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Case Report - Year2022 - Volume37 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP.623-pt

RESUMO

Os sarcomas de partes moles são neoplasias malignas raras originadas do mesênquima, mais comumente encontradas em membros. A ressecção cirúrgica com margens livres acima de 1cm é fundamental para obter a cura do paciente. A radioterapia pode ser combinada ao tratamento em casos selecionados. A reconstrução dos membros superiores após ressecções alargadas é um desafio. O retalho miocutâneo do músculo grande dorsal (RMGD) é uma opção em casos de lesões em membros superiores, sobretudo terço proximal e médio do braço, com preservação da função do membro e fechamento primário da área de ressecção. Relatamos dois casos de ressecção e reconstrução do braço utilizando RMGD com foco na descrição da técnica cirúrgica.

Palavras-chave: Retalho miocutâneo; Braço; Sarcoma; Neoplasias de tecidos moles; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos.

ABSTRACT

Soft tissue sarcomas are rare malignant neoplasms arising from the mesenchyme, most commonly found in the limbs. Surgical resection with free margins greater than 1 cm is essential to obtain a cure for the patient. Radiation therapy can be combined with treatment in selected cases. Reconstruction of the upper limbs after extended resections is a challenge. The latissimus dorsi myocutaneous flap (LDMF) is an option in injuries to the upper limbs, especially the proximal and middle thirds of the arm, with preservation of limb function and primary closure of the resection area. We report two cases of arm resection and reconstruction using LDMF, focusing on the surgical technique description.

Keywords: Myocutaneous flap; Arm; Sarcoma; Soft tissue neoplasms; Reconstructive surgical procedures.


INTRODUÇÃO

Os sarcomas de partes moles (SPM) compõem um grupo heterogêneo de neoplasias malignas com diferentes padrões morfológicos da linhagem mesenquimal, representando cerca de 1% das neoplasias malignas em adultos1. A maioria dos sarcomas de partes moles localizam-se nas extremidades, seguidas em ordem de frequência pela cavidade abdominal, retroperitônio, parede do tronco e cabeça e pescoço1,2. Apesar de apresentarem um pico de incidência na infância, os SPM são mais comuns na idade adulta, especialmente em maiores de 50 anos1.

O estadiamento definido pelo sistema TNM da União Internacional Contra o Câncer (UICC) considera principalmente o tamanho, a profundidade, o grau histológico e a presença de metástases linfonodais ou a distância para a composição dos estádios1. O sítio mais comum de metástases dos SPM são os pulmões1,2.

O tratamento do SPM consiste na realização de biópsia pré-operatória seguida da ressecção da lesão primária com margem de segurança acima de 1 cm1-3 . A radioterapia pode ser empregada de forma neoadjuvante ou adjuvante em caso de lesões maiores do que 5cm, quando inicialmente irressecáveis (neoadjuvante), após ressecções com margens comprometidas (adjuvante), lesões recidivadas e em caso de lesões de alto grau1,3-5.

O tratamento quimioterápico ainda é controverso e pode ser indicado para lesões metastáticas, recidivadas, de alto grau histológico e localmente avançadas5. A reconstrução após ressecções alargadas de SPM é um desafio e o objetivo deste artigo é descrever a técnica cirúrgica de reconstrução do braço utilizando o retalho miocutâneo do músculo grande dorsal (RMGD) em nosso serviço.

RELATO DE CASO

Caso 1

M.F.R., 61 anos, sexo feminino, com história de tumoração de crescimento progressivo na face posterior do braço direito. A paciente foi submetida a biópsia incisional da lesão em 13/11/2020 com resultado histopatológico de neoplasia fusocelular com áreas de neoformação óssea e atividade osteoclástica associada a células gigantes multinucleadas. O resultado imuno-histoquímico positivo para CD68 e SATB2 é compatível com osteossarcoma. A ressonância magnética de braço realizada em 31/12/2020 evidenciou lesão sólida com epicentro em partes moles em face posterior do braço direito e com plano de clivagem com o úmero, medindo 14x10x6cm. Devido à lesão ser localmente avançada, após discussão multidisciplinar, optou-se por realizar quimioterapia neoadjuvante com doxorrubicina seguida de radioterapia. A lesão tumoral apresentou regressão importante após o tratamento neoadjuvante (Figura 1).

