INTRODUÇÃO
Um dos principais objetivos da cirurgia primária do palato na fissura labiopalatina
(FLP) é a reconstrução bem-sucedida da cinta muscular dos elevadores, de forma a propiciar
um mecanismo velofaríngeo funcional para produção adequada da fala1. A presença de fístula oronasal é uma das complicações mais significativas após o
reparo cirúrgico do palato, já que que suas implicações podem interferir na qualidade
de vida do indivíduo. A incidência de fístulas oronasais residuais é um dos fatores
indicativos do sucesso do reparo cirúrgico primário do palato2,3,4.
A fístula, conforme reportado por Brosco4,5, é uma falha na cicatrização ou ruptura do reparo cirúrgico primário do palato que
pode ocorrer em qualquer local ao longo da linha de fechamento da fenda. A literatura
apresenta dados conflitantes com relação à ocorrência de fístula6,7,8,9, por exemplo, Salimi et al.10 relatam incidência variando entre 0 e 78%. Para prevenir e minimizar estas complicações
cirúrgicas, é importante compreender quais variáveis (protocolos de tratamento cirúrgico,
intercorrências pós-cirúrgicas, resultados de fala após a cirurgia e características
dos pacientes) estão associadas à ocorrência de fístulas.
A chamada “era da informação” caracteriza-se pela crescente expansão no volume de
dados gerados e armazenados, fenômeno que também se reflete na área de saúde em geral,
o que amplia possibilidade de obtenção de informações importantes no apoio ao processo
decisório11. Os dados dos pacientes, bem como os resultados das cirurgias, ficam disponibilizados
em seus prontuários, podendo ser usados como elementos para estudos clínicos.
Porém, muitas vezes, o volume de dados gerados é tão grande que dificulta sua utilização
e análise manual, demandando processos mais sofisticados como, por exemplo, os processos
automatizados, para a manipulação de tais dados. É exatamente neste contexto de superabundância
de dados que surgiu a mineração de dados, como um processo sistemático, interativo
e iterativo, de preparação e extração automática de conhecimento a partir de bases
de dados11,12.
Na mineração de dados a indução de hipóteses se dá a partir de um conjunto de dados
observados, como, por exemplo, dados sobre pacientes. Cada paciente é denominado objeto
e sobre cada objeto são armazenados diversos atributos (nome, identificação, sexo,
idade, sintomas, etc.), que correspondem aos diversos dados desse paciente. Em uma
das tarefas típicas da mineração busca- se aprender formas de se predizer um dos atributos
(esse atributo específico do qual se deseja fazer a predição é denominado de classe
ou, simplesmente, atributo alvo ou atributo de saída). Os demais atributos utilizados
para se fazer a predição do atributo alvo são chamados de preditores ou atributos
de entrada.
A partir de um conjunto de dados busca-se criar um modelo ou hipótese (representados
por um algoritmo ou conjunto de regras) capaz de relacionar um ou mais atributos (preditores)
ao atributo alvo (classe). Por meio de um viés indutivo, cada modelo identificado
a partir da mineração de dados utiliza uma representação para descrever a hipótese
induzida a partir do conjunto de dados.
OBJETIVO
Este trabalho tem por objetivo utilizar técnicas de mineração de dados para a extração
automática de conhecimento sobre variáveis (protocolos de tratamento cirúrgico, intercorrências
pós-cirúrgicas, resultados de fala após a cirurgia e características dos pacientes)
associadas à ocorrência de fístulas oronasais em pacientes com fissura transforame
incisivo unilateral (FTIU).
MÉTODO
A investigação trata de uma pesquisa descritiva, quantitativa, experimental e aplicada,
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais, da Universidade de São Paulo (parecer 1.753.467), realizada nessa instituição
em setembro de 2021. A amostra refere-se a um subconjunto de prontuários de pacientes
com fissura labiopalatina participantes de um estudo clínico randomizado (ECR) com
FTIU13.
Dados sobre a ocorrência de fístulas foram obtidos para o total de 466 pacientes (bebês).
Estes pacientes foram randomizados (usando-se um script – código escrito em linguagem de programação, desenvolvido na Universidade da Flórida)
para receber diferentes protocolos de tratamento cirúrgico incluindo: 1) queiloplastia
primária entre 3 e 6 meses de idade com a técnica de Millard (M) ou Spina (S); 2)
palatoplastia precoce (9 a 12 meses) ou tardia (>12 meses); 3) palatoplastia primária
com a técnica de von Langenbeck (VL) ou de Furlow (F); e 4) para um de quatro possíveis
cirurgiões (C1, C2, C3, C4).
