INTRODUÇÃO
O nervo facial é o sétimo par craniano e emerge do tronco cerebral, passando pelo
osso temporal até sair pelo forame estilomastóideo, a partir do qual fornece múltiplos
ramos para inervar os músculos da expressão facial1.
Entre os vários nervos, é um dos mais propensos a algum tipo de lesão, que, primordialmente,
prejudica a mímica facial. Quando isto ocorre, de forma temporária ou permanente,
podemos denominar esta alteração de paralisia facial, que pode ser central ou periférica2.
Apesar de há muito tempo estudada e impactar negativamente na qualidade de vida dos
pacientes, a complexidade envolvida em sua fisiopatologia e as variadas repercussões
clínicas tornam seu tratamento desafiador e necessariamente individualizado.
Os tratamentos atuais comumente são multidisciplinares, envolvendo seguimento prolongado
com muitos especialistas. Eles variam de procedimentos menos invasivos, como a toxina
botulínica, até grandes cirurgias que dependem de retalhos complexos, normalmente
microcirúrgicos, por vezes combinando transferências musculares regionais e enxertos
nervosos cross-face3.
Quando a lesão nervosa tem um período maior de 24 meses, é conhecido o fato de que
qualquer tentativa de neurotização dos músculos, independentemente do método escolhido,
tem baixa chance de sucesso devido à atrofia muscular3. Para estes casos, medidas como o retalho ortodrômico de temporal (ROT) são especialmente
úteis, pois podem proporcionar um resultado satisfatório, especialmente para excursão
da comissura, em tempo único e sem microcirurgia, bem como sem comprometer o nervo
facial nos casos que ele ainda está em recuperação4.
Para a realização do ROT, é fundamental que haja um tecido com boa resistência e de
preferência autólogo, para a que a transferência do tendão seja sustentável, duradoura
e segura para o paciente. Neste momento, a fáscia lata surge como excelente área doadora.
A fáscia lata é uma complexa camada de tecido fibroso que envolve todos os tecidos
profundos da coxa, com variações de espessura, sendo mais espessa em sua porção lateral
e proximal, com suas fibras conectivas predominantemente em direção longitudinal5.
Sua coleta é possível de várias formas e com múltiplos objetivos clínicos e cirúrgicos,
que também envolvem abordagens perioculares e frontais, até vulvovaginais, tanto em
pacientes adultos quanto pediátricos6-8.
Apresentamos, a seguir, uma proposta de padronização de sua coleta para o ROT.
OBJETIVO
O presente artigo objetiva propor uma estimativa padrão da quantidade em centímetros
de fáscia lata que necessita ser ressecada para confecção de retalho ortodrômico temporal
no tratamento de paralisia facial, bem como sugerir uma forma de coleta da fáscia
lata na região anterolateral da coxa.
MÉTODOS
A padronização proposta se baseia na longa experiência do autor sênior deste artigo
tanto em sua clínica privada como professor titular da disciplina de Cirurgia Plástica
no Hospital das Clínicas de Botucatu, Botucatu-SP, no período de 2005 a 2021.
Estimativa do tamanho da fáscia a ser coletada
No lado afetado pela paralisia, afere-se a distância entre o terço médio do rebordo
inferior do arco zigomático até a rima bucal ipsilateral, somando-se 4cm.
Coleta da fáscia lata
Com o paciente em decúbito dorsal horizontal e com a coxa esquerda (quando não dominante)
em posição anatômica, desenha-se uma linha paralela à crista ilíaca anterossuperior
e outra linha paralela à borda superior da patela. Desenha-se uma linha média entre
as duas traçadas anteriormente, onde se deve palpar o sulco entre o compartimento
anterior e posterior da coxa. Nele, 2cm acima deste sulco está o ponto central que
irá guiar uma incisão longitudinal na coxa de 5 a 6cm (Figura 1).
Figura 1 - Marcação da linha de incisão.
Figura 1 - Marcação da linha de incisão.
Este ponto estará no centro de um retângulo com altura medindo o tamanho da fáscia
desejada e largura variando de 2,5 a 3cm.
Toda a sua área deve ser infiltrada, de preferência com solução contendo soro fisiológico
0,9%, adrenalina em diluição de 1:200.000 a 1:250.000 e anestésico local.
Após a incisão da pele, descola-se o tecido subcutâneo com tesoura de Metzenbaum até
identificar a fáscia lata (Figura 2).
Figura 2 - Descolamento do tecido subcutâneo e exposição da fáscia lata com auxílio de afastador
iluminado.
Figura 2 - Descolamento do tecido subcutâneo e exposição da fáscia lata com auxílio de afastador
iluminado.
Toda área do retângulo desenhado é descolada, estendendo-se 1cm em todas as direções
para facilitar o fechamento da mesma. O descolamento é facilitado com o uso de descoladores
de Viterbo, bem como com auxílio de afastadores iluminados.
Recomenda-se que o retângulo desenhado na pele seja agora demarcado diretamente na
fáscia lata com verde brilhante ou azul de metileno.
O retângulo deve ser incisado com bisturi, mantendo atenção para não lesar o músculo
subjacente. Toda a fáscia pode ser retirada com bisturi ou, após incisão inicial das
linhas verticais, pode ser retirada com tesoura de Metzenbaum longa.
Atenção deve ser dada nas ressecções superiores e inferiores para evitar biselamentos
e irregularidades do formato da fáscia, assim como lesão inadvertida do músculo.
