INTRODUÇÃO
Teoricamente, o volume mamário ressecado em uma mastectomia poupadora de pele (MPP)
necessita ser substituído por um volume similar na reconstrução mamária imediata com
prótese de silicone (RMIP), quando há simetria entre as mamas.
Decisões empíricas, no intraoperatório, baseadas na visualização do volume da mama
oposta após múltiplas tentativas de utilização de moldes de silicone ou simples substituição
utilizando o peso do espécime da mastectomia por volume similar da prótese a ser implantada
são por nós realizadas rotineiramente, sendo, no entanto, decisões subjetivas e dependentes
da experiência do cirurgião.
A descoberta e utilização de um modelo preditivo matemático simples, transformando
o peso em gramas do espécime para volume em cc do implante, permitiu uma avaliação
objetiva, fácil e reprodutível por qualquer cirurgião plástico.
Em pesquisa bibliográfica dos últimos 10 anos, identificamos duas fórmulas matemáticas,
uma de Nice, França (Georgiou, 2012), e outra de Taiwan (Shia, 2018) e indicamos o
modelo de Nice como o ideal para as mulheres brasileiras mastectomizadas, mesmo utilizando
a técnica modificada dos autores.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo foi identificar, por meio de uma revisão bibliográfica, se
há eficiência cirúrgica na RMIP após a mastectomia utilizando uma fórmula matemática
baseada no peso do espécime da mastectomia, apesar de algumas modificações na técnica
cirúrgica descrita pelos autores citados.
MÉTODOS
Encontraram-se cinco artigos na literatura médica (PubMed) nos últimos 10 anos, relatando
a estimativa do volume adequado do implante na reconstrução mamaria imediata (RMIP)
utilizando peso do espécime da mastectomia ou avaliações por imagem em 3D no pré-operatório.
A técnica cirúrgica empregada pelos autores foi utilizada desde fevereiro de 2019,
em clínica privada e instituição pública de saúde, com uso de retalho muscular peitoral
maior e tela Ultrapro, em Fortaleza, Ceará, Brasil1.
Uma bolsa submuscular peitoral maior foi dissecada em pacientes submetidos a mastectomia
que apresentavam um retalho cutâneo adequado, com um mínimo de 1cm de espessura e
de boa qualidade. A borda inferomedial do músculo peitoral (até o 2° espaço intercostal)
foi elevada para colocação de um molde de silicone. A tela (malha) sintética foi suturada
a este bordo do músculo peitoral, ao longo de todo o seu curso inferior até o sulco
inframamário.
Após escolha do implante, ele foi introduzido sob a tela sintética, sendo este material
fixado com fio de sutura Vicryl® 2-0 lateralmente a nível de linha axilar anterior à fáscia dissecada do músculo serrátil
anterior e até o sulco inframamário na posição desejada. Um dreno de sucção foi colocado
na bolsa submuscular e no subcutâneo do retalho da mastectomia, através de acesso
cutâneo separado, seguido de fechamento da ferida cirúrgica, por planos teciduais
(Figura 1).
Figura 1 - Peso do espécime: 646g, prótese; 445cc perfil alto Motiva®. Fixação da tela sintética ao músculo peitoral maior.
Figura 1 - Peso do espécime: 646g, prótese; 445cc perfil alto Motiva®. Fixação da tela sintética ao músculo peitoral maior.
Foram incluídas nesta casuística: 20 pacientes do sexo feminino, em um total de 30
mamas, com faixa etária variando de 33 a 63 anos, Índice de Massa Corporal (IMC) médio
de 27,2 kg/m2, com seguimento de até um ano de pós-operatório.
O número do Parecer no Comitê de Ética e Pesquisa foi: 4.844.482. Não há conflitos
de interesses com empresas citadas.
RESULTADOS
O volume médio das próteses implantadas foi de 390cc e o peso máximo dos espécimes
foi de 670g. Foram utilizados implantes de fornecedores variados, a depender da liberação
pelo plano de saúde da paciente, com perfil alto ou moderado (avaliação prévia de
base da mama operada, flacidez, hipertrofia mamária).
Houve extrusão de duas próteses de silicone (6,6% da casuística) devido à necrose
do retalho cutâneo da mastectomia em uma paciente diabética e outra paciente (submetida
a linfadenectomia axilar) com persistência de seroma após retirada do dreno de sucção
no 16º dia de pós-operatório.
DISCUSSÃO
Shia et al.2 realizaram um estudo retrospectivo com 182 pacientes, de janeiro 2009 a dezembro
2015, que foram submetidos a mastectomia poupadora de pele (MPP) e reconstrução mamária
imediata com implante de silicone (RMIP) e utilizaram diferentes tipos de implantes
após colocação provisória de um molde de silicone para escolha do implante ideal,
além de visualização e experiência pessoal do cirurgião.
