INTRODUÇÃO
Desde o início da pandemia de COVID-19, o mundo enfrenta grandes desafios para conter
seu avanço, elucidar seu tratamento e se adaptar aos impactos gerados na saúde,
educação e economia. O evento foi divulgado pela primeira vez em novembro de 2019
em
Wuhan, na China. Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou
emergência de saúde pública de importância internacional referente a este patógeno
viral1. O primeiro caso foi
confirmado no Brasil pelo Ministério da Saúde em 26 de fevereiro de 20202,3.
Quase todas as especialidades médicas adaptaram sua rotina e procedimentos para
enfrentar o desafio emergente, postergando consultas não essenciais e ambulatoriais,
o que resultou em redução acentuada no número de cirurgias eletivas, inclusive
nos
hospitais escola4. O CDC (Centro de
Controle e Prevenção de Doenças) e o Colégio Americano de Cirurgiões recomendaram
o
cancelamento de procedimentos eletivos5 em ambientes privados, públicos e acadêmicos. Para execução das
cirurgias, foram indicados testagens pré-operatórias, equipe cirúrgica reduzida,
distanciamento durante intubação e extubação e paramentação completa com
equipamentos de proteção individual6.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), em 16 de março de 2020,
recomendou a suspensão de cirurgias eletivas em todo território nacional, seguindo
as diretrizes da OMS e do Ministério da Saúde, visando minimizar a transmissão
viral
e economizar materiais essenciais7.
Em condições normais, o Hospital Universitário Professor Edgard Santos (C-HUPES) em
estudo, localizado na cidade de Salvador-BA, realiza anualmente em média 308.147
consultas nas diversas especialidades, 550.531 atendimentos diagnósticos
terapêuticos, 9557 internações e cerca de 8964 cirurgias8. Acreditamos haver redução desses números conforme
visualizado no trabalho de Kara et al.9 e também observado no estudo de Pagotto et al.2, em que houve importante redução dos
atendimentos em cirurgia plástica em um hospital universitário brasileiro da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo comparado a períodos pré-pandemia
em 2019.
Nesse contexto, a pandemia de COVID-19 não possibilitou que os profissionais pudessem
se preparar para vivenciá-la, organizando os serviços para os impactos sanitários,
financeiros e educacionais. Apesar disso, estudos mostraram que, dentre as
especialidades cirúrgicas, o risco menor foi apresentado pela cirurgia plástica,
a
qual apresentou ausência de quadros graves em pós-operatório por COVID-19, sem
hospitalizações e mortes9.
OBJETIVO
O objetivo desse estudo é avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 nas atividades
das especialidades cirúrgicas no Hospital Universitário Professor Edgard Santos,
localizado em Salvador-BA, bem como avaliar o impacto da pandemia na assistência
aos
pacientes de cirurgia plástica e ensino-aprendizado no mesmo hospital e período
analisados. A missão do C-HUPES é ser uma instituição de excelência reconhecida
nacionalmente em ensino, pesquisa e assistência. Mesmo com a mudança na formação
médica durante este período, a preocupação com os impactos na formação prática
não
poderia ser desconsiderada.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional transversal, retrospectivo, que compara o ano
de
2020 ao ano de 2019, analisando os impactos da pandemia de COVID-19 nas atividades
das especialidades cirúrgicas do C-HUPES. Foi avaliada a frequência absoluta mensal
de procedimentos cirúrgicos, internações e consultas ambulatoriais considerando
o
período de janeiro a dezembro de 2019 comparado com o período semelhante de 2020.
Em
2020 houve a suspensão das atividades e crise de materiais e 2019 foi o ano-base
pré-pandemia e crise de materiais.
Alocação da amostra
Trata-se da população de pacientes submetidos a atendimentos cirúrgicos no
C-HUPES nos anos de 2019 e 2020. Coleta de dados fornecidos pelo setor Unidade
de Processamento de Informação Assistencial, Monitoramento e Avaliação (UPIAMA)
e pela Unidade do Centro Cirúrgico. Os dados foram coletados e processados
através de planilhas próprias dos setores de origem.
Materiais
Variáveis analisadas em 2020 comparado a 2019:
- Número mensal de atendimentos ambulatoriais de cada especialidade
cirúrgica;
- Número mensal de internamentos de cada especialidade cirúrgica;
- Número mensal de procedimentos cirúrgicos realizados por cada
especialidade.
