ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175
Implantes de Silicone Gel em Panturrilhas: 14 anos de Experiência
Silicone Gel Implants for Calf Augmentation: 14 Years Experience
Articles -
Year2001 -
Volume16 -
Issue
1
Augusto Cesar TeixeiraI, Mônica ResanoI
RESUMO
Os autores, baseados na experiência de 124 pacientes operados para introdução de implantes de silicone em panturrilhas, descrevem as indicações e a técnica cirúrgica empregadas em sua casuística, recomendando o procedimento para casos de deficiência de volume de panturrilhas de origem constitucional ou em seqüelas de doenças neurológicas ou traumáticas, chamando a atenção para as vantagens do método e relatando as complicações ocorridas.
Palavras-chave:
Unitermos: Implantes de silicone; panturrilhas; inclusões
ABSTRACT
Based on an experience of 131 operated patients submitted to calf augmentation, the authors describe the indications, surgical technique and complications of the method. The procedure is recommended to correct calf volume of congenital origin, neurological or traumatic sequela.
Keywords:
Silicone implants; calf; inclusions
INTRODUÇÃO
Desde o advento das inclusões de silicone descritas primeiramente por Cronin e Gerow em 1963(1), os aumentos de panturrilhas tornaram-se possíveis e eficazes e de resultados duradouros.
Em 1979, Julien Glicenstein{21, em Paris, como pioneiro, introduziu 124 implantes de silicone em 84 pacientes com seqüela de poliomielite em membros inferiores.
Posteriormente, os trabalhos de Carlsen(3), no Canadá, publicados em 1979, relatam sua experiência em 130 casos, tanto com finalidade cosmética quanto reconstrutiva, nas seqüelas de poliomielite com atrofia muscular nos membros inferiores.
Em nosso meio existem os trabalhos de Montellano(4) e, mais recentemente, de Nicola M. Netto(5) mostrando, através de levantamento estatístico considerável, a indicação precisa e a eficácia do método.
Entusiasmados pelos bons resultados dos trabalhos anteriores, nos últimos 14 anos, operamos 124 pacientes, a maioria com finalidade estética, introduzindo implantes padronizados de silicone gel com revestimento liso.
PACIENTES E MÉTODOS
Desde 1986, foram operados 124 pacientes com queixa de pouco volume nas panturrilhas, compreendendo os dois terços superiores das pernas. Os casos constitucionais totalizaram 93,1%, enquanto 6,9% corresponderam a casos subseqüentes a afecções neurológicas (poliomielite) ou traumas, que resultaram em atrofia muscular ou perda de substância nessa região.
As mulheres constituíram a maioria, com 117 casos.Num total de 7 pacientes do sexo masculino, 6 apresentavam problemas constitucionais e 1, seqüelas de poliomielite ou trauma (Figs.1 e 2).
Fig. 1 - A: Paciente do sexo masculino apresentando seqüela grave de trauma no terço inferior da perna esquerda. Foi colocada inicialmente 1 inclusão de Glicenstein usando-se uma incisão proximal. B: Pós-operatório após introdução de um novo implante personalizado.O implante inicial permaneceu.
Fig. 2 - A: Paciente com 32 anos, do sexo masculino, apresentando hipotrofia medial das duas pernas. B: Pós-operatório com evolução de 2 meses. Paciente com 1 inclusão em cada perna.
Foram utilizados no total 253 implantes (Tabela I).
Em 115 pacientes observava-se a hipotrofia constitucional nas duas pernas, exigindo a colocação de apenas um implante em cada panturrilha para a correção do defeito. Dessas pacientes, em 5 casos colocamos também um par de implantes em face interna das coxas, para harmonização do contorno dos membros inferiores como um todo (Fig. 3).
Fig. 3 - A: Hipotrofia das coxas e das pernas. B: Pós-operatório com evoluçaõ de 6 meses, após colocação de 1 implante de Glicenstein (140 ml) em cada coxa e, simultaneamente , 1 implante de Montellano (180 ml) em cada perna.
Em 5 casos, foi utilizada apenas uma prótese em uma das pernas para a correção da assimetria (Fig. 4). Em 4 pacientes utilizaram-se dois implantes na mesma panturrilha, no mesmo ato cirúrgico, em lojas separadas, sob as aponeuroses dos músculos gastrocnêmios medial e lateral.
