INTRODUÇÃO
O linfedema penoescrotal é relativamente raro, sobretudo em países desenvolvidos1. É categorizado como primário, em decorrência de obstrução, hipoplasia ou malformações
linfáticas, ou secundário a diversas causas como filariose, linfogranuloma venéreo,
radiação e malignidade2. Frequentemente, afeta a função sexual, miccional, predispõe a infecções e dificulta
a locomoção, o que diminui a qualidade de vida, com repercussões físicas e psicossociais3.
O tratamento cirúrgico se apresenta como a melhor alternativa, nos casos com grandes
dimensões, por meio da excisão cirúrgica seguida de reconstrução com retalhos e enxertos4. Apesar disso, o manejo é desafiador. Este trabalho objetiva apresentar uma alternativa
cirúrgica para doença incomum e de abordagem terapêutica não padronizada na literatura.
Segue-se de uma breve discussão mediante revisão bibliográfica atualizada.
RELATO DE CASO
Trata-se de um paciente masculino, 22 anos, natural de área não endêmica de filariose
em Minas Gerais, encaminhado para avaliação da cirurgia plástica no Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Relatou que, desde o nascimento,
seus membros inferiores, escroto e pênis começaram a edemaciar progressivamente (edema
frio e mole), com evolução para prejuízo estético e funcional (miccional, sexual e
locomotor). Informou que sua família, por parte de mãe, é acometida há três gerações
pelo mesmo quadro e que seus irmãos também foram afetados, porém evoluindo com quadros
de menores proporções.
Ao exame físico, observava-se linfedema maciço escrotal com dimensões de 50cm x 30cm
x 20cm, linfedema do prepúcio com glande não visível e não exteriorizável. A pele
dos membros inferiores, escroto e pênis apresentava-se infiltrada, endurecida e com
nódulos exofíticos, hiperceratóricos, alguns com úlceras centrais, secas. Os testículos
não eram palpáveis e com transiluminação negativa (Figura 1). Havia necessidade de cadeira-de-rodas para percorrer grandes distâncias e não suportava
a ortostase por tempo prolongado.
Figura 1 - Apresentação do paciente.
Figura 1 - Apresentação do paciente.
O paciente não apresentava comorbidades, sendo a propedêutica para filariose negativa
e a tomografia computadorizada de abdome e pelve demonstrava imagem compatível com
linfedema penoescrotal. Em sua avaliação pré-anestésica foi considerado como ASA (American Society of Anesthesiologists) II.
Em 16 de abril de 2019, iniciou-se a cirurgia com antibioticoprofilaxia com cefazolina.
O paciente foi posicionado em litotomia, realizou-se antissepsia extensa, biópsia
de nódulos pubianos e swab uretral (para anatomopatologia e cultura, respectivamente), prosseguindo-se à sondagem
vesical de demora com auxílio de suturas de reparo prepuciais às 3 e 9h. Procedeu-se
à incisão longitudinal na rafe mediana escrotal até a base peniana, com exploração
bilateral pela dissecção em planos. Assim, foram identificados os testículos em posição
cranializada, próximos ao anel inguinal externo, fixando-os nesta posição. O testículo
direito apresentava tamanho reduzido e o esquerdo tamanho habitual.
Realizou-se a postectomia sob técnica de dupla incisão circular, com preservação de
uma faixa circular de prepúcio original de aproximadamente 3cm de extensão desde o
novo sulco coronal (Figura 2).
Figura 2 - Identificação dos testículos. Postectomia realizada pela técnica de dupla incisão
circular.
Figura 2 - Identificação dos testículos. Postectomia realizada pela técnica de dupla incisão
circular.
Seguiu-se a dissecção subdérmica de dois retalhos paraescrotais na transição com a
pele sadia (24cm x 10cm) e um retalho perineal em “V” invertido (7cm), com posterior
exérese dos excessos escrotais (Figura 3). Os retalhos paraescrotais foram bipartidos, sendo a parte cranial utilizada para
síntese pubopeniana ao nível da porção superficial do ligamento suspensor e do corpo
do pênis, com suturas sagitais dorsais e ventrais (nylon 4-0 na região pubiana e poliglactina
4-0 na região peniana).
Figura 3 - Exposição dos retalhos paraescrotais após remoção dos tecidos excedentes.
Figura 3 - Exposição dos retalhos paraescrotais após remoção dos tecidos excedentes.
A bolsa escrotal foi refeita unindo-se a porção caudal dos retalhos paraescrotais
na linha média, fixando a porção cranial na base peniana com suturas de adesão (poliglactina
3-0) e fechando a porção caudal em “W” junto ao retalho perineal (nylon 4-0).
Concluiu-se com a aposição de dois drenos laminares na nova bolsa escrotal e síntese
habitual das incisões remanescentes em dois planos. O pênis foi imobilizado na posição
vertical, com auxílio de curativo com gazes, e o curativo do escroto feito com bandagem
estéril, na forma de suspensório escrotal (Figura 4).
