INTRODUÇÃO
As principais causas de lesões teciduais ao redor do joelho incluem feridas traumáticas,
cirurgias oncológicas, infecções invasivas ou queimaduras1,2. A reconstrução cirúrgica dessas lesões representa um grande desafio devido à exposição
de estruturas osteoarticulares, tendinomusculares e neurovasculares e tem sido realizada
com uso de diversos retalhos musculares e musculocutâneos3,4. O uso do retalho cutâneo baseado no pedículo da artéria genicular lateral superior
(AGLS) é relatado com menor frequência na literatura científica5.
OBJETIVO
O objetivo do presente artigo foi relatar a viabilidade do uso do retalho baseado
na AGLS na cobertura de lesões ao redor do joelho e região proximal da perna em pacientes
vítimas de acidentes motociclísticos.
RELATO DE CASOS
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o número do CAAE: 52573721.3.0000.0033.
Cinco pacientes, sendo quatro do sexo masculino (80%) e um do sexo feminino (20%),
vítimas de acidentes motociclísticos foram tratados para lesões ao redor do joelho.
Paciente 1, sexo masculino, 22 anos, lesão de partes moles em região lateral de joelho
direito de 15cm. Paciente 2, sexo masculino, 19 anos, lesão de partes moles em região
lateral de joelho direito de 16cm. Paciente 3, sexo masculino, 35 anos, lesão de partes
moles em região lateral de joelho direito de 13cm. Paciente 4, sexo masculino, 30
anos, lesão de partes moles em região lateral de joelho esquerdo de 14cm. Paciente
5, sexo feminino, 27 anos, lesão de partes moles em região lateral de joelho direito
de 12cm.
O retalho projetado para se ajustar ao defeito resultante da lesão foi baseado no
pedículo vascular da AGLS em todos os casos e as áreas doadoras foram fechadas no
mesmo procedimento cirúrgico ou complementadas com enxerto de pele. Na Figura 1 é apresentado um planejamento esquemático do retalho baseado na AGLS.
Figura 1 - (A) Planejamento esquemático do retalho baseado no pedículo da artéria genicular lateral
superior. (B) Vista anatômica do pedículo. Ilustração de Ernst Bock extraída do artigo
de Wiedner et al.8 (GT: trocanter maior; M: ponto médio; LC: côndilo lateral).
Figura 1 - (A) Planejamento esquemático do retalho baseado no pedículo da artéria genicular lateral
superior. (B) Vista anatômica do pedículo. Ilustração de Ernst Bock extraída do artigo
de Wiedner et al.8 (GT: trocanter maior; M: ponto médio; LC: côndilo lateral).
Técnica cirúrgica
Paciente sob raquianestesia, colocado em decúbito lateral. Realizada a demarcação
dos parâmetros anatômicos, que possuem como referência a projeção do grande trocânter
do fêmur, o côndilo lateral do fêmur, o bordo posterior do músculo vasto lateral e
do bordo anterior bíceps femoral. Nesta área previamente desenhada se encontra a AGLS.
A seguir, foi realizada a exsanguinação do membro por gravidade, seguido do garroteamento
com faixa de smarch a nível proximal da coxa.
Feita a incisão sobre pele e subcutâneo seguindo a linha da borda lateral da patela,
a fáscia muscular foi incisada após identificação da borda do músculo vasto lateral,
estendendo-se da projeção lateral da prega glútea até a topografia lateral do joelho.
Realizada então dissecção cuidadosa em região subfascial, delimitada pelo músculo
vasto lateral e posteriormente pelo músculo bíceps femoral prosseguindo até encontro
do ramo perfurante da AGLS, aumentando a dissecção para planos profundos.
Posteriormente, definiu-se a extensão necessária do retalho, completando sua dissecção
em direção à face posterior do fêmur até sua origem na artéria poplítea. Realizada
a soltura do garrote para avaliação da perfusão no retalho. Após perfundido, o retalho
foi rotacionado para a área receptora e fixado por meio de pontos simples. A seguir,
na área doadora foi realizada a aproximação dos três tecidos com sutura simples e
quando necessário a complementação com enxerto de pele em segundo tempo.
RESULTADOS
Os pacientes receberam alta após cinco dias de internação com prescrição de rivaroxabana
de 10mg, uma vez ao dia, por 15 dias e retornaram para troca do curativo duas vezes
por semana nas primeiras duas semanas e depois duas vezes a cada de 15 dias. Nos períodos
de 5 e 14 dias após a alta hospitalar todos os pacientes apresentaram boa cicatrização
e boa amplitude do movimento do joelho. Após o 15º dia pós-cirúrgico, os pacientes
iniciaram a fisioterapia para recuperação da amplitude de movimento articular, o que
ocorreu após 20 sessões de fisioterapia.
A faixa etária variou de 19 a 35 anos, com média de 26 anos. As dimensões médias dos
retalhos dos pacientes foram de 13×7cm. Houve sobrevida completa do retalho em todos
os pacientes. Apenas o paciente 1 apresentou necrose do enxerto de pele após três
semanas de pós-operatório, resolvida em segundo tempo com novo enxerto. As áreas doadoras
de todos os pacientes curaram-se bem, sem restrição na mobilidade da articulação do
joelho. O tempo de internação foi 14 dias e o de acompanhamento de 12 meses. Nas Figuras 2 a 5 estão apresentados os registros fotográficos de um dos casos (paciente 5).
Figura 2 - Registro fotográfico da lesão (A) e detalhamento da região doadora do retalho (B)
da paciente 5.