Fig. 4 - A : Paciente com atrofia da penta esquerda, seqüela de fratura de tornozelo. A paciente ficou com imobilização gessada durante 6 meses. B: Pós-operatório com evolução de 5 anos. Única inclusão de Glicenstein na perna esquerda.
Os pacientes foram todos operados pela mesma equipe e eram provenientes da clínica particular.
Foram utilizados implantes padronizados, encontrados no mercado em dois modelos:
Simétrico (Glicenstein) : Implantes em forma elíptica, em três tamanhos diferentes, contendo silicone gel, com revestimento liso.
Assimétrico (Montellano): Implantes em forma de "gota", também encontrado em três tamanhos diferentes, contendo silicone gel e revestimento liso.
O comprimento, volume e modelo dos implantes foram selecionados pelo cirurgião, de acordo com o biótipo e a deformidade dos pacientes.
No início de nossa experiência empregávamos mais o modelo Montellano. Atualmente, damos preferência ao implante de Glicenstein (140 ml).
TÉCNICA OPERATÓRIA
Geralmente optamos por demarcar a prega poplítea e a área a ser preenchida com o implante, com o paciente de pé no quarto, utilizando caneta dermográfica, imediatamente antes da cirurgia.
Em seguida, os pacientes são levados à sala cirúrgica, onde são submetidos à anestesia peridural, com ou sem sedação venosa.
O paciente é então colocado em decúbito ventral, e é feita uma incisão transversa, na prega poplítea previamente demarcada, com aproximadamente 5 cm de extensão. Após a abertura da pele e do subcutâneo, procede-se ao afastamento das estruturas superficiais e ligadura dos vasos encontrados, até que possamos identificar a aponeurose do músculo gastrocnêmico medial ao nível da incisão. Faz-se então um descolamento de 2 cm distalmente e incisa-se a aponeurose transversalmente nessa posição. Por essa incisão introduz-se um descolador rombo, de comprimento suficiente para alcançar a extremidade distal da área demarcada para a introdução do implante, que irá descolar a aponeurose do músculo, delicadamente, sem rompê-la. A loja assim confeccionada deverá ter uma dimensão superior ao planejado, de mais ou menos 1 cm em toda a volta do desenho prévio.
É então introduzido o molde do implante indicado e observa-se o resultado. É sempre aconselhável ter disponível outros tamanhos e modelos na sala cirúrgica, pois a indicação pré-operatória nem sempre será confirmada na comparação com a perna normal ou com o que foi combinado com o paciente. Além disso, na mesma paciente, modelos ou tamanhos diferentes poderão ser necessários para as duas pernas.
Quando houver certeza do modelo a ser utilizado, o molde será retirado, e então passados e reparados três ou quatro pontos de mononylon 3.0, entre os bordos da aponeurose. Introduz-se então o implante definitivo entre os pontos reparados e amarram-se os mesmos firmemente, estando o joelho em discreta flexão.
Faz-se a sutura do subcutâneo com mononylon 5.0 em pontos separados invertidos e a sutura intradérmica contínua com o mesmo fio. Os mesmos procedimentos são realizados na outra perna, se o caso for bilateral.
Procede-se a um pequeno curativo com gaze e micropore sobre a incisão e ao enfaixamento das pernas do pé até a coxa, com pressão moderada.
O paciente poderá ser recolocado em decúbito dorsal, com um pequeno coxim sob os joelhos.
Os pacientes permanecem internados por 24 horas, podendo então ter alta deambulando, usando meias elásticas de média compressão.
Solicita-se ao paciente que nos primeiros 5 a 7 dias mantenha repouso relativo com as pernas elevadas para a prevenção de edemas, após esse período poderá deambular sem restrições, mantendo sempre as meias elásticas, até o 40° dia pós-operatório, quando estará liberado para qualquer atividade física.
RESULTADOS
Os implantes na sua imensa maioria tiveram uma evolução de mais de 5 anos (Fig. 6).