Figura 1 - Lesão tumoral em face posterior do braço direito. Observe a lesão antes (imagem à esquerda) e após o tratamento com radioterapia e quimioterapia neoadjuvante (imagem à direita).

A paciente foi submetida no dia 07/06/21 a ressecção ampla da lesão, com margem de segurança acima de 1cm, sem necessidade de ressecção óssea umeral (Figura 2).

Figura 2 - Leito cirúrgico após ressecção da lesão em face posterior do braço direito. Observe o periósteo do úmero e extremidades proximal e distal do músculo tríceps braquial.

A reconstrução foi realizada no mesmo ato operatório utilizando-se o RMGD (Figura 3). A paciente evoluiu sem intercorrências e o RMGD não apresentou nenhum sinal de isquemia. Infelizmente, a paciente evoluiu com metástases pulmonares e encontra-se em tratamento paliativo com quimioterapia até a presente data (01/08/2021).

Figura 3 - Fechamento do leito de ressecção utilizando-se o retalho miocutâneo do músculo grande dorsal. Observe à esquerda o leito cirúrgico após a ressecção da lesão com margens livres, ao centro a ilha de pele delimitada durante a cirurgia e à direita o resultado final após reconstrução.

Caso 2

C.O.S., 36 anos, sexo masculino, com história de há cerca de 1 ano apresentar nodulação de crescimento progressivo em face anterior do braço esquerdo (Figura 4). Submetido a biópsia incisional no dia 11/02/2019, com resultado de dermatofibrossarcoma. A imuno-histoquímica foi positiva para o anticorpo CD10 e CD34, confirmando o diagnóstico de dermatofibrossarcoma. A ressonância magnética do braço esquerdo realizada no dia 15/08/2019 evidenciou volumosa formação sólida em face anterior do braço de 16,2x15x11,6cm, envolvendo 180o o feixe vasculonervoso.

Figura 4 - Lesão em face anterior do braço esquerdo. O resultado histopatológico e a imuno-histoquímica foram compatíveis com dermatofibrossarcoma.

O paciente foi submetido a ressecção ampla da lesão, com remoção em monobloco dos músculos bíceps e braquial, exposição dos nervos e vasos da face anterior do braço (nervo mediano e artéria braquial - Figura 5). O resultado histopatológico foi compatível com neoplasia mesenquimal fusocelular com desdiferenciação condrossarcomatosa e margens cirúrgicas livres.

Figura 5 - Observe o leito de ressecção da lesão na face anterior do braço. Nervo mediano e artéria braquial.

A reconstrução foi realizada no mesmo ato operatório utilizando-se o RMGD (Figura 6). O paciente evoluiu sem intercorrências e o RMGD não apresentou nenhum sinal de isquemia. Infelizmente, o paciente evoluiu com metástases pulmonares e foi submetido a quimioterapia paliativa com doxorrubicina. Foi a óbito em 07 de maio de 2020.

Figura 6 - Reconstrução do leito de ressecção utilizando-se retalho miocutâneo do músculo grande dorsal. À esquerda, ilha de pele sobre o músculo grande dorsal. Cobertura e fixação do retalho ao músculo bíceps braquial (figura do meio). À direita, resultado final após síntese da pele.

Descrição da técnica cirúrgica

O paciente é submetido a anestesia geral e posicionado em decúbito lateral com o antebraço do membro acometido enfaixado após rigorosa antissepsia.