Relacionou-se idade, IMC e as comorbidades presentes e utilizou-se o peso do espécime
da mastectomia como coeficiente de um modelo preditivo (fórmula) matemático:
onde x é o volume, em cc, do implante de silicone e y é o peso do espécime (produto
da mastectomia), em gramas, após a MPP.
Não houve utilização de Matriz Acelular Dérmica (ADM), proibida em Taiwan, e o implante
foi parcialmente coberto por retalhos musculares peitoral maior e serrátil anterior,
sendo que o quadrante inferolateral do retalho da mastectomia ficou sem cobertura
muscular e era coberto somente pelo tecido subcutâneo quando da utilização de próteses
maiores.
Em 107 pacientes (58,1%) foi utilizado implante Mentor® perfil moderado aumentado e em 34 pacientes (18,8%) foi utilizado Mentor® perfil moderado clássico, correspondendo a 76,9% dos casos.
Cerca de 70% dos pacientes estavam na faixa etária de 40 a 59 anos, com IMC médio
de 23,7kg/m2. Foi relatado que o volume médio do implante foi de 264,31cc e o peso médio do espécime
foi de 314,06g, que pode contraindicar a fórmula para mulheres ocidentais, apesar
de 64 pacientes (35%) utilizarem um implante maior que 300cc, sendo concluído que
a fórmula era adequada para utilização em espécimes até 700g.
Georgiou et al.3 relataram reconstrução mamária após mastectomia poupadora de pele em 79 pacientes
com idade média de 52 anos, sendo 62 cirurgias terapêuticas e 48 cirurgias profiláticas.
Foram utilizados implantes anatômicos de gel e posicionados no espaço subcutâneo.
Não houve método específico na escolha do implante e a decisão do implante adequado
era baseada na experiência do cirurgião quanto ao aspecto visual observado.
Utilizou-se uma equação matemática simples:
Concluiu-se que um implante menor produziu um resultado estético desejável e menos
artificial, para mamas com peso do espécime maiores que 300g, devido ao fenômeno natural
de uma menor retração de pele no pós-operatório.
Parmar et al.4 utilizaram a lei física de flutuabilidade, chamada “Princípio de Arquimedes”, a qual
diz que todo corpo totalmente imerso ou parcialmente imerso em um líquido qualquer
fica sujeito a uma força vertical de baixo para cima, igual ao peso da porção de líquido
deslocado pelo corpo.
É conhecido que o parênquima mamário tem uma densidade de 1,06 g/cm3. A densidade gravitacional de água é de 1,0 g/cm3 e da gordura é de 0,92 g/cm3, sendo o tecido mamário é constituído por uma mistura heterogênea de tecidos fibrosos
e gordurosos, apesar da menopausa, com variações normais entre mulheres e mesmo entre
as mamas do mesmo paciente (Figura 2).
Figura 2 - Relação entre volume de um SF 0,9% (500cc) e o peso em gramas (555g). Peso da embalagem
do SF 0,9%: 40g.
Figura 2 - Relação entre volume de um SF 0,9% (500cc) e o peso em gramas (555g). Peso da embalagem
do SF 0,9%: 40g.
No estudo a idade média era de 42,4 anos. Cinquenta e dois espécimes oriundos de mulheres
na pré-menopausa e 17 espécimes eram de mulheres na pós-menopausa. Vinte e seis pacientes
submeteram-se a redução mamária bilateral, duas tiveram mastectomia bilateral, nove
tiveram mastectomia unilateral e quatro pacientes foram submetidas a redução mamária
unilateral. O peso médio dos espécimes foi de 545,4g, enquanto o volume médio dos
implantes foi de 509cc, com uma diferença de 36,4 unidades (7%) (Figura 3).
Figura 3 - Peso do espécime: 422g, prótese: 350cc perfil Alto Mentor®.
Figura 3 - Peso do espécime: 422g, prótese: 350cc perfil Alto Mentor®.
Concluiu-se ausência de significância estatística nesta amostragem.
Yip et al.5 e Kim et al.6 propuseram uma avaliação radiológica corporal em 3D como um método não invasivo,
com o paciente sendo examinado em pé e respectiva criação de um modelo virtual em
3D, proporcionando uma avaliação de simetria, volume, contorno, superfície e distância
entre as mamas.
Infelizmente, os vários métodos de medida do volume mamário descritos na literatura
são de confiança variável e muitos são utilizados em avaliação pré-operatória. Estes
métodos apresentam detalhes técnicos difíceis de execução e reprodução, custo financeiro
elevado e baixa aceitação pelos pacientes, não sendo utilizados por cirurgiões na
prática diária.
Através da utilização, na sala de cirurgia, de uma fórmula matemática simples, conseguimos
indicar um método fácil e reprodutível na escolha do volume ideal na reconstrução
mamária após mastectomia poupadora de pele (MPP).