Figura 4 - Síntese dos retalhos para confecção da nova bolsa escrotal.
Figura 4 - Síntese dos retalhos para confecção da nova bolsa escrotal.
As culturas colhidas no intraoperatório não resultaram em crescimento bacteriano.
Manteve-se a sonda vesical por dois dias. O curativo foi trocado diariamente a partir
do 3° dia de pós-operatório (DPO). Os drenos foram retirados no 5° DPO, após débito
menor que 30ml nas 24h prévias. No 7° DPO, apresentou saída de secreção fétida, esverdeada,
pela porção ventral da sutura peniana, sendo colhidas culturas de secreção, retirados
pontos de sutura alternadamente, iniciada antibioticoterapia empírica (ceftriaxona
+ gentamicina) e trocados curativos a intervalos menores (8h).
Na manhã seguinte, pôde-se perceber os retalhos escurecidos e edemaciados, sobretudo
na porção que cobria a metade esquerda da superfície peniana (Figura 5). O restante da sutura ventral foi retirado, observando-se piora do aspecto da ferida.
As culturas foram positivas para Klebsiella sp., o que suscitou o escalonamento antibiótico segundo antibiograma (piperacilina-tazobactam
+ vancomicina).
Figura 5 - Área necrótica demarcada na superfície esquerda do corpo peniano.
Figura 5 - Área necrótica demarcada na superfície esquerda do corpo peniano.
No 10° DPO, já havia delimitação da necrose, sendo realizada reabordagem para desbridamento
dos tecidos necróticos até a fáscia de Buck (Figura 6), coleta de novas culturas e cobertura com enxerto de espessura parcial (0,6mm),
retirado da coxa esquerda e suturado de forma circunferencial ao pênis, com sutura
na sua linha média ventral. Foi realizado novo curativo com gaze petrolatada + algodão
hidrofóbico estéril, mantido por cinco dias.
Figura 6 - Desbridamento cirúrgico de área necrosada, com identificação da fáscia de Buck.
Figura 6 - Desbridamento cirúrgico de área necrosada, com identificação da fáscia de Buck.
À primeira troca deste curativo, foram observadas perdas difusas do enxerto colocado,
com coleções esverdeadas puntiformes sob alguns locais. A nova cultura veio positiva
para Pseudomonas aeruginosa, sendo requerido novo escalonamento antibiótico (tigeciclina). Evoluiu com boa cicatrização
das áreas não afetadas, porém com áreas cruentas das 12-5h na base peniana, porém
de aspecto granulante (Figura 7).
Figura 7 - Tecido de granulação no corpo peniano.
Figura 7 - Tecido de granulação no corpo peniano.
Recebeu alta no 25° DPO, com retornos seriados em 15, 30, 60 e 120 dias. Paciente
apresentou micção voluntária, com controle miccional satisfatório, e ereção não dolorosa,
funcional e com ejaculação preservada. Esteticamente, o resultado final foi pobre,
com cicatrizes dorsolaterais no pênis, cicatrizes hipertróficas na região pubiana
e desvio da haste peniana flácida para a esquerda em 90° no plano axial (Figura 8). O paciente, contudo, optou por não realizar novas abordagens, relatando estar satisfeito
com os resultados.
Figura 8 - Aspecto final com 120 dias de pós-operatório.
Figura 8 - Aspecto final com 120 dias de pós-operatório.
O estudo anatomopatológico evidenciou linfedema crônico, com peso da peça de 15,736
quilogramas e dimensões de 48 x 28 x 17cm. Não havia presença de microfilárias. Aos
três meses de pós-operatório, o espermograma evidenciou oligospermia, com vitalidade
reduzida na amostra, e cultura do líquido seminal sem crescimento bacteriano. O teste
urodinâmico apresentava-se dentro da normalidade.
DISCUSSÃO
No caso apresentado o paciente é acometido pela doença de Milroy, um linfedema primário,
raro, de herança autossômica dominante que afeta membros inferiores e região genital.
É caraterizada por mutações no gene do receptor do fator de crescimento vascular endotelial
3 (VEGFR-3), responsável pelo desenvolvimento dos vasos linfáticos5. Esses pacientes são afetados por um edema maciço, fibrose e endurecimento da pele
que compromete a função miccional, sexual, prejudica a mobilidade e a interação social6.
A abordagem do linfedema penoescrotal de grandes dimensões é desafiadora. Pela fisiopatologia
da doença de Milroy, o quadro não obtém resultados por terapia conservadora como a
linfangioplastia, já que há hipoplasia dos vasos linfáticos dos membros inferiores7. Assim, a literatura atual descreve a linfangiectomia (excisão cirúrgica da pele
e tecido subcutâneo acometido) como o tratamento de escolha, sobretudo em casos de
doença avançada e com fibrose associada8.