As informações sobre a ocorrência de fístula após a palatoplastia primária foram de
interesse para o presente estudo. Para determinação das classes na mineração de dados,
usou-se a classificação de Spina14 agrupando-se os pacientes em dois grupos: SUCESSO (pacientes sem fístula ou com fístula
na região pré-forame incisivo); INSUCESSO (pacientes com fístula na região pós-forame
incisivo ou fístulas transforame). O forame incisivo demarca os limites dos palatos
primário (parte central do lábio superior e pré-maxila) e secundário (palato duro
e mole).
A Tabela 1 apresenta as informações identificadas nos prontuários dos pacientes para este estudo.
A definição das variáveis de interesse está relacionada diretamente a alguns fatores
que incluem: 1) Protocolos de tratamento cirúrgico (técnica cirúrgica na queiloplastia e na palatoplastia, cirurgião, uso de modificações
na cirurgia como incisão relaxante e retalho de vômer, duração da palatoplastia em
minutos); 2) Características do paciente (idade na palatoplastia, tempo da palatoplastia); 3) Intercorrências pós-cirúrgicas (se ocorreu infecção na palatoplastia - no local - ou em outro local após a palatoplastia
primária; se houve vômito ou tosse no pós-operatório da palatoplastia); 4) Resultados de fala após a cirurgia (se houve diagnóstico sintomático da disfunção velofaríngea, presença de hipernasalidade
- registrada em conversa espontânea ou dirigida); resultados dos testes de emissão
de ar nasal, de hipernasalidade e de hiponasalidade (observados durante repetição
de 10 vocábulos); 5) Resultado da cirurgia quanto à ocorrência de fístula (SUCESSO ou INSUCESSO). As variáveis de interesse estão listadas na coluna “nome
do atributo”.
Tabela 1 - Definição das variáveis (atributos) de interesse para este estudo.
Variáveis (Nome do Atributo) |
Categorias (Valores) |
Técnica cirúrgica na queiloplastia |
Millard, Spina |
Tempo da palatoplastia |
Precoce (9-12m), Tardio ( >12m) |
Idade na palatoplastia |
Meses (m) |
Técnica cirúrgica na palatoplastia |
Furlow, von Langenbeck |
Cirurgião |
C1, C2, C3, C4 |
Incisão relaxante |
Sem incisão, unilateral, bilateral |
Retalho de Vômer |
sim, não |
Duração da palatoplastia |
Minutos |
Infecção na palatoplastia em outro local |
Não houve; no local da cirurgia, |
Vômito no pós-operatório da palatoplastia |
sim, não |
Tosse no pós-operatório da palatoplastia |
sim, não |
Febre |
sim, não |
Sugestivo de disfunção velofaríngea |
sim, não |
Hipernasalidade |
sim, não |
Teste de emissão de ar |
[1-10] |
Teste de hipernasalidade |
[1-10] |
Teste de hiponasalidade |
[1-10] |
*Ocorrência de fistula |
SUCESSO, INSUCESSO |
Tabela 1 - Definição das variáveis (atributos) de interesse para este estudo.
As variáveis associadas aos protocolos de tratamento cirúrgico e às características
do paciente podem ajudar a indicar se há maior propensão ao desenvolvimento de fístulas
(ainda antes do procedimento cirúrgico), já as variáveis relacionadas às intercorrências
pós-cirúrgicas e aos resultados de fala podem ser indicativas de fístulas clinicamente
relevantes após a cirurgia.
No gerenciamento da FLP o SUCESSO do tratamento ocorre na ausência de fístula e ausência
de alterações de fala. Para o presente estudo, a ocorrência de fístula em região posterior
ao forame incisivo e presença de disfunção velofaríngea foram interpretadas como indicativas
de INSUCESSO do tratamento. A pergunta norteadora da mineração de dados envolveu a
verificação de quais fatores (protocolos de tratamento cirúrgico, características
do paciente, intercorrências pós-cirúrgicas e resultados de fala após a cirurgia)
estariam associados à ocorrência ou não das fístulas. Buscou-se, portanto, identificar
com este estudo se algumas das variáveis analisadas podem ser usadas como preditoras
da ocorrência de fístula no palato ou como indicativos de fístulas clinicamente relevantes
pós-palatoplastia.
