INTRODUÇÃO
As deformidades congênitas do tórax acometem ambos os sexos e, em geral se manifestam
como alterações na parede torácica como pectus excavatum (PE)1, associadas ou não a deformidades musculares como na síndrome de Poland2. Quando acometem mulheres, as perdas e limitações são mais significativas devido
aos aspectos estéticos2. Nessas pacientes, a assimetria mamária é a motivação mais frequente para a consulta,
apesar de qualquer outro problema que possa estar associado3.
A apresentação clínica varia entre defeitos leves a graves, que podem estar associados
à disfunção cardiopulmonar1
2
3; nesses casos, correções cirúrgicas torácicas extensas podem ser necessárias4. Entretanto, quando a deformidade é leve ou moderada, outros recursos cirúrgicos
como implantes de silicone feitos sob medida5, fragmentos de cartilagem, retalhos locais, expansão tecidual, etc.6 podem ser utilizados.
O transplante de gordura autóloga tem sido utilizado para fins estéticos, principalmente
na face, e recentemente ganhou relevância nas cirurgias de mama e torácica7. Apesar da variação da taxa de reabsorção nos primeiros três meses após o transplante,
Ho Quoc et al.8 destacaram que uma curva de aprendizado é um ponto importante para maior estabilidade
do resultado. Considerando-se que o transplante autólogo de gordura apresenta resultados
estáveis em longo prazo nas pequenas deformidades, baixo custo, baixo índice de complicações1, 9 e a possibilidade de repetição do procedimento, seu uso para fins reconstrutivos
e estéticos tem sido considerado, incluindo deformidades torácicas e mamárias.
OBJETIVO
Portanto, o objetivo do estudo é apresentar um caso de pectus excavatum leve associado a hipomastia em uma paciente que se apresentou para consulta de mamoplastia
de aumento.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 24 anos compareceu à consulta para mamoplastia de aumento
por hipomastia, porém o exame clínico também revelou a presença de pectus excavatum (PE) leve, que não havia sido percebido pela paciente (Figura 1). O exame físico cardiopulmonar foi normal. Da mesma forma, o exame radiográfico
do tórax, eletrocardiograma e hemograma estavam dentro dos limites da normalidade.
Figura 1 - Aspecto pré-operatório do pectus excavatum. (A) A área marcada e as setas mostraram os limites do defeito. (B) As setas mostram
os limites superiores do defeito.
Figura 1 - Aspecto pré-operatório do pectus excavatum. (A) A área marcada e as setas mostraram os limites do defeito. (B) As setas mostram
os limites superiores do defeito.
A cirurgia proposta incluiu mamoplastia de aumento subglandular e transferência de
gordura autóloga para tratar a deformidade torácica e melhorar o contorno mamário.
A área a ser aspirada foi previamente marcada na região infraumbilical do abdome.
A paciente foi colocada em decúbito dorsal e, após anestesia geral, foi feita infiltração
subcutânea de 500ml de soro fisiológico com adrenalina.
A lipoaspiração assistida por seringa foi realizada com cânula de 3,5mm de diâmetro,
e o mesmo volume foi aspirado (lipoaspiração tumescente). A manipulação da gordura
a ser transferida foi o menos traumática possível, e apenas uma solução salina foi
adicionada para remover o excesso de sangue. Em seguida, a gordura foi decantada em
seringas de 20ml.
Uma incisão de 5cm foi feita no sulco inframamário. Após a dissecção subglandular
com eletrocautério, foi realizada mamoplastia de aumento subglandular com implante
mamário redondo nanotexturizado de 260ml, bilateralmente, e a ferida foi fechada por
planos.
O transplante de gordura foi realizado com cânula de 2mm em diferentes trajetórias
e profundidades (em forma de leque) através da incisão do sulco inframamário, para
melhorar o contorno medial da mama. Uma incisão de 2 mm foi feita na região anterior
do tórax (no nível do processo xifoide) para tratar a deformidade do pectus excavatum. Essas trajetórias foram cruzadas entre si para melhor tratar o defeito (Figura 2).
Figura 2 - Desenho esquemático do acesso operatório mostrando os diferentes trajetos cruzados
da cânula de 2mm através da incisão do sulco inframamário e do tórax anterior para
tratamento do pectus excavatum.
Figura 2 - Desenho esquemático do acesso operatório mostrando os diferentes trajetos cruzados
da cânula de 2mm através da incisão do sulco inframamário e do tórax anterior para
tratamento do pectus excavatum.
