INTRODUÇÃO
O câncer que mais acomete mulheres em todo o mundo é o de mama1. Não bastasse o mal que a doença ativa é capaz de causar, após a cura as sequelas
continuam atormentando a vida de milhares de mulheres. O trauma psicológico de uma
mutilação pode ter repercussões psicológicas de difícil controle. A mastectomia salva
a vida da mulher com câncer mamário; entretanto, a perda da mama pode manter o biopsicossocial
da paciente doente2. Reconstruir as mamas se torna, então, tempo crucial no tratamento destas mulheres.
Com a evolução da medicina o tratamento oncológico ficou menos agressivo e possibilitou
também o avanço das técnicas capazes de reconstruir a feminilidade da mulher através
da mama. O controle local da doença pode agora ser obtido, de forma segura, com operações
mais conservadoras, ofertando ao cirurgião plástico um lugar de destaque no tratamento.
Além disso, ficou estabelecido que a biologia do câncer de mama não é alterada pela
reconstrução e esta não compromete o adequado tratamento da doença3.
Estudos e reflexões de cirurgiões plásticos em todo o mundo possibilitaram a padronização
de uma série de técnicas e ferramentas para a reconstrução da mama, que vão compor
o arsenal do cirurgião moderno. Existem várias, incluindo técnicas com retalhos locais,
como o plug flap4 e as técnicas de mamoplastia, retalhos de vizinhança, como retalho toracodorsal5, materiais aloplásticos (expansores teciduais e próteses), numerosos retalhos autólogos6, incluindo retalhos microcirúrgicos ou, ainda, técnicas combinadas frente aos variados
tipos de casos. Paralelamente, a indústria de produtos médico-hospitalares desenvolveu
material aloplástico (próteses e expansores) mais adequados e de melhor qualidade,
que propiciam reconstruções mais seguras e mais previsíveis no que concerne ao uso
dos implantes7.
Valer-se da história e evolução das técnicas operatórias permite ao cirurgião um melhor
entendimento do diagnóstico e tratamento. A história caminha para o aprimoramento
e, assim como para um artista que retrata toda diversidade do mundo em uma tela, para
a diversidade anatômica da mulher, quanto mais opções o cirurgião plástico tiver,
melhor vai ser sua indicação técnica e consequente resultado.
A evolução do conhecimento anatômico, da fisiologia do câncer de mama, da oncologia,
da anestesia e, por fim, da cirurgia permitiu a história evolutiva das reconstruções
mamárias que trataremos aqui. A medicina baseada em evidências aliada ao tom artístico
que a cirurgia plástica transcende no corpo humano caminharam juntas desde os primórdios
com Hipócrates, que munido de uma grande capacidade de observação clínica, porém com
o conhecimento que lhe era concedido, pensava: “…e aparecem tumores duros na mama, uns maiores, e outros mais pequenos, que não supuram,
mas que vão sempre crescendo e ficando mais duros. Daqui nascem os cancros oclusos.
Quando, finalmente, os cancros aparecem, a boca torna-se mais amarga, e tudo os que
as doentes comem lhes sabe a amargo, e se lhes quiserem dar mais comida, recusamna,
e fecham a boca. Começam a delirar, os olhos ficam parados e deixam de ver com clareza,
e a dor nascida na mama chega ao pescoço e às omoplatas, a sede aparece, os mamilos
tornam-se secos e todo o corpo fica emaciado. Quando as doentes chegam a este estado,
não recuperam e morrem da sua doença. É melhor não aplicar qualquer tratamento em
casos de cancro ocluso, porque, se se tratarem, as doentes morrem depressa, mas, se
não se tratarem, ainda duram um longo tempo…”3. Grande foi a evolução deste conhecimento até os dias de hoje e, em plena lucidez
do século XXI, ainda desafios complexos são enfrentados no cotidiano dos cirurgiões
que tratam a mama.
Histórico
A magnitude do conhecimento médico esbanjado nos dias atuais deve seu ônus às descobertas
dos séculos passados. Com a descoberta da anestesia em 1846 iniciou-se as operações
sem dor, pois tudo que existia antes “eram apenas trevas de ignorância, de sofrimento, de tentativas infrutíferas na escuridão.” (Bertrand Gosset - Livro: O Século dos Cirurgiões, 1956)8.