Para o cômputo dos resultados do experimento, foi utilizado o algoritmo C4.5 (J48)
que gera árvores de decisão para encontrar a relação entre as características consideradas
e os resultados das cirurgias, bem como o “algoritmo Apriori” (de associação) para
a geração de regras. A utilização de árvores de decisão permite que as variáveis ou
os atributos possam ser categóricos (qualitativos) ou numéricos (quantitativos), podendo
ser usados simultaneamente pelo modelo (o que se mostrou adequado considerando os
diferentes tipos de variáveis da base de dados usada na investigação). Já o algoritmo
Apriori lida somente com variáveis qualitativas. Ambos os modelos induzem uma hipótese
por meio de um modelo representado por regras (“se...então”).
Nesta análise as variáveis de interesse foram tratadas como os atributos no software WEKA. Considerando uma tarefa de mineração típica, o experimento foi dividido em
quatro etapas: pré-processamento dos dados, extração de características, classificação
e descrição de resultados. O procedimento foi realizado considerando-se como resultado
primário a ocorrência de fistula após a palatoplastia. O pré-processamento foi realizado
de maneira semiautomática. Os dados dos prontuários disponibilizados no formato de
arquivo “.XLS” (planilha de Excel®) foram convertidos para o formato “.ARFF” (usado
pelo WEKA) por meio do software Excel2ArffConverter. Antes da conversão os atributos foram identificados conforme
descrito na Tabela 1.
RESULTADOS
Somente os pacientes com dados completos foram selecionados para análise, considerando
os parâmetros descritos na Tabela 1. Após descartar os pacientes com dados incompletos para qualquer uma das variáveis,
um total de 222 pacientes foram selecionadas para análise. Devido à possibilidade
de enviesamento da base, optou-se por não se estimar os valores ausentes7. As informações sobre ocorrência de algum tipo de fístula foram identificadas nos
prontuários de 222 (47,6%) dos 466 pacientes estudados e dados destes pacientes foram
os minerados para o presente artigo.
No grupo de 222 pacientes considerados para este estudo 98 (44,1%) indivíduos pertenciam
ao sexo feminino e 124 (55,9%) ao sexo masculino. A idade média de realização da palatoplastia
primária foi de 12,8 meses (σ=3,2). Neste grupo 114 (51,3%) recebeu o procedimento
de Millard na queiloplastia primária, enquanto 108 (48,7%) recebeu o procedimento
de Spina. Um total de 112 pacientes (50,4%) recebeu a técnica de Furlow na palatoplastia
primária enquanto 110 (49,6%) receberam von Langenbeck. Da amostra pacientes, 182
(81,9%) pertenciam ao grupo SUCESSO e 40 (18,1%) ao grupo INSUCESSO.
Por meio da construção de uma árvore de decisão, 37 regras foram geradas a partir
do conjunto completo dos dados referentes aos pacientes. Entretanto, neste artigo
optou-se por exibir apenas as 5 regras com maior valor para a métrica de cobertura
de cada resultado final da cirurgia (SUCESSO ou INSUCESSO). A métrica de cobertura
é a proporção entre os dados classificados corretamente e o total de dados da amostra
daquela classe. Também foram consideradas informações sobre a métrica de precisão
da regra (probabilidade do resultado final condicionado aos atributos, isto é, a capacidade
do modelo de evitar falsos positivos).
A média de precisão das regras associadas ao SUCESSO cirúrgico é de 97,26% (σ=4,59).
As cinco regras juntas apresentam uma cobertura de cerca de 77,5%, ou seja, se aplicadas
aos dados, conseguem detectar 77,5% dos casos de SUCESSO. Já para a classe de INSUCESSO,
a média de precisão das regras associadas é de 84,32% (σ=9,40). A cobertura das cinco
regras é de 62,5%, isto é, a quantidade de casos de INSUCESSO que as regras conseguem
detectar se aplicadas à base de dados.
A regra com maior cobertura e precisão para predição de um bom resultado indica que
os principais fatores envolvidos são: infecção (“ausência”), testes de hipernasalidade
(“≤6”) e hiponasalidade (“>9”) e a técnica cirúrgica (“von Langenbeck”). A interpretação
desta regra indica, portanto, que pacientes submetidos ao procedimento “von Langenbeck”,
sem infecção e com resultados de teste de hiponasalidade com valores maiores ou iguais
a 9 e teste de hipernasalidade com valores menores ou iguais a 6, têm maior probabilidade
de obterem SUCESSO como resultado final da cirurgia. Já para o INSUCESSO, segundo
as duas regras com maior precisão e cobertura, os fatores envolvidos são relacionados
às intercorrências pós-cirúrgicas e resultados de fala e incluem: infecção (“ausência
ou em outro local”), testes de hipernasalidade (“maior que 6”), emissão de ar (“maior
que 9”) e febre (“sim”). As regras são exibidas na Tabela 2.
