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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0729-PT

RESUMO

Introdução: Desde o início da pandemia de COVID-19, as especialidades médicas adaptaram sua rotina, postergando procedimentos não essenciais, o que resultou em redução no número de atendimentos cirúrgicos, impactando diretamente nos hospitais de ensino. O objetivo desse trabalho é avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 nas atividades das especialidades cirúrgicas do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (C-HUPES), localizado em Salvador-BA.
Método: Estudo observacional, transversal, retrospectivo, que compara o ano de 2020 ao ano de 2019, em que são analisados os impactos da pandemia nas atividades cirúrgicas (especialmente na cirurgia plástica) do hospital, através do número total de procedimentos, internações e de consultas ambulatoriais das especialidades cirúrgicas.
Resultados: Redução de 45,45% no número total de procedimentos cirúrgicos foi observada, havendo um total de 220 cirurgias em 2019 e 120 cirurgias em 2020. Redução de 37,29% no número total de internamentos, total de 236 em 2019 e 148 em 2020. Observou-se diminuição de 40,90% nas consultas ambulatoriais, realizadas 2941 consultas em 2019 e 1738 consultas em 2020. Percebe-se que os piores períodos de redução em 2020 foram de março a junho, além de nova queda em novembro e dezembro.
Conclusão: A pandemia impactou as atividades das especialidades cirúrgicas do C-HUPES, devido à redução total da quantidade de cirurgias, consultas e internamentos em 2020, prejudicando a assistência aos pacientes da cirurgia plástica em números absolutos. Infere-se que a pandemia de COVID-19 prejudicou a formação dos residentes de cirurgia plástica.

Palavras-chave: COVID-19; Cirurgia plástica; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Avaliação em saúde; Hospitais universitários; Pandemias

ABSTRACT

Introduction: Since the beginning of the COVID-19 pandemic, medical specialties have adapted their routine, postponing non-essential procedures, which resulted in a reduction in the number of surgical visits, directly impacting teaching hospitals. This work aims to evaluate the impact of the COVID-19 pandemic on the activities of the surgical specialties at the University Hospital Professor Edgard Santos (C-HUPES), located in Salvador-BA.
Method: Observational, cross-sectional, retrospective study, which compares the year 2020 to the year 2019, in which the impacts of the pandemic on the surgical activities (especially plastic surgery) of the hospital are analyzed through the total number of procedures, hospitalizations, and outpatient consultations of surgical specialties.
Results: A reduction of 45,45% of the total number of surgical procedures was observed, with 220 surgeries in 2019 and 120 surgeries in 2020. Reduction of 37.29% in hospitalizations, totaling 236 in 2019 and 148 in 2020. There was a decrease of 40.90% in outpatient consultations, with 2941 consultations performed in 2019 and 1738 consultations in 2020. It is noticed that the worst periods of reduction in 2020 were from March to June, in addition to a new drop in November and December.
Conclusion: The pandemic impacted the activities of the surgical specialties at C-HUPES due to the total reduction in the number of surgeries, consultations, and hospitalizations in 2020, impairing the care of plastic surgery patients in absolute numbers. It is inferred that the COVID-19 pandemic hampered the training of plastic surgery residents.

Keywords: COVID-19; Surgery, plastic; Reconstructive surgical procedures; Health evaluation; Hospitals, university; Pandemics


INTRODUÇÃO

Desde o início da pandemia de COVID-19, o mundo enfrenta grandes desafios para conter seu avanço, elucidar seu tratamento e se adaptar aos impactos gerados na saúde, educação e economia. O evento foi divulgado pela primeira vez em novembro de 2019 em Wuhan, na China. Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública de importância internacional referente a este patógeno viral1. O primeiro caso foi confirmado no Brasil pelo Ministério da Saúde em 26 de fevereiro de 20202,3.

Quase todas as especialidades médicas adaptaram sua rotina e procedimentos para enfrentar o desafio emergente, postergando consultas não essenciais e ambulatoriais, o que resultou em redução acentuada no número de cirurgias eletivas, inclusive nos hospitais escola4. O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) e o Colégio Americano de Cirurgiões recomendaram o cancelamento de procedimentos eletivos5 em ambientes privados, públicos e acadêmicos. Para execução das cirurgias, foram indicados testagens pré-operatórias, equipe cirúrgica reduzida, distanciamento durante intubação e extubação e paramentação completa com equipamentos de proteção individual6.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), em 16 de março de 2020, recomendou a suspensão de cirurgias eletivas em todo território nacional, seguindo as diretrizes da OMS e do Ministério da Saúde, visando minimizar a transmissão viral e economizar materiais essenciais7.

