INTRODUÇÃO
A primeira descrição de reconstrução nasal é descrita no tratado Sushruta Samhita,
cerca de 700 a.C., da medicina Ayurveda. Embora realizado desde tempos ancestrais,
o método indiano, só foi publicado no século XVIII, na Madras Gazette de Bombaim1.
Em 1597, Tagliacozzi publicou uma série de trabalhos em que descreve a reconstrução
do nariz usando retalhos de antebraço, este ficou conhecido como o método italiano2.
Durante o século XIX, Blasius, Dieffenbach e Petrali ampliaram o método para revestimento
interno além do externo2. Gillies, Converse, Kazanjian e Millard aperfeiçoaram o método ao longo do século
XX, com novos desenhos de retalhos e métodos de restauração do suporte nasal. Kazanjian
celebrizou o retalho frontal mediano nos Estados Unidos na primeira metade do século
XX3.
Nas décadas de 80 e 90 do século XX, Burget e Menick3,4, contribuíram para o estabelecimento do retalho frontal paramediano como método preferencial
de reconstrução nasal através dos seus princípios das subunidades estéticas nasais,
bem como pela análise da vascularização facial.
O objetivo do trabalho é ilustrar um caso de exérese de tumor cutâneo nasal e sua
imediata reconstrução com um retalho frontal paramediano, demonstrando a sua importância
na cirurgia de reconstrução nasal.
RELATO DO CASO
O paciente é do sexo masculino, 62 anos, antecedente de AVC isquêmico há 40 anos com
sequela de monoparesia do membro superior direito, sem hábitos tabácicos ou etílicos.
Apresentava lesão ulcerada, descamativa, ocupando toda a região lateral do nariz à
esquerda com três anos de evolução, sugestiva de tumor maligno de pele (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Pré-operatório em visão frontal.
Figura 1 - Pré-operatório em visão frontal.
Figura 2 - Pré-operatório em visão oblíqua.
Figura 2 - Pré-operatório em visão oblíqua.
Sob anestesia geral e após devida assepsia marcou-se a lesão tumoral a ser excisada
com margem de segurança de 4mm e infiltrou-se com solução anestésica de lidocaína
1% + adrenalina 1:200.000.
A lesão tumoral foi amplamente ressecada e a peça enviada para exame de congelação
intraoperatória, que revelou tratar-se de um carcinoma basocelular superficial de
limites livres.
Em seguida fez-se a marcação do retalho frontal paramediano segundo o desenho de Gillies3“up and down” (Figura 3), tendo em conta as dimensões do defeito resultante, bem como respeitando os limites
do retalho descritos por Menick, em 20023: cerca de 2cm lateral à linha média junto da cabeça do supercílio e com uma largura
do pedículo de aproximadamente 1,5cm com sentido vertical. Descolou-se o retalho no
sentido distal-proximal realizando a dissecção inicialmente em plano subcutâneo e
mais proximalmente no plano justa periosteal.
Figura 3 - Transoperatório evidenciando o defeito nasal e o desenho do retalho.
Figura 3 - Transoperatório evidenciando o defeito nasal e o desenho do retalho.
O retalho foi rodado, posicionado sobre o defeito, refinado e suturado às bordas com
fio de nylon 5-0. A região doadora foi suturada nas regiões passíveis de coaptação.
No restante foi aplicada sutura elástica, ficando o defeito central resultante para
cicatrizar por segunda intenção (Figuras 4 e 5).
Figura 4 - Transoperatório evidenciando a sutura elástica da área doadora.
Figura 4 - Transoperatório evidenciando a sutura elástica da área doadora.
Figura 5 - Pós-operatório imediato evidenciando a reconstrução nasal obtida.
Figura 5 - Pós-operatório imediato evidenciando a reconstrução nasal obtida.
Quatro semanas depois foi realizada a transecção do pedículo do retalho com o reposicionamento
da cabeça do supercílio. Finalmente, foi realizado o refinamento do retalho com desengorduramento
e rotação da asa nasal esquerda.
Completados três meses de pós-operatório o paciente encontrava-se clinicamente bem,
sem queixas funcionais, embora tivesse realçado uma perturbação quanto ao resultado
estético a área doadora estava praticamente cicatrizada.
Optou-se então pela cirurgia de refinamento nasal a qual foi realizada no sexto mês
de pós-operatório. No acompanhamento subsequente, aos 9 meses de pós-operatório, o
paciente estava satisfeito com o resultado funcional e estético (Figuras 6 e 7).
Figura 6 - Pós-operatório de 9 meses com a demonstração do resultado obtido.
Figura 6 - Pós-operatório de 9 meses com a demonstração do resultado obtido.