Um volume total de 250ml de gordura foi injetada da seguinte forma:
50ml no contorno inferior-medial de cada mama (total de 100ml).
150ml na deformidade esternal para correção do pectus excavatum (PE).
O período de seguimento foi de 12 meses. Não foram relatadas complicações menores
ou maiores, e um segundo procedimento não foi necessário nesse período.
Aspectos pré e pós-operatórios do resultado após 12 meses são apresentados na Figura 3.
Figura 3 - Paciente de 24 anos com hipomastia e pectus excavatum leve. (A) Visão frontal pré-operatória. (B) Visão frontal de 12 meses de pós-operatório.
(C) Visão oblíqua direita pré-operatória. (D) Visão oblíqua direita 12 meses de pós-operatório.
Figura 3 - Paciente de 24 anos com hipomastia e pectus excavatum leve. (A) Visão frontal pré-operatória. (B) Visão frontal de 12 meses de pós-operatório.
(C) Visão oblíqua direita pré-operatória. (D) Visão oblíqua direita 12 meses de pós-operatório.
DISCUSSÃO
As deformidades torácicas podem ser adquiridas ou congênitas, como a síndrome de Poland
e o pectus excavatum1
2
3
4
5
6,9. De acordo com Snel et al.5, o PE não tratado pode levar a constrangimentos e problemas psicossociais, principalmente
em deformidades mais graves.
As alterações do contorno mamário parecem ser a principal motivação para a consulta
na maioria das pacientes do sexo feminino portadoras de deformidades torácicas leves2,3. No caso apresentado, a hipomastia foi a queixa principal da paciente, e o diagnóstico
de pectus excavatum foi feito durante o exame clínico.
Ho Quoc et al.3 destacaram que, em casos de deformidades torácicas e mamárias associadas, a mamoplastia
de aumento isolada poderia aumentar a deformidade torácica, comprometendo o resultado
pós- operatório, gerando insatisfação por parte da paciente. Este fato revela a importância
de um bom exame clínico para o adequado planejamento cirúrgico pré-operatório a fim
de alcançar o melhor resultado no pós-operatório. Assim, no caso apresentado, o planejamento
cirúrgico procurou realizar o tratamento simultâneo de ambos os defeitos: hipomastia
e pectus excavatum.
Diferentes abordagens e técnicas têm sido descritas para o tratamento do pectus excavatum6. No entanto, a melhor escolha dependerá da gravidade da malformação e da experiência
cirúrgica da equipe.
Desde o aprimoramento do uso da injeção de gordura autóloga por Coleman10, a técnica vem sendo amplamente difundida e estudada por diversos autores, incluindo
seu uso em cirurgias estéticas e reconstrutivas8. Delay & Guerid7 afirmaram que a lipoenxertia mamária é propensa a melhorar muito os resultados de
malformações torácicas, incluindo o pectus excavatum. Schwabegger6 recomendou a técnica para adultos com boa condição nutricional. Portanto, a opção
pelo transplante de gordura autólogo, neste caso, ocorreu por se tratar de um defeito
leve, e por ser considerado uma opção simples e minimamente invasiva que evita qualquer
necessidade de implante ou remodelação óssea na região esternal.
As formas de coleta e tratamento da gordura a ser enxertada têm sido motivo de estudos
clínicos e experimentais. Mais recentemente, o enriquecimento da gordura tem sido
pesquisado a fim de garantir resultados mais estáveis e, consequentemente, mais previsíveis.
Hamed et al.11 fizeram um estudo experimental, no qual utilizaram a eritropoetina para enriquecimento
da gordura, cujo resultado foi uma maior integração no local transplantado.
Tanikawa et al.12 demonstraram que o enriquecimento do tecido adiposo com células estromais promoveu
uma melhor integração e manutenção do resultado em longo prazo em pacientes portadores
de microssomia. Todavia, apesar dos bons resultados, a maior limitação destes estudos
é o curto período de seguimento e o fato de que muitos pesquisadores ainda questionam
as potenciais complicações da terapia com células-tronco.
A taxa de absorção da gordura transplantada é bastante variável e está relacionada
ao volume total transferido7. Muitos autores recentemente descreveram resultados estáveis, com baixas taxas de
complicações quando a lipoenxertia foi comparada a outros procedimentos9. Ho Quoc et al.3 relataram baixa taxa de reabsorção no tratamento do pectus excavatum com enxerto de gordura, obtendo uma taxa de satisfação de cerca de 95% tanto das
pacientes quanto da equipe cirúrgica. Uma vantagem adicional é a possibilidade de
repeti-la para melhorar o resultado ou corrigir pequenas deformidades residuais8.