Em condições normais, o Hospital Universitário Professor Edgard Santos (C-HUPES) em estudo, localizado na cidade de Salvador-BA, realiza anualmente em média 308.147 consultas nas diversas especialidades, 550.531 atendimentos diagnósticos terapêuticos, 9557 internações e cerca de 8964 cirurgias8. Acreditamos haver redução desses números conforme visualizado no trabalho de Kara et al.9 e também observado no estudo de Pagotto et al.2, em que houve importante redução dos atendimentos em cirurgia plástica em um hospital universitário brasileiro da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo comparado a períodos pré-pandemia em 2019.

Nesse contexto, a pandemia de COVID-19 não possibilitou que os profissionais pudessem se preparar para vivenciá-la, organizando os serviços para os impactos sanitários, financeiros e educacionais. Apesar disso, estudos mostraram que, dentre as especialidades cirúrgicas, o risco menor foi apresentado pela cirurgia plástica, a qual apresentou ausência de quadros graves em pós-operatório por COVID-19, sem hospitalizações e mortes9.

OBJETIVO

O objetivo desse estudo é avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 nas atividades das especialidades cirúrgicas no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, localizado em Salvador-BA, bem como avaliar o impacto da pandemia na assistência aos pacientes de cirurgia plástica e ensino-aprendizado no mesmo hospital e período analisados. A missão do C-HUPES é ser uma instituição de excelência reconhecida nacionalmente em ensino, pesquisa e assistência. Mesmo com a mudança na formação médica durante este período, a preocupação com os impactos na formação prática não poderia ser desconsiderada.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional transversal, retrospectivo, que compara o ano de 2020 ao ano de 2019, analisando os impactos da pandemia de COVID-19 nas atividades das especialidades cirúrgicas do C-HUPES. Foi avaliada a frequência absoluta mensal de procedimentos cirúrgicos, internações e consultas ambulatoriais considerando o período de janeiro a dezembro de 2019 comparado com o período semelhante de 2020. Em 2020 houve a suspensão das atividades e crise de materiais e 2019 foi o ano-base pré-pandemia e crise de materiais.

Alocação da amostra

Trata-se da população de pacientes submetidos a atendimentos cirúrgicos no C-HUPES nos anos de 2019 e 2020. Coleta de dados fornecidos pelo setor Unidade de Processamento de Informação Assistencial, Monitoramento e Avaliação (UPIAMA) e pela Unidade do Centro Cirúrgico. Os dados foram coletados e processados através de planilhas próprias dos setores de origem.

Materiais

Variáveis analisadas em 2020 comparado a 2019:

    - Número mensal de atendimentos ambulatoriais de cada especialidade cirúrgica;

    - Número mensal de internamentos de cada especialidade cirúrgica;

    - Número mensal de procedimentos cirúrgicos realizados por cada especialidade.

Critérios de inclusão

População de pacientes atendidos pelas diversas especialidades cirúrgicas do hospital universitário no período analisado - 2019 e 2020.

Critérios de exclusão

Foram excluídos do estudo pacientes não atendidos pelas especialidades cirúrgicas no período analisado.

Análise estatística

Utilizando a planilha eletrônica (LibreOffice Calc) e os dados populacionais extraídos do programa Relatórios AGHU cedidos pela Unidade do Centro Cirúrgico e pela UPIAMA foram calculadas as frequências absolutas e relativas das cirurgias, internações e consultas ambulatoriais, mensalmente, de todas as especialidades cirúrgicas do C-HUPES comparando os anos de 2020 e 2019, avaliando se houve aumento ou queda das atividades. Também foi calculada a frequência relativa em percentual das atividades desempenhadas pela cirurgia plástica através de procedimentos cirúrgicos, internações ou consultas, comparando essa especialidade às demais especialidades cirúrgicas, avaliando a redução ou acréscimo de 2020 em relação a 2019.

Aspectos éticos

Projeto avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia conforme as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - Resolução 466/12, do CNS (Conselho Nacional de Saúde) e aprovado conforme CAAE 52923521.5.0000.0049 divulgado na Plataforma Brasil.

