A massificação da formação médica e a instituição de mecanismos de controle profissional
A (positiva) proliferação de profissionais médicos e a consequente massificação dos
atendimentos em saúde aumentou o número de conflitos sociais entre os atores envolvidos
nessa relação, culminando no conhecido fenômeno da judicialização da saúde. Para além
do embate jurídico travado, via de regra, entre médico e paciente - decorrente das
mais variadas causas de erosão do elo de confiança havido entre as partes - hodiernamente,
há um acréscimo, também, dos conflitos entre os próprios médicos, quando suas estruturas
associativas lato sensu servem de mecanismo de fiscalização do exercício profissional.
Nesse sentido, é de relativa notoriedade a função punitiva dos Conselhos Profissionais,
que detêm para si o poder-dever outorgado pelo Estado para determinar as balizas deontológicas
do agir médico e, consequentemente, as respectivas penalidades pela não observância
desse padrão objetivo de conduta. Inclusive, malgrado o sigilo que envolve o processo
de apuração das infrações éticas, a publicidade de algumas penas e, de igual forma,
a viabilidade de divulgação quantitativa das punições pelos próprios Conselhos permitem
aferir o quanto tal expediente vem sendo utilizado contra a má-práxis médica.
Por outro lado, para além desta vertente derivada da Administração Pública Federal
Indireta, outro foco de conflito social que se apresenta é a utilização - pelas Sociedades
de Especialidades Médicas (notadamente a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
- SBCP) - de processos administrativos de viés sancionador, no intuito de coibir (e
prevenir) desvios de conduta dos seus profissionais associados.
Tal iniciativa, além da insatisfação que costuma causar nos médicos investigados/punidos,
também provoca celeumas entre juristas, que divergem sobre a conformidade jurídica
de tais sanções, notadamente se este expediente seria uma usurpação do poder legal
conferido, exclusivamente, aos Conselhos Profissionais.
Diante desse questionamento, é objetivo deste estudo averiguar se as Sociedades de
Especialidades Médicas possuem respaldo jurídico-legal para procederem à análise das
condutas profissionais, notadamente quanto à possibilidade de imputação de penalidades
aos médicos associados. Num primeiro momento, será imprescindível se debruçar sobre
a natureza jurídica das Sociedades Médicas de Especialidades, seu regramento legal
e o alcance de suas atribuições.
Mais à frente, será necessário investigar os contornos dos procedimentos administrativos
realizados pelas entidades associativas; de forma geral, o regramento jurídico essencial
a seus expedientes e, de forma específica, como tal microssistema jurídico se aplica
às Sociedades Médicas de Especialidades. Na sequência, abordar-se-ão as diretrizes
de apuração das condutas dos membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica,
como método indutivo de análise do problema posto, detectando se tais normas estão
de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, em especial quanto às competências delegadas
aos Conselhos Profissionais de fiscalização.
A natureza jurídica das sociedade médicas de especialidades, as punições associativas
e os seus limites legais
A evolução do sistema jurídico na humanidade fez necessário criar uma figura apta
à realização de negócios que se distinguisse da personalidade dos cidadãos. A própria
coletivização das relações sociais impingiu este modelo, hipotético e idealizado,
que é a figura das conhecidas pessoas jurídicas. Carlos Roberto Gonçalves1 aduz que “a razão de ser da pessoa jurídica está na necessidade ou conveniência de os indivíduos
unirem esforços e utilizarem recursos coletivos para a realização de objetivos comuns,
que transcendem as possibilidades individuais”. O Código Civil brasileiro2 possui diretriz clara e inequívoca de que somente pode se configurar como pessoa
jurídica, tendo, portanto, personalidade jurídica própria, aquelas que vierem expressamente
configuradas na legislação; assim, somente são pessoas jurídicas:
Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107,
de 2005)
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público,
a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto
ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.
Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros
e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.
[...]