Fig. 6- A: Paciente de 18 anos operada em outro serviço. No exame clínico inicial constatamos inclusões desproporcionais e, na perna esquerda, inclusão colocada no plano subcutâneo. B: Paciente com 13 anos de evolução depois da troca das próteses de 90 ml por outras de 180, colocadas no plano subaponeurótico.
Observamos um índice de bons resultados de aproximadamente 96,2%, e os critérios de avaliação utilizados foram:
Visual: aparência natural das panturrilhas, sem vestígios das bordas do implante e cicatrizes inaparentes.
Palpatório: ausência de irregularidades de contorno à palpação, consistência de tecido muscular normal.
Dinâmico: movimentos plenos das pernas e pés preservados, desempenho muscular inalterado após o 40°dia pós-operatório.
Medição da circunferência das panturrilhas em seu ponto mais proeminente, antes e após a cirurgia, observando-se um aumento de 2 a 5 cm nas medidas pós-operatórias.
Satisfação dos pacientes.
Observamos 3,8% de complicações, casos estes que foram excluídos dos bons resultados, a saber:
2 casos de cicatriz hipertrófica;
1 caso de hérnia aponeurótica no terço inferior da perna, observando-se anormalidade no contorno da panturrilha;
1 caso de início de Síndrome Compartimental, em que havia atrofia acentuada de uma só perna, tendo sido introduzidos dois implantes simultaneamente na loja medial e na lateral, obrigando-nos à retirada imediata dos implantes com desaparecimento dos sintomas ao fmal de 3 meses;
1 caso de correção incompleta do defeito (seqüela grave de trauma com perda de substância em face interna da perna), que se estendia até o terço inferior da perna, obrigando-nos à confecção de um implante personalizado de silicone rígido para correção dessa área, com resultado regular.
Como complicação, observamos ainda um caso de hematoma no pós-operatório imediato que nos obrigou ao esvaziamento na S. O., com reintrodução imediata do implante, sem prejuízo do resultado fmal.
DISCUSSÃO
Os implantes padronizados de silicone gel satisfizeram quase totalmente nossos casos (Fig. 4). Entretanto, em alguns poucos, as pacientes gostariam de mais volume, apesar de ter sido usado o maior implante disponível no mercado. Para esses casos poderia ter sido feito um molde em gesso para a confecção de um implante individual, mas infelizmente esse procedimento tem custo elevado e demanda muito tempo, inviabilizando sua execução (Fig. 5).
Fig. 5 - Modelagem de gesso para confecção de implante individual da Fig. 1.
Atualmente existe uma corrente que preconiza inclusões de silicone sólido macio(6), e as vantagens de sua utilização seriam a de não se romper com facilidade e mais facilidade de penetração na loja subaponeurótica. Não utilizamos esse material em nenhum de nossos casos por não estar disponível no mercado nacional e não podermos estabelecer comparações entre os resultados.
Devido à ocorrência de Síndrome Compartimental em um caso de introdução de dois implantes na mesma perna simultaneamente, complicação que consideramos grave, atualmente não executamos mais esse procedimento em uma mesma perna atrofiada. Se houver necessidade da inclusão do segundo implante, planejamos nova intervenção num período mínimo de trê meses.
Na nossa experiência, entretanto, a cirurgia realizada numa perna hígida, com inclusão de implante único, apresenta grande margem de sucesso e poucas chances de complicações, se utilizada a técnica adequada.
Consideramos também indispensável alertar os que desejarem iniciar-se na execução deste procedimento para que sejam capazes de reconhecer precocemente duas entidades que podem se suceder a qualquer tipo de cirurgia dos membros.
São elas a Síndrome Compartimental(7) e a Distrofia Simpática Reflexa(8), que podem se apresentar nos primeiros dias ou horas do pós-operatório.
As duas caracterizam-se por dores intensas em desproporção ao trauma cirúrgico, edema e distúrbios da sensibilidade.
Uma vez verificada uma alteração da sensibilidade do pé, acompanhada de edema e dor acentuados no pós-operatório imediato, há evidências de Síndrome Compartimental, com indicação de retirada imediata do implante, o que deverá resultar em desaparecimento dos sintomas.