RESULTADOS

Houve redução de 45,45% no número de cirurgias plásticas, sendo o total de 220 cirurgias em 2019 e 120 cirurgias em 2020. Percebe-se que o pior período de redução foi de março a junho de 2020, sendo em março de 56,25%, abril de 100%, maio de 95% e junho de 81,82% e nova queda em novembro (50%) e dezembro (89,47%). Percebemos recuperação nos meses de julho a outubro, ainda com quantitativo de 2020 menor comparado a 2019, exceto o mês de agosto, em que houve aumento de cirurgias de 21,05% (19 procedimentos em 2019 e 23 em 2020) (Figura 1).

Figura 1 - Número de cirurgias plásticas realizadas a cada mês nos anos de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha) no Hospital Universitário Professor Edgard Santos.

Houve redução de 37,29% no número total de internamentos, total de 236 em 2019 e 148 em 2020. Nota-se redução dos internamentos no período de março a junho e dezembro: em março 60%, abril 100%, maio 100%, junho 86,67% e dezembro 87,5%. Em agosto houve pico de internamentos, representando aumento de 42,86% em 2020 comparado a 2019 (Figura 2).

Figura 2 - Número de internações da cirurgia plástica no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, mensalmente, nos anos de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha).

Em relação ao número de consultas ambulatoriais, observou-se uma diminuição total de 40,90%, pois foram realizadas 2941 consultas em 2019 e 1738 consultas em 2020. Redução mais abrupta foi observada nos períodos de março a julho, havendo nova queda em dezembro: em março reduziu 48,21%, em abril 99,64%, em maio 96,79%, em junho 90,78%, em julho 44,57% e em dezembro 63,19% (Figura 3).

Figura 3 - Número de consultas ambulatoriais da cirurgia plástica mensalmente, nos anos de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha).

Em relação à participação da cirurgia plástica no percentual total de cirurgias realizadas por todas as especialidades cirúrgicas do C-HUPES nos anos de 2019 e 2020, identifica-se que a cirurgia plástica em 2019 teve média de participação de 6,49% dos 3390 procedimentos realizados e em 2020 média representação de 5,8% dos 2070 procedimentos realizados. Em 2020 percebe-se grande redução da participação da cirurgia plástica no período de março - junho e novembro - dezembro: março representando 3,78%, abril 0%, maio 0,98%, junho 1,69%, novembro 4,39% e dezembro 1,89%. Percebe-se também um pico de participação nos meses de julho 10,07%, agosto 11,06% e setembro 7,61% (Figura 4).

Figura 4 - Percentual de participação das cirurgias plásticas em relação ao total de cirurgias realizadas por todas as especialidades cirúrgicas do Hospital Universitário Professor Edgard Santos no ano de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha).

Comparando a participação da cirurgia plástica no percentual total de internamentos, identifica-se que em 2019 a especialidade teve média de participação de 5,85% dos 4035 internamentos e em 2020 média de 6,55% dos 2258 internamentos do C-HUPES. Em 2020, os períodos de menor contribuição da cirurgia plástica no total de internamentos foram: março 2,69%, abril 0%, maio 0%, junho 1,89% e dezembro 2,02%. Os meses de maior contribuição da cirurgia plástica no total de internamentos foram julho e agosto com, respectivamente, 11,11% e 12,61% (Figura 5).

Figura 5 - Percentual de internações da cirurgia plástica em relação ao total de internações de todas as especialidades no ano de 2019 e 2020.

A cirurgia plástica representou 5,09% das 57.835 consultas ambulatoriais realizadas por todas as especialidades cirúrgicas em 2019 e 5,54% das 31.387 consultas ambulatoriais realizadas em 2020. Ainda em 2020 nos períodos de maior decréscimo a cirurgia plástica representou 3,61% em março; 0,18% em abril; 1,67% em maio; 2,18% em junho e 3,98% em dezembro. Nos períodos de maior participação a cirurgia plástica representou 9,21% em julho e 8,14% em agosto (Figura 6).

Figura 6 - Percentual de consultas da cirurgia plástica em relação ao total de consultas realizadas por todas as especialidades no ano de 2019 e 2020.

Redução global do número de cirurgias (produtividade cirúrgica) é identificada nas diversas especialidades do C-HUPES no ano de 2020 comparado a 2019. As 3 especialidades que alcançaram maior redução são: cirurgia de cabeça e pescoço com diminuição de 71,08%; cirurgia cardíaca, com 68,69%; otorrinolaringologia, com 54,66%. Já as 3 especialidades com menor redução foram: cirurgia pediátrica, com diminuição de 8,91%; cirurgia vascular, com 22,92%; e cirurgia ginecológica com 29,08%. A neurocirurgia apresentou aumento de 3,13% em relação ao ano anterior. Como já escrito anteriormente, a cirurgia plástica teve redução de 45,45% em sua produtividade cirúrgica (Figura 7).