A ressecção da lesão primária é realizada seguindo-se os princípios oncológicos básicos de margens cirúrgicas acima de 1cm e, sempre que possível, sem violar a pseudocápsula tumoral. Margens cirúrgicas menores do que 1cm são permitidas em casos de proximidades com periósteo, vasos e nervos que levariam a amputação do membro3. A congelação cirúrgica das margens sempre que disponível é realizada no intraoperatório para evitar margens comprometidas.

Após ressecção da lesão no braço com margens livres, realiza-se a demarcação da ilha cutânea do RMGD com azul de metileno para posterior síntese do segmento de pele ressecado no braço. O tamanho desta extensão de pele varia de acordo com o defeito gerado no membro após a ressecção.

O isolamento do músculo grande dorsal é iniciado por sua borda inferior com eletrocautério levando-se a totalidade do ventre disponível. A liberação do retalho é feita no sentido cranial com limites inferiormente à espinha ilíaca posterossuperior, medialmente à intersecção da fascia toracolombar com o músculo trapézio, lateralmente à borda livre do músculo grande dorsal e superiormente à intersecção com o úmero até a identificação da inserção do músculo grande dorsal e da constatação do pedículo vascular (anteriormente demarcado). A dissecção é interrompida neste ponto e o retalho transportado para o sítio do braço sem tensão. Realiza-se a transferência do retalho com a criação de um túnel entre a região dorsal e a face anterior ou posterior do braço.

Sempre que possível, deixamos uma quantidade considerável de gordura sobre o músculo grande dorsal para auxiliar no preenchimento do braço, conforme descrito também em técnicas de reconstrução mamárias6.

No fechamento da área doadora aplicamos sempre que possível pontos separados de vicryl 0 aos planos profundos para evitar o acúmulo de seroma e realizamos a drenagem fechada com dreno suctor 6,4mm.

A fixação do músculo grande dorsal ao leito cirúrgico no braço (porção proximal e distal dos músculos bíceps e tríceps braquial previamente seccionados) auxilia na manutenção da função do membro. Utilizamos pontos separados de vicryl 0 para fixar o músculo grande dorsal aos músculos bíceps e tríceps braquial.

Os passos cirúrgicos seguintes concentram-se na hemostasia rigorosa, lavagem e drenagem da loja com dreno suctor 6,4 ou 4,8mm, síntese do tecido celular subcutâneo, pele e, por fim, realização do curativo com o término do procedimento.

DISCUSSÃO

A cirurgia é o tratamento padrão para todos os pacientes com doença localizada e deve ser feita por um cirurgião experiente, com margens negativas (R0) e amplas (1cm), quando possível1.

Existem descrições da literatura da utilização do RMGD para reconstrução de membros superiores após traumas e lesões causadas por queimadura elétrica7. Neste cenário o RMGD mostrou-se seguro e com resultado satisfatório para reconstrução do braço até seu terço distal, seja com retalho pediculado ou com técnica microcirúrgica. No entanto, a reconstrução de membros superiores após ressecção de sarcomas é pouco descrita na literatura8.

Behnam et al.8 publicaram uma série de 33 pacientes submetidos a ressecção de sarcomas em membros superiores e reconstrução do RMGD, com apenas dois casos de necrose parcial do retalho. Saba et al.9 relataram um caso de ressecção de fibrohistiocitoma maligno em ombro submetido a ressecção e reconstrução imediata com RMGD, com resultado satisfatório.

O objetivo secundário de manutenção da função do membro utilizando o RMGD foi obtido parcialmente em ambos os casos. Com o auxílio de fisioterapia motora, este resultado pode ser ainda melhor a longo prazo.

É importante ressaltar que em casos de ressecção de SPM com diâmetro maior do que 5cm está indicado o tratamento adjuvante com radioterapia1,3. Desta forma, o fechamento do defeito primário com tecidos mais robustos, como é o caso do RMGD, é uma segurança a mais, já que não é incomum ocorrer radionecrose e deiscência de feridas em casos de retalhos de pele finos sobre áreas de ossos e tendões10,11.