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441,
de 2011)
Tem-se deste cenário que - paralelamente ao trabalho individual exercido pelo facultativo
- a atividade médica também é exercida, precipuamente, sob a forma ou em favor de
pessoas jurídicas, seja em favor do Sistema Único de Saúde prestado pelos entes públicos
(União, Estados e Municípios), seja através de instituições hospitalares ou de prestação
de serviços médicos (sociedades), seja através do próprio Conselho Federal de Medicina
(autarquia), ou ainda através das mais variadas sociedades de especialidade médica
que, malgrado o nome, revestem-se da característica de associações, nos exatos termos
do art. 198 e 199, da Constituição Federal3.
Como dito linhas atrás, o objeto de estudo deste trabalho tomará como método científico
a indução, ou seja, partirá da análise de um exemplo específico a fim de criar uma
hipótese geral; para tanto, a observação partirá da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica (SBCP), haja vista ser a sociedade de especialidade médica com maior notoriedade
quanto à problemática ora enfrentada: a aplicação de punições associativas.
De início, é patente que a SBCP tem a roupagem de pessoa jurídica, uma vez que tanto
se apresenta como coletividade de indivíduos apta a um fim específico, como igualmente
se amolda a uma das configurações detalhadas, mais especificamente a de associações,
uma vez que se trata de união de pessoas para fins não econômicos (art. 53, Código
Civil). O próprio Estatuto da entidade4 confere tal previsão de maneira expressa no seu artigo 1º, quando aduz que a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) é uma associação civil sem fins lucrativos,
de caráter científico, de âmbito Nacional, registrada no Conselho Nacional de Serviço
Social do Ministério da Educação e Cultura. Por ser uma pessoa jurídica sob a forma
de associação, a SBCP - assim como todas as sociedades médicas de especialidades -
se congrega, sem busca de viés econômico, para alcançar determinados fins, previstos
em seu estatuto organizacional. O art. 3º do referido documento elenca tais finalidades:
Artigo 3º - A SBCP, tem por finalidade, em âmbito nacional e regional:
I) Representar a Cirurgia Plástica Brasileira e suas áreas de atuação perante a Associação
Médica Brasileira (AMB), da qual é seu Departamento de Cirurgia Plástica, bem como
perante quaisquer outras entidades médicas, paramédicas, congêneres ou afins, nacionais
ou estrangeiras, com as quais seja de seu interesse manter contato, intercâmbio, correspondência
ou representação;
II) Zelar pelo renome e conceito da Cirurgia Plástica, bem como contribuir para o
seu progresso, promovendo o aperfeiçoamento dos conhecimentos especializados e incentivando
a formação de especialistas;
III) Dar resguardo moral e ético-profissional aos membros regularmente inscritos,
quando solicitado, em proteção ao exercício da especialidade;
IV) Criar e organizar programas de educação continuada;
V) Patrocinar, organizar, apoiar, orientar e auxiliar Congressos Nacionais e Internacionais
e outros eventos científicos de interesse da SBCP;
VI) Criar prêmios, regulamentando sua concessão;
VII) Supervisionar e orientar atividades relacionadas com o exercício da especialidade;
VIII) Organizar, editar e distribuir publicações;
IX) Credenciar Serviços de Cirurgia Plástica e suas áreas de atuação, para treinamento
e especialização de médicos, na forma prevista em Regulamento próprio;
X) Fornecer os meios técnicos e critérios de aprovação para Obtenção do Título de
Especialista, bem como de sua revalidação periódica junto à AMB e ao CFM, de acordo
com as normas legais;
XI) De acordo com oportunidade e conveniência, (i) manter, (ii) participar e/ ou (iii)
firmar convênios e contratos com instituições vinculadas à SBCP, que tenham finalidade
assistencial e/ ou científica, relacionada à cirurgia plástica;
XII) Patrocinar, organizar e promover a prestação de serviços médicos voluntários,
relacionados à cirurgia plástica.
