INTRODUÇÃO
As queimaduras são lesões que podem ocorrer na pele ou outros tecidos do corpo decorrentes
de trauma de origem térmica resultante da exposição ou contato com chamas, líquidos
quentes, eletricidade, frio, substâncias químicas, radiação, atrito ou fricção, podendo
originar alterações locais ou sistêmicas, com destruição parcial, total ou comprometer
os tecidos adjacentes1,2. A extensão dos danos depende da temperatura do agente, da concentração de calor
e da duração do contato pelo fato do corpo ter poucos mecanismos de proteção de reparo
específico para cada tipo de queimadura3.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a queimadura é um problema de saúde
pública, sendo o quarto tipo mais comum de trauma, após lesões no trânsito, quedas
e violência interpessoal2,4, podendo ocasionar lesões leves, graves e até mesmo o óbito.
Não se tem dados globais atuais da quantidade de pessoas que procuram atendimento
especializado para este tipo de lesão, mas em 2004 quase 11 milhões de pessoas sofreram
queimaduras graves o suficiente para exigir atenção médica2. Dados da Associação Americana de Queimados (ABA) mostram que nos Estados Unidos
e Canadá são atendidos anualmente mais de 450.000 pessoas e no ano 2014 foram registradas
3.275 mortes5.
Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, em 2017 houve em torno de 1.000.000 de atendimentos,
dos quais 100.000 buscaram atendimento hospitalar e, destes, cerca de 2.500 foram
a óbito direta ou indiretamente6. Estima-se que no mundo acontecem aproximadamente 180.000 mortes ao ano, tendo lugar
na sua grande maioria nos países de baixa e média renda2, onde ocorrem até 90% das queimaduras4. Aliás, em muitos países de alta renda as taxas de mortalidade por queimadura vêm
diminuindo.
OBJETIVO
Estudar as características epidemiológicas dos pacientes atendidos na unidade de queimados
(UQ) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), localizada
na cidade de Uberlândia, na região Sudeste do Brasil, segundo maior município do estado
de Minas Gerais, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH 2010) alto (0,789), que
é o centro de referência de queimados para esta região e segue os critérios de internação
padronizados pela Associação Médica Brasileira (AMB) e Conselho Federal de Medicina
(CFM)1.
MÉTODOS
Estudo transversal dos pacientes internados e dados de alta da UQ do HC-UFU de 1 de
janeiro do 2016 a 31 de dezembro do 2019. Foram excluídos os pacientes atendidos ou
internados em outros serviços por algum tipo de queimadura.
A análise foi realizada dos dados registrados em prontuários eletrônicos e físicos
por meio de distribuição de frequência e percentuais a partir da sua tabulação e representação
gráfica no programa SPSS versão 26.0.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos
da Plataforma Brasil (parecer N° 4.351.266).
RESULTADOS
Distribuição por faixa etária, gênero e raça
Um total de 252 prontuários foram revisados, correspondendo 59,1% ao gênero masculino
e 40,8% ao feminino, com uma razão de 1,4:1. 21,8% foram crianças de 0 a 10 anos,
6,7% adolescentes entre 11 e 18 anos, 27,3% jovens entre 19 e 35 anos, 34,1% adultos
entre 36 e 60 anos e 9,9% idosos com mais de 60 anos (Figura 1).
Figura 1 - Faixa etária e gênero dos pacientes da Unidade de Queimados do Hospital de Clínicas
da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Figura 1 - Faixa etária e gênero dos pacientes da Unidade de Queimados do Hospital de Clínicas
da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Da distribuição por raças, foram pardos 48,4%, brancos 43,2%, negros 7,9% e outros
0,4%.
Cidades e ambiente da queimadura
Os pacientes foram da cidade de Uberlândia (53,1%), Patrocínio (7,9%), Araguari (7,5%),
Monte Carmelo (4,7%) e outras cidades (26,8%).