Tabela 2 - Resultado da cirurgia.
Número |
Regra |
Resultado (classe) |
Cobertura |
Precisão |
1 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=von
Langenbeck” e “teste de hiponasalidade>9”
|
SUCESSO |
77 |
100% |
2 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=Furlow”
e “amplitude da fissura=regular”
|
SUCESSO |
33 |
96,9% |
3 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=Furlow”
e “amplitude da fissura=ampla” e “cirurgião=C3”
|
SUCESSO |
19 |
89,4% |
4 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=Furlow”
e “amplitude da fissura=ampla” e “cirurgião=C2”
|
SUCESSO |
7 |
100% |
5 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=Furlow”
e “amplitude da fissura=ampla” e “cirurgião=C1” e “incisão relaxante=sem”
|
SUCESSO |
5 |
100% |
6 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade>6” e “teste de emissão de ar>9”
e “febre=sim”
|
INSUCESSO |
6 |
83,3% |
7 |
Se “infecção=ocorreu em outro local” |
INSUCESSO |
6 |
83,3% |
8 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade>6” e “teste de emissão de ar>9”
e “febre=não” e “incisão relaxante=bilateral” e “vômito=não” e “cirurgião=C3”
|
INSUCESSO |
5 |
80,0% |
9 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade≤6” e “tosse=não” e “técnica cirúrgica=Furlow”
e “amplitude da fissura=ampla” e “cirurgião=C4” e “teste de emissão de ar>2”
|
INSUCESSO |
4 |
100% |
10 |
Se “infecção=não houve” e “teste de hipernasalidade>6” e “teste de emissão de ar>9”
e “febre=não” e “incisão relaxante=sem”
|
INSUCESSO |
4 |
75,0% |
Tabela 2 - Resultado da cirurgia.
Quando se analisa o desempenho global do modelo (árvore de decisão gerada) com relação
à sua capacidade preditiva, observa-se que ele classifica corretamente 95,9% dos pacientes
e incorretamente apenas 4,1%. Considerando cada categoria individualmente, o modelo
consegue acertar 90,0% dos casos em que ocorre um resultado de INSUCESSO. Já para
a outra classe, o modelo consegue acertar 97,3% dos casos em que ocorre um resultado
de SUCESSO.
As correlações encontradas usando o algoritmo Apriori foram obtidas usando as métricas
de suporte (mínimo de 60%) e confiança (mínimo de 90%). O objetivo foi encontrar regras
que fossem frequentes (alto valor de suporte) na base de dados e com alto grau de
confiança (diretamente relacionada à validade da regra). Foram encontradas quatro
regras com uma confiança média de 90,75% (σ=0,5) e um suporte médio de 69,45% (σ=0,49),
que atendem os requisitos citados, conforme Tabela 3.
Tabela 3 - Regras com alto valor de suporte e confiança.
Características |
Resultado |
Suporte |
Confiança |
Ausência de tosse e infecção sem sugestivo de disfunção velofaríngea |
SUCESSO |
69,8% |
91,0% |
Ausência de tosse e infecção com hipernasalidade ausente |
SUCESSO |
69,8% |
91,0% |
Ausência de tosse e infecção sem sugestivo de disfunção velofaríngea com hipernasalidade
ausente
|
SUCESSO |
69,8% |
91,0% |
Ausência de tosse e infecção e sem febre |
SUCESSO |
68,4% |
90,0% |
Ausência de tosse |
INSUCESSO |
77,5% |
100,0% |
Ausência de infecção |
INSUCESSO |
77,5% |
100,0% |
Técnica cirúrgica de Furlow |
INSUCESSO |
72,5% |
100,0% |
Utilização de retalho de Vômer |
INSUCESSO |
70,0% |
100,0% |
Ausência de vômito |
INSUCESSO |
67,5% |
100,0% |
Ausência de tosse e de infecção |
INSUCESSO |
67,5% |
100,0% |
Tabela 3 - Regras com alto valor de suporte e confiança.
