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Review Article - Year2023 - Volume38 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0705-PT

RESUMO

As amputações traumáticas da ponta nasal são lesões desfigurantes, que determinam importante rejeição social, impondo ao paciente um sofrimento adicional, além daqueles já causados pela ferida e suas limitações funcionais decorrentes do traumatismo. Tais defeitos representam um desafio para os cirurgiões plásticos, e existem diversas técnicas que poderão ser adotadas para tratar este mesmo tipo de defeito. Neste trabalho são mostrados inicialmente três casos de amputação traumática exclusivamente da ponta nasal com seus respectivos tratamentos, para em seguida apresentar uma revisão histórica e discussão das diversas técnicas utilizadas para reconstrução da ponta nasal, avaliando comparativamente e enfatizando a evolução técnica no armamentário da cirurgia plástica.

Palavras-chave: Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Nariz; Deformidades adquiridas nasais; Cicatrização; Traumatismos faciais

ABSTRACT

Traumatic amputations of the nasal tip are disfiguring injuries, which determine important social rejection, imposing additional suffering on the patient and those already caused by the wound and its functional limitations resulting from the trauma. Such defects represent a challenge for plastic surgeons, and several techniques can be adopted to treat this type of defect. This work shows three cases of traumatic amputation exclusively of the nasal tip with their respective treatments. They present a historical review and discussion of the different techniques used for nasal tip reconstruction, comparatively evaluating and emphasizing the technical evolution in plastic surgery armament.

Keywords: Reconstructive surgical procedures; Nose; Nose deformities, acquired; Wound healing; Facial injuries


INTRODUÇÃO

As amputações traumáticas da ponta nasal são lesões desfigurantes, que determinam importante rejeição social, impondo ao paciente um sofrimento adicional, além daqueles já causados pela ferida e suas limitações funcionais decorrentes do traumatismo.

Tais defeitos representam um desafio para os cirurgiões plásticos, e existem diversas técnicas que poderão ser adotadas para tratar um mesmo tipo de defeito. Neste trabalho serão mostrados três casos de amputação traumática exclusiva da ponta nasal (sem acometer outras subunidades estéticas) e seus respectivos tratamentos, para em seguida apresentar uma revisão histórica e discussão das técnicas utilizadas para reconstrução da ponta nasal. Os procedimentos foram realizados no Hospital Federal do Andaraí, no Rio de Janeiro-RJ, em 2017 (caso 1) e 2020 (caso 3), e no Hospital Universitário Pedro Ernesto, Rio de Janeiro-RJ, em 2018 (caso 2).

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 25 anos, procurou o serviço de cirurgia plástica com queixas de deformidade nasal e obstrução respiratória. A paciente relatava um episódio de traumatismo na infância (idade pré-escolar) com perda de espessura total na região da ponta nasal. A paciente não sabia informar a respeito do mecanismo do trauma, porém relatou que, na ocasião, a ferida havia sido tratada conservadoramente, cicatrizando por segunda intenção.

Ao exame, a paciente apresentava perda completa da ponta nasal e de ambos os triângulos suaves, com retração cicatricial acarretando estenose da válvula externa nasal (Figuras 1A e 1B). O tratamento cirúrgico da paciente foi planejado e realizado em 3 etapas. No primeiro tempo cirúrgico foi feita a liberação das bridas cicatriciais e da fibrose subjacente, permitindo avaliar a magnitude da deficiência de forro nasal (Figura 2A), sendo então confeccionado um retalho paramediano dobrado sobre si mesmo para cobertura e forramento da ponta nasal e ambos os triângulos suaves (Figura 2B).

Figura 1 - Caso 1, pré-operatório. A: Visão anterior; B: Visão de perfil.

Figura 2 - Caso 1, transoperatório. A: Defeito resultante após liberação da fibrose e retração cicatricial; B: Retalho paramediano transposto, para recomposição do forro e cobertura no primeiro tempo.