No século XIX, com Halsted9, as cirurgias eram amplas e retiravam uma grande quantidade de pele, musculatura
peitoral e às vezes até as costelas, justificado pela necessidade da cura do câncer
de mama. Iniciou-se, assim, uma população com importantes sequelas estéticas, funcionais,
sociais e psicológicas, uma vez que a reconstrução mamária dessas pacientes era desencorajada
pelo próprio Halsted, com o receio de prejudicar o diagnóstico de recidivas local
da doença e o processo de cura9.
Com cirurgias tão agressivas, as tentativas de fechamento do defeito primariamente
e sob tensão, por muitas vezes eram malsucedidas. Não eram raras as deiscências com
necessidade de fechamento por segunda intensão, acarretando grande morbimortalidade
às pacientes. Para diminuir esse problema Halsted modificou sua técnica, valendo-se
de enxertos de pele para cobrir o defeito, evitando o fechamento sob tensão, porém
com resultados estéticos pobres e ainda mutiladores10.
A história do tratamento do câncer de mama caminhou para condutas cada vez menos agressivas.
A utilização de tecidos autólogos marcou, no século XIX, o início dos tratamentos
modernos da reconstrução mamária. Contudo, apenas na segunda metade do século XX que
o conceito de reconstrução mamária após mastectomia se popularizou com a introdução
inicial de retalhos pediculados e, subsequentemente, de retalhos livres apoiados em
perfurantes. A primeira reconstrução bem-sucedida foi descrita por Czerny, em 189511, um cirurgião alemão que autotransplantou um lipoma da região lombar para o local
da mastectomia subcutânea prévia; segundo o autor, a mama reconstruída manteve uma
boa forma, com acompanhamento de um ano.
Logo após Tansini, na Itália, em 189712, iniciou seus estudos e realizou a primeira rotação do retalho de latissimus dorsi (Figura 1), utilizado naquela ocasião para cobertura de defeito da parede torácica, uma reconstrução
mamária incipiente. Este procedimento não teve grande acolhida e caiu logo em desuso
pela crença de que a reconstrução imediata dificultaria a detecção da recidiva local,
conceito este, difundido por Hasted, e que perpetuou por muitos anos12. Tansini (1906)13 defendia a ablação completa da glândula mamária como uma forma de diminuir as recorrências.
Figura 1 - Ígnio Tansini e fotos de seu trabalho
Figura 1 - Ígnio Tansini e fotos de seu trabalho
Era também defensor da ampliação das margens cirúrgicas como forma de garantir remoção
completa da doença, princípio adotado nas técnicas mais usadas na Europa nas duas
primeiras décadas do século XX.
No início do próximo século, o cirurgião francês Ombredanne (1983)14 descreveu o uso do retalho do músculo peitoral menor para reconstrução imediata da
mama, em que a pele era reparada pelo retalho toracoabdominal pediculado na região
axilar. Porém, seguindo o que o ocorreu com Tansini (1906)13, a técnica não foi bem vista com receio de prejudicar o acompanhamento da doença.
Pouco tempo depois, em 1917, Bartlett8 publicou seis casos de reconstrução mamária, pós-mastectomia subcutânea por mastite
fibrocística, com enxerto de gordura retirados das regiões abdominal anterior, face
externa das coxas e regiões glúteas. Segundo sua técnica, era recomendado a remoção
da gordura subcutânea aproximadamente 50% maior que o tecido mamário removido, a fim
de suprir o volume anterior da mama, somado à atrofia do enxerto que sempre ocorria.
Para tentar reduzir o grau de reabsorção, foram utilizados enxertos dérmicos ou dermogordurosos,
com a epiderme decorticada. Porém, também se mostraram insuficientes para manter o
tamanho desejado da mama.
Kleinschmidt, em 192414, seguindo raciocínio semelhante ao de Ombredanne (1983)14, no mesmo período, desenvolveu um retalho cutâneo local lateral, baseado na axila,
que girava sobre si mesmo para cobertura do defeito e formação do monte mamário15.