Figura 2 - Registro fotográfico da lesão (A) e detalhamento da região doadora do retalho (B)
da paciente 5.
Figura 3 - Registros fotográficos do retalho genicular lateral superior (A) e pedículo da artéria
genicular lateral superior (B) da paciente 5.
Figura 3 - Registros fotográficos do retalho genicular lateral superior (A) e pedículo da artéria
genicular lateral superior (B) da paciente 5.
Figura 4 - Registro fotográfico do pós-operatório imediato do retalho genicular lateral superior
da paciente 5.
Figura 4 - Registro fotográfico do pós-operatório imediato do retalho genicular lateral superior
da paciente 5.
Figura 5 - Registro fotográfico do retalho genicular lateral superior da paciente 5 após três
semanas (A) e após quatro meses (B) de pós-operatório.
Figura 5 - Registro fotográfico do retalho genicular lateral superior da paciente 5 após três
semanas (A) e após quatro meses (B) de pós-operatório.
DISCUSSÃO
A maioria dos casos de lesões em partes moles de membros inferiores ocorrem em indivíduos
do sexo masculino, adultos jovens e decorrentes de acidentes motociclísticos. Defeitos
de partes moles ao redor do joelho são reconstruídos com retalhos perfurantes pediculados,
sendo o AGLS uma opção de retalho confiável6.
Moktader et al.7 avaliaram a confiabilidade do retalho da AGLS em 15 pacientes com lesões ao redor
do joelho, obtendo sucesso em 14 casos e apenas um paciente apresentou necrose a margem
distal do retalho.
Wiedner et al.8 analisaram de seis casos do uso do retalho da AGLS para reconstrução de partes moles
ao redor do joelho e observaram sobrevida do retalho em todos os pacientes e apenas
um paciente apresentou necrose parcial na ponta distal do retalho, sem complicações
tardias.
Mahipathy et al.9 avaliaram cinco pacientes com idade média de 42 anos, nos quais o retalho baseado
na AGLS foi utilizado para reconstrução de defeitos ao redor do joelho e observaram
sobrevida completa do retalho em todos os pacientes, com necrose distal em um paciente
que foi tratado de forma conservadora.
O uso do AGLS apresenta vantagens estéticas, visto que a cor e a textura do retalho
são semelhantes às da região do joelho e conferem uma aparência de melhor qualidade,
em comparação com os retalhos musculares ou musculocutâneos, além de não causarem
problemas de mobilidade articular do joelho9.
CONCLUSÃO
O uso do retalho baseado na AGLS é uma técnica viável e forneceu uma boa cobertura
das lesões ao redor do joelho e região proximal da perna, com alta taxa de sobrevida
do retalho e bons resultados clínicos, condizentes aos relatados na literatura.
REFERÊNCIAS
1. Valente AS, Borba DF, Resende DR, Resende MR, Goulart RG, Lima SJ. Utilização de retalho
em hélice para cobertura de lesões de partes moles em membro inferior. Rev Bras Ortop.
2021;56(2):192-7.
2. Warner SJ, Garner MR, Schottel PC, Fabricant PD, Thacher RR, Loftus ML, et al. The
effect of soft tissue injuries on clinical outcomes after tibial plateau fracture
fixation. J Orthop Trauma. 2018;32(3):141-7.
3. Macedo JLS, Rosa SC, Silva AA, Filho Neto AVR, Ruguê PHS, Scartazzini C. Versatilidade
do uso do retalho do músculo gastrocnêmio medial na reconstrução de lesões de partes
moles de membros inferiores. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(4):527-33.
4. Vendramin FS, Santos FA, Fonseca ANN, Sá JP, Morikawa LS. Análise epidemiológico-evolutiva
de pacientes submetidos a cirurgia plástica reparadora em um hospital de referência
em trauma. Rev Bras Cir Plást. 2019;34(1):101-7.
5. Utiyama DMO, Santos HM, del Papa LGA, Silva NM, Sales VC, Ayres DVM, et al. Características
do perfil de indivíduos amputados atendidos em um instituto de reabilitação. Acta
Fisiatr. 2019;26(1):14-8.
6. Elsahar H, Sadek K, Reda WE. Reconstruction of acute traumatic defects around the
knee; our experience with the lateral superior genicular flap. Kasr El Aini J Surg.
2017;18(3):1-8.
7. Moktader MA, Hassan M, Taman E, Taha A, Elaw S. Lateral superior genicular flap for
reconstruction around the knee. J Plast Reconstr Surg. 2010;34(2):223-6.
8. Wiedner M, Koch H, Scharnagl E. The superior lateral genicular artery flap for soft-tissue
reconstruction around the knee: clinical experience and review of the literature.
Ann Plast Surg. 2011;66(4):388-92.
9. Mahipathy SRRV, Durairaj AR, Sundaramurthy N, Jayachandiran AP. Lateral genicular
artery flap for reconstruction of defects around the knee: a series of 5 cases. Int
Surg J. 2020;7(10):3411-3.
1. Hospital Estadual de Urgências de Goiás - Dr. Valdemiro Cruz, Goiânia, GO, Brasil
Autor correspondente: Pedro Henrique Silva Benevides Avenida 31 de março esq. c/ 5ª Radial, Setor Pedro Ludovico, Goiânia, GO, Brasil.
CEP: 74820-300, E-mail: phsilvabenevides1@gmail.com
Artigo submetido: 11/03/2022.
Artigo aceito: 13/07/2022.
Conflitos de interesse: não há.