INTRODUÇÃO
O tratamento das feridas complexas com grande perda de partes moles é um desafio para
a cirurgia plástica, principalmente quando a ferida se encontra infectada. Na literatura
encontramos inúmeras técnicas já consagradas, com seus benefícios e desvantagens,
como a enxertia, retalhos, expansores de tecidos e a sutura elástica.
A decisão pela técnica a ser utilizada é fundamental para o sucesso na reconstrução,
e, partindo do princípio que a melhor reparação é sempre a mais simples1, foram criados os fundamentos da cirurgia reconstrutora. Sendo assim, o fechamento
primário da lesão apresenta-se como primeira escolha, sempre que possível.
A sutura elástica foi usada pela primeira vez em 1993 por Raskin para aproximar os
bordos de uma fasciotomia pós-síndrome compartimental em membro superior2. O princípio baseava-se na fixação com tensão de um elástico entrelaçado, fixado
aos bordos da pele, fazendo uma tensão contínua da pele, colocando em prática o conceito
de elasticidade e complacência cutânea. Pode ser usada para o fechamento de diversos
defeitos cutâneos resultantes de diferentes causas, como acidentes automobilísticos,
ressecções de lesões cutâneas e necroses teciduais. A sutura elástica, como alternativa
para tratamento da fase aguda das perdas cutâneas, é um procedimento de simples execução
e baixo custo, que proporciona bons resultados para casos de perdas teciduais3.
Em 1996, Leite revisou a técnica após observar a incidência de necrose da pele dos
bordos da ferida, quando utilizada a técnica de Raskin, e propôs, então, a fixação
do elástico no subcutâneo e na fáscia superficial, poupando a pele do evento isquêmico
induzido pela força tênsil4.
O uso de curativo a vácuo, cuja descrição em estudos animais remonta à década de 19705, consolidou-se como importante alternativa no tratamento de feridas complexas, inclusive
para a população pediátrica6. É um sistema utilizado na cicatrização de feridas em que se institui uma pressão
negativa localizada e controlada, com o objetivo de estimular a granulação e a cicatrização.
A pressão negativa promove a vasodilatação arterial e, consequentemente, o aumento
do fluxo sanguíneo nos tecidos, estimulando a formação de tecido cicatricial de granulação.
A remoção dos fluidos diminui o edema, a pressão intersticial e a colonização bacteriana,
criando um ambiente úmido benéfico para a migração epitelial e a cicatrização. Além
disso, produz tração nos bordos da ferida, diminuindo sua dimensão7.
Deste modo, este trabalho visou juntar os benefícios da sutura elástica e do curativo
a vácuo, com intuito de uma abordagem mais abrangente de uma ferida complexa infectada
com grande perda de partes moles de membro inferior.
MÉTODOS
Este é um estudo retrospectivo, observacional, de um paciente submetido a reconstrução
de membro inferior direito com uso de associado de sutura elástica e curativo a vácuo,
no Hospital do Trabalhador, em Curitiba-PR, em 2020. Estudo aprovado no Comitê de
Ética em Pesquisa sob CAAE 52792121.7.0000.5225.
Paciente D.G.L.D., sexo masculino, 20 anos, previamente hígido, vem encaminhado à
Emergência do Hospital do Trabalhador de Curitiba vítima de colisão de motocicleta
contra automóvel. Dá entrada no pronto-socorro com laceração importante em membro
inferior direito, estendendo-se desde o joelho até o terço distal da perna, sem sinais
de fratura à radiografia.
Na admissão, o paciente foi submetido ao desbridamento e contensão dos bordos com
plástico estéril (Figura 1) pela equipe da ortopedia, a qual solicitou acompanhamento pelo Serviço de Cirurgia
Plástica e Reparadora. No 7º dia de internação, o paciente foi submetido a novo procedimento
cirúrgico pela equipe de cirurgia plástica. Foi identificado volumoso coágulo, realizada
lavagem exaustiva e revisão da hemostasia (Figura 2).
Figura 1 - Membro inferior direito com sutura para contensão de bordos com equipo plástico.
Figura 1 - Membro inferior direito com sutura para contensão de bordos com equipo plástico.
Figura 2 - Membro inferior direito após desbridamento da lesão.
Figura 2 - Membro inferior direito após desbridamento da lesão.
Optou-se no transoperatório pela realização da sutura elástica associada ao curativo
a vácuo (Figura 3), com plano de reavaliação cirúrgica e novo planejamento para reconstrução após 7
dias, quando era cogitada a rotação de retalho miocutâneo para fechamento. Na reavaliação
cirúrgica, tendo havido evolução satisfatória da ferida, optou-se por manter a conduta
da associação dos tratamentos de sutura elástica e vacuoterapia.
Figura 3 - Confecção de sutura elástica em associação com curativo a vácuo em lesão de membro
inferior direito.
Figura 3 - Confecção de sutura elástica em associação com curativo a vácuo em lesão de membro
inferior direito.
O paciente foi submetido a mais duas abordagens com intervalo de 7 dias, com esta
associação, com fechamento gradual da ferida (Figura 4) até a sutura primária final dos bordos e retirada dos elásticos (Figura 5). Paciente, procedente de outro estado, optou por término de tratamento na sua cidade
de origem, sem novos procedimentos. Foto, após contato com o mesmo, encontra-se na
Figura 5.
Figura 4 - Novas confecções de suturas elásticas e curativo a vácuo.