Critérios de inclusão
População de pacientes atendidos pelas diversas especialidades cirúrgicas do
hospital universitário no período analisado - 2019 e 2020.
Critérios de exclusão
Foram excluídos do estudo pacientes não atendidos pelas especialidades cirúrgicas
no período analisado.
Análise estatística
Utilizando a planilha eletrônica (LibreOffice Calc) e os dados populacionais
extraídos do programa Relatórios AGHU cedidos pela Unidade do Centro Cirúrgico
e
pela UPIAMA foram calculadas as frequências absolutas e relativas das cirurgias,
internações e consultas ambulatoriais, mensalmente, de todas as especialidades
cirúrgicas do C-HUPES comparando os anos de 2020 e 2019, avaliando se houve
aumento ou queda das atividades. Também foi calculada a frequência relativa em
percentual das atividades desempenhadas pela cirurgia plástica através de
procedimentos cirúrgicos, internações ou consultas, comparando essa
especialidade às demais especialidades cirúrgicas, avaliando a redução ou
acréscimo de 2020 em relação a 2019.
Aspectos éticos
Projeto avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário
Professor Edgar Santos da Universidade Federal da Bahia conforme as Diretrizes
e
Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - Resolução 466/12,
do CNS (Conselho Nacional de Saúde) e aprovado conforme CAAE
52923521.5.0000.0049 divulgado na Plataforma Brasil.
RESULTADOS
Houve redução de 45,45% no número de cirurgias plásticas, sendo o total de 220
cirurgias em 2019 e 120 cirurgias em 2020. Percebe-se que o pior período de redução
foi de março a junho de 2020, sendo em março de 56,25%, abril de 100%, maio de
95% e
junho de 81,82% e nova queda em novembro (50%) e dezembro (89,47%). Percebemos
recuperação nos meses de julho a outubro, ainda com quantitativo de 2020 menor
comparado a 2019, exceto o mês de agosto, em que houve aumento de cirurgias de
21,05% (19 procedimentos em 2019 e 23 em 2020) (Figura 1).
Figura 1 - Número de cirurgias plásticas realizadas a cada mês nos anos de 2019
(linha azul) e 2020 (linha vermelha) no Hospital Universitário Professor
Edgard Santos.
Figura 1 - Número de cirurgias plásticas realizadas a cada mês nos anos de 2019
(linha azul) e 2020 (linha vermelha) no Hospital Universitário Professor
Edgard Santos.
Houve redução de 37,29% no número total de internamentos, total de 236 em 2019 e 148
em 2020. Nota-se redução dos internamentos no período de março a junho e dezembro:
em março 60%, abril 100%, maio 100%, junho 86,67% e dezembro 87,5%. Em agosto
houve
pico de internamentos, representando aumento de 42,86% em 2020 comparado a 2019
(Figura 2).
Figura 2 - Número de internações da cirurgia plástica no Hospital Universitário
Professor Edgard Santos, mensalmente, nos anos de 2019 (linha azul) e
2020 (linha vermelha).
Figura 2 - Número de internações da cirurgia plástica no Hospital Universitário
Professor Edgard Santos, mensalmente, nos anos de 2019 (linha azul) e
2020 (linha vermelha).
Em relação ao número de consultas ambulatoriais, observou-se uma diminuição total
de
40,90%, pois foram realizadas 2941 consultas em 2019 e 1738 consultas em 2020.
Redução mais abrupta foi observada nos períodos de março a julho, havendo nova
queda
em dezembro: em março reduziu 48,21%, em abril 99,64%, em maio 96,79%, em junho
90,78%, em julho 44,57% e em dezembro 63,19% (Figura 3).
Figura 3 - Número de consultas ambulatoriais da cirurgia plástica mensalmente,
nos anos de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha).
Figura 3 - Número de consultas ambulatoriais da cirurgia plástica mensalmente,
nos anos de 2019 (linha azul) e 2020 (linha vermelha).
Em relação à participação da cirurgia plástica no percentual total de cirurgias
realizadas por todas as especialidades cirúrgicas do C-HUPES nos anos de 2019
e
2020, identifica-se que a cirurgia plástica em 2019 teve média de participação
de
6,49% dos 3390 procedimentos realizados e em 2020 média representação de 5,8%
dos
2070 procedimentos realizados. Em 2020 percebe-se grande redução da participação
da
cirurgia plástica no período de março - junho e novembro - dezembro: março
representando 3,78%, abril 0%, maio 0,98%, junho 1,69%, novembro 4,39% e dezembro
1,89%. Percebe-se também um pico de participação nos meses de julho 10,07%, agosto
11,06% e setembro 7,61% (Figura 4).