Considerando-se apenas os 40 pacientes do grupo de INSUCESSO, os resultados mostram
as seis regras encontradas com suporte mínimo de 67,5% e confiança mínima de 100%
(Tabela 3). As regras apresentam um suporte médio de 72,08% para este grupo. No grupo de SUCESSO
o modelo indica ausência de intercorrências pós-cirúrgicas (tosse e infecção) e resultado
de fala com hipernasalidade ausente. Pacientes do grupo de INSUCESSO também apresentaram
ausência de tosse e de infecção.
A Tabela 4 traz um resumo da relação entre a duração da palatoplastia e o resultado quanto à
ocorrência de fístula. Observa-se que os tempos de cirurgia variam de 25 a 140 minutos.
Tabela 4 - Relação entre duração da palatoplastia e classes (SUCESSO e INSUCESSO).
Duração: Minutos |
N |
Média |
Desvio padrão |
Mínimo |
Máximo |
Duração da palatoplastia – Todos os grupos |
222 |
65,62 |
24,43 |
25 |
140 |
Duração da palatoplastia (grupo SUCESSO) |
182 |
62,57 |
22,89 |
25 |
125 |
Duração da palatoplastia (grupo INSUCESSO) |
40 |
79,5 |
26,62 |
25 |
140 |
Tabela 4 - Relação entre duração da palatoplastia e classes (SUCESSO e INSUCESSO).
Os algoritmos utilizados permitem uma exploração baseada em dados de relações não
lineares e interações entre muitas variáveis, gerando modelos que são fáceis de interpretar.
Entretanto, como fraqueza do método podese apontar o desbalanceamento entre os dois
grupos (SUCESSO e INSUCESSO) e a utilização integral da amostra para a indução dos
modelos, o que pode causar um super-ajuste aos dados, prejudicando a extrapolação
dos achados (regras) para outras bases de dados.
DISCUSSÃO
Especificamente com relação às ocorrências de fístulas, as regras encontradas com
alto grau de precisão e cobertura podem evidenciar padrões úteis sobre quais variáveis,
dentre protocolos de tratamento cirúrgico, características do paciente, resultados
da fala após cirurgia e intercorrências pós-cirúrgicas, são determinantes para o sucesso
ou insucesso da palatoplastia. A oportunidade de adotar a mineração sobre os dados
de pacientes submetidos à palatoplastia pode oportunizar melhor entendimento das especificidades
que podem ocorrer com o grupo de pacientes, ampliando, assim, o conhecimento do profissional
na identificação das condutas a serem adotadas.
Neste estudo específico, a visibilidade dada a alguns fatores (Tabela 1) permite que profissionais de saúde, com a devida análise desse conjunto de descobertas,
possam identificar padrões de associação de variáveis, as quais possam dar significado
às ações diagnósticas e terapêuticas. Da mesma forma do que em outros estudos prévios,
esta investigação optou pela combinação de diferentes tipos de tarefas de mineração
de dados para a realização do experimento ou identificação de padrões15,16,17,18,19.
Apesar da disponibilidade inicial de dados referentes a 466 pacientes, optou-se pelo
uso de 222 (considerando apenas aqueles completos). Isso pode ter limitado as regras
obtidas, bem como não ter evidenciado outras associações dos fatores relativas aos
resultados finais da palatoplastia. Tal decisão segue as diretrizes de outros trabalhos20. Para estudos futuros, toda a base poderá ser usada, pois alguns algoritmos podem
lidar com dados faltantes11.
Outra limitação referente à base é o fato de as duas classes consideradas estarem
desbalanceadas, entretanto, como elas refletem a situação real em que os resultados
de SUCESSO são mais comuns que os INSUCESSOS, optou-se pela manutenção da proporção
natural dos dados. Essa presença de classes majoritárias com frequência muito maior
que as outras classes minoritárias faz com que os algoritmos tenham uma tendência
para responder bem para as classes majoritárias em detrimento das minoritárias. Como
trabalhos futuros, o experimento poderá ser repetido usando técnicas de reamostragem
aleatória dos dados de forma a gerar conjuntos balanceados21.
O fato de toda a base ter sido usada para indução e teste do modelo pode gerar um
viés de ajuste aos dados. Qualquer método de mineração está sujeito a gerar um modelo
que se super-ajusta aos dados sobre os quais ele foi induzido (overfitting), mas não consegue generalizar o conhecimento aprendido, não obtendo um bom desempenho
quando confrontado com dados de uma outra base. Entretanto, como o intuito deste experimento
não é induzir um modelo visando automatizar o processo de classificação de cirurgias,
mas sim extrair regras que possam ser avaliadas por humanos, evidenciando padrões
úteis, optou-se por esta abordagem.