Após 4 semanas, foi realizado o segundo tempo cirúrgico, com separação do forramento e da cobertura, sendo esta última mantida conectada ao pedículo supratroclear. Após o refinamento de ambos os retalhos (forramento e cobertura), foi feita a estruturação da ponta com cartilagem de concha auricular e o retalho de cobertura já refinado foi então novamente suturado sobre a ponta nasal. Após um intervalo de mais 4 semanas, procedeu-se à secção do pedículo supratroclear com reposicionamento do supercílio, alcançando assim o resultado da reconstrução (Figuras 3A e 3B).

Figura 3 - Caso 1, pós-operatório de 6 meses após o terceiro tempo cirúrgico. A. Visão anterior. B. Visão de perfil.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 35 anos, relata ter sofrido trauma nasal superficial (lesão corto-contusa) complicado com infecção durante a adolescência. Naquela ocasião, após o tratamento com antibióticos para resolução do processo infeccioso, a ferida cruenta da ponta nasal recebeu autoenxertia de pele. Ao exame, o paciente apresentava ausência da ponta nasal, gerando extrema insatisfação estética do paciente, porém sem queixas funcionais (Figuras 4A e 4B). Foi então realizada uma reconstrução nasal em três tempos, conforme descrito no caso 1, com recomposição da unidade estética da ponta nasal (Figuras 5A e 5B).

Figura 4 - Caso 2, pré-operatório. A. Visão anterior. B. Visão de perfil.

Figura 5 - Caso 2, pós-operatório de 14 dias após o terceiro tempo cirúrgico, no qual também foi feito um refinamento da cicatriz frontal (área doadora). A: Visão anterior; B: Visão de perfil.

Caso 3

Paciente do sexo feminino, 41 anos, procurou o serviço de cirurgia plástica apresentando necrose completa da ponta nasal. A paciente relatava ter sido vítima de mordedura canina cerca de 3 semanas antes, havendo avulsão completa da ponta nasal. Ao ser atendida em um serviço de emergência, a ponta nasal que sofreu avulsão foi suturada ao nariz como um enxerto composto autólogo. A paciente evoluiu então com necrose completa da ponta nasal (Figuras 6A e 6B). Realizou-se o debridamento dos tecidos necróticos e limpeza da área, sendo a reconstrução adiada para um segundo momento, aguardando a delimitação da área de necrose.

Figura 6 - Caso 3, paciente exibindo necrose da ponta nasal 21 dias após tentativa de reimplante da mesma durante atendimento em pronto-socorro. A: Visão anterior; B: Visão de perfil.

Seis meses após o atendimento inicial, e após a estabilização da retração cicatricial (Figuras 7A e 7B), a paciente foi submetida a uma reconstrução da ponta nasal em 3 tempos, da mesma maneira que se procedeu nos casos 1 e 2, conforme a técnica preconizada por Menick1,2: elevação do retalho para mediano dobrado para cobertura e forramento no primeiro tempo (Figuras 8A e 8B); separação e refinamento do forro e da cobertura com estruturação cartilaginosa e ressutura do retalho de cobertura no segundo tempo (Figuras 9A e 9B), e finalmente secção do pedículo vascular no terceiro tempo, chegando ao resultado final (Figuras 10A e 10B).

Figura 7 - Caso 3, seis meses após a retirada do material necrótico e pré-operatório antes da reconstrução definitiva. A: Visão anterior; B: Visão de perfil.

Figura 8 - Caso 3, transoperatório do primeiro tempo cirúrgico. A: Defeito resultante após liberação da fibrose e retração cicatricial; B: Retalho paramediano transposto, para recomposição do forro e cobertura no primeiro tempo cirúrgico.

Figura 9 - Caso 3, transoperatório do segundo tempo cirúrgico. A: Estruturação da ponta nasal com cartilagem conchal; B: Retalho paramediano reposicionado, após refinamento de sua espessura, para recomposição da cobertura no segundo tempo cirúrgico.

Figura 10 - Caso 3, seis meses de pós-operatório após o terceiro tempo cirúrgico. A: Visão anterior; B: Visão de perfil.

DISCUSSÃO

A ponta nasal ocupa uma posição central na face humana, determinando características estéticas que compõem a própria identidade do paciente. Nas amputações traumáticas, as perdas de espessura total vão necessitar da reposição do forramento (sob os triângulos suaves, na delicada junção com a columela nasal), assim como a estruturação cartilaginosa e a cobertura cutânea, a fim de garantir uma reconstrução estética.

