INTRODUÇÃO
O retalho Keystone foi descrito pela primeira vez em 20031. É um retalho em ilha baseado em perfurantes fasciocutâneas recrutadas na periferia
da ferida a ser tratada. Assim, possui a vascularização confiável de um retalho perfurante,
aliado à dissecção simples e reprodutibilidade de um retalho local2. Apesar de suas vantagens, é ainda pouco citado na literatura especializada e longe
de se tornar opção de escolha na prática clínica da cirurgia reconstrutiva3.
OBJETIVO
O objetivo deste artigo é apresentar a experiência de um serviço oncológico de alta
complexidade no uso de retalhos Keystone em reconstruções. Essa série de casos visa
reforçar a versatilidade e segurança deste retalho no manejo de defeitos de diferentes
volumes e localizações.
MÉTODOS
Um estudo retrospectivo foi desenvolvido através do levantamento de dados de prontuário
de pacientes operados pela equipe de Cirurgia Plástica
do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) entre fevereiro de 2017 e janeiro
de 2020. As seguintes informações foram coletadas: dados epidemiológicos; tipo histológico;
comorbidades; localização e tamanho da área ressecada; tempo de hospitalização; complicações.
Foram obtidos registros fotográficos pré, intra e pós-operatórios.
RESULTADOS
Um total de nove pacientes foram tratados com retalho Keystone (seis mulheres e três
homens), com média de idade de 52,7 anos, sendo quatro hipertensos, três diabéticos
e dois tabagistas (Tabela 1). Todos os defeitos se seguiram após ressecções oncológicas, sendo cinco em extremidades
inferiores, três em tronco e um em face. Melanoma foi a neoplasia mais frequente.
A média da área ressecada foi de 52,6cm2, com mediana de 31,4cm2. Em todos os casos, a área doadora foi fechada primariamente.
Tabela 1 - Características clínicas de nove pacientes com lesões cutâneas malignas tratadas com
ressecção e reconstrução com retalho Keystone.
|
Gênero |
Idade |
Comorbidades |
Etiologia |
Localização |
Área ressecada |
Complicações |
Tempo Anestésico-cirúrgico |
Tempo de hospitalização |
N1 |
F |
71a |
HAS, DM, Depressão, Obesidade |
Metástase em trânsito de melanoma |
Perna E |
19,77cm² |
- |
315 min |
3 dias |
N2 |
F |
73a |
Câncer de mama |
CEC |
Tornozelo D |
31,4cm² |
- |
146 min |
2 dias |
N3 |
F |
54a |
Tabagismo, HAS, Depressão |
Linfadenectomia inguinal por melanoma metastático |
Inguinal D |
21,3cm² |
- |
481 min |
3 dias |
N4 |
F |
76a |
HAS, obesidade |
CBC infiltrativo |
Sulco Nasogeniano E |
4,35cm² |
- |
238 min |
1 dia |
N5 |
M |
27a |
- |
Sarcoma |
Lombar |
163,5cm² |
- |
281 min |
4 dias |
N6 |
M |
66a |
Tabagismo, HAS, IAM prévio |
Melanoma |
Coxa D |
43,96cm² |
- |
280 min |
2 dias |
N7 |
F |
31a |
Obesidade |
Sarcoma |
Perna D |
38,46cm² |
- |
255 min |
1 dia |
N8 |
F |
50a |
Anemia ferropriva, arritmia |
Sarcoma |
Lombar |
32,97cm² |
- |
287 min |
2 dias |
N9 |
M |
62a |
Tabagismo, etilismo |
Melanoma |
Dorso |
117,75cm² |
Dog ear
|
318 min |
2 dias |
Tabela 1 - Características clínicas de nove pacientes com lesões cutâneas malignas tratadas com
ressecção e reconstrução com retalho Keystone.
O tempo anestésico-cirúrgico apresentou média de 289 minutos. Este tempo inclui o
ato anestésico, a duração da ressecção tumoral e a reconstrução pela cirurgia plástica.
O tempo de hospitalização médio foi de 2,2 dias. As reconstruções foram finalizadas
com uma única cirurgia, exceto por um paciente que precisou de retoque da cicatriz
devido a “dog ears”, realizado posteriormente sob anestesia local. Não houve complicações pós-operatórias
ou perdas do retalho. Nenhum paciente foi excluído da amostra.
DISCUSSÃO
As vantagens de uma reconstrução locorregional já foram amplamente discutidas na literatura4. Tempo cirúrgico abreviado, vascularização estável e o satisfatório resultado estético
de uma cobertura utilizando tecidos adjacentes ao defeito são algumas delas2. O retalho Keystone alia esses benefícios a sua versatilidade, podendo ser utilizado
na reconstrução de membros2, tronco e face5, como demonstrado em nossa série (Figuras 1, 2, 3).
Figura 1 - Defeito de 38,46cm2 em perna direita após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Figura 1 - Defeito de 38,46cm2 em perna direita após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Figura 2 - Defeito de 4,35cm2 em sulco nasogeniano esquerdo após ressecção de carcinoma basocelular infiltrativo.
A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Figura 2 - Defeito de 4,35cm2 em sulco nasogeniano esquerdo após ressecção de carcinoma basocelular infiltrativo.