A análise da Tabela 2 indica que os resultados de SUCESSO estão associados às intercorrências pós-cirúrgicas
como ausência de infecção e de tosse, além disso, os pacientes apresentaram teste
de hipernasalidade abaixo ou igual a 6 (numa escala que vai até 10). No caso das fissuras
amplas associadas à técnica cirúrgica de Furlow, além das intercorrências ressaltadas,
há também a influência do fator cirurgião para o resultado final.
No caso dos resultados de INSUCESSO, a presença de infecção parece ser um fator importante,
entretanto, não é decisivo. Devido à similaridade entre as regras 9, 3 e 4 (Tabela 2) o fator decisivo para obtenção de um resultado de INSUCESSO está atrelado ao cirurgião.
Sob as mesmas condições, os cirurgiões C2 e C3 obtiveram resultados de SUCESSO, entretanto,
o cirurgião C4 obteve SUCESSSO em apenas em 50% das cirurgias, o que pode indicar
a influência do fator cirurgião. No caso dos resultados de fala, valores de testes
de hipernasalidade superiores a 6 são indicativos de um possível INSUCESSO.
Do mesmo modo que as regras da árvore de decisão, as regras apresentadas pelo modelo
induzido pelo algoritmo Apriori deverão ser avaliadas por um profissional, de forma
a validá-las frente à realidade. O algoritmo Apriori não lida com atributos quantitativos,
somente com os categóricos, o que exige a exclusão de alguns atributos ou mesmo a
transformação deles para dados não numéricos (processo de discretização); essa estratégia
foi utilizada em alguns processamentos realizados neste trabalho. Assim, para evitar
essa limitação em trabalhos futuros, outros algoritmos poderão ser experimentados,
tais como AprioriTid, SETM, AprioriHybrid22.
A análise da Tabela 3 indica que, de um modo geral, a ausência de intercorrências pós-cirúrgicas (infecção
e febre) e resultado de fala com hipernasalidade ausente, bem como pacientes sem sugestivo
de disfunção velofaríngea, apresentam SUCESSO pós-palatoplastia primária. Com relação
aos procedimentos cirúrgicos, há indícios de que a utilização da técnica de Furlow
e de retalho de Vômer são frequentes no grupo de INSUCESSO. Já observações como ausência
de tosse, vômito ou infecção, isoladamente, não podem ser usadas como parâmetros para
descartar um possível INSUCESSO.
A análise da Tabela 4 mostra que uma palatoplastia do grupo dos pacientes que tiveram um resultado de INSUCESSO
dura em média 79,5 minutos; já para o grupo de pacientes com resultados de SUCESSO,
a média cai para 62,57 minutos. Há indícios, portanto, que cirurgias mais demoradas
tendem a causar piores resultados.
Reconhece-se, finalmente, que este estudo oferece somente uma perspectiva pontual
da realidade, por meio da análise de modelos induzidos por técnicas de mineração de
dados na base considerada, já que revela apenas alguns fatores associados aos resultados
da palatoplastia do ponto de vista dos algoritmos de mineração, havendo a necessidade
de validação por profissionais da área de saúde.
CONCLUSÃO
A análise dos dados revelou que a ausência de algumas intercorrências pós-cirúrgicas
(febre, tosse, infecção) em conjunto com resultados de fala após a cirurgia (hipernasalidade,
sugestivo de disfunção velofaríngea) e com características associadas protocolos de
tratamento cirúrgico (técnica, retalho de vômer, cirurgião) pode ajudar a predizer
o sucesso ou insucesso da palatoplastia.
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a palatoplastia primária. Projeto em andamento e com aprovação Ética do CEP/CONEP
desde 02/09/2016. Pesquisador Responsável: Jeniffer de Cássia Rillo Dutka. CAAE: 57727416.9.0000.5441.
Instituição Proponente: Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP.
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1. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo,
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, Bauru, SP, Brasil
2. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo,
Programa de Pós-Doutorado, Bauru, SP, Brasil
3. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo,
Departamento de Cirurgia Plástica, Bauru, SP, Brasil
4. Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação
em Fonoaudiologia, Bauru, SP, Brasil
Autor correspondente: Patrick Pedreira Silva R. Silvio Marchione, 3-20, Vila Nova, Cidade Universitaria, Bauru, SP, Brasil. CEP:
17012-900 E-mail: patrickpsilva@alumni.usp.br
Artigo submetido: 03/11/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.