Estabelecidas as finalidades associativas, é natural que o interesse da coletividade
ali congregada seja o de alcançar tais objetivos, afastando qualquer conduta que vá
ao encontro do padrão idealizado.
Inclusive, a SBPC possui um documento paralelo ao seu próprio Estatuto, minuciando
um rol de padrões de comportamento - o Regimento Interno de Condutas5. Nesse sentido, e reproduzindo um consagrado modelo social de punição como mecanismo
pedagógico, as associações costumam possuir um sistema interno de apuração de responsabilidades
por acusações de desvios de conduta; no caso da SBCP, tal atribuição fica a cargo
da DEPRO - Departamento de Defesa Profissional, criado pelo art. 65 do seu Estatuto.
Mais à frente, o mesmo documento estatutário elenca - no seu art. 68 - quais as possíveis
punições, dentro do seu âmbito legal, para aqueles associados que se comportarem em
descompasso ao modelo criado pelos seus pares:
Artigo 68 - O MEMBRO, ASPIRANTE A MEMBRO, MEMBRO INTERNACIONAL e ESTAGIÁRIO ESTRANGEIRO
TEMPORÁRIO da SBCP que atentar contra o renome e conceito da especialidade, bem como
infringir as normas contidas no presente Estatuto, nos Regulamentos e nos Regimentos
da SBCP nacional, estará sujeito às seguintes penas:
I) Advertência sigilosa;
II) Censura pública, com publicação em órgão oficial da SBCP;
III) Suspensão de direitos e prerrogativas por período de 6 (seis) a 12 (doze) meses,
com publicação em órgão oficial da SBCP;
IV) Exclusão do quadro social, com publicação em órgão oficial da SBCP, cabendo recurso
à Assembleia Geral.
Em síntese, o raciocínio da SBCP - que é reproduzido em diversas associações de natureza
idêntica ou distinta - é que (i) há ali uma reunião de pessoas com objetivos em comum
e que é através de sua união que tais objetivos serão alcançados; (ii) de igual sorte,
é do interesse associativo que os membros mantenham uma postura adequada aos padrões
por eles mesmos eleitos, sob pena de prejuízo ao atingimento dessas metas; (iii) como
forma de desestimular pedagogicamente as faltas a esse padrão-ouro de conduta, a SBCP
possui um rol de punições para os desvios associativos cometidos por seus membros.
Essa linha de ideias é de razoável simplicidade e acredita-se que inexistem polêmicas
em torno da possibilidade de a SBCP, assim como toda e qualquer associação, ter os
seus próprios mecanismos para garantir a organização interna e o respeito às diretrizes
eleitas pela sua própria comunidade. Os pontos de tensão doutrinária - os quais já
beiram/beiraram as Cortes brasileiras - costumam dizer respeito aos limites concernentes
ao poder de punir conferido a estas pessoas jurídicas.
O maior, e sem dúvidas o mais notório embate jurídico diz respeito ao que se convencionou
chamar, na doutrina jurídica, de “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.
A consagração de tal teoria veio, no Brasil, através do julgamento pelo Supremo Tribunal
Federal do Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ6, que versava sobre a incidência ou não da garantia fundamental do contraditório e
da ampla da defesa em procedimentos associativos de exclusão de membros por violação
ao estatuto. A Corte entendeu que, ainda que a organização tenha caráter privatista,
não se pode perder de vista a aplicação do mais comezinhos princípios, direitos e
garantias fundamentais. Na prática, disse o Pretório Excelso que “em determinada situações as normas, especialmente as constitucionais, relativas ao
devido processo legal, ao contraditório, também podem ser invocadas nessas relações
ditas horizontais [entre particulares]”.
