INTRODUÇÃO
A paralisia facial apresenta uma vasta gama de etiologias e pode decorrer de lesões
no nervo facial e, dependendo do nível dessa lesão, ocorrem alterações nos músculos
da mímica facial. Geralmente, é um fenômeno reversível, seja de forma espontânea,
ou por meio de tratamento clínico ou cirúrgico. Mesmo assim, cerca de 20% dos casos
evoluem com algum tipo de sequela, variando do grau leve até paralisia completa dos
movimentos dos músculos faciais1,2.
O tratamento vai depender de algumas variantes, principalmente o tempo, local e mecanismo
de lesão. Para as lesões precoces, pode-se tentar reanimar a musculatura mímica através
de neuroanastomoses ou reparos do nervo, por exemplo, enquanto, nas paralisias tardias,
pode-se tentar suspensão dinâmica com retalho muscular, ou estática quando a função
mímica não é recuperada, apenas a estética3.
Dentro do campo da cirurgia, a tela de polipropileno e poliglecaprone, comercialmente
chamada de ULTRAPRO® (Figura 1), que é parcialmente absorvível, tem um espaço interessante, e é requisitada principalmente
diante de situações de correção de hérnia abdominal. Ela gera fibrose do tecido, dando
sustentação, mas ao mesmo tempo estimula uma cicatriz flexível e promove elasticidade
multidirecional, oferecendo à parede abdominal dinâmica e fisiologia normais4.
Figura 1 - Tela de ULTRAPRO® (composta de polipropileno e poliglecaprone).
Figura 1 - Tela de ULTRAPRO® (composta de polipropileno e poliglecaprone).
OBJETIVO
Assim, esse trabalho tem como objetivo trazer um relato de caso, no Hospital das Clínicas
de Recife-PE, no qual a tela de polipropileno e poliglecaprone foi usada para tratamento
de sequela estética de uma paciente com paralisia facial, tendo como função a elevação
das estruturas da hemiface direita.
RELATO DO CASO
S.R.S., feminino, 55 anos, apresenta paralisia facial de etiologia desconhecida há
aproximadamente 27 anos, já tendo realizado outra cirurgia na tentativa de correção
da paralisia em outro centro, mas não obteve resultados satisfatórios. Ao exame físico
inicial - junho de 2016 - (Figura 2), apresentava selamento palpebral incompetente, com esclero show, desvio de comissura
labial, e não tinha movimentos da musculatura temporal direita. Após avaliação do
serviço de neurologia, optouse por corrigir a assimetria por meio de lifting facial com a elevação da musculatura e fixação de toda estrutura de hemiface com
a tela de ULTRAPRO®, devido a sua característica de sustentação associada a flexibilidade
e elasticidade.
Figura 2 - Paciente no exame físico inicial, com esclero show, desvio de comissura labial, e
sem movimentos da musculatura temporal direita.
Figura 2 - Paciente no exame físico inicial, com esclero show, desvio de comissura labial, e
sem movimentos da musculatura temporal direita.
Durante a cirurgia - maio de 2017, com a paciente em decúbito dorsal e sob anestesia
geral, foi realizada a marcação com o verde brilhante utilizando um compasso, e em
seguida iniciou-se com uma incisão abaixo da costeleta, pré e retroauricular com descolamento
de retalho cutâneo em toda hemiface direita. Após o levantamento do sistema músculo
aponeurótico superficial (SMAS) e sua fixação com fios de mononylon (Figura 3), foi colocada a tela ULTRAPRO® em região de terço médio da hemiface direita (Figura 4). A tela foi fixada com monocryl sobre o SMAS.
Figura 3 - SMAS levantados e fixados com fios de mononylon.
Figura 3 - SMAS levantados e fixados com fios de mononylon.
Figura 4 - Tela ULTRAPRO® colocada em região de terço médio da hemiface direita e fixada com
monocryl sobre o SMAS.
Figura 4 - Tela ULTRAPRO® colocada em região de terço médio da hemiface direita e fixada com
monocryl sobre o SMAS.
Como complemento, foram realizadas cantotomia e cantopexia lateral da pálpebra direita.
Na hemiface esquerda foi realizada a mesma incisão abaixo da costeleta pré e retroauricular,
sobre marcação prévia com descolamento de retalho cutâneo e tratamento do SMAS. Realizada
a suspensão da cauda do supercílio esquerdo conforme a técnica de Castanares. Após
a revisão da hemostasia, foi realizada sutura por planos. Foram introduzidos drenos
tubulares em ambas as hemifaces.
No pós-operatório imediato a paciente evoluiu sem edema, retrações ou abaulamentos.
Após um ano e oito meses do ato cirúrgico, apresenta total integração da tela, permanecendo
com a fixação da musculatura na sua nova localização, não apresentando fibrose nem
recidiva da flacidez (Figura 5).
Figura 5 - A: Paciente em consulta inicial, antes do procedimento; B: Paciente em 1 ano e 8 meses de pós-operatório.
Figura 5 - A: Paciente em consulta inicial, antes do procedimento; B: Paciente em 1 ano e 8 meses de pós-operatório.