Devido a sua exposição permanente, sabemos que o nariz é extremamente suscetível ao trauma e ao fotodano, que por sua vez contribui para o surgimento de tumores. Ao longo de sua história, a cirurgia plástica desenvolveu diversas técnicas para o reparo das lesões da ponta nasal. Essas técnicas, em sua maioria, contemplam retalhos que possibilitam a reposição da pele nos defeitos de espessura parcial, basicamente promovendo reposição da cobertura de pele na ponta nasal.

O retalho bilobado, descrito incialmente por Esser3, é referido por diversos autores4,5 como o retalho de escolha na cobertura da ponta do nariz, devendo ser preferencialmente pediculado lateralmente. Em 1967, Rieger6 descreveu o alongamento do clássico retalho glabelar de McGregor7 até a ponta nasal. Dois anos depois, Rintala & Asko-Seljavaara8 apresentaram o retalho retangular de avançamento com triângulos de compensação excisados em ambos os lados da base (triângulos de Burow), para que o retalho alcançasse da raiz até a ponta ao longo da linha média nasal.

Entre outros retalhos cutâneos para cobertura da ponta, podemos mencionar o uso de retalhos nasogenianos de pedículo superior9 ou inferior10 e o retalho em “J” horizontal de Snow11. Nas últimas duas décadas, foram descritos alguns retalhos miocutâneos para a ponta nasal também, sendo estes mono ou bipediculados no(s) ramo(s) nasais da artéria angular12-16, cujo alcance de cobertura pode chegar até a columela17.

No caso de lesões traumáticas que acarretam defeitos de espessura total, sabemos que a ponta nasal é a área mais exposta da face quando tratamos de pacientes com trauma facial. As lesões contusas costumam ser mais frequentes devido às causas relacionadas aos acidentes de trânsito. No entanto, as lacerações acarretando perda de substância também são comuns, não apenas devido aos acidentes de trânsito, bem como pelas mordeduras por animais domésticos e às lesões por armas de fogo, gerando deformidades mais complexas de serem reconstruídas.

A reconstrução nestes casos vai envolver a recomposição total do segmento perdido, garantindo o volume e a forma necessários para recompor a subunidade estética. Os retalhos acima descritos, que garantem apenas a cobertura cutânea, serão insuficientes, pois nestes casos há necessidade de reposição do forramento e da estruturação cartilaginosa do segmento amputado pelo trauma.

Dentro deste contexto, historicamente, a técnica mais antiga foi descrita por Sushruta Samhita18 (cerca de 600 A.C.), que usa o retalho médio frontal baseado nos vasos supratrocleares bilateralmente, o chamado retalho indiano. A ponta do retalho indiano, dobrada sobre si mesma, contando com a espessura da gálea aponeurótica frontal e do subcutâneo, cumpria a função de repor volume ao nariz amputado. No caso de defeitos restritos ao lóbulo nasal, a tendência de abaulamento progressivo, devido à contração das partes moles neste retalho tão espesso (fenômeno de “pin-cushioning”) poderia até contribuir para a melhora do resultado estético, ao mimetizar uma ponta nasal arredondada - o que certamente não ocorre nos defeitos mais proximais.

Na Itália do final do século XV, Alessandro Benedetti apud Jewett & Baker19 descreveu o chamado método italiano, utilizando um retalho pediculado no braço, permitindo assim uma transferência de tecido subcutâneo para reposição da perda de volume, além da pele para cobertura. Essa técnica foi preconizada até o início do século XX, sendo defendida por Nélaton20.

Com o advento da Primeira Guerra Mundial, os tubos de Gillies-Filatov21 também foram utilizados como método de reposição de volume, necessitando de diversas etapas cirúrgicas para a transferência do tecido, bem como para o seu refinamento subsequente. Uma variante moderna destes métodos antigos de transferência tecidual foi descrita por Abbenhaus22, que, alegando evitar cicatrizes e mutilações faciais, descreveu um retalho utilizando o abdome como área doadora inicial e o punho como sítio de transferência intermediária até o nariz. No período entreguerras, Rethi apud Kirshner23 também descreveu técnicas de transferências teciduais sequenciais para a ponta nasal a partir de retalhos nasogenianos.

