INTRODUÇÃO
Mulheres de todo o mundo nascem com formas e tamanhos de mamas variados, conforme
sua herança genética, produto de seleção natural e cultural ao longo da evolução humana.
Múltiplas etiologias são motivos destas variações e são comuns casos de hipomastias,
ptoses e mamas que sofreram emagrecimento e perderam volume.
Deformidades congênitas como a síndrome de Poland, as mamas tuberosas ou assimétricas,
e até mesmo a ausência da mama após mastectomia, também compõem variações anatômicas
que passaram a receber atenção com a evolução da cirurgia plástica.
Desde 1985, com Czerny1, temos descrito técnicas operatórias com objetivo de tratar variações anatômicas
da mama por meio do aumento de seu volume. Em 1963, Cronin & Gerow introduziram o
uso do implante de silicone para corrigir deformidades criando volume mamário2. A partir daí, a cirurgia da mama com uso de implantes aumentou exponencialmente.
Iniciava-se uma corrida na fabricação de próteses mamárias que marcou a cirurgia da
mama nos anos seguintes e estabeleceu o silicone, por parecer inerte, como sendo o
material mais adequado.
Guiado por fenômenos culturais e conceitos de beleza de determinado período e local,
soma-se a este conjunto o desejo feminino de mamas firmes, com forma bem definida
e tamanho ideal, levando, inclusive, a técnicas de redução de mama com o uso dos implantes.
Resolvia-se a ausência de volume ou sustentação, mas complicações relacionadas aos
implantes surgiram ao longo do tempo.
A contratura capsular, o envelhecimento das próteses com vazamento e migração do gel
de silicone, a calcificação da cápsula fibrosa3 e deformidade em “dupla-bolha” (“double-bubble”)4 são alguns destes distúrbios. Existe, também, a associação do implante com o linfoma
anaplásico de grandes células (sigla inglês: ALCL). Nesses casos, a troca do implante
ou sua retirada definitiva, com, sem ou associando a capsulotomia e a capsulectomia,
são as principais formas de tratamento4.
Somado a isso, desde a década de 1960 é descrita a associação de doenças sistêmicas
e implantes mamários. Talvez a principal delas seja a síndrome Autoimune Induzida
por Adjuvantes (sigla em inglês: ASIA), uma doença autoimune descrita pela primeira
vez em 2011 e que tem o silicone do implante com uma de suas etiologias5.
Recentemente, o conjunto de sintomas sistêmicos inespecíficos associados ao implante
de silicone passou a denominar a “doença do silicone”, do inglês “Breast Implant Illness”, apesar de ainda não totalmente comprovado e sem registro como doença pela Organização
Mundial da Saúde (OMS)6.
Assim, caminhando em direção oposta àquela vista anteriormente, este conjunto de situações
adversas ao uso dos implantes de silicone, alimentado pelo crescimento das mídias
sociais como fonte de informação para pacientes, culminou em um aumento da retirada
definitiva do implante7,8. Algumas vezes por indicação médica e, outras muitas, por desejo e autonomia da paciente9.
O desafio, então, passa ser a reconstrução da mama explantada, que outrora tomou forma
através de um conteúdo que agora não existe mais. Tecidos autólogos restantes da mama
tornam-se a principal ferramenta deste processo.
A forma mais segura e difundida de preenchimento da mama por meio de tecidos autólogos
é com o retalho de pedículo inferior10, descrito desde a década de 1940 com Maliniac e usado pela maioria dos cirurgiões
até hoje4,11. Entretanto, considerando-se que a incisão inframamária é a favorita pela maioria
dos cirurgiões brasileiros (89,66%)4 nas cirurgias de implante mamário, muitos casos de explante têm este pedículo inferior
comprometido pela lesão dos vasos perfurantes.
Como alternativa, devemos lembrar da técnica dos retalhos cruzados para o tratamento
das ptoses mamárias, descrita inicialmente por Sperli, em 1972. Ela tem o objetivo
restabelecer o equilíbrio entre conteúdo e continente mamários e fornecer cones mamários
harmônicos, dispensando o pedículo inferior12. Estender as indicações desta técnica para as mamas explantadas parece ser útil no
tratamento destas pacientes.