Os ambientes onde ocorreram as queimaduras foram o domicílio (59,9%), trabalho (19,8%),
via pública (12,6%) e outros locais (13%) (Figura 2).
Figura 2 - Ambiente de ocorrência das queimaduras dos pacientes da Unidade de Queimados do Hospital
de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Figura 2 - Ambiente de ocorrência das queimaduras dos pacientes da Unidade de Queimados do Hospital
de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Áreas anatômicas de queimaduras
As queimaduras foram categorizadas em quatro áreas anatômicas distintas. Extremidades
superiores (29,6%), tronco (incluindo nádegas e a genitália) (29,1%), membros inferiores
(20,9%) e cabeça, face e pescoço (20,2%).
Extensão por superfície corporal queimada (SCQ) e grau das queimaduras
A extensão da queimadura foi classificada de pequena, média e grande, obtendo 51,1%,
32,5% e 16,2%, respectivamente, com um percentual médio de 17,7%.
Nas crianças as queimaduras pequenas tinham SCQ abaixo de 10%, médias entre 11-24%
e grandes acima de 25%, com 47,2%, 38,1% e 14,5%, respectivamente. Para os adolescentes,
jovens e adultos, foram consideradas de queimadura pequena (SCQ abaixo de 15%) 41,1%,
60,8% e 50%, respectivamente; de queimadura média (SCQ 16-29%) 41,1%, 23,1% e 34,8%,
respectivamente; e de queimadura grande (SCQ acima de 30%) 17,6%, 15,9%, 15,1%, respectivamente.
Utilizando a mesma categorização de extensão para idosos, 44% foram pequenos, 32%
foram médios, e 24% foram grandes queimados (Figura 3).
Figura 3 - Extensão das queimaduras por faixa etária dos pacientes da Unidade de Queimados do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Figura 3 - Extensão das queimaduras por faixa etária dos pacientes da Unidade de Queimados do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
A distribuição geral por grau de queimaduras foi de 81,7% para o 2º grau e 18,3% para
o 3º grau. Nas crianças, adolescentes, jovens e adultos de 90,9%, 88,2%, 85,5% e 80,2%
para o 2º grau, respectivamente, e nos idosos 52% para o 2º grau e 48% para o 3º grau.
Etiologia da queimadura por faixa etária
As principais causas foram os líquidos inflamáveis, com 42,4%, escaldadura, 26,9%,
chama direta, 16,2%, queimadura elétrica, 7,5%. Dos líquidos inflamável, o álcool
foi agente em 66,35%, seguido da gasolina, 12,1%.
Nas crianças a queimadura por escaldadura ocorreu em 74,5% e por líquidos inflamáveis
em 14,5% (75% por álcool). Nos adolescentes a queimadura por líquidos inflamáveis
ocorreu em 58,8% (60% por álcool) e escaldadura em 23,5%. Nos jovens o trauma por
líquidos inflamáveis ocorreu em 52,1% (69,4% por álcool) e chama direta em 17,3%.
Nos adultos a queimadura por líquidos inflamáveis ocorreu em 48,8% (76,1% por álcool)
e chama direta em 18,6%. Entre os pacientes idosos temos por chama direta em 36% e
líquidos inflamáveis em 28% (42,8% por álcool e óleo) (Figura 4).
Figura 4 - Agente etiológico das queimaduras por faixa etária dos pacientes da Unidade de Queimados
do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Figura 4 - Agente etiológico das queimaduras por faixa etária dos pacientes da Unidade de Queimados
do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016 - 2019.
Tratamento cirúrgico
Foi feito enxerto em 25% dos pacientes, por causa elétrica em 47,3%, por chama direta
em 43,9%, por líquidos inflamáveis em 25,2% e por escaldadura em 11,7%; também necessitaram
de debridamento cirúrgico 24,2%, sendo 47,3% por corrente elétrica, 43,9% por chama
direta, 26,1% por líquidos inflamáveis e 8,8% por escaldadura (Figura 5). Necessitaram de outros procedimentos cirúrgicos 5,4%.
