INTRODUÇÃO
A ptose mamária caracteriza-se por desproporção entre a pele da mama e seu conteúdo.
Esta alteração tem a mastopexia como um procedimento cirúrgico que objetiva correção
do problema mamário1. É comum a associação desta à flacidez e à hipomastia, o que dificulta sua abordagem
cirúrgica2,3,4. Em 1969, Goulian e Conway sugeriram a colocação de próteses mamárias junto à mastopexia,
visando melhor efeito estético nesses casos2. No entanto, o procedimento combinado adiciona a ocorrência de complicações relacionadas
à presença da prótese às complicações relacionadas a mamoplastia em si5.
Para um melhor resultado estético, deve-se levar em conta a escolha do pedículo areolopapilar,
localização do implante, tipo de ressecção glandular, o tipo de incisão e o formato
de implante5,6.
As complicações mais frequentes dessa abordagem cirúrgica são recidiva da ptose, cicatrizes
hipertróficas, queloides, achatamento do cone mamário, perda da sensibilidade, posicionamento
inadequado ou distorções da aréola, aplainamento mamilar, infecções, hematomas, seromas
e deiscências de suturas7. No entanto, alguns desfechos incomuns também podem acontecer, a exemplo da galactocele
ou galactorreia8. Pouco se sabe a respeito da fisiopatologia desses resultados atípicos, mas acredita-se
que se deva à manipulação do tecido mamário durante o procedimento cirúrgico8,9.
Existem poucos relatos na literatura acerca de galactorreia ou galactocele após mastopexia
com colocação de implantes mamários, sendo então uma rara complicação desse procedimento8,9.
OBJETIVO
Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo relatar e discutir um caso de galactorreia
pós-mastopexia com prótese.
RELATO DO CASO
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e apresenta CAAE de número: 40146720.7.0000.5549.
Paciente do sexo feminino, 53 anos, G2P2A0 e dois períodos de amamentação prévia,
com duração de 2 anos cada. Encontra-se em tratamento de reposição hormonal, com uso
de dienogeste e valerato de estradiol. Sem outras comorbidades. Ao exame físico, mamas
com ausência de cicatrizes e/ou nodulações, ptosadas classificadas como grau II de
Regnault.
No dia 24 de agosto de 2019, na cidade de Patos de Minas (MG), realizou mastopexia
bilateral associada à inclusão de próteses 260ml, texturizadas, redondas, alta projeção
da marca Motiva, com cicatriz em “T” invertido e posicionadas em plano subfascial.
No mesmo procedimento, ainda foi realizada blefaroplastia. O tempo cirúrgico foi de
4h30 e a paciente recebeu alta hospitalar em 24 horas.
No pós-operatório imediato, paciente relatou dor e edema unilateral em mama esquerda.
Foram prescritos cefadroxila monoidratada 500mg e celecoxibe 200mg de 12/12 horas
por seis dias, dipirona 1g, vitamina C 1g efervescente e colírio de dextrano e hipromelose
devido à blefaroplastia. Associada à medicação, iniciou-se também drenagem linfática
manual, visando redução do edema.
Nove dias após a cirurgia, devido à manutenção dos sintomas, foi solicitada ultrassonografia
das mamas, realizada em 05/09/2019. O laudo confirmou discreta coleção líquida (seroma)
peri-implante em mama esquerda. Ultrassonografias de controle foram realizadas 7 e
14 dias após a primeira, confirmando ainda presença de coleção líquida em discreta
quantidade, anecoide, homogênea ao redor do implante, sendo melhor identificada em
quadrante superolateral da mama esquerda.
No 30º dia de pós-operatório, paciente iniciou quadro de galactorreia. Foi prescrito
o medicamento cabergolina 0,5mg, um comprimido, dose única, sem melhora em uma semana.
O tratamento foi repetido mais uma vez, em dose única. No entanto, continuou relatando
quadro de mastalgia e edema à esquerda.
Foram solicitados exames de dosagem de hormônio folículo estimulante (FSH), TSH ultrassensível,
macroprolactina e prolactina. Os resultados foram, respectivamente, 34,66mUI/mL, 3,25microUI/mL,
37,06ng/ml com percentual de recuperação de 75% e 37,1ng/ml. Assim, percebe-se alteração
nos resultados da macroprolactina e prolactina, o que levou à confirmação do quadro
de galactorreia devido hiperprolactinemia.
Após 15 dias do uso da segunda dose de cabergolina 0,5mg, houve interrupção da galactorreia,
evoluindo para um quadro assintomático, com melhora da dor e do edema.
A ultrassonografia de controle corroborou os achados, evidenciando apenas implantes
mamários de silicone sem sinais de coleção líquida peri-implante e BIRADS-2. A paciente
evoluiu sem quaisquer outros sintomas.