Algum tempo depois, cirurgiões de expressão na evolução científica do século passado,
Gillies e Millard (1957)10 e Holdsworth (1956)16, desenvolveram técnicas de reconstrução mamária utilizando retalhos cutâneos tubulares,
obtidos em outras áreas que não o defeito, visando a reconstrução do volume glandular
amputado17. Eram retalhos baseados no abdômen ou tórax inferior, com base em um pedículo tubular
e através de múltiplos procedimentos operatórios, eram transferidos para a área mastectomizada.
O processo reconstrutivo era moroso, levava meses ou anos, e tinha alta morbidade.
Esses demandosos procedimentos associados a resultados estéticos pobres não consagraram
a técnica entre os cirurgiões da então década de 1940.
Em 1959, Longacre et al.18, com o uso de retalho de vizinhança submamário decorticado, obtidos na região inframamária
e inseridos na mama para fornecer volume após mastectomia subcutânea, observaram manutenção
do volume e ausência de sinais de reabsorção após um seguimento de até onze anos,
atribuindo a preservação de uma extensa rede subcutânea de vasos sanguíneos. Em 1956,
Holdsworth16 publicou um retalho tubular da porção pendular da mama oposta, que foi transferida
para o defeito da mastectomia. Anos mais tarde, em 1973, Pontes19 refinou o uso da mama contralateral como área doadora, descrevendo uma técnica que
utilizava um retalho constituído por sua metade interna para reconstruir a mama perdida
em um tempo único.
As reconstruções com implantes
No início do século passado começaram a desenvolver materiais aloplásticos como alternativa
às reconstruções autólogas. A ideia começou utilizando um conceito proposto por Gersuny,
em 189920, quando introduziu por meio de injeção, parafina para aumentar a mama20. A ideia inovadora levou outros cirurgiões começaram e experimentar outros produtos
injetáveis, óleos vegetais, lanolina, silicone e cera de abelha. Essa técnica foi
logo abandonada devido às inúmeras e graves complicações locais, como parafinomas,
ulcerações e fístulas, além de embolias pulmonares, cerebrais e da retina.
A partir daí vários materiais e tentativas foram realizadas a fim de se obter o melhor
tipo de implante mamário. Mas apenas na década de 1960 que a primeira prótese de silicone
foi implantada em humano, no Texas, por Blocksma e Braley21, formado por uma camada externa espessa e preenchida por gel de silicone moderadamente
coeso, além de costuras e lacres de fixação. Surgia aí o futuro dos implantes mamários.
Contudo, muito ainda foi necessário em evolução para se chegar nas modernas próteses
de silicone que temos hoje.
Em 1965, surgia também as primeiras próteses preenchidas por solução salina, na França.
Esse tipo de preenchimento introduzia algumas vantagens, como a possibilidade de insuflação in loco, possibilitando inserção por incisões menores e taxa de contratura melhor mais aceitável
que da anterior. Entretanto, as dificuldades com as altas taxas de deflação e consistência
distante da mama natural incomodava pacientes e cirurgiões22.
Com objetivo de vencer essas dificuldades, Daher, em 1972, iniciou alguns casos de
reconstrução com uso de próteses de silicone trocadas sucessivamente, colocando inicialmente
uma menor e trocando a cada 90 dias por outra maior conseguindo assim a expansão da
pele. Esta ideia, embora original foi substituída pela publicação genial de Radovan23, na mesma década, dos expansores de tecidos, que permitam a colocação de implantes
maiores sob uma pele pré-expandida. Isso reacendeu o uso e a popularidade da reconstrução
mamária com expansores de tecido, de diversos formatos, tamanhos, formas e texturas.
Expansores modernos têm sido cada vez mais aperfeiçoados para garantir um resultado
estético tanto da mama reconstruída, quanto da mama contralateral, em especial no
que se refere a sua simetria23.