Figura 7 - Percentual de alteração na produtividade cirúrgica de todas as especialidades do Hospital Universitário Professor Edgard Santos analisadas, comparando 2020 ao ano de 2019.

A cirurgia plástica manteve congruência nas atividades prestadas no período analisado, havendo períodos de queda e recuperação semelhantes. Visualiza-se que a queda percentual dos serviços prestados (consultas ambulatoriais, internamentos e procedimento cirúrgicos) ocorreu nos meses de março a junho, com período de recuperação, e menor queda percentual, nos meses de julho a outubro. Novo período de queda percentual em todos os serviços prestados é visualizado nos meses de novembro e dezembro (Figura 8).

Figura 8 - Percentual alteração das atividades da cirurgia plástica (consultas/internamentos/cirurgias) comparando mensalmente 2020 e 2019.

DISCUSSÃO

O Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos é uma instituição de alta complexidade, composto por diversas especialidades clínicas e cirúrgicas, funcionando prioritariamente em caráter eletivo, com número restrito de pacientes por não dispor de serviço de urgência/emergência. Esse hospital não foi convertido em unidade exclusiva para o tratamento da COVID-19, mesmo assim, a pandemia trouxe mudanças nos serviços prestados por tal instituição, consoante com relatos da literatura7.

Conforme Brito et al.10, devido ao funcionamento em caráter prioritariamente eletivo, as especialidades cirúrgicas dessa instituição foram afetadas e sofreram mudanças no seu modo de assistência médica, já que a pandemia de COVID-19 impactou nas rotinas, impondo restrições com objetivo de reduzir a propagação da doença e a sobrecarga do sistema de saúde. Porém, isso gerou prejuízos, já que as especialidades cirúrgicas demandam cuidados presenciais que são essenciais e não podem ser substituídos pela telemedicina ou atendimento remoto.

Uma das principais razões para atrasar procedimentos eletivos é o risco de complicações pós-operatórias e pior prognóstico de pacientes que adquirem COVID-19.Entretanto, a preocupação com o treinamento prático não poderia ser desconsiderada. O perfil predominante das cirurgias reconstrutivas na cirurgia plástica permitiu a continuidade dos procedimentos, aprendizado e prática dos residentes em cirurgia plástica, bem como manutenção do cuidado2.

Relativo aos impactos educacionais, no estudo de Mehrzad et al.11 foram avaliadas as mudanças vividas pelos programas de cirurgia plástica como resultado da pandemia em um serviço da Turquia, concluindo que os programas acadêmicos de cirurgia plástica tiveram mudanças impactantes em sua programação operacional, educacional, no ensino e atendimento aos pacientes ao identificar os seguintes dados: Redução da média de cirurgias para 23% do número total de cirurgias nos períodos pré-COVID; diminuição no volume de casos para aproximadamente 45% do normal e 95,6% de redução da carga horaria de trabalho habitual.

O serviço de cirurgia plástica do C-HUPES é composto por 5 professores assistentes prestando serviços nas áreas de cirurgias ambulatoriais, rinologia, orbito palpebral, plástica reparadora pós-bariátrica, cirurgia de mão, microcirurgia, reconstruções complexas, cirurgias de contorno corporal e estéticas, reconstruções de orelha, eventualmente reconstruções mamárias e reconstruções oncológicas. Esse serviço também dispõe de 4 residentes por ano de formação (total de 12 residentes), selecionados mediante concurso público e vinculados à Universidade Federal da Bahia, os quais têm o hospital universitário e outros hospitais conveniados como campos de práticas ao longo do ano acadêmico.

Todos os pacientes do C-HUPES são atendidos em regime ambulatorial, os caso são discutidos com os professores assistentes e colocados em agenda conforme a lista de espera. Usualmente, existe uma marcação cirúrgica prévia e aviso de pré-internamento, com objetivo de não haver suspensões de cirurgias, devido à indisponibilidade de leitos hospitalares. As cirurgias que ocorrem em situação de urgência/emergência são conjuntas com outras especialidades ou por meio de demanda interna através de interconsultas.