DISCUSSÃO
A paralisia facial é um distúrbio que envolve os nervos da região da face, a etiologia
é bastante ampla, com mais de 75 causas descritas, como congênita, idiopática, traumática
e tumoral. Porém, o diagnóstico etiológico muitas vezes é difícil de ser dado, aumentando,
assim, a casuística idiopática, que é conhecida como paralisia de Bell5.
Para o tratamento cirúrgico, deve-se informar as vantagens e desvantagens de cada
proposta, informando que não é possível restabelecer os movimentos voluntários suficientes
para restaurar a mímica facial6.
A escolha do tratamento vai depender ainda da causa e da duração da lesão7. Numerosas técnicas já foram descritas para melhorar a função e aparência consequente
às lesões do nervo facial, como a reconstrução imediata por sutura direta, indireta
ou pela interposição de enxertos nervosos8. Nesses casos, tentase recuperar a função nervosa por meio da neurorrafia, como relatado
por Viterbo et al.9 em diversos casos.
Outra forma, mais recente, de tentativa de recuperação nervosa é com o uso das células
tronco, como já vem sendo estudado há algum tempo. Essas células devem agir na regeneração
nervosa10.
Nas paralisias de longa duração, a suspensão estática é o tratamento cirúrgico mais
simples. Em 1934, foi descrito por Gillies11 o uso da transposição do músculo temporal para a reanimação facial, que apresenta
bons resultados, mas impraticável com a paciente em questão.
Algumas novas técnicas estáticas para a correção da paralisia de longa duração continuam
sendo propostas, muitas com materiais aloplásticos, como apresentado por Alam12, em que foi usado “Gore-tex strip”, com boa resposta estética, principalmente ao analisar o sulco nasolabial.
Seguindo o uso de novos materiais, a utilização de tela de ULTRAPRO® pode ser pensada
como uma técnica viável, como foi para este caso. A característica principal de gerar
fibrose do tecido, dando sustentação e ao mesmo tempo com uma cicatriz flexível elástica,
motivou a escolha para esse produto, que fez com que o resultado da suspensão, pela
tração do SMAS, se mantivesse mesmo após a absorção da tela4.
Pode-se concluir, portanto, que a utilização da tela de polipropileno e poliglecaprone
é capaz de corrigir a flacidez muscular consequente à paralisia facial e manter o
seu resultado cirúrgico, sem apresentar deformidades na pele, mesmo com a tela colocada
no subcutâneo, não causando retração.
REFERÊNCIAS
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https://doi.org/10.1002/micr.20240
2. Lazarini PR, Fouquet ML. Paralisia facial: avaliação, tratamento e reabilitação. São
Paulo: Lovise; 2006.
3. Brown S, Isaacson B, Kutz W, Barnett S, Rozen SM. Facial Nerve Trauma: Clinical Evaluation
and Management Strategies. Plast Reconstr Surg. 2019;143(5):1498-512. DOI: 10.1097/
PRS.0000000000005572 PMID: 30807496 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0000000000005572
4. Utrabo CAL, Czeczko NG, Busato CR, Montemór-Netto MR, Lipinski L, Malafaia O. Estudo
tensiométrico de telas utilizadas na correção de defeito na parede abdominal ventral
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5. Balogh B, Frühwald F, Millesi W, Millesi H, Firbas W. Sonoanatomy of the muscles of
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6. Medina HS, Ramalho R, Biscotto R, Chveid M. Tela de Prolene - Utilização em Reconstruções
de Cabeça e Pescoço. Rev Bras Cir Plást.1997;12(1):7-16.
7. Gur E, Kedar DJ, Zaretski A, Arad E, Meilik B, Yanko R, et al. Facial nerve paralysis
- therapeutic approach, facial reanimation and adjunctive treatment. Harefuah. 2020;159(8):612-7.
PMID: 32852164
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9. Viterbo F, Romão A, Brock RS, Joethy J. Facial reanimation utilizing combined orthodromic
temporalis muscle flap and end-to-side cross-face nerve grafts. Aesthetic Plast Surg.
2014;38(4):788-95. PMID: 24943646 DOI: https://doi.org/10.1007/s00266-014-0357-8
10. Wang TV, Delaney S, Pepper JP. Current state of stem cellmediated therapies for facial
nerve injury. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2016;24(4):285-93. PMID: 27379549
DOI: https://doi.org/10.1097/MOO.0000000000000292
11. Baker DC. Facial paralysis. In: McCarthy JG, ed. Plastic Surgery. Philadelphia: W.
B. Saunders; 1990. p. 2237-319.
12. Alam D. Rehabilitation of long-standing facial nerve paralysis with percutaneous suture-based
slings. Arch Facial Plast Surg. 2007;9(3):205-9. PMID: 17515497 DOI: https://doi.org/10.1001/archfaci.9.3.205
1. Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
2. Universidade de Pernambuco, Faculdade de Ciências Médicas, Recife, PE, Brasil.
3. Universidade Federal de Pernambuco, Faculdade de Medicina, Recife, PE, Brasil.
Autor correspondente: Pedro Celso de Castro Pita Praça Miguel de Cervantes, nº 60, sala 301, Ilha do Leite, Recife, PE, Brasil CEP:
50070-520 E-mail: pedro.pitta@hotmail.com
Artigo submetido: 10/03/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco, Hospital das Clínicas, Recife, PE,
Brasil.