Figura 4 - Percentual de participação das cirurgias plásticas em relação ao
total de cirurgias realizadas por todas as especialidades cirúrgicas do
Hospital Universitário Professor Edgard Santos no ano de 2019 (linha
azul) e 2020 (linha vermelha).
Figura 4 - Percentual de participação das cirurgias plásticas em relação ao
total de cirurgias realizadas por todas as especialidades cirúrgicas do
Hospital Universitário Professor Edgard Santos no ano de 2019 (linha
azul) e 2020 (linha vermelha).
Comparando a participação da cirurgia plástica no percentual total de internamentos,
identifica-se que em 2019 a especialidade teve média de participação de 5,85%
dos
4035 internamentos e em 2020 média de 6,55% dos 2258 internamentos do C-HUPES.
Em
2020, os períodos de menor contribuição da cirurgia plástica no total de
internamentos foram: março 2,69%, abril 0%, maio 0%, junho 1,89% e dezembro 2,02%.
Os meses de maior contribuição da cirurgia plástica no total de internamentos
foram
julho e agosto com, respectivamente, 11,11% e 12,61% (Figura 5).
Figura 5 - Percentual de internações da cirurgia plástica em relação ao total de
internações de todas as especialidades no ano de 2019 e 2020.
Figura 5 - Percentual de internações da cirurgia plástica em relação ao total de
internações de todas as especialidades no ano de 2019 e 2020.
A cirurgia plástica representou 5,09% das 57.835 consultas ambulatoriais realizadas
por todas as especialidades cirúrgicas em 2019 e 5,54% das 31.387 consultas
ambulatoriais realizadas em 2020. Ainda em 2020 nos períodos de maior decréscimo
a
cirurgia plástica representou 3,61% em março; 0,18% em abril; 1,67% em maio; 2,18%
em junho e 3,98% em dezembro. Nos períodos de maior participação a cirurgia plástica
representou 9,21% em julho e 8,14% em agosto (Figura 6).
Figura 6 - Percentual de consultas da cirurgia plástica em relação ao total de
consultas realizadas por todas as especialidades no ano de 2019 e
2020.
Figura 6 - Percentual de consultas da cirurgia plástica em relação ao total de
consultas realizadas por todas as especialidades no ano de 2019 e
2020.
Redução global do número de cirurgias (produtividade cirúrgica) é identificada nas
diversas especialidades do C-HUPES no ano de 2020 comparado a 2019. As 3
especialidades que alcançaram maior redução são: cirurgia de cabeça e pescoço
com
diminuição de 71,08%; cirurgia cardíaca, com 68,69%; otorrinolaringologia, com
54,66%. Já as 3 especialidades com menor redução foram: cirurgia pediátrica, com
diminuição de 8,91%; cirurgia vascular, com 22,92%; e cirurgia ginecológica com
29,08%. A neurocirurgia apresentou aumento de 3,13% em relação ao ano anterior.
Como
já escrito anteriormente, a cirurgia plástica teve redução de 45,45% em sua
produtividade cirúrgica (Figura 7).
Figura 7 - Percentual de alteração na produtividade cirúrgica de todas as
especialidades do Hospital Universitário Professor Edgard Santos
analisadas, comparando 2020 ao ano de 2019.
Figura 7 - Percentual de alteração na produtividade cirúrgica de todas as
especialidades do Hospital Universitário Professor Edgard Santos
analisadas, comparando 2020 ao ano de 2019.
A cirurgia plástica manteve congruência nas atividades prestadas no período
analisado, havendo períodos de queda e recuperação semelhantes. Visualiza-se que
a
queda percentual dos serviços prestados (consultas ambulatoriais, internamentos
e
procedimento cirúrgicos) ocorreu nos meses de março a junho, com período de
recuperação, e menor queda percentual, nos meses de julho a outubro. Novo período
de
queda percentual em todos os serviços prestados é visualizado nos meses de novembro
e dezembro (Figura 8).
Figura 8 - Percentual alteração das atividades da cirurgia plástica
(consultas/internamentos/cirurgias) comparando mensalmente 2020 e
2019.