Seguindo práticas mundiais, conforme visualizado no trabalho de Chi et al.4, após o início da pandemia, houve priorização dos serviços essenciais e as atividades eletivas foram canceladas ou adiadas. No hospital universitário, essas normas foram definidas pela Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 06/2020 - Orientações para a prevenção e o controle das infecções pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) em procedimentos cirúrgicos6, publicada em 29 de abril de 2020, que veiculou as seguintes informações:

“Deve revisar cuidadosamente todos os procedimentos eletivos com o objetivo de minimizar, adiar ou cancelar cirurgias eletivas não essenciais, endoscopias ou outros procedimentos invasivos até que seja ultrapassado o ponto de inflexão da curva epidemiológica e seja estabilizada uma tendência, de modo que possam estar confiantes de que a infraestrutura de serviços de saúde poderá suportar um aumento potencialmente rápido nas necessidades críticas de atendimento ao paciente.”6. “Deve-se avaliar criteriosamente o momento da execução e os riscos e benefícios de procedimentos cirúrgicos eletivos essenciais e não essenciais que possam ter sequelas importantes pela não realização cirúrgica.”6.

Essa Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 06/2020 também traz informações sobre a retomada dos procedimentos cirúrgicos eletivos:

“Recomenda-se a retomada da realização de cirurgias eletivas quando ocorrer a redução sustentada de novos casos da COVID-19 durante, pelo menos, 14 dias consecutivos na área geográfica, além da avaliação de outras condições próprias do serviço de saúde, como: Disponibilidade de número seguro de leitos hospitalares, considerando leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) e leitos regulares e garantia da existência de EPI, equipamentos de suporte a vida e equipe capacitada para atender a demanda”6.

Nesse estudo percebemos importante redução das atividades cirúrgicas no hospital universitário no período de março a julho de 2020, com redução mais acentuada nos meses de abril e maio, concomitante com os períodos de pico da pandemia de COVID-19, chamada de 1ª onda, em que houve restrição absoluta a todas as atividades não essenciais, iniciando em 16 de março de 2020, com duração média de 2 meses e meio, até final de maio. Houve nova queda nas atividades no final do ano de 2020, nos meses de novembro e dezembro, compatível com a ocorrência da 2ª onda da pandemia devido à nova cepa viral (tipo delta), com pico de infecções, internações e necessidade de nova restrição aos serviços não essenciais.

Notam-se acréscimos nas atividades cirúrgicas nos meses de julho a outubro, com aumento do número de internações hospitalares eletivas, consultas ambulatoriais e procedimentos cirúrgicos, mostrando que a redução da pandemia permite a recuperação das atividades habituais e a maior flexibilidade na execução de atividades não essenciais, conforme publicado por Søreide et al.12. No hospital avaliado, atribui-se o maior número de cirurgias à confluência da liberação dos procedimentos eletivos, disponibilidade de materiais hospitalares, bem como a ocorrência de turnos cirúrgicos extras, como visto no mês de agosto de 2020, em que a produtividade absoluta ultrapassa o mesmo período de 2019.

Nos meses em que houve número de cirurgias menor do que o de internações, deveu-se ao cancelamento de procedimento eletivos, em função da falta de materiais (ex.: luvas, máscaras, materiais de antissepsia, sedativos e bloqueadores neuromusculares) ou devido ao rodízio de salas, em que outros procedimentos mais essenciais ou de urgência/emergência foram priorizados. Nos meses em que houve maior número de cirurgias do que o de internamentos, ocorreu devido à demanda de cirurgias em pacientes internos (interconsultas), como pacientes da clínica médica, infectologia, UTI que necessitaram de reconstrução de feridas ou lesões por pressão, ou pacientes abordados por outras especialidades cirúrgicas, que necessitaram da participação da cirurgia plástica para fechamento de defeito complexo2.

Em novembro e dezembro percebemos mudança no perfil das atividades. Em novembro mantém-se constante o número de internamentos, porém com redução abrupta do número de cirurgias, mostrando cancelamentos cirúrgicos, enquanto em dezembro percebemos importante redução tanto das cirurgias quanto dos internamentos, mostrando novas restrições das atividades eletivas devido à 2ª onda da pandemia.

Sobre as consultas, percebeu-se períodos de redução crítica (nos meses de abril a junho) devido à fase aguda da 1ª onda da pandemia e maior restrição das atividades. Existe aumento do número de consultas nos meses de julho a outubro, em consonância com a melhora da pandemia e retorno às atividades não essenciais, com novo período de queda nos meses de novembro e dezembro - período da 2ª onda. É evidente uma redução global no número de consultas da cirurgia plástica ao longo de todo ano de 2020 comparado a 2019. Isso ocorreu, de modo geral, provavelmente devido à redução na quantidade de vagas disponibilizadas para consultas ambulatoriais, de modo a evitar aglomerações e menor circulação de pessoas5.