OBJETIVO
Este trabalho se propõe a descrever o uso da técnica dos retalhos cruzados para reconstrução
da mama após o explante da prótese de silicone.
MÉTODOS
Trata-se de estudo retrospectivo, em que foram realizados explantes de silicone com
reconstrução imediata da mama sem o uso de um novo implante, motivados por indicação
médica ou por desejo próprio do paciente. Os dados foram obtidos dos prontuários da
clínica particular do autor e todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião.
Foram verificados a característica da população, tempo de uso da prótese, motivações
do explante e presença de complicações (deiscência, seroma, necrose, assimetria, infecção,
hematoma, cicatrização patológica). O seguimento foi de 6 meses.
Os critérios de inclusão foram pacientes submetidas a explante de prótese mamária
de silicone com reconstrução imediata através dos retalhos cruzados, sem a inclusão
de um novo implante.
Critérios de exclusão foram casos de explante com recolocação de prótese, explante
com reconstrução através da associação de outras técnicas além dos retalhos cruzados,
casos submetidos a segundo tempo de reconstrução e casos de explante motivado por
infecção ou hematoma, que poderiam receber implantes em outro tempo operatório por
desejo da paciente.
Os sujeitos de pesquisa foram esclarecidos e termos de consentimento foram assinados.
Este estudo seguiu as exigências éticas da Declaração de Helsinki e suas atualizações.
Tática operatória
A programação cirúrgica se inicia com os princípios descritos por Pitanguy et al.13-15 na marcação da pele, considerando que haverá perda do conteúdo formado pelo implante
e que o continente formado por pele terá que se reajustar após o explante.
Após a desepitelização da área demarcada (Figura 1), incisamos o polo inferior da mama desde a borda inferior da aréola, verticalmente,
de modo a obtermos dois retalhos parenquimatosos de pedículo superior, um medial e
outro lateral, conforme descrito por Sperli12.
Figura 1 - Marcação da área a ser desepitelizada.
Figura 1 - Marcação da área a ser desepitelizada.
Neste momento acessa-se a loja da prótese, que pode envolver o espaço subglandular,
subfascial ou submuscular. Optamos, preferencialmente, pela dissecção de toda a cápsula
para ressecção junto ao implante. Após retirados, registros fotográficos e por vídeo
são realizados e as peças são encaminhadas para estudo anatomopatológico. Em seguida,
fazemos incisões de liberação nas bordas externas dos retalhos até os pontos “B” e
“C”, respectivamente. Com os retalhos bem definidos, realiza-se a simulação da montagem
da mama com o cruzamento entre eles (Figura 2).
Figura 2 - Cruzamento dos retalhos.
Figura 2 - Cruzamento dos retalhos.
A ordem de rotação e cruzamento dos retalhos lateral e medial é livre para se chegar
à melhor conformação do cone mamário, em cada caso. A fixação dos retalhos procederá
da melhor forma para que o cone mamário fique estruturado, na maioria das vezes com
suturas simples entre a ponta do retalho que irá cruzar primeiro e a base interna
do segundo, seguido da rotação do segundo retalho sobre o primeiro suturando-o na
base externa deste. O plano anatômico da loja mamária prévia não influenciará nestas
manobras.
O ajuste final de pele para o fechamento da mama montada e a definição da posição
do complexo areolopapilar ajudará a obter uma mama com equilíbrio entre a distribuição
do conteúdo de tecido mamário remanescente dos retalhos em seu continente de pele
(Figura 3).
Figura 3 - Aspecto da montagem da mama com o cruzamento dos retalhos e ajuste de pele.
Figura 3 - Aspecto da montagem da mama com o cruzamento dos retalhos e ajuste de pele.
Assim, estabelecemos uma nova mama com retalhos seguros, independentemente das incisões
das cirurgias prévias para o implante mamário. É de ciência que teremos volume sempre
menor, mas com resultado estético satisfatório, sem graus elevados de ptose ou sensação
de mama vazia.
RESULTADOS
Foram realizados 10 casos de explante com reconstrução com o uso dos retalhos cruzados
em pacientes femininas entre os anos de 2004 e 2021. As idades variaram de 33 a 65
anos de idade (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - Pré-operatório (A e B); Pós-operatório de 6 meses (C e D).