Figura 8 - Percentual alteração das atividades da cirurgia plástica
(consultas/internamentos/cirurgias) comparando mensalmente 2020 e
2019.
DISCUSSÃO
O Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos é uma instituição de alta
complexidade, composto por diversas especialidades clínicas e cirúrgicas,
funcionando prioritariamente em caráter eletivo, com número restrito de pacientes
por não dispor de serviço de urgência/emergência. Esse hospital não foi convertido
em unidade exclusiva para o tratamento da COVID-19, mesmo assim, a pandemia trouxe
mudanças nos serviços prestados por tal instituição, consoante com relatos da
literatura7.
Conforme Brito et al.10, devido ao
funcionamento em caráter prioritariamente eletivo, as especialidades cirúrgicas
dessa instituição foram afetadas e sofreram mudanças no seu modo de assistência
médica, já que a pandemia de COVID-19 impactou nas rotinas, impondo restrições
com
objetivo de reduzir a propagação da doença e a sobrecarga do sistema de saúde.
Porém, isso gerou prejuízos, já que as especialidades cirúrgicas demandam cuidados
presenciais que são essenciais e não podem ser substituídos pela telemedicina
ou
atendimento remoto.
Uma das principais razões para atrasar procedimentos eletivos é o risco de
complicações pós-operatórias e pior prognóstico de pacientes que adquirem
COVID-19.Entretanto, a preocupação com o treinamento prático não poderia ser
desconsiderada. O perfil predominante das cirurgias reconstrutivas na cirurgia
plástica permitiu a continuidade dos procedimentos, aprendizado e prática dos
residentes em cirurgia plástica, bem como manutenção do cuidado2.
Relativo aos impactos educacionais, no estudo de Mehrzad et al.11 foram avaliadas as mudanças
vividas pelos programas de cirurgia plástica como resultado da pandemia em um
serviço da Turquia, concluindo que os programas acadêmicos de cirurgia plástica
tiveram mudanças impactantes em sua programação operacional, educacional, no ensino
e atendimento aos pacientes ao identificar os seguintes dados: Redução da média
de
cirurgias para 23% do número total de cirurgias nos períodos pré-COVID; diminuição
no volume de casos para aproximadamente 45% do normal e 95,6% de redução da carga
horaria de trabalho habitual.
O serviço de cirurgia plástica do C-HUPES é composto por 5 professores assistentes
prestando serviços nas áreas de cirurgias ambulatoriais, rinologia, orbito
palpebral, plástica reparadora pós-bariátrica, cirurgia de mão, microcirurgia,
reconstruções complexas, cirurgias de contorno corporal e estéticas, reconstruções
de orelha, eventualmente reconstruções mamárias e reconstruções oncológicas. Esse
serviço também dispõe de 4 residentes por ano de formação (total de 12 residentes),
selecionados mediante concurso público e vinculados à Universidade Federal da
Bahia,
os quais têm o hospital universitário e outros hospitais conveniados como campos
de
práticas ao longo do ano acadêmico.
Todos os pacientes do C-HUPES são atendidos em regime ambulatorial, os caso são
discutidos com os professores assistentes e colocados em agenda conforme a lista
de
espera. Usualmente, existe uma marcação cirúrgica prévia e aviso de
pré-internamento, com objetivo de não haver suspensões de cirurgias, devido à
indisponibilidade de leitos hospitalares. As cirurgias que ocorrem em situação
de
urgência/emergência são conjuntas com outras especialidades ou por meio de demanda
interna através de interconsultas.
Seguindo práticas mundiais, conforme visualizado no trabalho de Chi et al.4, após o início da pandemia, houve
priorização dos serviços essenciais e as atividades eletivas foram canceladas
ou
adiadas. No hospital universitário, essas normas foram definidas pela Nota Técnica
GVIMS/GGTES/ANVISA nº 06/2020 - Orientações para a prevenção e o controle das
infecções pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) em procedimentos cirúrgicos6, publicada em 29 de abril de 2020,
que veiculou as seguintes informações:
“Deve revisar cuidadosamente todos os procedimentos eletivos com o objetivo de
minimizar, adiar ou cancelar cirurgias eletivas não essenciais, endoscopias ou
outros procedimentos invasivos até que seja ultrapassado o ponto de inflexão da
curva epidemiológica e seja estabilizada uma tendência, de modo que possam estar
confiantes de que a infraestrutura de serviços de saúde poderá suportar um aumento
potencialmente rápido nas necessidades críticas de atendimento ao
paciente.”6. “Deve-se
avaliar criteriosamente o momento da execução e os riscos e benefícios de
procedimentos cirúrgicos eletivos essenciais e não essenciais que possam ter
sequelas importantes pela não realização cirúrgica.”6.
