na porção superior da mama
em
forma de fuso transversal (Figuras 1 e
2) que se estende da borda lateral do
esterno até a linha axilar anterior, ou posterior, de acordo com a quantidade
de
pele a ser removida.
Figura 1 - Marcação do ponto "A" a 16cm da fúrcula esternal,
marcação do sulco submamário e do fuso (através de manobra digital)
de pele a ser ressecado.
Figura 1 - Marcação do ponto "A" a 16cm da fúrcula esternal,
marcação do sulco submamário e do fuso (através de manobra digital)
de pele a ser ressecado.
Figura 2 - Marcação do fuso de pele a ser removido.
Figura 2 - Marcação do fuso de pele a ser removido.
Paciente em decúbito dorsal, uso de 2g de cefazolina endovenosa, sob anestesia
geral e local em solução de 1/230.000UI de solução fisiológica e epinefrina +
20ml de ropivacaína. Infiltração de toda a área previamente marcada. Utilização
de areolótomo de tamanho pequeno, remoção excesso de pele areolar (Figura 3), manutenção do CAP em pedículo
posterior baseado no 4º ramo perfurante intercostal (Figura 4) e remoção de todo excedente tecido glandular e
gorduroso em área previamente marcada (fuso transversal). A dimensão do retalho
é proporcional ao volume do CAP, 3 x 3cm na base e extensão, podendo chegar até
9cm. Drenagem com suctor 4,8, sutura dos bordos em 3 camadas (Figura 4); posicionamento do CAP no ponto “A”
(Figuras 5, 6, 7, 8 e 9).
Figura 3 - Incisão de pele e tecido subcutâneo no complexo
areolopapilar.
Figura 3 - Incisão de pele e tecido subcutâneo no complexo
areolopapilar.
Figura 4 - Remoção do tecido em excesso (gordura e glândula) e manutenção do
complexo areolopapilar em pedículo posterior no 4º ramo
intercostal.
Figura 4 - Remoção do tecido em excesso (gordura e glândula) e manutenção do
complexo areolopapilar em pedículo posterior no 4º ramo
intercostal.
Figura 5 - Início da sutura entre o bordo superior e o inferior.
Figura 5 - Início da sutura entre o bordo superior e o inferior.
Figura 6 - Local onde será posicionado o complexo areolopapilar no ponto
“A”.
Figura 6 - Local onde será posicionado o complexo areolopapilar no ponto
“A”.
Figura 7 - Transposição do complexo areolopapilar.
Figura 7 - Transposição do complexo areolopapilar.
Figura 8 - Vista anterolateral - pós-operatório imediato.
Figura 8 - Vista anterolateral - pós-operatório imediato.
Figura 9 - Vista anterior - pós-operatório imediato.
Figura 9 - Vista anterior - pós-operatório imediato.
RESULTADOS
Foram operados 27 pacientes, num período de 7,5 anos, todos ex-obesos, submetidos
previamente a tratamento de perda de peso. A idade variando de 17 a 74 anos, média
etária de 52 anos. O peso das peças removidas variou de 175 a 758 gramas, média
de
376 gramas (Figuras 10, 11, 12, 13 e 14).
Figura 10 - A: Visão frontal, paciente de 17 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 17 anos no 8º mês
pós-operatório.
Figura 10 - A: Visão frontal, paciente de 17 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 17 anos no 8º mês
pós-operatório.
Figura 11 - A: Visão frontal, paciente de 54 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 54 anos no 6º mês
pós-operatório.
Figura 11 - A: Visão frontal, paciente de 54 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 54 anos no 6º mês
pós-operatório.
Figura 12 - A: Visão frontal, paciente de 74 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 74 anos no 8º mês
pós-operatório.
Figura 12 - A: Visão frontal, paciente de 74 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 74 anos no 8º mês
pós-operatório.
Figura 13 - A: Visão frontal, paciente de 43 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 43 anos no 4º mês
pós-operatório.
Figura 13 - A: Visão frontal, paciente de 43 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 43 anos no 4º mês
pós-operatório.
Figura 14 - A: Visão frontal, paciente de 57 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 57 anos no 3º mês
pós-operatório; C: Visão lateral direita, paciente de 57
anos no 3º mês de PO com cicatriz estendendo-se até a linha axilar
posterior.