Ainda no início dos anos 70 (1972), o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital das
Forças Armadas, em Brasília, em parceria com o serviço de oncologia, que tinham posições
bastante avançadas para a época, admitiu ressecções mais conservadoras e sobretudo
indicando as mastectomias subcutâneas como procedimento preventivo, conhecidas, também
como adenectomias. Foi o início das cirurgias hoje chamadas skin sparring. “Realizamos esvaziamento das mamas deixando retalhos dermo cutâneos bastante finos
que cobriam os implantes de silicone, produzidos pela ‘dow corning’, e com resultados
imediatos muito interessantes. Logo em seguida evoluímos para o mesmo procedimento
com implantes sub musculares.” (Daher, 1972)
Em 1984, Becker24 descreveu um expansor com dois compartimentos em seu interior, sendo um deles preenchido
com gel de silicone e o outro vazio para ser preenchido posteriormente com solução
salina de acordo com o tamanho desejado. O expansor de Becker foi pioneiro na reconstrução
mamária em um estágio, eliminando a necessidade para um segundo tempo cirúrgico onde
os expansores seriam substituídos por implantes de silicone permanentes.
A maioria das reconstruções mamarias com expansores tinha resultados satisfatórios
ao longo do tempo, até que Clough et al. (2001)25 reportaram uma deterioração do resultado com o passar dos anos. A maioria dos resultados
eram aceitáveis inicialmente, mas iam se tornando piores conforme o tempo ia passando,
provavelmente devido à assimetria e envelhecimento dos implantes. Elliot e Hartrampf
(1990)26 listaram diversas causas que poderiam limitar essa técnica, que incluíam a grande
necessidade de visitas ao consultório médico (para a expansão gradual do tecido),
o risco de perfuração do expansor com a consequente necessidade de troca. Outros criticaram
a técnica de expansão por demorar muito e por necessitar de várias revisões cirúrgicas
posteriores. Gradualmente o interesse em reconstruções mamárias com tecidos autógenos
foi ganhando espaço na década de 8026.
Com o passar do tempo, os objetivos das reconstruções mamárias foram ficando mais
refinados. Cirurgiões e pacientes passaram a buscar contornos mais precisos, melhor
simetria e posicionamento das mamas. Esses objetivos eram comumente limitados devido
aos defeitos criados pela mastectomia. A técnica da mastectomia é o principal fator
influenciador do resultado da reconstrução. Essas técnicas também passaram por importantes
evoluções, desde a retirada radical de todo o tecido mamário e adjacentes até a filosofia
poupadora de tecidos. A técnica da mastectomia poupadora de pele preserva todo envelope
cutâneo da mama, resultando em menores cicatrizes e cobertura remanescente de pele
de boa qualidade na parede torácica.
Os retalhos miocutâneos
No final dos anos 70, entramos na era dos retalhos miocutâneos, inicialmente o latissimus dorsi. Este retalho foi na verdade descrito por Tansini, em 190613, mas sua utilização sistematizada para as reconstruções mamárias se deve a McCraw
(1978)27 e Bostwick (1979)28, que criava a possibilidade de levar pele do dorso para a região da mastectomia,
podendo ser associada com implante de silicone para proporcionar volume à região.
Com o advento dos expansores, os tecidos remanescentes da parede anterior do tórax
eram expandidos, muitas vezes com o retalho de latissimus dorsi já rodado para a região.
Apesar de atemporal e utilizado até os dias de hoje em grande escala, o retalho do
grande dorsal, analisado cronologicamente, foi substituído em preferência ao retalho
transverso do músculo reto abdominal (TRAM). As primeiras descrições do uso de retalho
musculocutâneo pediculado baseado no músculo reto abdominal para reconstruções de
parede torácica e abdominal foram de Dreaver em 198129, na forma vertical. Posteriormente, em 1979, Robins30 descreveu o mesmo retalho vertical, porém com a finalidade de reconstruir as mamas,
que a seguir, em 1982, foi modificado por Hartrampf31, e confeccionado na forma transversal, dando origem ao retalho transversal do músculo
reto abdominal - TRAM, tornando-se rapidamente uma importante alternativa para reconstruções
de mama.