Vê-se, portanto, que a incidência principiológica e material dos direitos fundamentais
às relações privadas impõe que até mesmos entidades particulares precisam seguir um
mínimo de direcionamento jurídico-garantista, inclusive no processo interno de punição,
sob pena de se converter tal ato em arbitrariedade. Se as maiores sanções que podem
vir a ser imputadas ao cidadão dentro da esfera constitucional são as penas criminais
e tais punições precisam vir acompanhadas de uma série de garantias, que dirá o processo
administrativo interno que ocorre no âmbito de uma associação privada, cuja penalidade
é muito menos gravosa à dignidade da pessoa humana, assim como os atos praticados
igualmente são menos ofensivos à coletividade.
Em síntese, mesmo na apuração de responsabilidade associativa, é preciso garantir
ao associado um processo justo e conforme as normas da instituição; que se saiba de
antemão quais as condutas são permitidas e quais são vedadas e, mais, que até mesmo
o rol de punições esteja previamente descrito, a fim de evitar surpresas àquele que
está exercendo o sagrado direito da defesa.
A conformidade jurídica da coexistência de microssistemas sancionadores da atividade
médica
Verificada a moldura jurídica que norteia o procedimento punitivista dentro de uma
associação, é preciso se debruçar sobre outros aspectos igualmente relevantes à compreensão
da causa. É notoriamente sabido que a fiscalização do exercício ético das profissões
fica a cargos de unidades formadas pelos próprios profissionais, organizados em Conselhos
criados por Lei e mantidos com recursos fiscais recolhidos destes mesmos fiscalizados.
Especificamente à Medicina, é a Lei Federal Ordinária nº 3.268/19577, recepcionada
pela Constituição de 1988 que, além de implementar as qualificações profissionais
necessárias para o exercício da profissão no Brasil, cria ainda os respectivos Conselhos
Federal e Regionais, verdadeiras autarquias sob regime especial, componentes da Administração
Pública Indireta da União - nesse sentido, vide a Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.717-6 DF julgada pelo Supremo Tribunal Federal. É, portanto, legítimo que os
Conselhos Profissionais - e, mais especificamente os Conselhos Federal e Regionais
de Medicina - possam fazer uso de um poder disciplinar frente aqueles médicos que
se desvirtuem da ética médica aplicada.
Em instrumentalização às diretrizes acima explanadas, a Lei nº 3.268/1957 cria e regulamenta
o exercício do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Medicina no Brasil. Dentre
as diversas regras estabelecidas na referida lei, vislumbra-se - em especial - aquelas
contidas no art. 15 e 22 do referido diploma, ei-las:
Art. 15. São atribuições dos Conselhos Regionais:
[...]
c) fiscalizar o exercício da profissão de médico;
d) conhecer, apreciar e decidir os assuntos atinentes à ética profissional, impondo
as penalidades que couberem; ***
Art. 22. As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos seus membros
são as seguintes:
a) advertência confidencial em aviso reservado;
b) censura confidencial em aviso reservado;
c) censura pública em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;
e) cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal. § 1º Salvo
os casos de gravidade manifesta que exijam aplicação imediata da penalidade mais grave
a imposição das penas obedecerá à gradação dêste artigo.
Foi visto linhas atrás que é direito do cidadão reunir-se coletivamente em entidades
próprias, a serem organizadas pelo modelo associativo, e que tal associação, no afã
de proteger seu interesse comum, pode punir os associados que se desviem do seu padrão
de conduta. Como o caso em questão trata, de forma específica, de médicos especialistas
associados, tem-se que a SBCP possui um rol de punições que guarda certa similaridade
- para não dizer quase que completa identidade - com aquelas sanções impostas pelos
CFM/CRM. Daí o questionamento: existe guarida jurídica à atuação da SBCP? A resposta,
sob o prisma ora exposto, é positiva.
O cerne do debate se dá em duas perspectivas: a natureza jurídica do ato de aceitação
das normas associativas/deontológicas e, principalmente, o alcance das punições eventualmente
impostas por tais órgãos. A SBCP, como exaustivamente explicado, é uma associação
privada, que congrega médicos especialistas em cirurgia plástica, na forma do seu
estatuto.