Essa Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA nº 06/2020 também traz informações sobre a
retomada dos procedimentos cirúrgicos eletivos:
“Recomenda-se a retomada da realização de cirurgias eletivas quando ocorrer a redução
sustentada de novos casos da COVID-19 durante, pelo menos, 14 dias consecutivos
na
área geográfica, além da avaliação de outras condições próprias do serviço de
saúde,
como: Disponibilidade de número seguro de leitos hospitalares, considerando leitos
de unidades de terapia intensiva (UTI) e leitos regulares e garantia da existência
de EPI, equipamentos de suporte a vida e equipe capacitada para atender a
demanda”6.
Nesse estudo percebemos importante redução das atividades cirúrgicas no hospital
universitário no período de março a julho de 2020, com redução mais acentuada
nos
meses de abril e maio, concomitante com os períodos de pico da pandemia de COVID-19,
chamada de 1ª onda, em que houve restrição absoluta a todas as atividades não
essenciais, iniciando em 16 de março de 2020, com duração média de 2 meses e meio,
até final de maio. Houve nova queda nas atividades no final do ano de 2020, nos
meses de novembro e dezembro, compatível com a ocorrência da 2ª onda da pandemia
devido à nova cepa viral (tipo delta), com pico de infecções, internações e
necessidade de nova restrição aos serviços não essenciais.
Notam-se acréscimos nas atividades cirúrgicas nos meses de julho a outubro, com
aumento do número de internações hospitalares eletivas, consultas ambulatoriais
e
procedimentos cirúrgicos, mostrando que a redução da pandemia permite a recuperação
das atividades habituais e a maior flexibilidade na execução de atividades não
essenciais, conforme publicado por Søreide et al.12. No hospital avaliado, atribui-se o maior número
de cirurgias à confluência da liberação dos procedimentos eletivos, disponibilidade
de materiais hospitalares, bem como a ocorrência de turnos cirúrgicos extras,
como
visto no mês de agosto de 2020, em que a produtividade absoluta ultrapassa o mesmo
período de 2019.
Nos meses em que houve número de cirurgias menor do que o de internações, deveu-se
ao
cancelamento de procedimento eletivos, em função da falta de materiais (ex.: luvas,
máscaras, materiais de antissepsia, sedativos e bloqueadores neuromusculares)
ou
devido ao rodízio de salas, em que outros procedimentos mais essenciais ou de
urgência/emergência foram priorizados. Nos meses em que houve maior número de
cirurgias do que o de internamentos, ocorreu devido à demanda de cirurgias em
pacientes internos (interconsultas), como pacientes da clínica médica, infectologia,
UTI que necessitaram de reconstrução de feridas ou lesões por pressão, ou pacientes
abordados por outras especialidades cirúrgicas, que necessitaram da participação
da
cirurgia plástica para fechamento de defeito complexo2.
Em novembro e dezembro percebemos mudança no perfil das atividades. Em novembro
mantém-se constante o número de internamentos, porém com redução abrupta do número
de cirurgias, mostrando cancelamentos cirúrgicos, enquanto em dezembro percebemos
importante redução tanto das cirurgias quanto dos internamentos, mostrando novas
restrições das atividades eletivas devido à 2ª onda da pandemia.
Sobre as consultas, percebeu-se períodos de redução crítica (nos meses de abril a
junho) devido à fase aguda da 1ª onda da pandemia e maior restrição das atividades.
Existe aumento do número de consultas nos meses de julho a outubro, em consonância
com a melhora da pandemia e retorno às atividades não essenciais, com novo período
de queda nos meses de novembro e dezembro - período da 2ª onda. É evidente uma
redução global no número de consultas da cirurgia plástica ao longo de todo ano
de
2020 comparado a 2019. Isso ocorreu, de modo geral, provavelmente devido à redução
na quantidade de vagas disponibilizadas para consultas ambulatoriais, de modo
a
evitar aglomerações e menor circulação de pessoas5.