A Distrofia Simpática Reflexa detectada no início desaparecerá com a instituição de corticoterapia imediata. Essa complicação apresentará sintomatologia semelhante à da Síndrome Compartimental, entretanto com manifestação mais tardia, no pós-operatório de mais ou menos 7 a l0 dias. O diagnóstico poderá ser feito pela cintilografia óssea.
Quanto aos modelos de implante, no início utilizávamos apenas os assimétricos, atualmente, porém, damos preferência aos modelos simétricos que conferem maior harmonia ao contorno da perna. Os implantes assimétricos são utilizados por nós em casos especiais em que há déficit acentuado de volume no terço superior da perna.
Acreditamos que a introdução subaponeurótica é a mais adequada por proporcionar maior regularidade de contornos que a via subcutânea, sendo também de execução simples e menos arriscada que a via submuscular preconizada por Otero(6).
Não observamos nenhum caso de contratura capsular em implantes de panturrilhas, apesar do revestimento liso de todos eles, em períodos de observação que superam dez anos em alguns casos. Creditamos esse fato à massagem vigorosa e constante feita pelo músculo gastrocnêmio em movimentação constante sob o implante, desde o primeiro dia do pós-operatório, não permitindo a formação da capsula fibrosa.
As complicações ocorreram, na maioria das vezes, em pernas atrofiadas, que apresentavam menor elasticidade dos tecidos, sendo mais suscetíveis à compressão do que aquelas que apresentavam apenas o defeito constitucional. Em nossa casuística, as complicações foram quase desprezíveis.
CONCLUSÃO
Para a obtenção de resultados satisfatórios, é importante certificar-se de que o defeito concentra-se nos dois terços superiores da perna, que é a região passível de correção por este método. O terço inferior não poderá ser corrigido adequadamente.
A técnica cirúrgica deve ser rigorosamente obedecida, atentando-se para o plano correto (subaponeurótico) e descolamento suficiente para a introdução do implante em sua posição pré-determinada, sem distorções de contorno (Fig. 7).
Fig. 7 - A: Paciente do sexo masculino com deformidade constitucional em Geno Varo. B: Pré-operatório, visão posterior. C: Pós-operatório com evolução de 7 meses após introdução de inclusão de Glicenstein de 140 ml em cada perna. D: Pós-operatório, visão posterior. Observa-se na prega poplítea cicatrizes de abordagem quase imperceptíveis.
Nas cirurgias executadas em pernas atrofiadas por afecções neurológicas ou traumáticas, a possibilidade de ocorrência de Síndrome Compartimental no período pós-operatório imediato é maior e a observação deve ser mais atenta.
Baseados na experiência de inclusão de implantes de silicone gel em panturrilhas de 124 pacientes, consideramos tratar-se de um procedimento cirúrgico seguro e eficaz para a correção de deficiências de volume de panturrilhas de origem constitucional ou patológica (Fig. 8).
Fig. 8 - A: Pernas hipotróficas constitucionais de paciente de 60 anos. B: Pós-operatório com evolução de 2 anos. Um implante de 140 ml em cada perna.
BIBLIOGRAFIA
1. REES TD. Plastic surgery of the breast. Converse JM, Littler JW. Reconstructive plastic surgery. WB Saunders, 1965. v. V, pp. 1930-1.
2. GLICESTEIN J. Correção das amiotrofias dos membros com implantes de silicone. Rev. Soc. Bras. Cir. Plást. 1979; 69:117-21.
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4. MONTELLANO L. Plástica de panturrilha. Anais do XXI Congr. Bras. Cir. Plást. 1984.
5. MENICHELLI N. Correction of limb deformities with silicone prostheses. Aesth. Plast. Surg. 1999; 23:13-17.
6. OTERO NUNES G. Personal communication. II Raps recent advances. Plastic Surgery, São Paulo, Brasil, 1991.
7. MUBARAK SJ, HARGENS AR. Síndromes compartimemais agudas. Clin. Cir. Am. Norte. 1983; 3:569-98.
8. ROCKWOOD DC, GREEN D, BUCHOLZ R. Fraturas em adultos. São Paulo: Manole, 1993. p.377-84.
I - Membro Titulares da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Endereço para correspondência:
Augusto Cesar Teixeira
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