Logo, esta técnica deve ser mais difundida e aplicada na prática já que permite a adequada reconstrução do membro e apresenta baixo índice de complicações.

CONCLUSÃO

Ainda são necessários estudos maiores para avaliar a eficácia da reconstrução do braço com o RMGD, já que é esta técnica pouco descrita na literatura para reconstrução em casos de ressecção de SPM. Em ambos os casos apresentados o RMGD foi uma excelente opção de reconstrução, pois permitiu a síntese primária da lesão sem complicações como deiscência e infecção. Como objetivo secundário permitiu a manutenção parcial da função motora do membro superior em ambos os casos.

REFERÊNCIAS

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2. Bourcier K, Le Cesne A, Tselikas L, Adam J, Mir O, Honore C, de Baere T. Basic Knowledge in Soft Tissue Sarcoma. Cardiovasc Intervent Radiol. 2019;42(9):1255-61. DOI: 10.1007/s00270-19-02259-w

3. Hoefkens F, Dehandschutter C, Somville J, Meijnders P, Van Gestel D. Soft tissue sarcoma of the extremities: pending questions on surgery and radiotherapy. Radiat Oncol. 2016;11(1):136. DOI: 10.1186/s13014-016-0668-9

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5. Dujardin F, Debled M, Guillemet C, Simonet J, Hamidou H, Cambon-Michot C, et al. Diagnosis and treatment of soft-tissue tumors]. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 2006;92(7):637-50. DOI: 10.1016/s0035-1040(06)75924-4

6. Tavares-Filho JM, Franco D, Moreto L, Porchat C, Franco T. Utilização do retalho miocutâneo de grande dorsal, com extensão adiposa, nas reconstruções mamárias: uma opção para preenchimento do polo superior. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(3):423-8. DOI: 10.5935/2177-1235.2015RBCP0174

7. Lazaro HA, Dupin AE, Leão CEG, Viel DO, Souza CB. Retalho de grande dorsal para reconstrução de perda de substância por queimadura elétrica em membro superior. Rev Bras Queimaduras. 2014;13(4):265-6.

8. Behnam AB, Chen CM, Pusic AL, Mehrara BJ, Disa JJ, Athanasian EA, et al. The pedicled latissimus dorsi flap for shoulder reconstruction after sarcoma resection. Ann Surg Oncol. 2007;14(5):1591-5. DOI: 10.1245/s10434-006-9292-5

9. Saba SC, Shaterian A, Tokin C, Dobke MK, Wallace AM. The pedicled myocutaneous flap as a choice reconstructive technique for immediate adjuvant brachytherapy in sarcoma treatment. Curr Oncol. 2012;19(6):e491-5. DOI: 10.3747/co.19.1141

10. Davis AM, O’Sullivan B, Turcotte R, Bell R, Catton C, Chabot P, Wunder J, et al; Canadian Sarcoma Group; NCI Canada Clinical Trial Group Randomized Trial. Late radiation morbidity following randomization to preoperative versus postoperative radiotherapy in extremity soft tissue sarcoma. Radiother Oncol. 2005;75(1):48-53.

11. O’Sullivan B, Davis AM, Turcotte R, Bell R, Catton C, Chabot P, et al. Preoperative versus postoperative radiotherapy in soft-tissue sarcoma of the limbs: a randomised trial. Lancet. 2002;359(9325):2235-41.











1. Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer, Vitória, ES, Brasil

COLABORAÇÕES

LO Aprovação final do manuscrito, Concepção e desenho do estudo, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização.

ALMC Análise estatística.

APM Metodologia, Software.

MDB Gerenciamento de Recursos.

LACFF Concepção e desenho do estudo.

Autor correspondente: Leonardo Orletti Av. estudante José Júlio de Souza, 670, Apto 502, Praia de Itaparica, Vila Velha, ES, Brasil. CEP: 29102-010, E-mail: leomedufes@yahoo.com.br

Artigo submetido: 18/08/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.

Conflitos de interesse: não há.

 

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