Um segundo procedimento não foi necessário no caso apresentado durante o período de
acompanhamento de 12 meses. Consideramos que a hipercorreção da deformidade evitou
um segundo procedimento, seguindo o que foi afirmado por Pereira & Sterodimas1, que consideram a hipercorreção importante em um procedimento com taxas de reabsorção
variáveis. No entanto, apesar dos mesmos autores destacarem que os resultados duradouros
na região esternal são imprevisíveis1, Ho Quoc et al.3 descreveram um resultado de longo prazo natural e estável.
CONCLUSÃO
O caso apresentado mostrou a importância do exame clínico e planejamento pré-operatório
para obtenção de melhores resultados. Caso contrário, apenas a correção da hipomastia
poderia acentuar um pectus excavatum leve, inicialmente não percebido pelo paciente. Assim, a associação de mamoplastia
de aumento e transplante autólogo de gordura para tratar o PE revelou-se uma boa opção,
minimamente invasiva, segura e com alta satisfação da paciente. Todavia, é importante
informar que procedimentos de lipoenxertia na região esternal podem apresentar reabsorção,
podendo ser necessários procedimentos adicionais.
REFERÊNCIAS
1. Pereira LH, Sterodimas A. Free Fat Transplantation for the Aesthetic Correction of
Mild Pectus Excavatum. Aesthetic Plast Surg. 2008;32(2):393-6.
2. Michlits W, Windhofer C, Papp C. Pectus excavatum and free fasciocutaneous infragluteal
flap: a new technique for the correction of congenital asymptomatic chest wall deformities
in adults. Plast Reconstr Surg. 2009;124(5):1520-8.
3. Ho Quoc C, Delaporte T, Meruta A, La Marca S, Toussoun G, Delay E. Breast asymmetry
and pectus excavatum improvement with fat grafting. Aesthet Surg J. 2013;33(6):822-9.
4. Grappolini S, Fanzio PM, D’Addetta PG, Todde A, Infante M. Aesthetic treatment of
pectus excavatum: a new endoscopic technique using a porous polyethylene implant.
Aesthetic Plast Surg. 2008;32(1):105-10.
5. Snel BJ, Spronk CA, Werker PM, van der Lei B. Pectus excavatum reconstruction with
silicone implants: long-term results and a review of the English-language literature.
Ann Plast Surg. 2009;62(2):205-9.
6. Schwabegger AH. Pectus excavatum repair from a plastic surgeon’s perspective. Ann
Cardiothorac Surg. 2016;5(5):501-12.
7. Delay E, Guerid S. The Role of Fat Grafting in Breast Reconstruction. Clin Plast Surg.
2015;42(3):315-23.
8. Ho Quoc C, Taupin T, Guérin N, Delay E. Volumetric evaluation of fat resorption after
breast lipofilling. Ann Chir Plast Esthet. 2015;60(6):495-9.
9. Morandi EM, Sigl S, Schwabegger AH. Autologous Lipotransfer for Pectus Excavatum Correction.
Aesthet Surg J. 2019;39(7):NP302-NP304.
10. Coleman SR. Long-term survival of fat transplants: controlled demonstrations. Aesthetic
Plast Surg. 1995;19(5):421-5.
11. Hamed S, Egozi D, Kruchevsky D, Teot L, Gilhar A, Ullmann Y. Erythropoietin improves
the survival of fat tissue after its transplantation in nude mice. PLoS One. 2010;5(11):e13986.
12. Tanikawa DYS, Aguena M, Bueno D F, Passos-Bueno MR, Alonso N. Fat grafts supplemented
with adipose-derived stromal cells in the rehabilitation of patients with craniofacial
microsomia. Plast Reconstr Surg. 2013;132(1):141-52.
1. Universidade de Franca, Faculdade de Medicina, Franca, São Paulo, Brasil
2. Universidade Federal de São Paulo, Disciplina de Cirurgia Plástica, São Paulo,
São Paulo, Brasil
Autor correspondente: Marcus Vinícius Jardini Barbosa Alameda dos Flamboyants, 700, Morada do Verde, Franca, SP, Brasil. CEP: 14404-409
E-mail: drmbarbosa@gmail.com.br
Artigo submetido: 31/01/2022.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.