INTRODUÇÃO
Lipomas são neoplasias benignas caracterizadas histologicamente por presença de adipócitos
maduros com pequenos núcleos empurrados para a periferia celular por gotícula de lipídio1,2. O tumor apresenta quantidades variáveis de estroma fibroso, algumas vezes condensado
em periferia de lesão formando cápsula incompleta (pseudocápsula)3. Lipomas são os tumores mesenquimais benignos de tecidos moles mais frequentes4,5,6, com incidência em população adulta estimada em 0,21% a 0,5% e prevalência em 10%7,8,9,10,11.
Lipomas geralmente são subcutâneos, mas podem se localizar em qualquer local corporal
que contenha tecido adiposo, incluindo vísceras, cavidades, sistema nervoso central,
trato gastrointestinal, músculos e articulações1,4,5,8. Cerca de 80% são menores do que 5cm de diâmetro, porém alguns podem chegar a mais
de 20cm e pesar vários quilogramas, configurando os chamados lipomas gigantes5. Diagnóstico de lipomas é clínico-histopatológico1, e tratamento, geralmente cirúrgico7.
De acordo com Sanchez et al.12, para um lipoma ser considerado gigante (LG), deve ter um mínimo de 10cm em uma de
suas dimensões ou pesar ao menos 1000 gramas. O maior LG relatado no mundo foi de
22,7kg5,12 e, no Brasil, 22,0kg8.
LG são encontrados incomumente em prática clínica (< 5% de todos lipomas)4. Embora raros, têm relevância médica, pois podem acometer qualquer região corporal
e ser diagnosticados em fases avançadas em que há comprometimento estético e/ou funcional4,5,6,9. Podem ser confundidos com neoplasias malignas de tecidos moles11,13. Por fim, a história natural de LG ainda não é exatamente conhecida4.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de LG tratado com excisão elíptica pela
equipe de cirurgia plástica no Hospital Roberto Santos (Salvador/BA), em 2016.
RELATO DE CASO
O relato seguiu as recomendações do SCARE (Statement Consensus Based Surgical Case Report Guidelines 2018). O estudo é retrospectivo e foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica (CAAE 46603221.7.0000.5028,
parecer 4.793.410).
Homem, 62 anos, faioderma, lavrador, 74kg, 1,80m, com volumosa tumoração dorsal iniciada
20 anos antes como pequeno abaulamento de crescimento lento e progressivo, atingindo
as grandes dimensões atuais há cinco anos. Desde então, paciente passou apresentar
dor local, deformidade grotesca e isolamento social.
Ao exame, se observava, em terço proximal de dorso, massa móvel hemisférica com 35cm
de diâmetro, não aderida a planos profundos, indolor, amolecida, com pele suprajacente
normal (Figura 1A). Não foram encontradas anormalidades em história familiar, exame
físico geral ou avaliação laboratorial (hemograma, coagulograma, glicemia, exame de
urina, ureia, creatinina, eletrólitos e ECG).
TC multislice de tórax (Toshiba Aquilion 8-slice) revelou massa subcutânea multisseptada com densidade de gordura, medindo 21,0 x
23,1cm, localizada em terço superior de dorso compatível com LG. O exame não detectou
compressão de estruturas torácicas ou cervicais.
O tratamento instituído foi excisão cirúrgica. Trinta minutos antes do procedimento,
foi realizada antibioticoprofilaxia intravenosa (cefazolina, 2.000mg). No entanto,
não foi feita tromboprofilaxia medicamentosa devido ao baixo risco de desenvolvimento
de trombose transoperatória (conforme critérios e recomendações propostas por Moulim
et al.)14.
Sob anestesia geral, foi feita incisão elíptica transversa de 30cm x 5cm sobre domo
da tumoração, que foi dissecada de tecidos subcutâneo e muscular circunjacentes. A
massa apresentava aspecto e consistência gordurosa e exibia septos internos e cápsula
externa fibrosa formando um plano de clivagem (exceto em face profunda do tumor) que
facilitava dissecção e resultava em sangramento limitado. Um tumor lipomatoso multilobado
massivo foi removido (Figura 1B) evidenciando-se sua emergência paravertebral a partir da parte média do trapézio
esquerdo (Figura 1B - seta). Após hemostasia, procedeu-se a remoção de excesso de pele e fechamento com
sutura em W invertido (Figura 1C). Pontos foram dados com fio de mononylon preto 2-0 em planos subdérmico (simples
invertidos) e intradérmico (sutura cuticular contínua). O campo cirúrgico foi drenado
com dreno de Rendon.
Figura 1 - Lipoma gigante. A: Aspecto pré-operatório; B: Excisão elíptica, seta: origem do tumor; C: Pós-operatório imediato; D: Pós-operatório de 6 meses; E: Pós-operatório de 5 anos.