Comparando a cirurgia plástica às demais especialidades, percebemos que houve prejuízo nas atividades devido ao seu perfil predominantemente eletivo. No entanto, essa especialidade não foi a mais prejudicada no ano de 2020, ficando atrás da cirurgia de cabeça e pescoço, cardíaca e otorrinolaringologia. Acredita-se que outros fatores tenham influenciado como, por exemplo, redução dos membros de uma equipe por doença, afastamento ou demissão; indisponibilidade de materiais especiais que não foram priorizados durante a pandemia; redução da casuística de pacientes, já que muitas pessoas não buscaram serviços de saúde com outros problemas além da COVID-19; ou falta de critérios para indicação cirúrgica no período analisado13. Identifica-se, também, que comparativamente as especialidades menos prejudicadas foram: neurocirurgia, cirurgia pediátrica e cirurgia vascular, as quais tiveram menos redução das atividades de um ano para o outro.

Como visto no trabalho de Pagotto et al.2, que também foi realizado num hospital universitário, o C-HUPES teve redução no total absoluto de serviços prestados por todas as especialidades cirúrgicas, baseado na redução da frequência de cirurgias, internamentos e consultas ambulatoriais de 2020 em comparação a 2019. Nesse contexto, é importante destacar que a cirurgia plástica também sofreu reduções e acréscimos em seus números absolutos congruentes com as oscilações da pandemia, porém, percentualmente, em 2020 a especialidade manteve a assistência prestada de modo semelhante ao desempenhado no ano anterior, já que foi responsável por 5,8% do total de cirurgias, 6,55% do total de internamentos e 5,54% do total de consultas ambulatoriais, comparado aos dados de 2019: 6,49% do total de cirurgias, 5,85% do total de internamentos e 5,09% do total de consultas.

Conforme Mehrzad et al.11, que mostraram mudanças no programa de residência médica em cirúrgica plástica com diminuição de aproximadamente 45% do normal pré-pandemia10, no serviço de cirurgia plástica do C-HUPES também foi identificado que a pandemia de COVID-19 causou redução de 45,45% do número de cirurgias (menos 100 pacientes foram operados em 2020) e redução de 40,90% das consultas realizadas (menos 1203 consultas ambulatoriais), mostrando importante impacto nas atividades prestadas pelos residentes desse serviço.

Assim, mesmo com dados trazidos por Teitelbaum et al.14, que demonstraram o baixo risco apresentado pelas cirurgias plásticas durante a pandemia, já que não houve quadros graves de COVID-19 em pacientes em pós-operatório, sem mortes ou prolongamento das hospitalizações, identificamos que a cirurgia plástica apresentou grande redução de suas consultas, internamentos e cirurgias no ano de 2020 em comparação ao ano de 2019.

CONCLUSÃO

A pandemia impactou as atividades das especialidades cirúrgicas do C-HUPES, havendo prejuízo à população, pois houve redução total (em números absolutos) da quantidade de cirurgias, consultas e internamentos realizados em 2020.

A pandemia prejudicou a assistência aos pacientes da cirurgia plástica em números absolutos, pois houve redução importante no total de cirurgias, internamentos e consultas realizadas. Porém, comparando à assistência prestada em 2019, percebeu-se que em 2020 a cirurgia plástica manteve um percentual semelhante de atuação quando comparada ao total das atividades de todas as especialidades cirúrgicas do C-HUPES.

Infere-se que a pandemia de COVID-19 prejudicou a formação dos residentes de cirurgia plástica, já que em 2020, individualmente, cada cirurgião plástico em formação operou menor número de pacientes e realizou menor quantidade de consultas.

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1. Universidade Federal da Bahia, Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Salvador, BA, Brasil
2. Universidade Federal da Bahia, Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Departamento de Anestesiologia e Cirurgia, Salvador, BA, Brasil
3. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, BA, Brasil

Autor correspondente: Antonio Oliveira Lima Neto Rua Leonor Calmon, 44, salas 1001 e 1002, Empresarial Cidade Jardim, Candeal, Salvador, BA, Brasil., CEP: 40296-210, E-mail: antonio_olimaneto@yahoo.com.br

Artigo submetido: 26/05/2022.
Artigo aceito: 15/03/2023.

Conflitos de interesse: não há.

 

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