Figura 4 - Novas confecções de suturas elásticas e curativo a vácuo.
Figura 5 - Aspecto final após retirada de sutura elástica e sutura primária da lesão.
Figura 5 - Aspecto final após retirada de sutura elástica e sutura primária da lesão.
A demonstração de como é realizada a sutura elástica pode ser vista na Figura 6.
Figura 6 - Sutura elástica. A) Ponto inicial no ângulo da incisão; B) Giro de 180º do elástico
e novos pontos de sutura na pele; C) Sequência de suturas até final da incisão; D)
Sutura distalmente à ferida com elástico para diminuir a tensão dos bordos.
Figura 6 - Sutura elástica. A) Ponto inicial no ângulo da incisão; B) Giro de 180º do elástico
e novos pontos de sutura na pele; C) Sequência de suturas até final da incisão; D)
Sutura distalmente à ferida com elástico para diminuir a tensão dos bordos.
DISCUSSÃO
As feridas complexas são as mais desafiadoras e as que frequentemente exigem abordagem
cirúrgica. O objetivo do tratamento da ferida é criar um ambiente favorável para a
sua cicatrização ou sua cobertura, sendo que o debridamento é a base para a maioria
das estratégias. Das etapas mais simples às mais complexas, são incluídas síntese
primária, síntese secundária, enxertos, retalhos locais, retalhos regionais e retalhos
livres. Na escolha do procedimento, deve-se pensar em qual é a melhor opção para manter
a forma e função da região a ser reconstruída8.
No caso em questão a sutura elástica em associação ao curativo a vácuo foi eficaz
para auxiliar no fechamento definitivo da lesão, dispensando o uso de autoenxertia
cutânea, retalhos ou expansão tecidual9. A ferida aberta é mantida sob tensão elástica, a qual foi exercida por elásticos
de borracha estéreis, realizada por meio de sutura da borracha com pontos de náilon
2.0 e 3.0 presos ao tecido de pele viável. Inicia-se com um ponto na extremidade da
ferida e a seguir um de cada lado nas bordas de pele opostas após trançar o elástico
em 180º, repetindo sucessivamente até o término da incisão.
Durante a sequência do tratamento, elásticos suturados com Nylon 2-0 mais distantes
dos bordos foram usados para diminuir a tensão dos bordos da ferida, evitando, dessa
maneira, o sofrimento vascular cutâneo, o que foi beneficiado conjuntamente pela vasodilatação
arterial consequente do curativo a vácuo concomitante. Durante cada procedimento,
as borrachas estéreis eram trocadas por novas para manutenção de uma tensão eficaz,
assim como novo curativo a vácuo.
Após a melhora da tensão da ferida pela tração contínua e pressão negativa, foi possível
realizar a sutura primária da lesão.
CONCLUSÃO
O uso da sutura elástica de tração contínua associada ao curativo a vácuo possibilitou
o fechamento de uma ferida complexa em membro inferior, sem a necessidade de associação
rotação de retalho miocutâneo, e sem outras sequelas, mostrando-se uma alternativa
com menor morbidade para o caso demonstrado.
REFERÊNCIAS
1. Mathes SJ, Nahai F. Reconstructive Surgery: Principles, Anatomy Techinique. New York:
Churchill Livingstone and Qualit Medical Publishing; 1997.
2. Raskin KB. Acute vascular injuries of the upper extremity. Hand Clin. 1993;9(1):115-30.
3. Vidal MA, Mendes Junior CES, Sanches JA. Sutura elástica - uma alternativa para grandes
perdas cutâneas. Rev Bras Cir Plást. 2014;29(1):146-50.
4. Leite NM, Reis FB, Christian RW. Tratamento de ferimentos deixados abertos com o método
da sutura elástica. Rev Bras Ortoped. 1996;31:687-9.
5. Morykwas MJ, Argenta LC, Shelton-Brown EI, McGuirt W. Vacuum-assisted closure: a new
method for wound control and treatment: animal studies and basic foundation. Ann Plast
Surg. 1997;38(6):553-62.
6. Baharestani MM. Use of negative pressure wound therapy in the treatment of neonatal
and pediatric wounds: a retrospective examination of clinical outcomes. Ostomy Wound
Manage. 2007;53(6):75-85.
7. Oliveira MSL, Komatsu CA, Ching AW, Faiwichow L. Tratamento de feridas complexas com
uso de pressão negativa local método a vácuo. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(3 Suppl
1):66.
8. Petroianu A, Sabino KR, Alberti LR. Closure of large wound with rubber elastic circular
strips - case report. Arq Bras Cir Dig. 2014;27(1):86-7. DOI: 10.1590/s0102-67202014000100021
9. Teixeira Neto N, Chi A, Paggiaro AO, Ferreira MC. Surgical treatment of complex wounds.
Rev Med (São Paulo). 2010;89(4/4):147-52.
1. Hospital de Clínicas de Curitiba, Curitiba, PR, Brasil
2. Hospital do Trabalhador, Curitiba, PR, Brasil
3. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
4. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil
Autor correspondente: Antoninho José Tonatto Filho Rua General Carneiro, 181, Setor/sala de Cirurgia Plástica, 9º andar, Alto da Glória,
Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80060-900, E-mail: aj.tonatto@gmail.com
Artigo submetido: 18/10/2020.
Artigo aceito: 13/09/2022.
Conflitos de interesse: não há.