Figura 5 - Enxerto e debridamento por agente etiológico das queimaduras dos pacientes da Unidade
de Queimados do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016
- 2019.
Figura 5 - Enxerto e debridamento por agente etiológico das queimaduras dos pacientes da Unidade
de Queimados do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia - 2016
- 2019.
Internação, intencionalidade da lesão e óbito
O tempo médio de internação na UQ foi de 23,3 dias e, 8,7% precisaram ficar na UTI,
em um tempo médio de 19,4 dias. Lesões de causa intencional (por outras pessoas) ocorreram
em 7,1% e por tentativa de autoextermínio, 5,5%. A taxa geral de óbito foi de 3,5%.
DISCUSSÃO
As queimaduras são uns dos mais severos tipos de traumas, sendo que suas causas e
fatores associados diferem entre países e regiões, onde os dados hospitalares ou das
UQ podem fornecer informações úteis para o estabelecimento de metas e métodos em favor
de sua prevenção e cuidado.
Este estudo, assim como outros realizados em UQ7,8, mostra que as queimaduras atingem mais a população jovem e adulta, sendo a combustão
por álcool a maior causa de internação, por ser o álcool o agente de uso rotineiro
em nossa região como fonte energética3,9, ficando a escaldadura por líquidos quentes incluída na maioria dos acidentes da
infância2,10, como a causa mais frequente de queimadura em crianças.
Segundo como relatado pela OMS2, as queimaduras de nossos pacientes também ocorreram principalmente no ambiente doméstico
e de trabalho, com predomínio de pacientes do sexo masculino11,12, podendo ser porque os homens mais do que as mulheres realizam atividades de manutenção
doméstica, de lazer e engajados em profissões arriscadas, pelo que são mais propensos
a serem feridos no lar ou local de trabalho, o que seria o motivo de porquê temos
mais lesões em membros superiores, igualmente ao relatado na literatura11,13.
O enxerto de pele ou debridamento cirúrgico foi necessário em 25% dos pacientes, tendo
maior relação com as queimaduras por corrente elétricas e chama direta, que são as
causas lesivas predominantemente reportadas13.
O porcentual de tentativa de autoextermínio (5,5%) se encontra entre o intervalo das
publicações11,14 podendo ter como causas as patologias psiquiátricas não tratadas ou não diagnosticadas,
tendo a depressão como a causa mais frequente15.
A taxa de óbitos (3,5%) foi similar a outras pesquisas16, devendo-se principalmente às variáveis SCQ7 e profundidade das queimaduras17.
Globalmente, tem havido uma diminuição da gravidade, mortalidade e tendência no tempo
de internação hospitalar, especialmente em países com alto e mediano desenvolvimento18,19, variáveis que diferem com esta pesquisa na qual os resultados foram maiores, apesar
de nossa região ter um IDH alto.
CONCLUSÃO
Pacientes por queimadura atendidos na UQ do HC-UFU abrangem mais a população jovem
e adulta, sendo a combustão por álcool a causa predominante, com média de óbitos similar
a outras regiões, mas a tendência na diminuição da gravidade, mortalidade e tempo
de internação hospitalar dos países com alto e mediano desenvolvimento difere de nossos
resultados, apesar de nossa região ter um IDH alto, sendo necessários novos estudos.
Este estudo ajudará a criar medidas para reduzir o número de casos e adequar o atendimento
de forma quantitativa e qualitativa, contribuindo para a elaboração de protocolos
de cuidados, a fim de assegurar a qualidade da assistência dos pacientes da UQ do
HC-UFU e da população em geral.
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1. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil
Autor correspondente: Iván Orlando Gonzales Mego Rua Padre Américo Ceppi, nº 673, Uberlândia, MG, Brasil, CEP: 38400-672, E-mail:
medicogonzales@hotmail.com
Artigo submetido: 04/04/2021.
Artigo aceito: 18/05/2021.
Conflitos de interesse: não há.