INTRODUÇÃO
O xantelasma palpebral é um tipo de xantoma cutâneo, caracterizado por placas amareladas
localizadas na pele das pálpebras. Apesar de ser uma condição considerada benigna
e não cursar com limitação funcional, trata-se de importante queixa estética, com
impacto significativo na vida social e emocional do portador1.
Os xantomas são formados por tecido conjuntivo fibroproliferativo com deposições intracelulares
de colesterol em histiócitos presentes nas camadas superficial e média da derme, que
passam a ser chamados de foam cells (células espumosas) devido à aparência microscópica de seu citoplasma (Figuras 1 e 2). O depósito de colesterol se dá sobretudo em regiões perivasculares2. Associam-se a hiperlipidemias primárias, e também às secundárias a hipotireoidismo,
diabetes mellitus, drogas e dieta rica em gordura e álcool3.
Figura 1 - Hematoxilina e eosina (200x): pele com epiderme delgada e coleção de histiócitos xantomatosos
em derme reticular superficial.
Figura 1 - Hematoxilina e eosina (200x): pele com epiderme delgada e coleção de histiócitos xantomatosos
em derme reticular superficial.
Figura 2 - Hematoxilina e eosina (400x): histiócitos com citoplasma amplo e espumoso, rico em
lipídios, entremeados por fibras colágenas. (Imagens cedidas pelo laboratório de anatomia
patológica do HU-UFJF - Patologista responsável: Flávia Fonseca de Carvalho Barra).
Figura 2 - Hematoxilina e eosina (400x): histiócitos com citoplasma amplo e espumoso, rico em
lipídios, entremeados por fibras colágenas. (Imagens cedidas pelo laboratório de anatomia
patológica do HU-UFJF - Patologista responsável: Flávia Fonseca de Carvalho Barra).
É a forma mais comum de xantoma cutâneo, acomete cerca de 1,4% da população, predomina
em mulheres e tem pico de incidência na faixa etária entre 30 e 50 anos1. Clinicamente, apresenta-se como placas amareladas cuja consistência pode ser macia,
semissólida ou endurecida. Usualmente, estão simetricamente distribuídas na região
medial das pálpebras superiores, mas também podem ocorrer em pálpebras inferiores.
De acordo com Lee et al.2, portadores de xantelasma podem ser graduados conforme a localização e extensão das
lesões. Grau I são os portadores de lesões apenas nas pálpebras superiores. Grau II
são os portadores de lesões que se estendem até a área medial das pálpebras. Grau
III são portadores de lesões mediais em pálpebras superiores e inferiores. Grau IV
são portadores de comprometimento difuso medial e lateral de pálpebras superiores
e inferiores.
O diagnóstico é essencialmente clínico, embasado na história e nas características
das lesões. Em quadros clínicos duvidosos, está indicada a biópsia de pele das lesões
para estudo histopatológico4. O xantelasma pode apresentar efeito negativo sobre a qualidade de vida dos pacientes,
principalmente no que diz respeito à estética, que por vezes motiva o portador a buscar
a remoção das lesões.
O tratamento mais difundido é o cirúrgico, sendo indicado em casos de hiperlipidemias
familiares, envolvimento das quatro pálpebras e recidivas. A principal abordagem é
a cirurgia excisional simples, mas também pode estar associada a blefaroplastia, epicantoplastia
medial, retalhos locais e enxerto de pele total5-7.
Outras modalidades de tratamento são terapia a laser, cauterização química com ácido
tricloroacético, tratamento com radiofrequência e crioterapia. É importante a avaliação
do perfil lipídico dos pacientes, uma vez que é comum a presença de alterações nos
níveis de lipoproteínas, que devem ser abordadas8.
Apesar de diversas opções terapêuticas terem sido propostas para fins curativos, nenhum
método garante resultados satisfatórios em todos os casos, além de existirem altas
taxas de recorrência. Segundo Mendelson & Masson9, há 40% de chance de recidiva após excisão cirúrgica primária, 60% após a segunda
abordagem terapêutica, e até 80% quando há comprometimento das quatro pálpebras. As
principais desvantagens relacionadas à cirurgia são: necessidade de anestesia local
ou sistêmica para o procedimento, presença de cicatriz, infecção pós-operatória e,
mais raramente, ectrópio e despigmentação local. Especialmente em relação a técnicas
de autoenxertia, são descritas complicações como retrações, infecção, discromia, hematomas
e o risco de necrose do tecido enxertado1.