Utilizamos a fórmula de Nice (Georgiou et al.3), pois nossas pacientes na sua grande maioria produziram espécimes maiores que 450g,
e a nossa técnica, com utilização de tela sintética formando a bolsa submuscular peitoral
maior, permitiu a reconstrução em tempo único com próteses de silicone maiores que
300cc (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - 4°mês pós-operatório - Espécime: 485g, Prótese 375cc, Perfil Alto, Eurosilicone®.
Figura 4 - 4°mês pós-operatório - Espécime: 485g, Prótese 375cc, Perfil Alto, Eurosilicone®.
Figura 5 - 60° dia pós-operatório - Espécime: 465g, Prótese 460g, Perfil Alto, Nagor®.
Figura 5 - 60° dia pós-operatório - Espécime: 465g, Prótese 460g, Perfil Alto, Nagor®.
Não houve preferência por fabricante de próteses de silicone, apenas o perfil escolhido
foi alto ou moderado plus, a depender da base da mama, grau de flacidez e hipertrofia
mamária.
Atualmente, não utilizamos expansor de silicone e contraindicamos a reconstrução mamária
em pacientes com IMC maior que 30 kg/m2, ou que serão submetidas a radioterapia imediata à mastectomia, além de comorbidades
associadas: anemia: hemoglobina (Hb) menor que 11g/dl, diabetes e/ou hipertensão arterial
sistêmica (HAS) não controladas, tabagismo ou gigantomastia.
Nossa casuística revelou uma satisfação mútua do paciente e cirurgião quando da avaliação
visual e estética (volume por sob as vestes, simetrização, correção de ptose mamária)
no pós-operatório imediato e tardio, evitando vindas frequentes ao médico assistente
para sessões de expansão e tempos cirúrgicos adicionais e consequente redução de morbidade
cirúrgica.
Houve necessidade de 2º tempo cirúrgico para lipoenxertia de contorno de polo superior
e medial de mama reconstruída em seis pacientes, principalmente em mamas submetidas
a tratamento adjuvante com radioterapia.
CONCLUSÃO
Houve eficiência na utilização da Fórmula de Nice em identificar o volume adequado
na reconstrução mamária imediata à mastectomia (utilizando o peso do espécime em gramas),
tornando esta fórmula matemática uma ferramenta importante no arsenal terapêutico
do cirurgião plástico e evitando a utilização de moldes cirúrgicos reutilizáveis e
potencialmente contaminados.
REFERÊNCIAS
1. Bezerra FJF, Moura RMG. Synthetic mesh as a potential low-cost alternative to dermal
matrix in mammary reconstructions. Rev Bras Cir Plást. 2021;36(2):122-8. DOI: 10.5935/2177-1235.2019RBCP0000
2. Shia WC, Yang HJ, Wu HK, Lin SL, Lai HW, Huang YL, et al. Implant volume estimation
in direct-to-implant breast reconstruction after nipple-sparing mastectomy. J Surg
Res. 2018;231:290-6. DOI: 10.1016/j.jss.2018.05.024
3. Georgiou CA, Ihrai T, Chamorey E, Flipo B, Chignon-Sicard B. A formula for implant
volume choice in breast reconstruction after nipple sparing mastectomy. Breast. 2012;21(6):781-2.
4. Parmar C, West M, Pathak S, Nelson J, Martin L. Weight versus volume in breast surgery:
an observational study. JRSM Short Rep. 2011;2(11):87. DOI: 10.1258/shorts.2011.011070
5. Yip JM, Mouratova N, Jeffery RM, Veitch DE, Woodman RJ, Dean NR. Accurate assessment
of breast volume: a study comparing the volumetric gold standard (direct water displacement
measurement of mastectomy specimen) with a 3D laser scanning technique. Ann Plast
Surg. 2012;68(2):135-41.
6. Kim JH, Park JW, Woo KJ. Prediction of the Ideal Implant Size Using 3- Prediction
of the Ideal Implant Size Using 3-Dimensional Healthy Breast Volume in Unilateral
Direct-to-Implant Breast Reconstruction. Medicina (Kaunas). 2020;56(10):498. DOI:
10.3390/medicina56100498
1. Plasticorp Clinica de Cirurgia Plástica, Cirurgia Plástica, Fortaleza, CE, Brasil
2. Hospital Geral de Fortaleza, Cirurgia Plástica, Fortaleza, CE, Brasil
Autor correspondente: Francisco José Fontenele Bezerra Rua Barbosa de Freitas,1911, Fortaleza, CE, Brasil. CEP: 60170-021, E-mail: fco.fontenele@yahoo.com.br
Artigo submetido: 21/07/2021.
Artigo aceito: 11/07/2022.
Conflitos de interesse: não há.