A oncologia e mastologia evoluíram para ressecções mais conservadoras, as quadrantectomias,
que exigiram da cirurgia plástica outras soluções, agora não mais para a reconstrução
total das mamas, mas sim sua reconstrução parcial. Foi quando surgiu o plug flap - retalho em ilha da mama publicado por Daher, em 19934. Este primeiro retalho em ilha da mama, que chamamos de plug flap, trata-se de um cilindro de tecido mamário, pediculado no gradil costal, encimado
por fragmento de pele ou aréola, que serão transpostos para a região da quadrantectomia.
Este é um retalho seguro, pois possui pedículos baseados nos estudos anatômicos realizados
pelo autor que dissecou vinte mamas, que foram levantadas na forma de tenda, expondo
a vascularização da parede anterior do tórax.
Os retalhos livres
A microcirurgia foi o avanço mais recente que possibilitou “turbinar” retalhos de
vascularização mais limitada ou ainda realizar as reconstruções com retalhos trazidos
à distância e com menores danos às zonas doadoras.
Em 1976, Fujino32 fez a primeira transferência de retalho livre para reconstrução mamária a partir
de uma porção do músculo glúteo máximo. O primeiro retalho livre abdominal foi realizado
por Holmstrom, em 197933. Denominado retalho abdominal livre, foi idealizado partindo de um retalho de pele
de abdominoplastia e era baseado nos vasos epigástricos inferiores, unilaterais. Desde
então, a transferência de retalhos livres autógenos tem se tornado o método de escolha
em vários centros de reconstrução mamária.
Com a popularização dos retalhos glúteos em 1990, Allen et al. realizou o primeiro
retalho de artéria glútea superior (SGAP) e, em 2006, Allen et al.38 descreveu o uso do retalho baseado na artéria glútea inferior (IGAP) para reconstrução
mamária, com desagradável cicatriz resultante na prega glútea inferior3,4.
Nos últimos anos, com o aumento das cirurgias conservadoras indicadas pelos mastologistas
e uso das quadrantectomias, retomaram lugar os retalhos de vizinhança dermoglandulares.
Ganham espaço retalhos em ilhas da região torácica, como o plug flaps de Daher (1993)4 e em 2003, com Graf et al.35, que criaram uma técnica usando um retalho de parede torácica com retalho muscular
bipediculado do músculo peitoral maior, resultando em uma cicatriz vertical.
Telas e matriz dérmica
O uso de tela de polipropileno sintética foi utilizado pela primeira vez em 1981,
por Johnson36 para corrigir ptose mamária durante mamoplastia. Em 1996, Góes37 introduziu uma técnica com uso de tela de polipropileno para promover forma e suporte
no polo superior da mama.
DISCUSSÃO
O desejo dos cirurgiões plásticos pela reconstrução mamária talvez encontre dentre
suas motivações explicações psicanalíticas mais específicas e profundas, além do desejo
de reconstruir próprio da especialidade. Costumamos dizer que Melaine Klein, eminente
psicanalista do século passado, formulou suas teorias sobre o seio bom e o seio mau,
convergindo com nossa busca pelo seio integral, bonito, não mutilado ou com a mutilação
recuperada.
O advento da prótese de silicone foi a grande contribuição da engenharia e da indústria
à cirurgia plástica e um ponto fundamental no capítulo da cirurgia da mama em geral,
pois atendia ao objetivo da cirurgia estética de mamoplastia de aumento e tornou-se
uma poderosa arma para os soldados da reconstrução mamária. Serviu para as primeiras
tentativas de se criar volume mamário onde não havia. Seu uso inicialmente era limitado
pois os casos de reconstrução vinham após mastectomias realizadas pela técnica de
Halsted, Stewart, Pattey e Pattey modificada. As três primeiras executavam grandes
ressecções de pele e com retalhos muito finos, que dificilmente suportariam um silicone
em uma tentativa de reconstrução. Estamos falando dos anos 60 e início dos 70 quando
a mastologia ainda era muito agressiva em suas ressecções e não tínhamos os retalhos
miocutâneos de transposição.