DISCUSSÃO
Como qualquer outra abordagem cirúrgica, as mamoplastias de aumento estão sujeitas
a complicações9. Todavia, as mastopexias possuem um grau de dificuldade mais elevado devido às características
da pele do paciente, maior flacidez e pouca elasticidade1,10. Dentre as diferentes complicações no pós-cirúrgico de correção mamária, o quadro
de galactorreia possui poucos relatos literários9.
No caso clínico apresentado, há ocorrência da secreção leitosa após o procedimento
cirúrgico, além dos sintomas de dor, desconforto e aumento do volume mamário unilateral,
definindo assimetria. Diferentes estudos indicam que técnicas cirúrgicas que manipulam
os ductos lactíferos podem estar relacionadas com o fenômeno da galactorreia11. Para diminuir a perturbação desses ductos, alguns cirurgiões optam por uma incisão
inframamária, quando não há necessidade de realizar a mastopexia9.
A galactocele nem sempre está associada à hiperprolactinemia. Quando as concentrações
séricas de prolactina estão normais, a galactorreia é considerada fisiológica e transitória
devido ao excessivo estímulo do tecido mamário. Pacientes submetidas a mamoplastia
de aumento possuem estímulos mamilares por distensão abrupta e compressão, devido
à prótese mamária, tornando-se fatores contribuintes para a secreção da prolactina12.
Quando se compreende a fisiologia da lactação, entendemos como a sulpirida e outros
inibidores da dopamina que interagem nesse ciclo hormonal podem estimular a produção
de leite e estar envolvidos na formação da galactocele. De modo contrário, agonistas
da dopamina, como a bromocriptina e a cabergolina, entre outros, atuam inibindo a
prolactina e, consequentemente, a lactação, sendo portanto, essenciais no tratamento
da galactocele13.
A ocorrência de lactação é uma complicação rara da cirurgia plástica mamária. A fisiopatologia
desta complicação pode estar associada a uma secreção inadequada de prolactina no
contexto cirúrgico. Os fatores que favorecem essa complicação seriam o número de gestações,
uma história de amamentação recente e extensa e a ingestão de certos medicamentos,
como uma pílula estroprogestativa. O principal sintoma dessa complicação é a ocorrência
de galactorreia unilateral ou bilateral, em média de 6 a 12 dias após a cirurgia.
O principal diagnóstico diferencial é uma infecção pós-operatória.
Dependendo do caso, o tratamento pode variar entre simples vigilância à associação
de agonista dopaminérgico, antibioticoterapia e revisão cirúrgica. Os agonistas dopaminérgicos
são a primeira escolha, pois o acompanhamento de pacientes, a longo prazo, tem comprovado
sua eficácia tanto na reversão de alterações gonadais ligadas à hiperprolactinemia
como na redução dos adenomas hipofisários14,15.
A cabergolina - medicação utilizada no caso relatado - é um agonista dopaminérgico
derivado do Ergot (fungo contaminante comum do centeio e outros cereais, ou pelo uso
excessivo ou mal orientado de drogas derivadas da ergolina) com longa ação após administração
oral, usado no tratamento da hiperprolactinemia, além de distúrbios idiopáticos, adenomas
hipofisários, amenorreia, oligomenorreia, anovulação e galactorreia14.
A dose inicial recomendada de cabergolina é de 0,5mg por semana, administrada em uma
ou duas doses por semana. A dose semanal deve ser aumentada gradualmente, preferencialmente
adicionando 0,5mg por semana em intervalos mensais, até que a resposta terapêutica
ótima seja atingida. A dose terapêutica é normalmente 1mg por semana, mas pode variar
de 0,25mg a 2mg por semana. Doses de cabergolina de até 4,5mg por semana têm sido
usadas em pacientes hiperprolactêmicos14. No caso relatado, a cabergolina foi utilizada na dose de 0,5mg, em duas tomadas
com uma semana entre elas, totalizando 1mg.
Esse esquema terapêutico foi eficaz quanto à inibição da lactação após a mastopexia
bilateral associada à inclusão de próteses no presente caso.
CONCLUSÃO
A galactocele pós-mastopexia com prótese é uma complicação rara e pode ou não estar
associada à hiperprolactinemia, porém pouco se sabe sobre a real fisiopatologia do
desenvolvimento desse quadro.
Ao iniciar-se um quadro de galactorreia em pós-operatório de cirurgia mamária, é mandatória
a realização de dosagens hormonais para identificar o aumento da prolactina. Inibidores
da lactação são utilizados como tratamento, com bons resultados e protocolos já estabelecidos.
Não foi necessária a realização de procedimentos invasivos para controle e resolução
do caso, apenas o uso de medicamento oral.
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1. Centro Universitário Atenas, Paracatu, MG, Brasil.
2. Hospital Federal de Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Autor correspondente: Ludimilla Santos Araújo Rua Raul Botelho, 251, Alto do Córrego, Paracatu, MG, Brasil CEP: 38606-032 E-mail:
ludinhasantos@hotmail.com
Artigo submetido: 21/05/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Centro Universitário Atenas, Paracatu, MG, Brasil.