INTRODUÇÃO
A reconstrução do couro cabeludo após a ressecção oncológica continua sendo um desafio
para o cirurgião, especialmente considerando a incidência crescente de câncer de pele
entre pacientes idosos. A reconstrução do couro cabeludo pode ser desafiadora devido
à agressividade local, com invasão de estruturas adjacente, extensão da ressecção,
possibilidade de recorrência tumoral e necessidade de radioterapia adjuvante1.
As opções de tratamento após a ressecção do tumor são o enxerto de pele, retalhos
locais pediculados e axiais, ou retalho microcirúrgico para correção de feridas complexas
e extensas2. O enxerto de pele pode ser uma opção muito interessante em grandes ressecções, porém
sempre que ossos, nervos e tendões são expostos, enxertos de pele não podem ser utilizados.
Retalhos cutâneos são boas opções para reconstrução, porém são limitados pelo tamanho
do defeito. A matriz dérmica (MD) têm sido usada em tratamento de queimaduras na fase
aguda e no manejo das sequelas e na cirurgia reconstrutiva por muitos anos3.
A MD é um grupo heterogêneo de materiais de cobertura de feridas que auxiliam no fechamento
da lesão e substituem algumas das funções da pele, temporária ou permanentemente,
dependendo das características do produto. Eles fornecem várias propriedades biológicas
e fisiológicas da derme humana que permitem e/ou promovem novos crescimentos do tecido
e otimizam as condições para a cicatrização4. Pacientes com maior risco cirúrgico podem se beneficiar do uso da MD, que ajuda
a gerar uma nova derme, oferecendo grandes melhorias na cobertura de defeitos complexos
e extensos5. O objetivo deste estudo é relatar dois casos complexos de lesão extensa em couro
cabeludo, com fechamento completo da lesão.
RELATO DE CASO
Este estudo trata-se de relato de caso de dois pacientes, com autorização da comissão
ética institucional, n° RC 103/21. Paciente do sexo masculino, de 74 anos, foi diagnosticado
com carcinoma sarcomatoide extenso acometendo a região parietal bilateral, medindo
12x9cm de diâmetro. Ele fez sua primeira cirurgia em outro hospital, com histórico
de 3 ressecções prévias. Foi encaminhado para nós porque apresentou recidiva tumoral
após a última ressecção. O paciente apresentava múltiplas comorbidades. Levado caso
em Tumor Board, com a equipe multidisciplinar, sendo discutido entre radioterapia ou ressecção cirúrgica,
optando-se pela ressecção de lesão, pois a radioterapia acarretaria em um alto risco
de exposição de calota craniana e evolução para meningite fulminante.
Uma ampla excisão local foi realizada, em conjunto com a equipe da neurocirurgia que
drilou o osso, retirou toda a área do vértix craniana (com diâmetro de 8cm). Colocada
MD no local com tamanho de 20 x 30 cm. Um curativo com terapia por pressão negativa
(TPN) foi feito para cobertura da MD, sendo removido 14 dias após a cirurgia. Houve
boa integração da MD. Realizado novo procedimento cirúrgico (2 meses após primeiro
procedimento) para enxertia de pele de espessura parcial. A ferida com enxerto de
pele foi coberta com TPN por 7 dias. Manteve acompanhamento ambulatorial por pelo
menos 1 ano após o procedimento cirúrgico inicial, sem sinais de recidiva (Figura 1).
Figura 1 - A - Pré-operatório. B - Intraoperatório, colocação de matriz dérmica. C - Curativo
por pressão negativa. D - Pós-operatório tardio.
Figura 1 - A - Pré-operatório. B - Intraoperatório, colocação de matriz dérmica. C - Curativo
por pressão negativa. D - Pós-operatório tardio.
Relatamos outro caso de paciente do sexo masculino, 64 anos, lesão em couro cabeludo,
na região parietal direita, medindo 8x5cm de diâmetro, com o diagnóstico de angiossarcoma.
Possuía hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia como comorbidades. Lesão sem
acometimento ósseo da calota craniana. Foi identificada linfonodomegalia cervical,
PAAF (punção aspirativa por agulha fina) inconclusivo. Discutido caso em reunião Tumor Board, sendo indicada quimioterapia neoadjuvante (pela velocidade de crescimento do tumor
e provável metástase cervical), seguida de exérese cirúrgica e radioterapia adjuvante.
Realizada ressecção cirúrgica, drilagem óssea, fixação de MD e cobertura com curativo
de TPN. Com 1 mês de pós-operatório, realizada enxertia de pele espessura parcial
e TPN. Retirado o curativo no 7° dia de pós-operatório. Paciente evoluiu com recidiva
tumoral em algumas áreas do couro cabeludo, sendo realizada ressecção de recidivas
com fechamento primário, posteriormente, encaminhado para radioterapia. Paciente seguiu
o tratamento de radioterapia de couro cabeludo com oclusão total de todas as feridas
cutâneas (Figura 2).