Após a Segunda Guerra Mundial, uma solução mais simples, indicada para pequenas perdas de substância da ponta nasal em sua convexidade (não envolvendo os triângulos suaves) foi descrita por Cronin24 em 1951, na qual a própria pele do dorso nasal é transferida para a ponta. Nesta mesma época foi descrito o retalho frontotemporal de Schmid25, que permite levar uma pele mais fina para a região da ponta nasal, com resultados mais estéticos envolvendo forramento e estruturação. No entanto, este último retalho é um retalho não axial, menos confiável e requerendo também múltiplos estágios para sua confecção.

Esta é justamente a maior limitação dessas técnicas que envolvem a transferência de retalhos pediculados não axiais para reposição de volume na ponta nasal: a necessidade de múltiplos estágios cirúrgicos - primeiramente para transferir o tecido, e depois para fazer os refinamentos necessários para se obter um resultado aceitável. As técnicas acima descritas servem para mimetizar a convexidade da ponta nasal, na sua porção mais superior e anterior. No entanto, sabemos que a anatomia da ponta nasal é delicada, especialmente na região que envolve o infratip e os triângulos suaves, cujo desenho refinado no rebordo narinário e transição para o vestíbulo nasal é difícil de reproduzir através destas técnicas convencionais.

Para tentar contornar essa limitação, Gillies26 descreveu a associação de um enxerto composto condrocutâneo conchal (utilizado para estruturação e forramento) ao retalho “up-and-down” (variante do retalho frontal) em 1943. Todavia, sabemos que o uso de enxertos compostos possui limitações relacionadas ao tamanho máximo destes. Existem relatos de grandes segmentos enxertados com sucesso27,28, ou de técnicas que permitem maior confiabilidade29 na “pega” dos enxertos compostos, porém a grande maioria dos autores concorda que os enxertos compostos não são confiáveis para reparar defeitos maiores que 15mm30.

No início do milênio, a sistematização do retalho paramediano em três estágios, como proposta por Menick1,2, através de um método tecnicamente simples e facilmente reprodutível, permitiu um maior refinamento do resultado cirúrgico. O acréscimo de mais um estágio intermediário, no qual o retalho paramediano é refinado, possibilitou resultados delicados e estéticos no rebordo narinário dos triângulos suaves e na entrada do vestíbulo nasal, sem a convexidade grosseira que caracteriza os retalhos dobrados sobre si mesmos.

Além disso, este estágio intermediário adicional possibilita também o reposicionamento e/ou o acréscimo de enxertos estruturais, fazendo com que os resultados dos reparos da ponta nasal se tornassem mais previsíveis, garantindo um melhor resultado no longo prazo. Por fazer uso de um retalho axial (retalho paramediano baseado na artéria supratroclear homolateral), a técnica mostrou-se muito confiável, reprodutível e com baixo índice de complicações.

CONCLUSÃO

Apesar das diversas possibilidades técnicas surgidas no armamentário da cirurgia plástica com sua evolução histórica, hoje a sistematização da reconstrução nasal fez com que a cirurgia plástica reconstrutiva dispusesse de técnicas mais confiáveis e reprodutíveis, exemplificadas nos casos acima pelo retalho paramediano em três tempos, permitindo assim a ressocialização destes pacientes através de resultados mais estéticos e refinados.

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1. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Ciências Médicas, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Hospital Universitário Pedro Ernesto, Serviço de Cirurgia Plástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
3. Hospital Federal do Andaraí, Serviço de Cirurgia Plástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Autor correspondente: Michel Luciano Holger Toledano Vaena Av. Prof. Manuel de Abreu, 444, 2º and., Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP: 20550-170, E-mail: michel.vaena@hotmail.com

Artigo submetido: 21/02/2022.
Artigo aceito: 16/11/2022.

Conflitos de interesse: não há.

 

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