Figura 14 - A: Visão frontal, paciente de 57 anos no pré-operatório;
B: Visão frontal, paciente de 57 anos no 3º mês
pós-operatório; C: Visão lateral direita, paciente de 57
anos no 3º mês de PO com cicatriz estendendo-se até a linha axilar
posterior.
As complicações foram:
- 1 caso de hematoma tardio = 3,7%
- 1 caso de seroma = 3,7%
- 2 casos de cicatriz hipertrófica = 7,4%
DISCUSSÃO
Com o aumento da incidência de obesidade nas sociedades ocidentais e o
desenvolvimento da cirurgia bariátrica, a incidência de ginecomastia e
pseudoginecomastia grau III também aumentou. Pacientes com excesso de peso devem
preferencialmente ser tratados com técnicas que permitam a grande remoção de tecidos
e que possibilitem o reposicionamento do CAP8. O primeiro relato da técnica de mamoplastia redutora sem
cicatriz vertical é creditado a Passot, em 1920. O excesso de tecido foi retirado
em
cunha apenas do polo inferior da mama9. Essa técnica foi utilizada em casos com hipertrofia mínima e
ptose moderada.
As técnicas mais tradicionalmente propostas seriam a mastectomia com enxerto de CAP
ou técnicas com uso de retalho de pedículo areolado. Entre elas, pode-se optar
pelo
pedículo superior, pedículo inferior ou pedículo posteroinferior. O enxerto de
CAP é
uma técnica simples, porém tem contra si algumas desvantagens como a ausência
de
sensibilidade do CAP; a chance de não integridade do enxerto com risco de cicatriz
patológicas e até de necrose; e principalmente a necessidade de curativos e cuidados
especiais na área do enxerto por pelo menos 10 a 14 dias de PO. As técnicas que
utilizam o pedículo têm a grande vantagem de manutenção do feixe vásculo nervoso,
ou
seja, há preservação da sensibilidade tátil do CAP8, repetindo que isso não ocorre nos casos de enxerto
do CAP.
A técnica Lalonde de redução das mamas femininas pode ser aplicada ao tratamento do
aumento das mamas masculinas em pacientes com alto risco de complicações
cicatriciais. Ela oferece uma alternativa às técnicas de redução concêntrica de
pele
mais amplamente utilizadas10.
Kazzazi & Malata10 descrevem
este que é o primeiro relato na literatura da aplicação da técnica cirúrgica Lalonde
“sem cicatriz vertical” para o tratamento de ginecomastia em pacientes com pele
de
pigmentação escura.
A cicatriz resultante horizontal, utilizada neste estudo, permite grande ressecção
de
tecidos redundantes e flácidos, pois pode se estender até a linha axilar posterior
ou para o dorso, nos casos em que se associa à dorsoplastia, restaurando a
masculinidade do tórax dos homens com posicionamento final da cicatriz no SSM,
na
transição entre o tórax e o abdômen, o que a torna bastante aceitável esteticamente,
e também, de certa forma, dissimulada junto ao SSM.
O estudo de Resende5 e também o de
Rocha et al.1 finalizam com
cicatriz horizontal no meio da unidade estética do tórax, cicatriz que fica bastante
aparente, diferentemente da demonstrada neste estudo. Este estudo tem também,
como
fator positivo, a ausência de cicatriz vertical (adaptada de técnicas tradicionais
de mamoplastia redutoras) que estigmatiza os pacientes com cicatrizes semelhantes
às
das mulheres. Em nosso meio, Mansur et al.11 descreveram a extensão da cicatriz para o dorso tratando
concomitantemente braço, mama e dorso. Evitam-se assim, como nesse estudo, as
cicatrizes verticais nas mamas.
A parte superior do tórax, área próxima ao ponto “A”, onde será transposto o CAP,
deve ser bastante emagrecida através da remoção de tecido gorduroso na camada
lamelar, deixando o retalho bastante fino somente com a camada areolar de gordura,
evitando, desta forma, gordura residual nesta região.