A busca pela autopercepção harmônica e aceitação estética despontou em 2021 como fator
ainda mais crucial, quando contextualizamos a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2.
O confinamento em massa provocou migração de paradigmas laborais com particular destaque
para as regiões frontal e palpebral devido ao uso ascendente da imagem através de
plataformas virtuais, associado à imposição da utilização de máscaras no ambiente
de trabalho. Esses fatores provocaram mudanças na percepção estética dos pacientes
que se atentaram mais à região periorbitária. A admiração pela imagem corporal é peça
chave na construção de bem-estar e é inerente à manutenção da saúde mental, esta última
afetada em meio ao caos da pandemia10. Nota-se, portanto, que o contexto atual determina importante acréscimo na base de
fomentos que motivaram a elaboração deste estudo.
Apesar da literatura abranger as possibilidades terapêuticas não cirúrgicas, existe
um déficit de estudos que relacionem os procedimentos a baixas taxas de recidiva local.
Assim, torna-se necessário avaliar os resultados do tratamento cirúrgico, estratégia
frequentemente utilizada em serviços de Cirurgia Plástica no Brasil.
OBJETIVO
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar as taxas de recidiva local do
tratamento cirúrgico de lesões palpebrais decorrentes do acúmulo de cristais de colesterol.
Os objetivos específicos incluem: avaliação da qualidade do tratamento cirúrgico dos
xantelasmas palpebrais por meio da satisfação dos pacientes com o resultado pós-operatório.
MÉTODOS
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário
da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), em Juiz de Fora-MG, sob o CAAE
número 24710119.3.0000.5133. Após aprovação, foi iniciada busca ativa de pacientes
portadores de xantelasma palpebral submetidos ao tratamento cirúrgico pelo serviço
de Cirurgia Plástica do HU-UFJF e Clínica Plastic Center, no período de 2016 a 2019.
Trata-se, portanto, de um estudo retrospectivo em que foi realizada avaliação dos
resultados do tratamento cirúrgico dos xantelasmas palpebrais. Essa análise foi feita
por meio de entrevista e exame físico, com aplicação de questionário, elaborado pelos
autores, que contemplou o perfil do paciente, identificação de recidivas locais, complicações
pós-operatórias e satisfação com o resultado estético no pós-operatório.
Foram utilizados como critérios de inclusão pacientes com xantelasmas palpebrais submetidos
a ressecção cirúrgica das lesões e que não realizaram nenhum tratamento complementar
após a cirurgia. Foram considerados critérios de exclusão pacientes que não realizaram
tratamento cirúrgico, pacientes que relataram portar dislipidemias hereditárias e
pacientes que realizaram algum tratamento complementar após extirpação de lesões.
O procedimento cirúrgico de excisão das lesões xantomatosas se deu com o paciente
em decúbito dorsal horizontal e cabeceira levemente elevada (30°), sob sedação e anestesia
local. Foi realizada antissepsia com clorexidina aquosa e colocação de campos cirúrgicos
estéreis, bem como o dermografismo com azul de metileno. Foi então realizada anestesia
local, seguida de incisão cirúrgica, com ressecção de lesões xantomatosas e excedentes
cutâneos em pálpebras superiores e de excedentes de bolsas gordurosas periorbitárias
na pálpebra inferior.
Algumas lesões se apresentaram demasiadamente extensas para execução de rafia simples
e aproximação das bordas. Nesses casos foi realizada autoenxertia de pele total retirada
da pálpebra superior, quando livre de xantelasmas, ou da região retroauricular com
sutura direta da área doadora. Após a hemostasia, a síntese foi realizada com fio
de Nylon 5-0 ou 6-0 em plano único.
Após coleta de dados, foi possível a realização de procedimentos para análise dos
resultados obtidos e posterior confecção de dados estatísticos.