O paciente previamente ciente dos riscos de orquiectomia, má evolução das cicatrizes
e retalhos foi submetido ao manejo cirúrgico. A abordagem escalonada permitiu o uso
de métodos reconstrutivos relativamente simples quando da ocorrência de complicações,
algo que poderia ter sido impossibilitado caso já se tivesse dispensado o uso de opções
reconstrutivas mais complexas desde o início (retalhos de grácil, retalhos de Cingapura
ou retalhos microcirúrgicos). Experiências satisfatórias com ressecção radical e reconstrução
com retalhos e enxertos foram descritas por diversos autores. As técnicas são similares
e com frequência a escrotoplastia é realizada com retalhos perineal posterior e paraescrotais,
como no caso apresentado9.
A técnica de cobertura do pênis é variável, porém as experiências pregressas demonstram
resultados estéticos e funcionais superiores no uso de enxertos com espessura parcial4. A opção por reconstruir a cobertura peniana com retalhos paraescrotais não proporciona
uma boa mimetização da pele original do pênis, sendo rugosa e escurecida, pois há
acometimento da pele do escroto pela doença. O uso de enxertos, apesar de ser visto
com maus olhos por não ter a segurança vascular proporcionada por um retalho, foi
o que apresentou o melhor resultado estético no caso em questão, mesmo tendo sido
afligido por um processo infeccioso.
A cicatrização por segunda intenção de pequenas áreas no pênis é possível, visto que
não houve formação de retrações ou de cicatrizes hipertróficas, mas não é desejável,
pela perda de homogeneidade estética do corpo peniano. O uso da pele do prepúcio também
não é recomendado nesse caso, pois, ao remover todo o tecido da base do pênis, a drenagem
linfática da pele remanescente é interrompida ou inevitavelmente evolui para recorrência
de edema10. A área doadora do enxerto, na doença de Milroy, se comprometida pela fibrose, pode
resultar em cicatriz extensa e hipertrófica4.
O ambiente operatório é contaminado por bactérias de pele que ficam sob dobras úmidas,
expostas ao conteúdo urinário e possivelmente fecal, na dependência da extensão da
afecção, além disso, a própria imunidade do paciente é comprometida pelo acometimento
linfático. Dandapat et al.4 reportaram, na maior série de casos descrita, a ocorrência de infecção em 10,6% do
casos.
É comum a incontinência urinária por transbordamento nestes pacientes, assim como
diversos níveis de acometimento testicular, ao comprometer a manutenção da temperatura
e prejudicar a espermogênese. Uma das alternativas que parecem amenizar a perda de
fertilidade é o uso de retalho de pele escrotal, já que possui o músculo cremastérico,
que é termossensível11.
No caso do paciente com doença de Milroy, os tecidos regionais também se encontram
acometidos, limitando a opção de retalhos pediculados para reconstrução, além de dificultar
o processo cicatricial nas áreas manipuladas. Evidências histológicas demonstram que
a remoção de toda a derme acometida pode estar associada a melhores resultados estéticos,
apesar disso, a recorrência do linfedema na doença de Milroy chega a 50%12.
A intervenção cirúrgica, apesar de não prevenir a recorrência de linfedema, proporciona
ao paciente melhor qualidade de vida. A maioria dos estudos prévios demonstram melhora
na função sexual, miccional, na mobilidade, atividades de vida diária, socialização
e diminuição de dor por meio da avaliação subjetiva dos pacientes13. Os pacientes devem ser aconselhados no pré-operatório aos riscos inerentes e à possibilidade
de longa internação pós-operatória para os cuidados necessários, como no caso reportado,
em que o paciente permaneceu 25 dias internado3.
CONCLUSÃO
O tratamento cirúrgico de linfedema genital na doença de Milroy é complexo. Pôde-se
evidenciar que a utilização de enxertos proporciona o melhor aspecto estético local
para cobertura do pênis, porém requer a presença de uma cicatriz de tamanho considerável
na área doadora, especialmente se a doença compromete a cicatrização.
Os retalhos paraescrotais apresentaram bons resultados apenas na porção escrotal da
ferida, resistindo ao processo infeccioso, o que não foi verdade para a utilização
destes retalhos no corpo peniano.
Não houve regressão do edema na porção subglandar (causado possivelmente pela própria
doença de base), o que gerou um aspecto estético desagradável na transição corpo-glande,
permitindo-se avaliar que a manutenção de pontes de pele durante a postectomia seja
desaconselhável do ponto de vista estético.
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1. Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
2. Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil
3. Universidade Federal de Minas Gerais, Hospital das Clínicas, Belo Horizonte, MG,
Brasil
Autor correspondente: Sergio Antonio Saldanha Rodrigues Filho Av. Professor Alfredo Balena, 110, Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil, CEP:
30130-100, E-mail: jrfsouza97@gmail.com
Artigo submetido: 01/02/2021.
Artigo aceito: 14/07/2021.
Conflitos de interesse: não há.