Figura 4 - Pré-operatório (A e B); Pós-operatório de 6 meses (C e D).
Figura 5 - Pré-operatório (A e B); Pós-operatório de 6 meses (C e D).
Figura 5 - Pré-operatório (A e B); Pós-operatório de 6 meses (C e D).
As comorbidades diagnosticadas verificadas foram um caso de cardiopatia, um de tireoidite
de Hashimoto, um de depressão, um de diabetes mellitus e duas pacientes eram ex-tabagistas.
Antecedente pessoal ou familiar confirmado de doença autoimune não foi verificado
em nenhuma paciente. No entanto, uma das pacientes apresentava fator antinuclear (FAN)
positivo, ainda sem diagnóstico fechado de doença autoimune.
O tempo de uso das próteses que foram explantadas variou de 3 a 19 anos (Figura 6).
Figura 6 - Idades das próteses explantadas em anos.
Figura 6 - Idades das próteses explantadas em anos.
Os motivos que levaram à cirurgia de explante seguida da reconstrução sem o uso de
uma nova prótese foi em primeiro lugar a contratura capsular, seguida de dor inespecífica
na mama. Algumas pacientes tiveram mais de uma motivação (Figura 7).
Figura 7 - Motivações de explante definitivo.
Figura 7 - Motivações de explante definitivo.
Como complicação, houve dois casos de cicatriz hipertrófica, tratados com facilidade
através de medidas clínicas (Tabela 1).
Tabela 1 - Número de casos em cada complicação.
Deiscência |
Seroma |
Necrose |
Infecção |
Assimetria |
Hematoma |
Cicatriz Hipertrófica |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
2 |
Tabela 1 - Número de casos em cada complicação.
DISCUSSÃO
A mudança na percepção da beleza da mama é um processo dinâmico e tem valorizado mamas
menores. Essa e outras influências que associam doenças ou sintomas múltiplos ao silicone,
somadas a indicações comuns de troca do implante, parecem ser motivo de um aumento
no número de pacientes que optam pelo explante definitivo. As mídias sociais surgem
como elemento fortificador deste fenômeno.
O implante de silicone quando inserido em uma mama leva quase sempre a um processo
de expansão tecidual dos tecidos que envolvem a loja mamária, em diferentes graus15. Com a retirada desta prótese, sobram tecidos flácidos, sem forma bem definida e
com a sensação de falta de volume mamário. Perde-se o equilíbrio entre o continente
e conteúdo mamário. Para estes casos, a redistribuição de tecidos autólogos deve ser
bem compreendida a fim de recompor o cone mamário com segurança dos retalhos.
Várias técnicas têm sido desenvolvidas visando proporcionar à mama forma e volume
satisfatórios, diminuindo o índice de complicações16.
O uso dos retalhos cruzados foi aprimorado por Sperli12, Hakme et al.17 e Miró18. Ele é capaz de redistribuir tecido sem usar pedículos medianos ou inferiores. Por
isso, mostrou-se útil nos casos de explante, nos quais esses pedículos tendem a estar
comprometidos por cirurgias prévias4.
Turner et al.19 mostram a utilidade do enxerto de gordura para preenchimento de mamas com pouco tecido
mamário. Os autores reconhecem, mas consideraram não ser necessário na maioria dos
casos, nos quais as pacientes entendem a beleza da mama de menor volume.
Como fator limitante, este trabalho não compara o método dos autores com outras técnicas,
ainda não descritas para estes casos.
A escassez literária alerta para a necessidade de documentação e elaboração de estudos
que comparem diferentes táticas para este tratamento que cresce a cada dia.
CONCLUSÕES
Os autores concluem ser propícia a utilização dos retalhos cruzados como alternativa
útil e segura para as cirurgias de reconstrução da mama após explante definitivo com
uso de tecidos autólogos.
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1. Hospital Daher Lago Sul, Serviço de Cirurgia Plástica, Brasília, DF, Brasil
Autor correspondente: Tristão Maurício de Aquino Filho SQS 105, Bloco G, apto 402, Asa Sul, Brasília, DF, Brasil. CEP: 70344-070, E-mail:
dr.tristaomauricio@gmail.com
Artigo submetido: 15/09/2021.
Artigo aceito: 11/07/2022.
Conflitos de interesse: não há.