A proposta de reconstrução pela bipartição das mamas remanescentes, embora extremamente
engenhosa e de grande valia aos pacientes que dela se serviram, foram abandonadas
sobretudo pela enorme resistência dos mastologistas. Na época eram extremamente conservadores,
diante de exames de imagem precários (o mamógrafo mais avançado fabricado pela França,
conseguia enxergar tumores de 1 cm acima, o que é pouquíssimo para os padrões de hoje).
Temiam a hipótese de estarmos levando tecido glandular potencialmente canceroso, afinal,
já se conheciam os princípios da bilateralidade de certos tumores, para a parede contralateral.
Mas, no início dos anos 70, dois fatos começaram a mudar o curso das reconstruções
mamárias: mastologista mais ousados pugnaram para cirurgias mais conservadoras, com
ressecções menores de pele, deixando retalhos um pouco mais espessos, chegando a técnica
de Pattey modificada que, com incisão horizontal e retalhos mais espessos, ousava
preservar o grande peitoral ou os dois, protegendo assim o pilar anterior do oco axilar.
Esta melhoria das condições na área da mastectomia levava os cirurgiões plásticos
a tentativas, ainda que tímidas de usar o implante de silicone, aquele que coubesse,
o que iniciou com a quebra do outro tabu dos oncologistas conservadores: as reconstruções
só poderiam ocorrer cinco anos após a mastectomia. Ora, a ousadia dos mastologistas
mais progressistas associada ao aperfeiçoamento cada vez melhor dos cirurgiões plásticos
mostrou que a reconstrução não piora o prognóstico, mas, ao contrário, melhora ao
proporcionar qualidade de vida à paciente.
Nas últimas duas décadas, a pesquisa em engenharia de tecidos vem estudando a possibilidade
de desenvolvimento de tecidos sintéticos ultra-realísticos. O uso potencial destas
técnicas em reconstrução mamária pode possibilitar o uso de tecidos autólogos sem
a necessidade de uma área doadora satisfatória, além de evitar as morbidades envolvidas
em sua mobilização.
O uso de matriz dérmica acelular, que incialmente foi usada em revisões de mamoplastias
de aumento com a finalidade de prevenir o rippling e alterações no contorno das mamas,
ultimamente tem sido utilizado em reconstruções mamárias associadas ao uso de implantes
em dual plane ou submuscular total. Seu uso se tornou mais conhecido em 2005, após
um relato de caso de seu uso como um sling para cobrir o polo inferolateral35. O uso da matriz dérmica acelular apresenta duas grandes vantagens: cobertura do
implante de silicone no polo inferolateral quando o musculo peitoral maior é inexistente
ou insuficiente; e menor queixa de dor pós-operatória, menor morbidade da área doadora
e melhores resultados estéticos36-38.
Assim como a arte, a evolução da cirurgia plástica não tem ponto de chegada, evolui
conforme a existência humana. Sua relação com o conhecimento e tratamento do câncer
de mama se mescla cada vez mais. Assistimos o surgimento de uma nova vertente da cirurgia
plástica, denominada cirurgia oncoplástica, que requer um conhecimento mais aprofundado
acerca da condução e das técnicas avançadas de tratamento do câncer de mama, desde
as mastectomias, as indicações para quimioterapia neoadjuvante e sua proposta de citoredução.
Assim, o estado da arte atual da reconstrução mamária encontra pilares históricos
bem fundamentados e auxílio tecnológico avançado, provendo condições para tratamentos
refinados, de alta exigência e preparo do artista. Cabe a nós cirurgiões conhecermos
com exímio como tudo chegou até aqui e estarmos atentos à modernidade e evidências
mais novas que nos são lançadas a cada dia, pois só assim seremos capazes de dispensar
o verdadeiro melhor tratamento às mamas reconstruídas.
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1. Hospital Daher Lago Sul, Brasília, DF, Brasil
Autor correspondente: Tristão Maurício de Aquino Filho SHIS, QI 7, Conj. F - Lago Sul, Brasília - DF, Brasil. CEP: 71615-660 E-mail: dr.tristaomauricio@gmail.com
Artigo submetido: 30/09/2020.
Artigo aceito: 10/01/2021.
Conflitos de interesse: não há.