A lipectomia aqui realizada é feita com eletrocautério e tesoura. Não usamos a
lipoaspiração conforme descrito por Thiénot et al.8, que relataram volume aspirado entre 450 e 800ml de
gordura de cada paciente. O peso do tecido removido neste estudo foi semelhante
ao
da publicação de Thiénot et al., embora no caso do estudo francês o retalho deles
seja maior do que o aqui descrito. O retalho inferoposterior é maior que o retalho
areolado posterior, que se baseia no “plug flap” descrito por
Daher12 e também por
Carramaschi et al.13 para
reconstrução mamária, que se baseia em vasos perfurantes intercostais. Logo, sendo
maior o retalho francês, podia-se imaginar uma remoção tecidual menor no estudo
europeu.
Em relação às complicações, esta casuística apresentou valores menores aos da
literatura. Um caso de hematoma (3,7%), valor inferior ao de Varma &
Henderson14, que foi de
6%, de Maetz et al.15, de 8%, e de
Colombo-Benkmann et al.16, 11%. Os
dois primeiros estudos citados tinham casuística de 17 e 12 pacientes14,15 menor do que a aqui apresentada, de 27 pacientes. Já
Colombo-Benkmann et al.16 fizeram
estudo bastante robusto com 100 pacientes, uma grande amostra.
O estudo de Thiénot et al.8 não teve
caso algum de hematoma, porém, teve casuística 3 vezes menor do que a aqui
apresentada (27 casos). Os autores justificam a ausência de hematoma pelo uso
de
grande lipoaspiração, previamente à ressecção dos tecidos, o que preservaria os
linfáticos e diminuiria a chance de hematoma e seroma. Neste estudo observou-se
1
caso de seroma (3,7%) e 2 casos de cicatrizes hipertróficas ao 6º mês, que foram
tratadas com fita de corticoide tópico 12h ao dia por 4 meses, com resolução do
problema.
O retalho posterior perfurante do 4º vaso intercostal, como citado anteriormente,
foi
baseado no retalho em ilha descrito inicialmente para reconstrução mamária12,13. É um retalho fixo na parede do tórax, porém com mobilidade
que pode atingir com facilidade o ponto “A”. Nos casos de quadrantectomias
superolaterais, Daher12 e
Carramaschi et al.13 demonstraram
sua segurança e versatilidade. Comparando seu volume com o retalho posteroinferior,
ele é bem menor e não apresenta os mesmos riscos de ptose pós-operatória, conforme
descrito por Thiénot et al.8, já
que largura tem 6cm, a espessura da base tem 8-10cm e a espessura retroareolar
tem
de 2 a 3cm.
O volume do retalho aqui descrito é de 3 x 3cm na base, podendo estender-se a até
9cm
de comprimento. Vale a pena lembrar do pedículo inferior, areolado ou não, descrito
por Liacyr Ribeiro em 197315,
assemelha-se ao retalho de Thiénot, e teve sua efetividade melhorada com o uso
da
cinta do músculo peitoral maior, descrita por Milton Daniel em 199315, evitando assim a ptose do retalho
no PO15. Ou seja, isso corrobora a
preocupação de Thiénot et al.8 com
a possibilidade de ptose do retalho em função do seu tamanho e peso.
As principais limitações deste estudo são a ausência de testes de sensibilidade do
CAP, o que demonstraria a manutenção da inervação sensitiva; e, também, de exame
de
arteriografia pré-operatória ou de Doppler arterial transoperatório
que evidenciassem os ramos perfurantes da 4ª artéria intercostal.
CONCLUSÃO
O tratamento cirúrgico da ginecomastia grau III através da técnica de cicatriz
horizontal, sem cicatriz vertical e com reposicionamento do CAP, demonstrou ser
efetivo, pois permite grande e ampla ressecção tecidual, com baixa morbidade e
com
bons resultados estéticos.
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Brasil
2. Hospital Universitário Cajuru, Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
3. Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Escola de Medicina, Curitiba, PR, Brasil
Autor correspondente: Lincoln Graça Neto Rua
Alferes Angelo Sampaio, 2029, Curitiba, PR, Brasil, CEP: 80420-160, E-mail:
lgracaneto@hotmail.com
Artigo submetido: 27/02/2023.
Artigo aceito: 26/05/2023.
Conflitos de interesse: não há.