Os dados foram analisados utilizando técnicas de estatística descritiva. As medidas
de resumo utilizadas foram média e desvio-padrão e frequências relativa e absoluta.
Para descrição da associação entre as variáveis categóricas, utilizaram-se tabelas
de contingência de dupla entrada. Os cálculos foram realizados com auxílio do programa
estatístico livre Jamovi versão 2.0.
RESULTADOS
Para a obtenção da amostra desejada, foram abordados 25 indivíduos, dos gêneros masculino
e feminino, submetidos a tratamento cirúrgico de Xanthelasma palpebrarum no Hospital Universitário - UFJF e Clínica Plastic Center. Na composição do estudo,
houve predominância do sexo feminino, com 22 indivíduos, representando 88% da amostra
e três indivíduos do sexo masculino (12% da amostra), em consonância com os dados
epidemiológicos disponíveis na literatura. Ainda em caráter descritivo, a idade dos
pacientes variou de 37 a 69 anos, com média de 52,6 anos. Também foram analisados
dados de agrupamento dos pacientes quanto ao tipo de procedimento realizado - excisão
em pálpebra superior ou pálpebra inferior ou em ambas as pálpebras - seguido pela
avaliação de recidiva e satisfação de cada grupo.
Em relação ao tempo de acompanhamento, no presente estudo, os pacientes retornaram
em 7 dias para a retirada dos pontos, depois com 30 dias para avaliação principalmente
da cicatriz e da simetria palpebral e aos 90 dias são realizadas fotos do pós-operatório.
Em casos eventuais, em 12 meses o paciente é reavaliado ainda como retorno de pós-operatório.
Inicialmente, na análise das categorias de excisão dos xantomas, 14 participantes
foram submetidos exclusivamente a excisão em pálpebra superior (56%); cinco participantes
submetidos exclusivamente a excisão em pálpebra inferior (20%); e seis pacientes submetidos
a excisão em ambas as pálpebras - correspondente aos graus III e IV de Lee et al.2, resultando em 24% da amostra. A relação entre o grau de acometimento palpebral e
o gênero dos pacientes está descrita na Tabela 1.
Tabela 1 - Relação entre grau de acometimento palpebral e gênero dos pacientes.
Grau de acometimento palbebral |
|
|
|
Ambas as pálpebras |
Total |
|
|
|
Não |
Sim |
|
Sexo |
F |
n |
17 |
5 |
22 |
% |
77,3% |
22,7% |
100,0% |
M |
n |
2 |
1 |
3 |
% |
66,7% |
33,3% |
100,0% |
Total |
|
n |
19 |
6 |
25 |
|
% |
76,0% |
24,0% |
100,0% |
Tabela 1 - Relação entre grau de acometimento palpebral e gênero dos pacientes.
Em duas pacientes do sexo feminino, em que a extensão das lesões excedeu a capacidade
de reaproximação das bordas operatórias com rafia simples, foi realizada a autoenxertia
de pele. Estas possuíam acometimento de ambas as pálpebras, mas os enxertos foram
realizados em pálpebras inferiores, onde ocorreu maior escassez de pele. Em ambas
as pacientes, fez-se uso de tecido excedente de pálpebra superior como área doadora
(Figuras 3 e 4).
Figura 3 - A: Paciente do sexo feminino com extensas lesões xantomatosas acometendo pálpebras inferiores
e superiores. B: Paciente do sexo feminino com extensas lesões xantomatosas acometendo pálpebras inferiores
e superiores.
Figura 3 - A: Paciente do sexo feminino com extensas lesões xantomatosas acometendo pálpebras inferiores
e superiores. B: Paciente do sexo feminino com extensas lesões xantomatosas acometendo pálpebras inferiores
e superiores.
Figura 4 - A: Paciente no sétimo dia pós-operatório, com bom aspecto da enxertia infrapalpebral.
Área doadora de pele das pálpebras superiores isenta de xantelasma. B: Paciente no sétimo dia pós-operatório, com bom aspecto da enxertia infrapalpebral.
Área doadora de pele das pálpebras superiores isenta de xantelasma.
Figura 4 - A: Paciente no sétimo dia pós-operatório, com bom aspecto da enxertia infrapalpebral.