Comparando a cirurgia plástica às demais especialidades, percebemos que houve
prejuízo nas atividades devido ao seu perfil predominantemente eletivo. No entanto,
essa especialidade não foi a mais prejudicada no ano de 2020, ficando atrás da
cirurgia de cabeça e pescoço, cardíaca e otorrinolaringologia. Acredita-se que
outros fatores tenham influenciado como, por exemplo, redução dos membros de uma
equipe por doença, afastamento ou demissão; indisponibilidade de materiais especiais
que não foram priorizados durante a pandemia; redução da casuística de pacientes,
já
que muitas pessoas não buscaram serviços de saúde com outros problemas além da
COVID-19; ou falta de critérios para indicação cirúrgica no período
analisado13.
Identifica-se, também, que comparativamente as especialidades menos prejudicadas
foram: neurocirurgia, cirurgia pediátrica e cirurgia vascular, as quais tiveram
menos redução das atividades de um ano para o outro.
Como visto no trabalho de Pagotto et al.2, que também foi realizado num hospital universitário, o C-HUPES
teve redução no total absoluto de serviços prestados por todas as especialidades
cirúrgicas, baseado na redução da frequência de cirurgias, internamentos e consultas
ambulatoriais de 2020 em comparação a 2019. Nesse contexto, é importante destacar
que a cirurgia plástica também sofreu reduções e acréscimos em seus números
absolutos congruentes com as oscilações da pandemia, porém, percentualmente, em
2020
a especialidade manteve a assistência prestada de modo semelhante ao desempenhado
no
ano anterior, já que foi responsável por 5,8% do total de cirurgias, 6,55% do
total
de internamentos e 5,54% do total de consultas ambulatoriais, comparado aos dados
de
2019: 6,49% do total de cirurgias, 5,85% do total de internamentos e 5,09% do
total
de consultas.
Conforme Mehrzad et al.11, que
mostraram mudanças no programa de residência médica em cirúrgica plástica com
diminuição de aproximadamente 45% do normal pré-pandemia10, no serviço de cirurgia plástica do C-HUPES também
foi identificado que a pandemia de COVID-19 causou redução de 45,45% do número
de
cirurgias (menos 100 pacientes foram operados em 2020) e redução de 40,90% das
consultas realizadas (menos 1203 consultas ambulatoriais), mostrando importante
impacto nas atividades prestadas pelos residentes desse serviço.
Assim, mesmo com dados trazidos por Teitelbaum et al.14, que demonstraram o baixo risco apresentado pelas
cirurgias plásticas durante a pandemia, já que não houve quadros graves de COVID-19
em pacientes em pós-operatório, sem mortes ou prolongamento das hospitalizações,
identificamos que a cirurgia plástica apresentou grande redução de suas consultas,
internamentos e cirurgias no ano de 2020 em comparação ao ano de 2019.
CONCLUSÃO
A pandemia impactou as atividades das especialidades cirúrgicas do C-HUPES, havendo
prejuízo à população, pois houve redução total (em números absolutos) da quantidade
de cirurgias, consultas e internamentos realizados em 2020.
A pandemia prejudicou a assistência aos pacientes da cirurgia plástica em números
absolutos, pois houve redução importante no total de cirurgias, internamentos
e
consultas realizadas. Porém, comparando à assistência prestada em 2019, percebeu-se
que em 2020 a cirurgia plástica manteve um percentual semelhante de atuação quando
comparada ao total das atividades de todas as especialidades cirúrgicas do
C-HUPES.
Infere-se que a pandemia de COVID-19 prejudicou a formação dos residentes de cirurgia
plástica, já que em 2020, individualmente, cada cirurgião plástico em formação
operou menor número de pacientes e realizou menor quantidade de consultas.
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1. Universidade Federal da Bahia, Serviço de
Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Salvador,
BA, Brasil
2. Universidade Federal da Bahia, Serviço de
Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos,
Departamento de Anestesiologia e Cirurgia, Salvador, BA, Brasil
3. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Medicina da Bahia, Salvador, BA, Brasil
Autor correspondente: Antonio Oliveira Lima Neto
Rua Leonor Calmon, 44, salas 1001 e 1002, Empresarial Cidade Jardim, Candeal,
Salvador, BA, Brasil., CEP: 40296-210, E-mail:
antonio_olimaneto@yahoo.com.br
Artigo submetido: 26/05/2022.
Artigo aceito: 15/03/2023.
Conflitos de interesse: não há.