Figura 7 - Pós-operatório de 9 meses evidenciando o resultado obtido.
Figura 7 - Pós-operatório de 9 meses evidenciando o resultado obtido.
DISCUSSÃO
O carcinoma basocelular é o tumor maligno de pele mais comum na nossa prática diária.
No presente caso tratava-se de um defeito superficial embora de grandes dimensões
(maior que 1,5cm)5 atingindo quatro das subunidades estéticas do nariz: parede lateral, asa, dorso e
ponta nasais.
O princípio das subunidades estéticas descrito por Menick, em 20104, advoga que se a subunidade for afetada em mais de 50% da sua área esta deve ser
totalmente removida, o que é particularmente útil nas subunidades do terço inferior
do nariz, pois devido às suas linhas convexas e proeminentes poderão resultar em cicatrizes
mais aparentes. No presente caso esse princípio não foi rigorosamente seguido, tendo
em conta as dimensões já consideráveis do defeito inicial e o respeito à margem cirúrgica
de segurança.
Embora diversas técnicas possam ser usadas, o retalho frontal paramediano é de particular
segurança, confiabilidade e reprodutibilidade, visto que a sua vascularização pela
artéria supratroclear para além da pele da região frontal ser a mais semelhante em
cor e textura com a do nariz6,7.
O desenho do retalho pode apresentar-se sob diferentes formas, desde oblíquo a um
formato em “gaivota” de Millard5, passando pelo “up and down” de Gillies3. A vascularização do retalho frontal paramediano é essencialmente feita pelos vasos
supratrocleares. Estes passam sobre a margem orbital externamente ao periósteo, seguem
verticalmente para cima dentro do músculo frontal e assumem uma posição subdérmica
junto à linha capilar5.
O pedículo é seccionado geralmente quatro semanas após a primeira cirurgia, configurando
a cirurgia em dois estágios, sendo esta a mais tradicional5. Menick, em 20104, advoga a cirurgia em três estágios, com uma fase intermediária de “debulking”, especialmente indicada em pacientes fumantes, com cicatrizes prévias ou com defeitos
de espessura total.
A área doadora, com defeito considerável, foi aproximada com sutura elástica de acordo
com Nigri, em 20118, sendo o restante deixado para cicatrizar por segunda intenção, o que não se constituiu
como um problema8.
Como esperado na cirurgia em dois tempos foi necessário realizar cirurgia de refinamento.
No caso foi feito desengorduramento do retalho e rotação da asa nasal. O paciente
ficou satisfeito com o resultado estético e funcional e não foi dada continuidade
no processo de refinamento.
CONCLUSÃO
O retalho frontal paramediano permite a transferência de tecido para a região nasal
de uma forma eficiente e segura com pouca morbidade na área doadora, permitindo uma
cobertura maleável e semelhante ao tecido nasal com boa viabilidade.
REFERÊNCIAS
1. Cintra HPL, Bouchama A, Holanda T, Jaimovich CA, Pitanguy I. Uso do retalho médio-frontal
na reconstrução do nariz. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(2):212-7.
2. Baker SR. Principles of nasal reconstruction. Maryland, US: Mosby; 2002.
3. Menick FJ. A 10-year experience in nasal reconstruction with the three-stage forehead
flap. Plast Reconstr Surg. 2002 Mai;109(6):1839-55;discussion:1856-61.
4. Menick FJ. Nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2010 Abr;125(4):138e-50e.
5. Menick FJ. Nasal reconstruction: forehead flap. Plast Reconstr Surg. 2004;113(6):100e-11e.
6. Quintas RCS, Araújo GP, Medeiros Junior JHGM, Quintas LFFM, Kitamura MAP, Cavalcanti
ELF, et al. Reconstrução nasal complexa: opções cirúrgicas numa série de casos. Rev
Bras Cir Plást. 2013;28(2):218-22.
7. Costa MJM. Versatilidade do retalho médio-frontal nas reconstruções faciais. Rev Bras
Cir Plást. 2016;31(4):474-80.
8. Santos ELN, Oliveira RA. Tratamento de ferida com uso de sutura elástica. Rev Bras
Cir Plást. 2014;29(4):587-8.
1. Hospital Federal de Ipanema, Cirurgia Plástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Autor correspondente: Carlos Miguel Pereira, Rua Gomes Carneiro, 155, Apart. 1201, 22071-110, Ipanema, RJ, Brasil. CEP: 22071-110.
E-mail: carlosmppereira@hotmail.com
Artigo submetido: 31/05/2019.
Artigo aceito: 08/07/2019.
Conflitos de interesse: não há.