Figura 1 - Lipoma gigante. A: Aspecto pré-operatório; B: Excisão elíptica, seta: origem do tumor; C: Pós-operatório imediato; D: Pós-operatório de 6 meses; E: Pós-operatório de 5 anos.
O procedimento total, incluindo sutura de pele, durou quatro horas e trinta minutos,
e foi realizado por equipe coordenada por cirurgião plástico com 20 anos de treinamento
na especialidade. O paciente obteve alta hospitalar após sete dias de hospitalização
sem complicações. No pós-operatório, foi orientado a fazer curativos com gaze úmida
e pomada antibiótica (bacitracina e neomicina) até completa cicatrização, sendo acompanhado
ambulatorialmente pela equipe cirúrgica, semanalmente no primeiro mês e, em seguida,
a cada dois meses.
Análise histopatológica revelou lipoma gigante de 2881 gramas, com medidas de 29,0
x 26,0 x 6,0cm. Na avaliação de 6° mês, a região operada permanecia plana, com cicatriz
cirúrgica levemente hipertrófica (5mm, Figura 1D), que se mostrou levemente deprimida
na avaliação de 5 anos (Figura 1E). O resultado final (estético e funcional) foi considerado
como excelente tanto pelo paciente quanto pela equipe cirúrgica.
DISCUSSÃO
O corrente relato apresenta paciente típico portador de LG: homem em sexta década
de vida com tumoração de crescimento lento e etiologia não reconhecível1,4,5,6,9,11,13. Dimensões e massa do lipoma (2881g), embora reduzidas em relação a LG mais volumosos
descritos, se enquadra na faixa mais comum descrita para LG (493,75g a 3,8kg cm)11. O diagnóstico pré-operatório do presente LG foi clínico, pois a lesão apresentava
características habituais (consistência amolecida, lento crescimento, mobilidade e
pele suprajacente íntegra, ausência de dor e manifestações sistêmicas15).
O LG apresentado foi exemplo de lipoma intermuscular relacionado com o trapézio. Curiosamente,
o primeiro lipoma subfascial descrito em literatura (em 1856, por Padget) também se
originava do músculo3. Ao crescer, o LG do corrente relato causou grande expansão de pele sobrejacente,
de modo que houve necessidade de remover grande elipse de tegumento redundante após
retirada da massa. A sutura final foi colocada em ziguezague para prevenir formação
de cicatriz retilínea retrátil. O longo tempo cirúrgico foi atribuído a dimensões
avantajadas do tumor e dificuldade de liberação do LG aderido bilateralmente ao trapézio
subjacente devido à ausência de cápsula fibrosa identificável na zona de contato com
o músculo.
O LG descrito não apresentava sintomas compressivos, de modo que a excisão foi feita
para permitir diagnóstico diferencial com lipossarcomas e, sobretudo, por razões cosméticas.
Rydholm & Berg descreveram que lesões >10 cm apresentam risco 25 vezes maior de malignidade
que lesões <5 cm. Tal estudo alerta para a necessidade de remoção cirúrgica do LG
mesmo ausentes manifestações sugestivas de malignidade7. A despeito de problemas compressivos que podem causar, paradoxalmente a maioria
de lipomas são removidos por razões estéticas4. Como em corrente relato, a indicação pode ser importante para correção de deformidades
grosseiras, contribuindo para a reintegração de pacientes marginalizados socialmente
por causa da deformidade.
A falta de efeitos adversos pós-operatórios no presente relato parece ser achado de
exceção, uma vez que complicações imediatas após ressecção de LG são frequentes, e
incluem parestesias, necrose de pele, infecções de ferida cirúrgica, varizes de membro
inferior e complicações pulmonares8. Complicações pós-operatórias tardias não têm sido relatadas5. Recidivas pós-cirúrgicas são consideradas baixas para a variante intermuscular e
um pouco mais altas para o tipo intramuscular, principalmente quando há preservação
da musculatura acometida4,11,13.
CONCLUSÃO
O LG apresentado foi removido sem complicações e com excelentes resultados estéticos
e funcionais.
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1. Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação
em Processos Interativos de Órgãos e Sistemas, Salvador, BA, Brasil.
2. Hospital Geral Roberto Santos, Cirurgia Geral, Salvador, BA, Brasil.
Autor correspondente: Sandro Cilindro de Souza ICS-UFBA, Av. Reitor Miguel Calmon, sala 110, 1º Andar, Vale do Canela, Salvador,
BA, Brasil CEP: 40110-902 E-mail: sandrocilin@gmail.com.br
Artigo submetido: 26/04/2021.
Artigo aceito: 15/10/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Hospital Geral Roberto Santos, Salvador, BA, Brasil.