Após a retirada da fáscia (Figura 3), inicia-se uma revisão hemostática cuidadosa e então se procede o fechamento da
fáscia remanescente, preferencialmente com fio inabsorvível como o fio de mononylon
3-0 com pontos em “U” ou “X”, deixando os nós invertidos.
Figura 3 - Enxerto de fáscia lata medido ao lado da área doadora.
Figura 3 - Enxerto de fáscia lata medido ao lado da área doadora.
Após isto, recomendamos que o espaço criado entre a fáscia e o subcutâneo seja reduzido
com pontos de adesão com fio absorvível de longa duração - em nossa experiência, recomendamos
uma sutura contínua no espaço superior e outra no inferior, com dois fios de monocryl
3-0, que transfixam alternadamente a fáscia lata e o tecido subcutâneo, até se encontrarem
no centro da incisão. Por fim, realiza-se sutura subdérmica, seguida por síntese da
pele com sutura intradérmica com fio de monocryl 4-0 (Figura 4).
Figura 4 - Aspecto final da incisão na coxa antes do curativo.
Figura 4 - Aspecto final da incisão na coxa antes do curativo.
Cuidados Gerais
A fáscia lata é mantida imersa em soro fisiológico até o momento de sua utilização
na realização do ROT.
O curativo deve ser compressivo nas primeiras 48 a 72 horas, mantendo-se atenção para
eventuais hematomas e o risco de rompimento da fáscia e herniação muscular.
O paciente já é liberado para deambular a partir do primeiro dia.
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
O trabalho está de acordo com as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu e aprovado sobre o parecer consubstanciado
de número 4.689.636.
RESULTADOS
Na experiência do autor sênior, este procedimento é seguro e com benefícios clínicos
superando os riscos inerentes a ele.
DISCUSSÃO
Quando há a necessidade de um tratamento cirúrgico para a paralisia facial, em não
sendo possível alguma forma de neurotização dos músculos da mímica, duas possibilidades
ganham destaque: retalho muscular livre ou alguma forma de transferência de tendão,
como a ROT9,10.
Ao compará-las, observa-se efeito semelhante sobre o sorriso entre as duas intervenções,
com discreta superioridade do ROT por não causar a impressão de um volume assimétrico
da face, apesar de não ter a capacidade de gerar o mesmo resultado dinâmico da transferência
muscular livre. Há que se comentar o fato desta última exigir uma cirurgia mais complexa,
sem resultado necessariamente imediato10,11. Além disso, o ROT permite o encurtamento intraoral da fáscia lata em um segundo
tempo cirúrgico, se for necessário um ganho de maior simetria.
No ROT, conforme utilizado em nosso grupo3,11, o objetivo é não manipular excessivamente os músculos ou remover tecido ósseo como
no passado, e sim preservar a direção muscular - por isso o termo ortodrômico -, conectando
o tendão do músculo temporal, que está funcionante nos pacientes indicados, ao lábio,
utilizando a fáscia lata como ponte11.
Portanto, a fáscia lata é fundamental para este procedimento.
Alguns autores relataram formas minimamente invasivas da retirada da fáscia lata,
seja com endoscópios rígidos ou adotando medidas de expansão do enxerto, como a técnica
proposta por Evereklioglu8. Nela, a fáscia é cortada em uma tira em formato de “Z”, que o autor denominou de
“cauda de pipa”, para ganhar extensão do comprimento.
Nos 39 pacientes relatados por Pidgeon et al.4, a fáscia lata era coletada utilizando-se uma incisão de 10cm, retirando-se uma faixa
de 12x2,5cm, na coxa ipsilateral ao lado da face paralisado.
Giovannetti et al.12 mostraram preferência por retirar enxertos da coxa direita, com discreta flexão e
rotação medial. Costumam realizar uma incisão linear de 4 a 8 cm, demarcada de 4 a
5cm acima do joelho. Esta incisão é realizada para coleta de uma fáscia com cerca
de 3x6cm, cortada com tesouras. O fechamento da fáscia remanescente é feito com fio
de Vycril 3-0 ou conforme proposto por Vitali et al.13. Estes autores sugeriram a cobertura da área doadora com uma lâmina de colágeno derivada
de pericárdio bovino.
É importante salientar que os pacientes com paralisia facial tendem a ter uma demanda
estética maior conforme vão sendo submetidos a mais procedimentos cirúrgicos. Muitas
vezes, é preciso adaptar a altura da incisão para evitar cicatrizes baixas e que podem
ficar expostas em algumas vestimentas, como saias.
Comparando nossa técnica de coleta com a literatura, devemos lembrar que muitos trabalhos
precisam de uma quantidade menor de fáscia, pois trabalham com distâncias mais curtas,
como na elevação frontal. Entretanto, a ideia central se mantém e pode ser aplicada
nessas situações, uma vez que a sugestão de incisão pode ser reduzida proporcionalmente
à quantidade de fáscia requerida.
CONCLUSÃO
A sequência de estimativa do tamanho de fáscia lata necessário para a realização do
retalho ortodrômico temporal e coleta da mesma de acordo com os passos sugeridos pode
facilitar a realização desta intervenção e tornar o procedimento seguro e com grande
benefício clínico aos pacientes que necessitam de tecido autólogo para correções cirúrgicas.
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1. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Cirurgia Plástica,
Botucatu, SP, Brasil
Autor correspondente: Balduino Ferreira de Menezes Neto Rua Hortênsia, 291, Apto 802, Jardim Bom Pastor, Botucatu, SP, Brasil, CEP: 18607-650,
E-mail: balduino.neto@unesp.br
Artigo submetido: 11/08/2021.
Artigo aceito: 13/12/2021.
Conflitos de interesse: não há.