Área doadora de pele das pálpebras superiores isenta de xantelasma. B: Paciente no sétimo dia pós-operatório, com bom aspecto da enxertia infrapalpebral.
Área doadora de pele das pálpebras superiores isenta de xantelasma.
Na análise de recidivas após intervenções cirúrgicas, quatro pacientes (16%), todas
do sexo feminino, apresentaram reincidência das lesões. Dentre estes, duas pacientes
foram submetidas a excisão de xantomas cutâneos em ambas as pálpebras. As pacientes
submetidas a autoenxertos cutâneos não apresentaram recidivas, a despeito da descrição
na literatura da maior frequência de recorrência neste grupo em relação aos demais.
Por fim, na análise da satisfação dos participantes com o resultado estético, foram
encontradas apenas duas manifestações de insatisfação após o desfecho final, representando
8% da amostra total. Nestes pacientes, ambos do sexo feminino, notamos a ocorrência
de recidiva após excisão dos xantomas palpebrais. Ainda se tratando dos indivíduos
insatisfeitos com o resultado, uma paciente foi submetida a abordagem em pálpebras
superior e inferior e uma submetida a excisão somente na pálpebra inferior.
Entretanto, é importante salientar que os demais pacientes que apresentaram recidivas
(dois participantes) não relataram insatisfação com o resultado estético final. Ao
abordar as pacientes submetidas a enxertia, não foram evidenciadas recorrência ou
insatisfação com o resultado estético. Os dados relacionados às recidivas dos xantomas
e satisfação das pacientes com o resultado estético final estão expostos, respectivamente,
nas Tabelas 2 e 3.
Tabela 3 - Taxa de satisfação da amostra com resultado estético.
Satisfação com resultado estético |
|
|
Frequência (n) |
Porcentual (%) |
Válido |
Não |
2 |
8,0 |
Sim |
23 |
92,0 |
Total |
25 |
100,0 |
Tabela 3 - Taxa de satisfação da amostra com resultado estético.
Tabela 2 - Taxas de recidiva.
Recidiva |
|
|
Frequência |
Porcentual |
Válido |
Não |
21 |
84,0 |
Sim |
4 |
16,0 |
Total |
25 |
100,0 |
Tabela 2 - Taxas de recidiva.
DISCUSSÃO
Considerando os dados obtidos no presente estudo, pode-se afirmar que o xantelasma
palpebral ocorre com maior frequência em mulheres e indivíduos de meia idade, achados
que corroboram com as informações descritivas encontradas na literatura. De acordo
com Zak et al.11, apesar da carência de dados epidemiológicos recentes, a prevalência no sexo feminino
foi cerca de duas vezes maior, ocorrendo principalmente em indivíduos de 50 anos.
Tal fato se justifica pela ocorrência de dislipidemia idade-dependente em 20-70% dos
pacientes que apresentam xantelasmas, devidamente abordado no trabalho de Bergman12.
Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento de lesões xantomatosas parecem ser análogos
aos que participam dos estágios iniciais das placas ateroscleróticas1, com formação de um meio inflamatório com aumento de células T, macrófagos e mediadores
como COX, iNOX e MPO13.
Desta forma, ao se deparar com uma queixa estética na rotina da cirurgia plástica,
é imprescindível que o cirurgião se atente à possibilidade de coexistência de dislipidemias
congênitas ou adquiridas, tais como hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia.
Além de aumentar significativamente o risco cardiovascular, a perpetuação de distúrbios
metabólicos está relacionada a casos de recorrência e resultados estéticos insatisfatórios.
Assim, faz-se necessária a abordagem multiprofissional, mesmo que a queixa inicial
seja unicamente estética. Ademais, já foi demonstrada a presença de citocinas pró-inflamatórias
e células inflamatórias crônicas no tecido do xantelasma, o que sugere um possível
potencial de terapias moduladoras da inflamação no manejo das lesões da pele13.
O xantelasma é uma disfunção benigna e existem raros relatos de comprometimento funcional,
devido, principalmente, ao aumento da placa com obstrução do campo visual. Apesar
disso, o seu impacto cosmético é irrefutável, principalmente pela importância estética
da região periorbital que tradicionalmente representa uma queixa levantada pelos pacientes.