Figura 2 - A - Lesão pré-operatória. B - Após exérese da lesão. C - Enxertia de pele parcial.
D - Integração do enxerto.
Figura 2 - A - Lesão pré-operatória. B - Após exérese da lesão. C - Enxertia de pele parcial.
D - Integração do enxerto.
DISCUSSÃO
A reconstrução de defeitos no couro cabeludo após a ressecção de tumores malignos
representa um desafio considerável que requer experiência e bom julgamento cirúrgico.
O reparo de defeito no couro cabeludo não deve apenas fornecer proteção mecânica e
aparência esteticamente aceitável, mas também facilitar o rápido retorno ao convívio
social6.
A MD é uma alternativa para o tratamento de feridas complexas, pois permite seu fechamento
com menor morbidade e tempo cirúrgico. Também é um procedimento simples quando comparado
ao retalho microcirúrgico e pode ser realizado em áreas irradiadas, permitindo a cobertura
da ferida em ressecções complexas, melhor controle local da doença e detecção precoce
de recorrência2. Nos casos relatados foi utilizada a MD de camada única.
Quando a MD é usada em conjunto com enxerto de pele parcial, a pele resultante tem
menor formação de cicatriz hipertrófica e contraturas, sendo de melhor qualidade,
espessura e flexibilidade do que reconstruções usando enxerto de pele de espessura
parcial isolado1,4.
A TPN pode ajudar a remover substâncias deletérias da ferida, aliviar edema, e estimular
a proliferação celular, promovendo assim granulação e inibição da inflamação crônica.
Além disso, a TPN também parece auxiliar na neovascularização de enxertos de pele
e MD e pode melhorar a taxa de sucesso do enxerto de pele, fortalecendo a união entre
o enxerto de pele e a área receptora. Ao mesmo tempo, o advento de um dispositivo
portátil permite que os pacientes se mobilizem mais cedo e acelerem o retorno ao convívio
social7.
CONCLUSÃO
As lesões extensas do couro cabeludo são um desafio na prática clínica e um tratamento
multidisciplinar é fundamental. A presença de uma equipe de enfermagem acostumada
com as trocas do curativo na TPN e manejo da MD é uma pedra angular de todo o tratamento.
Os resultados obtidos indicam que a MD associada com a enxertia de pele parcial e
com a TPN tem enorme potencial para aumentar as opções terapêuticas disponíveis para
o cirurgião e possivelmente beneficiando os pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Komorowska-Timek E, Gabriel A, Bennett DC, Miles D, Garberoglio C, Cheng C, Gupta
S. Artificial dermis as an alternative for coverage of complex scalp defects following
excision of malignant tumors. Plast Reconstr Surg. 2005;115(4):1010-7.
2. Campagnari M, Jafelicci AS, Carneiro HA, Brechtbühl ER, Bertolli E, Duprat Neto JP.
Dermal Substitutes Use in Reconstructive Surgery for Skin Tumors: A Single-Center
Experience. Int J Surg Oncol. 2017;2017:9805980.
3. Bertolli E, Campagnari M, Molina AS, Macedo MP, Pinto CA, Cunha IW, et al. Artificial
dermis (Matriderm®) followed by skin graft as an option in dermatofibrosarcoma protuberans
with complete circumferential and peripheral deep margin assessment. Int Wound J.
2015;12(5):545-7.
4. Rehim SA, Singhal M, Chung KC. Dermal skin substitutes for upper limb reconstruction:
Current status, indications, and contraindications. Hand Clin. 2014;30(2):239-52.
5. Magnoni C, De Santis G, Fraccalvieri M, Bellini P, Portincasa A, Giacomelli L, et
al. Integra in Scalp Reconstruction After Tumor Excision: Recommendations From a Multidisciplinary
Advisory Board. J Craniofac Surg. 2019;30(8):2416-20.
6. Gurtner GC, Evans GR. Advances in head and neck reconstruction. Plast Reconstr Surg.
2000;106(3):672-82.
7. Zhang C, Liu D, Liang Z, Liu F, Lin H, Guo Z. Repair of refractory wounds through
grafting of artificial dermis and autologous epidermis aided by vacuum-assisted closure.
Aesthetic Plast Surg. 2014;38(4):727-32.
1. ACCamargo Cancer Center, Cirurgia plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. ACCamargo Cancer Center, Departamento de Câncer de Pele, São Paulo, SP, Brasil
3. ACCamargo Cancer Center, Ambulatório de curativo- Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil
Autor correspondente: Ana Carolina V.G. Otsuka Av. da Aclimação, 314, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01531-000, E-mail: ac.otsuka@gmail.com
Artigo submetido: 30/08/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.
Conflitos de interesse: não há.