Exercer a medicina, ou se declarar como especialista em cirurgia plástica prescinde
de estar ou não associado à SBCP; ser membro da associação não é requisito essencial
ao desenvolvimento das atividades laborativas, seja como médico, seja como propalador
de seus conhecimentos específicos em especialidade, uma vez que a realização de residência
médica em programa de formação reconhecido pelo Ministério da Educação e pela Comissão
Nacional de Residência Médica garante tal titulação (art. 6º, Lei Federal nº 6.932/19818). Por outro lado, o ordenamento jurídico brasileiro não permite que um cidadão exerça
a medicina, no Brasil, sem estar inscrito em algum Conselho Regional de Medicina,
sob pena de incursão no crime previsto no art. 283, do Código Penal9.
Raciocinando de forma retroativa, uma punição realizada por um Conselho Profissional
ao médico importa, necessariamente, em consequências ao seu exercício laborativo,
visto que uma pena mais grave - como suspensão ou cassação do registro - implica em
impedimento absoluto (salvo pontuais exceções) para a atividade médica. Sob outro
ângulo, uma punição associativa, ainda que a mais gravosa de todas elas (expulsão
dos quadros da SBCP), não tem como impedir - per se - que este mesmo médico continue atuando em seu ofício, nem tampouco que deixe de
se divulgar como especialista.
Essa sutil, porém imprescindível diferença, denota que não há usurpação da SBCP na
prerrogativa do CFM/CRM de apurar eventuais desvios deontológicos. Inclusive, a conclusão
adotada em uma esfera (deontológica ou associativa) não implica necessariamente em
hierarquização e obediência à conclusão da outra, haja vista a falta de previsão legal
nesse sentido. É dizer: uma condenação associativa não implica em automática condenação
ético-profissional e vice-versa, já que não há dispositivo de lei que comande nesse
sentido. Todavia, o art. 71 do Estatuto da SBCP, mesmo sem respaldo legal, faculta
à SBCP replicar, de forma automática, as penas impostas pelos CRM dentro de sua organização.
A ausência de detalhes das correlações e do procedimento, contudo, faz com que surjam
questionamentos acerca da validade deste ponto.
Isto porque, malgrado a existência de opiniões diversas na doutrina, a similaridade
de punições não implica de forma inexorável na impossibilidade de aplicação da referida
penalidade; e a legislação é farta nesse sentido. À guisa de exemplo, o direito penal
- ultima ratio no ordenamento jurídico, cujo poder de punir atinge a esfera corporal do ser inclusive
- possui pena de multa dentre o rol de suas aflições (art. 32, CP). De igual sorte,
o sistema civilista também pode fazer expediente da agressões pecuniárias ao médico
desidioso (art. 789, CPC), assim como na própria esfera associativa. Ainda que deontologicamente
a Medicina não contenha uma punição ética pecuniária, outros Conselhos Profissionais
o tem, a exemplo da própria Ordem dos Advogados do Brasil (art. 35, EOAB10).
Na mesma linha de ideias, não seria a parcial identidade punitiva um critério único
e absoluto para configurar a usurpação do poder administrativo, notadamente porque
as penalidades da SBCP se restringem ao âmbito meramente associativo, ao passo que
as penas ético-profissionais atingem o exercício em si da profissão médica, seja no
âmbito da especialidade ou não. Daí se diz que, via de exemplo, uma suspensão dos
direitos associativos junto à SBCP não pode se assemelhar, salvo na nomenclatura,
aos efeitos de uma suspensão profissional determinada pelo CRM, haja vista a manifesta
discrepância de efeitos das referidas penas aos direitos do médico e seu exercício
profissional. Sem essa interferência na órbita alheia de atribuições, uma vez respeitado
o devido processo legal e oferecido o contraditório e ampla defesa ao associado, a
conclusão de desvio de conduta e a imposição de penalidade associativa não representa,
por si só, qualquer desvio legal, servindo pois de mais um instrumento jurídico para
fiscalização do agir médico e sua incessante busca por excelência.