Para tanto, na literatura existem diversos métodos que objetivam a melhora estética
como o tratamento clínico exclusivo, ácido tricloroacético, ablação com laser e ressecção
cirúrgica.
Porém, tem-se desvantagens notórias resultantes de abordagens não cirúrgicas que são
desaconselhadas em casos de lesões extensas, profundas, multifocais ou já recidivadas.
Raulin et al.14, em seu estudo com tratamento a laser com dióxido de carbono, encontraram 13% de
recidiva. Esta modalidade de tratamento apresentou complicações significativas como
alterações pigmentares e retrações da pele em lesões extensas, desencorajando sua
execução em alguns serviços. Já em relação à terapêutica clínica, registra-se uso
de Alirocumab, um anticorpo monoclonal, com relato de regressão total em um paciente15. Assim como a ablação com laser, estas abordagens são de baixa disponibilidade e
alto custo, de forma que desencorajam sua ampla realização.
No que se refere à abordagem cirúrgica, tema central deste estudo, alguns métodos
são descritos como intervenções definitivas de xantelasma palpebral. le Roux16 descreve uma técnica de blefaroplastia modificada, na qual a incisão estende-se superiormente
até envolver a área cantomedial da pálpebra superior, onde os xantomas são tipicamente
encontrados. Hosokawa et al.17 descreveram sua técnica de uso de retalhos musculocutâneos para fornecer cobertura
após excisão de grandes lesões, preservando a pele da pálpebra superior para reexcisão
em caso de recorrência.
Parkes & Waller18 descrevem a blefaroplastia simples como principal abordagem para o problema, mas
defende a excisão seriada, a cada dois meses, em caso de múltiplas lesões. Já Friedhofer
et al.19 relatam que no caso de xantelasma pequeno, impossível de ser incluído na ressecção
cutânea de uma blefaroplastia, pelo simples fato de ter sido descolado com a pele,
ele desaparece por completo. Isto ocorre em lesões pequenas, enquanto nas maiores
evolui com uma mancha hipocrômica sem a lesão.
O estudo de Mendelson & Masson9 descreveu a experiência da Mayo Clinic com 92 pacientes, apresentando uma taxa de
recorrência de 40% após a excisão primária simples e uma taxa de recorrência de 60%
após a excisão secundária. A maior incidência de recorrência foi no primeiro ano (26%).
Nosso estudo retrospectivo identificou uma taxa de recidiva de 16%, em uma amostra
com 25 indivíduos, o que representa taxa consideravelmente menor em comparação ao
estudo de Mendelson. Mendelson & Masson ainda desencorajam a abordagem cirúrgica em
três situações específicas: casos com hiperlipoproteinemia familiar, envolvimento
de todas as pálpebras e mais de uma recorrência registrada9. Este estudo corrobora, em partes, com as proposições de Mendelson, visto que metade
da amostra que relatou recidiva foi abordada cirurgicamente em ambas as pálpebras.
No estudo de Kose6, 16 pacientes foram acompanhados por até cinco anos, e a totalidade apresentou comprometimento
bilateral das pálpebras, com lesões extensas. Foram submetidos a enxertia, cuja área
doadora constituiu pálpebra superior após blefaroplastia. Todos os pacientes deste
estudo se mostraram satisfeitos com os resultados estéticos e apenas dois apresentaram
hiperpigmentação. Estabelece-se relação entre o sucesso terapêutico obtido com enxertia
no estudo de Kose e as pacientes submetidas a enxertia no presente estudo: obtivemos
ausência de recidivas, de hiperpigmentação ou de retrações, além de desfechos esteticamente
satisfatórios de acordo com as pacientes.
Vale ressaltar que em nosso estudo os pacientes foram acompanhados por 12 meses de
pós-operatório, sendo um intervalo inferior ao de Kose para identificação de possíveis
desfechos insatisfatórios, contudo, considera-se o período de um ano tempo adequado
para avaliação de alterações de pigmentação e retração. Em relação à identificação
de recidivas seria vantajoso um acompanhamento por tempo superior, mas no presente
estudo optamos por 12 meses por dificuldades de retorno do paciente após esse período.
