INTRODUÇÃO
Os sarcomas de partes moles (SPM) compõem um grupo heterogêneo de neoplasias malignas
com diferentes padrões morfológicos da linhagem mesenquimal, representando cerca de
1% das neoplasias malignas em adultos1. A maioria dos sarcomas de partes moles localizam-se nas extremidades, seguidas em
ordem de frequência pela cavidade abdominal, retroperitônio, parede do tronco e cabeça
e pescoço1,2. Apesar de apresentarem um pico de incidência na infância, os SPM são mais comuns
na idade adulta, especialmente em maiores de 50 anos1.
O estadiamento definido pelo sistema TNM da União Internacional Contra o Câncer (UICC)
considera principalmente o tamanho, a profundidade, o grau histológico e a presença
de metástases linfonodais ou a distância para a composição dos estádios1. O sítio mais comum de metástases dos SPM são os pulmões1,2.
O tratamento do SPM consiste na realização de biópsia pré-operatória seguida da ressecção
da lesão primária com margem de segurança acima de 1 cm1-3 . A radioterapia pode ser empregada de forma neoadjuvante ou adjuvante em caso de
lesões maiores do que 5cm, quando inicialmente irressecáveis (neoadjuvante), após
ressecções com margens comprometidas (adjuvante), lesões recidivadas e em caso de
lesões de alto grau1,3-5.
O tratamento quimioterápico ainda é controverso e pode ser indicado para lesões metastáticas,
recidivadas, de alto grau histológico e localmente avançadas5. A reconstrução após ressecções alargadas de SPM é um desafio e o objetivo deste
artigo é descrever a técnica cirúrgica de reconstrução do braço utilizando o retalho
miocutâneo do músculo grande dorsal (RMGD) em nosso serviço.
RELATO DE CASO
Caso 1
M.F.R., 61 anos, sexo feminino, com história de tumoração de crescimento progressivo
na face posterior do braço direito. A paciente foi submetida a biópsia incisional
da lesão em 13/11/2020 com resultado histopatológico de neoplasia fusocelular com
áreas de neoformação óssea e atividade osteoclástica associada a células gigantes
multinucleadas. O resultado imuno-histoquímico positivo para CD68 e SATB2 é compatível
com osteossarcoma. A ressonância magnética de braço realizada em 31/12/2020 evidenciou
lesão sólida com epicentro em partes moles em face posterior do braço direito e com
plano de clivagem com o úmero, medindo 14x10x6cm. Devido à lesão ser localmente avançada,
após discussão multidisciplinar, optou-se por realizar quimioterapia neoadjuvante
com doxorrubicina seguida de radioterapia. A lesão tumoral apresentou regressão importante
após o tratamento neoadjuvante (Figura 1).
Figura 1 - Lesão tumoral em face posterior do braço direito. Observe a lesão antes (imagem à
esquerda) e após o tratamento com radioterapia e quimioterapia neoadjuvante (imagem
à direita).
Figura 1 - Lesão tumoral em face posterior do braço direito. Observe a lesão antes (imagem à
esquerda) e após o tratamento com radioterapia e quimioterapia neoadjuvante (imagem
à direita).
A paciente foi submetida no dia 07/06/21 a ressecção ampla da lesão, com margem de
segurança acima de 1cm, sem necessidade de ressecção óssea umeral (Figura 2).
Figura 2 - Leito cirúrgico após ressecção da lesão em face posterior do braço direito. Observe
o periósteo do úmero e extremidades proximal e distal do músculo tríceps braquial.
Figura 2 - Leito cirúrgico após ressecção da lesão em face posterior do braço direito. Observe
o periósteo do úmero e extremidades proximal e distal do músculo tríceps braquial.
A reconstrução foi realizada no mesmo ato operatório utilizando-se o RMGD (Figura 3). A paciente evoluiu sem intercorrências e o RMGD não apresentou nenhum sinal de
isquemia. Infelizmente, a paciente evoluiu com metástases pulmonares e encontra-se
em tratamento paliativo com quimioterapia até a presente data (01/08/2021).
Figura 3 - Fechamento do leito de ressecção utilizando-se o retalho miocutâneo do músculo grande
dorsal. Observe à esquerda o leito cirúrgico após a ressecção da lesão com margens
livres, ao centro a ilha de pele delimitada durante a cirurgia e à direita o resultado
final após reconstrução.
Figura 3 - Fechamento do leito de ressecção utilizando-se o retalho miocutâneo do músculo grande
dorsal. Observe à esquerda o leito cirúrgico após a ressecção da lesão com margens
livres, ao centro a ilha de pele delimitada durante a cirurgia e à direita o resultado
final após reconstrução.
Caso 2
C.O.S., 36 anos, sexo masculino, com história de há cerca de 1 ano apresentar nodulação
de crescimento progressivo em face anterior do braço esquerdo (Figura 4). Submetido a biópsia incisional no dia 11/02/2019, com resultado de dermatofibrossarcoma.