A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Figura 3 - Defeito de 32,97cm2 em região lombar após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Figura 3 - Defeito de 32,97cm2 em região lombar após ressecção de sarcoma. A: Demarcação do retalho; B: Aspecto final da reconstrução; C: Pós-operatório tardio.
Descrito por Behan et al. em 20031, o Keystone flap é um retalho em ilha, fasciocutâneo3, 4. Sua geometria trapezoidal, com maior eixo paralelo ao defeito, garante o recrutamento
de vasos perfurantes nas adjacências do ferimento, tornando sua vascularização confiável.
Esse design permite também o avanço do tecido com pouca morbidade à área doadora,
de forma que, em pelo menos uma das extremidades, o fechamento será semelhante ao
retalho V-Y6. Nesta série, todas as áreas doadoras foram fechadas primariamente, sem maiores morbidades.
A vascularização deste retalho é proporcional à extensão da ilha de pele desenhada,
desde que mantida a área de contato com a fáscia subjacente, por onde emergem os vasos
perfurantes3, 4. Esse conceito permite a confecção de Keystone flaps de tamanhos diversos5. A taxa de complicações descrita em literatura é de 4%, sobretudo deiscência e necrose
parcial7. Em nossa série, a área reconstruída variou de 4,35cm2 a 163,5cm2, sem qualquer complicação com a vascularização do retalho.
A principal limitação do retalho Keystone ocorre no uso em áreas de pele pouco elástica,
que restringe seu avanço e impossibilita o fechamento da área doadora sem tensão.
Assim, não é recomendado na reconstrução da face anterior da perna, áreas irradiadas
ou amplamente traumatizadas8. Além disso, sua confiabilidade na cobertura de mucosas (intraoral e intranasal)
ainda não foi estudada3, 9. Nenhum de nossos pacientes atendia a essas restrições.
CONCLUSÃO
O retalho Keystone é uma opção tecnicamente simples e reprodutível para a cobertura
de ferimentos de tamanhos diversos e em localizações variadas. Devido à sua confiabilidade,
dissecção simples e rápida, abreviado tempo de internação e baixa morbidade à área
doadora, deve ser considerado na reconstrução de feridas oncológicas de diversas localizações,
em pacientes de todas as idades.
REFERÊNCIAS
1. Behan FC. The Keystone Design Perforator Island Flap in reconstructive surgery. ANZ
J Surg. 2003;73(3):112-20. DOI: 10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x PMID: 12608972 DOI:
https://doi.org/10.1046/j.1445-2197.2003.02638.x
2. Rao AL, Janna RK. Keystone flap: versatile flap for reconstruction of limb defects.
J Clin Diagn Res. 2015;9(3):PC05-7. DOI: 10.7860/JCDR/2015/12595.5631 PMID: 25954659
DOI: https://doi.org/10.7860/JCDR/2015/12595.5631
3. Gómez OJ, Barón OI, Peñarredonda ML. Keystone Flap: Overcoming Paradigms. Plast Reconstr
Surg Glob Open. 2019;7(3):e2126. DOI: 10.1097/G0X.0000000000002126 PMID: 31044108
4. Mohan AT, Rammos CK, Akhavan AA, Martinez J, Wu PS, Moran SL, et al. Evolving Concepts
of Keystone Perforator Island Flaps (KPIF): Principles of Perforator Anatomy, Design
Modifications, and Extended Clinical Applications. Plast Reconstr Surg. 2016;137(6):1909-20.
DOI: 10.1097/PRS.0000000000002228 PMID: 26895582
5. Pelissier P, Gardet H, Pinsolle V, Santoul M, Behan FC. The keystone design perforator
island flap. Part II: clinical applications. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2007;60(8):888-91.
DOI: 10.1016/j. bjps.2007.03.023 PMID: 17493885 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2007.03.023
6. Shayan R, Behan FC. Re: the “keystone concept’: time for some science. ANZ J Surg.
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7. Khouri JS, Egeland BM, Daily SD, Harake MS, Kwon S, Neligan PC, et al. The keystone
island flap: use in large defects of the trunk and extremities in soft-tissue reconstruction.
Plast Reconstr Surg. 2011;127(3):1212-21. DOI: 10.1097/PRS.0b013e318205f36f PMID:
21364423 DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e318205f36f
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V-Y advancement flap applied to a keystone flap. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2012;65(8):1087-95.
DOI: 10.1016/j.bjps.2012.03.004 PMID: 22512938 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2012.03.004
9. Chen HC. Precautions in using keystone flap. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2010;63(4):720.
DOI: 10.1016/j.bjps.2009.02.049 PMID: 19364682 DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2009.02.049
1. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Serviço
de Cirurgia Plástica e Queimaduras, São Paulo, SP, Brasil.
2. Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Serviço de Cirurgia Plástica, São Paulo,
SP, Brasil.
Autor correspondente: Renan Diego Américo Ribeiro Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 8º andar, São Paulo, SP, Brasil CEP: 05403-900
E-mail: renanamericor@gmail.com
Artigo submetido: 30/04/2021.
Artigo aceito: 18/05/2021.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Instituto do Câncer
do Estado de São Paulo e Hospital das Clínicas, São Paulo, SP, Brasil.