A autoenxertia após excisão de xantelasmas extensos e profundos já é descrita por
alguns autores como método de escolha terapêutico, já que sua acurada execução tem
obtido satisfatórios resultados estéticos6.
Outros estudos semelhantes mais recentes evidenciaram taxas menores de recorrência,
o que se aproxima das hipóteses levantadas neste trabalho. O estudo retrospectivo
de Lee et al.2, ao analisar 95 pacientes submetidos a excisão cirúrgica de xantelasmas - com excisão
simples, associada à blefaroplastia e retalho miocutâneo compondo a mesma amostra
- encontrou apenas 3,1%, sem relatos de complicações pós-operatórias ou contraturas
cicatriciais.
Em um trabalho nacional, Bagatin et al.20 acompanharam 40 pacientes em um período de dois anos, após os mesmos terem sido submetidos
a exérese cirúrgica de lesões, sendo 10 deles em associação com tratamento químico
tópico. Neste estudo, 5% dos pacientes apresentaram recidiva após um ano de acompanhamento
e apenas 12% da amostra apresentou complicações como hipocromia cicatricial.
Por fim, quanto à satisfação com o resultado após abordagem cirúrgica, este estudo
alcançou 92% de satisfação final, o que permite inferir que o desfecho estético foi
predominantemente aceito após a excisão simples de xantelasmas. Curiosamente, dois
pacientes que relataram recidivas - metade das recidivas do estudo - também afirmaram
contentamento com a aparência pós-cirúrgica, o que reforça a hipótese de que, mesmo
diante do retorno parcial ou total das lesões, a excisão cirúrgica cumpriu o objetivo
de proporcionar melhora estética.
Obradovic21 já aponta a excisão cirúrgica como primeira linha de tratamento após tentativa clínica,
debruçando-se sobre a premissa da frequência elevada de retrações cicatriciais e hiperpigmentação
após tratamento não cirúrgico com laser ou ácido tópico, ao passo que, quando bem
realizado e se respeitando as linhas de tensão palpebrais, poucos resultados insatisfatórios
foram relatados pela técnica cirúrgica.
Tendo em vista que a excisão simples de lesões constitui procedimento de baixo risco
cirúrgico, baixa taxa de complicações - se realizado em condições adequadas de assepsia
e bom preparo técnico da equipe - e rápida recuperação pós-operatória, pode ser recomendado
para indivíduos de diferentes idades e portadores de comorbidades que não contraindicam
sua execução cirúrgica. Ademais, no presente estudo, relevantes taxas de satisfação
com o resultado e baixa ocorrência de recidivas foram descritas, cumprindo um dos
objetivos da cirurgia plástica, ao devolver a autoestima e bem-estar aos indivíduos
tratados.
CONCLUSÃO
Não se pode negar o significativo impacto estético que os xantelasmas palpebrais acarretam,
seja por sua localização ou pelo aspecto inestético das placas. Diversos procedimentos
tópicos não invasivos estão descritos, mas a alta taxa de recorrência e desfechos
insatisfatórios têm desencorajado tais técnicas. Conclui-se, assim, que é irrefutável
o importante papel da cirurgia estética na abordagem de xantelasma palpebral, visto
que a técnica é simples e de fácil aplicação e reprodutibilidade, inclusive em serviços
públicos e de ensino, com resultados que demonstram baixas taxas de recorrência e
elevada satisfação na maioria dos pacientes.
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1. Universidade Federal de Juiz de Fora, Hospital Universitário, Juiz de Fora, MG,
Brasil
2. Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina, Juiz de Fora, MG,
Brasil
3. Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, Departamento de Cirurgia Geral, Juiz
de Fora, MG, Brasil
4. Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Exatas, Departamento
de Estatística, Juiz de Fora, MG, Brasil
5. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina,
Juiz de Fora, MG, Brasil
Autor correspondente: Marilho Tadeu Dornelas Rua Dom Viçoso, 20, Alto dos Passos, Juiz de Fora, MG, Brasil. CEP: 36026-390, E-mail:
marilho.dornelas@ufjf.br
Artigo submetido: 21/06/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.
Conflitos de interesse: não há.