A imuno-histoquímica foi positiva para o anticorpo CD10 e CD34, confirmando o diagnóstico
de dermatofibrossarcoma. A ressonância magnética do braço esquerdo realizada no dia
15/08/2019 evidenciou volumosa formação sólida em face anterior do braço de 16,2x15x11,6cm,
envolvendo 180o o feixe vasculonervoso.
Figura 4 - Lesão em face anterior do braço esquerdo. O resultado histopatológico e a imuno-histoquímica
foram compatíveis com dermatofibrossarcoma.
Figura 4 - Lesão em face anterior do braço esquerdo. O resultado histopatológico e a imuno-histoquímica
foram compatíveis com dermatofibrossarcoma.
O paciente foi submetido a ressecção ampla da lesão, com remoção em monobloco dos
músculos bíceps e braquial, exposição dos nervos e vasos da face anterior do braço
(nervo mediano e artéria braquial - Figura 5). O resultado histopatológico foi compatível com neoplasia mesenquimal fusocelular
com desdiferenciação condrossarcomatosa e margens cirúrgicas livres.
Figura 5 - Observe o leito de ressecção da lesão na face anterior do braço. Nervo mediano e artéria
braquial.
Figura 5 - Observe o leito de ressecção da lesão na face anterior do braço. Nervo mediano e artéria
braquial.
A reconstrução foi realizada no mesmo ato operatório utilizando-se o RMGD (Figura 6). O paciente evoluiu sem intercorrências e o RMGD não apresentou nenhum sinal de
isquemia. Infelizmente, o paciente evoluiu com metástases pulmonares e foi submetido
a quimioterapia paliativa com doxorrubicina. Foi a óbito em 07 de maio de 2020.
Figura 6 - Reconstrução do leito de ressecção utilizando-se retalho miocutâneo do músculo grande
dorsal. À esquerda, ilha de pele sobre o músculo grande dorsal. Cobertura e fixação
do retalho ao músculo bíceps braquial (figura do meio). À direita, resultado final
após síntese da pele.
Figura 6 - Reconstrução do leito de ressecção utilizando-se retalho miocutâneo do músculo grande
dorsal. À esquerda, ilha de pele sobre o músculo grande dorsal. Cobertura e fixação
do retalho ao músculo bíceps braquial (figura do meio). À direita, resultado final
após síntese da pele.
Descrição da técnica cirúrgica
O paciente é submetido a anestesia geral e posicionado em decúbito lateral com o antebraço
do membro acometido enfaixado após rigorosa antissepsia.
A ressecção da lesão primária é realizada seguindo-se os princípios oncológicos básicos
de margens cirúrgicas acima de 1cm e, sempre que possível, sem violar a pseudocápsula
tumoral. Margens cirúrgicas menores do que 1cm são permitidas em casos de proximidades
com periósteo, vasos e nervos que levariam a amputação do membro3. A congelação cirúrgica das margens sempre que disponível é realizada no intraoperatório
para evitar margens comprometidas.
Após ressecção da lesão no braço com margens livres, realiza-se a demarcação da ilha
cutânea do RMGD com azul de metileno para posterior síntese do segmento de pele ressecado
no braço. O tamanho desta extensão de pele varia de acordo com o defeito gerado no
membro após a ressecção.
O isolamento do músculo grande dorsal é iniciado por sua borda inferior com eletrocautério
levando-se a totalidade do ventre disponível. A liberação do retalho é feita no sentido
cranial com limites inferiormente à espinha ilíaca posterossuperior, medialmente à
intersecção da fascia toracolombar com o músculo trapézio, lateralmente à borda livre
do músculo grande dorsal e superiormente à intersecção com o úmero até a identificação
da inserção do músculo grande dorsal e da constatação do pedículo vascular (anteriormente
demarcado). A dissecção é interrompida neste ponto e o retalho transportado para o
sítio do braço sem tensão. Realiza-se a transferência do retalho com a criação de
um túnel entre a região dorsal e a face anterior ou posterior do braço.
Sempre que possível, deixamos uma quantidade considerável de gordura sobre o músculo
grande dorsal para auxiliar no preenchimento do braço, conforme descrito também em
técnicas de reconstrução mamárias6.
No fechamento da área doadora aplicamos sempre que possível pontos separados de vicryl
0 aos planos profundos para evitar o acúmulo de seroma e realizamos a drenagem fechada
com dreno suctor 6,4mm.
A fixação do músculo grande dorsal ao leito cirúrgico no braço (porção proximal e
distal dos músculos bíceps e tríceps braquial previamente seccionados) auxilia na
manutenção da função do membro. Utilizamos pontos separados de vicryl 0 para fixar
o músculo grande dorsal aos músculos bíceps e tríceps braquial.
Os passos cirúrgicos seguintes concentram-se na hemostasia rigorosa, lavagem e drenagem
da loja com dreno suctor 6,4 ou 4,8mm, síntese do tecido celular subcutâneo, pele
e, por fim, realização do curativo com o término do procedimento.
DISCUSSÃO
A cirurgia é o tratamento padrão para todos os pacientes com doença localizada e deve
ser feita por um cirurgião experiente, com margens negativas (R0) e amplas (1cm),
quando possível1.
Existem descrições da literatura da utilização do RMGD para reconstrução de membros
superiores após traumas e lesões causadas por queimadura elétrica7. Neste cenário o RMGD mostrou-se seguro e com resultado satisfatório para reconstrução
do braço até seu terço distal, seja com retalho pediculado ou com técnica microcirúrgica.
No entanto, a reconstrução de membros superiores após ressecção de sarcomas é pouco
descrita na literatura8.
Behnam et al.8 publicaram uma série de 33 pacientes submetidos a ressecção de sarcomas em membros
superiores e reconstrução do RMGD, com apenas dois casos de necrose parcial do retalho.
Saba et al.9 relataram um caso de ressecção de fibrohistiocitoma maligno em ombro submetido a
ressecção e reconstrução imediata com RMGD, com resultado satisfatório.
O objetivo secundário de manutenção da função do membro utilizando o RMGD foi obtido
parcialmente em ambos os casos. Com o auxílio de fisioterapia motora, este resultado
pode ser ainda melhor a longo prazo.
É importante ressaltar que em casos de ressecção de SPM com diâmetro maior do que
5cm está indicado o tratamento adjuvante com radioterapia1,3. Desta forma, o fechamento do defeito primário com tecidos mais robustos, como é
o caso do RMGD, é uma segurança a mais, já que não é incomum ocorrer radionecrose
e deiscência de feridas em casos de retalhos de pele finos sobre áreas de ossos e
tendões10,11.
Logo, esta técnica deve ser mais difundida e aplicada na prática já que permite a
adequada reconstrução do membro e apresenta baixo índice de complicações.
CONCLUSÃO
Ainda são necessários estudos maiores para avaliar a eficácia da reconstrução do braço
com o RMGD, já que é esta técnica pouco descrita na literatura para reconstrução em
casos de ressecção de SPM. Em ambos os casos apresentados o RMGD foi uma excelente
opção de reconstrução, pois permitiu a síntese primária da lesão sem complicações
como deiscência e infecção. Como objetivo secundário permitiu a manutenção parcial
da função motora do membro superior em ambos os casos.
REFERÊNCIAS
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Sarcomas de partes moles: resultados do tratamento dos tumores de baixo grau. Rev
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DOI: 10.1186/s13014-016-0668-9
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different soft tissue sarcoma subtypes. Future Oncol. 2018;14(10s):25-49. DOI: 10.2217/fon-2018-0076
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and treatment of soft-tissue tumors]. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 2006;92(7):637-50.
DOI: 10.1016/s0035-1040(06)75924-4
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de grande dorsal, com extensão adiposa, nas reconstruções mamárias: uma opção para
preenchimento do polo superior. Rev Bras Cir Plást. 2015;30(3):423-8. DOI: 10.5935/2177-1235.2015RBCP0174
7. Lazaro HA, Dupin AE, Leão CEG, Viel DO, Souza CB. Retalho de grande dorsal para reconstrução
de perda de substância por queimadura elétrica em membro superior. Rev Bras Queimaduras.
2014;13(4):265-6.
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latissimus dorsi flap for shoulder reconstruction after sarcoma resection. Ann Surg
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9. Saba SC, Shaterian A, Tokin C, Dobke MK, Wallace AM. The pedicled myocutaneous flap
as a choice reconstructive technique for immediate adjuvant brachytherapy in sarcoma
treatment. Curr Oncol. 2012;19(6):e491-5. DOI: 10.3747/co.19.1141
10. Davis AM, O’Sullivan B, Turcotte R, Bell R, Catton C, Chabot P, Wunder J, et al; Canadian
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soft tissue sarcoma. Radiother Oncol. 2005;75(1):48-53.
11. O’Sullivan B, Davis AM, Turcotte R, Bell R, Catton C, Chabot P, et al. Preoperative
versus postoperative radiotherapy in soft-tissue sarcoma of the limbs: a randomised
trial. Lancet. 2002;359(9325):2235-41.
1. Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer, Vitória, ES, Brasil
Autor correspondente: Leonardo Orletti Av. estudante José Júlio de Souza, 670, Apto 502, Praia de Itaparica, Vila Velha,
ES, Brasil. CEP: 29102-010, E-mail: leomedufes@yahoo.com.br
Artigo submetido: 18/08/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.
Conflitos de interesse: não há.