INTRODUÇÃO
O conhecimento detalhado da anatomia das pálpebras e da região ocular (Figura 1) ajuda o cirurgião na seleção da melhor
técnica cirúrgica capaz de restaurar a função ocular e aperfeiçoar o resultado
estético. A pálpebra é dividida em lamela anterior e posterior. A lamela anterior
é
composta por pele e músculo orbicular. A lamela posterior é composta de conjuntiva,
tarso e músculos retratores da pálpebra. O septo orbitário pode ser considerado
uma
lamela média e não costuma ser reconstruído. A conjuntiva ocular na superfície
do
globo é contínua com a conjuntiva que reveste a superfície interna das pálpebras;
essa relação precisa ser mantida ou restaurada durante a reconstrução para preservar
a função palpebral1,2.
Figura 1 - Anatomia palpebral. Divisão das estruturas palpebrais em lamelas
anterior, média e posterior (Fonte: Atlas of Aesthetic Eyelid and
Periocular Surgery, 20043).
Figura 1 - Anatomia palpebral. Divisão das estruturas palpebrais em lamelas
anterior, média e posterior (Fonte: Atlas of Aesthetic Eyelid and
Periocular Surgery, 20043).
As zonas periorbitais podem ser divididas didaticamente conforme representado na
Figura 2 e são numeradas de I a V.
Figura 2 - Zonas palpebrais. Ilustração representativa da divisão da região
periorbital em zonas numeradas de I a V.
Figura 2 - Zonas palpebrais. Ilustração representativa da divisão da região
periorbital em zonas numeradas de I a V.
A excisão cirúrgica de tumores cutâneos constitui uma das causas mais frequentes de
defeitos palpebrais. O carcinoma basocelular (CBC) é o tumor mais frequente nesta
localização, correspondendo a cerca de 90% dos casos, observando-se uma
predominância de lesões na pálpebra inferior1.
O carcinoma espinocelular, o carcinoma sebáceo e o melanoma constituem tipos
histológicos menos prevalentes2. Os defeitos
resultantes da excisão de tumores cutâneos palpebrais, exige o conhecimento
detalhado da anatomia da região periorbitária e das abordagens cirúrgicas mais
adequadas para o sucesso da reconstrução.
OBJETIVO
O objetivo do trabalho consiste em aplicar diferentes formas de reconstrução de
defeitos palpebrais localizados especificamente na zona II e III ou zona
correspondente à pálpebra inferior e ao canto medial respectivamente.
MÉTODOS
Série de 7 pacientes entre 69 e 90 anos com ferida operatória em pálpebra inferior,
após remoção de tumores malignos, com defeitos variando de 30% a 80% aproximadamente
de extensão horizontal (Tabela 1). Os
pacientes foram submetidos à anestesia local associada ou não à sedação ou anestesia
geral. Após excisão completa do tumor localizado em pálpebra inferior, realizou-se
reconstrução cirúrgica, de acordo com a extensão e profundidade, por meio de
retalhos de vizinhança ou enxertia cutânea. Em nenhum dos casos não foi realizada
a
reconstrução do tarso com enxerto de cartilagem, o que é habitual nas cirurgias
de
pálpebra inferior com comprometimento extenso dessa estrutura anatômica (Figura 2).
Tabela 1 - Materiais e métodos.
Paciente |
Sexo |
Idade |
Tumor |
Localização |
Técnica Cirúrgica |
Paciente 1 |
M |
90 |
Carcinoma sebáceo |
Zona III |
Retalho de Imre |
Paciente 2 |
F |
69 |
Carcinoma basocelular |
Zona III |
Retalho frontal paramediano |
Paciente 3 |
F |
76 |
Carcinoma basocelular |
Zona III |
Retalho glabelar |
Paciente 4 |
F |
73 |
Carcinoma basocelular |
Zona III |
Retalho de Esser |
Paciente 5 |
M |
81 |
Carcinoma basocelular |
Zona II e III |
Retalho de Esser |
Paciente 6 |
M |
76 |
Carcinoma basocelular |
Zona III |
Retalho de Imre |
Paciente 7 |
F |
86 |
Carcinoma basocelular |
Zona II e III |
Enxerto cutâneo |
Tabela 1 - Materiais e métodos.
Foram desenhados e confeccionados diferentes retalhos e um defeito mais superficial
foi reparado com enxerto cutâneo de área pré-auricular.
Caso 1
Exerto cutâneo: paciente de 86 anos, cuja lesão comprometia pele,
atingindo zona III, foi realizada ressecção com preservação de estruturas da
lamela média e posterior. Foi realizada enxertia cutânea, obtendo pele
pré-auricular anterior ipsilateral e reparação do defeito (Figura 3).
Figura 3 - Paciente submetida à enxertia de pele pré-auricular, de espessura
total, após exérese de CBC em zona II.
Figura 3 - Paciente submetida à enxertia de pele pré-auricular, de espessura
total, após exérese de CBC em zona II.
Defeitos mais superficiais podem ser reparados com enxertos cutâneos, constituem
áreas doadores: pele retroauricular, pré-auricular e em alguns casos da pálpebra
superior, por serem áreas que possuem similaridades com a pele palpebral1,4.
Caso 2
Retalho frontal paramediano: paciente apresentou-se com lesão
recidivante em canto medial de olho direito (OD), com 10 meses de evolução. Foi
realizada ressecção e congelação intraoperatória. O defeito gerado apresentava
profundidade até região periosteal da órbita. A paciente apresentava várias
áreas cicatriciais em região de dorso nasal e glabelar; foi selecionado para
reconstrução o retalho frontal paramediano e contralateral (Figura 4).
Figura 4 - Retalho frontal paramediano: paciente apresentou-se com lesão
recidivante em canto medial de OD, com 10 meses de evolução.
Figura 4 - Retalho frontal paramediano: paciente apresentou-se com lesão
recidivante em canto medial de OD, com 10 meses de evolução.
Casos 3 e 4
Retalho de Imre: foram selecionados dois pacientes masculinos, o
primeiro deles com lesão de grandes dimensões, com bloqueio parcial do eixo
visual, foi submetido à ressecção com congelação intraoperatória. A patologia
revelou tratar-se de carcinoma sebáceo. O segundo caso masculino, de 76 anos,
com diagnóstico histopatológico de CBC (Figuras 5 e 6).
Figura 5 - Retalho de Imre, reconstrução de grande defeito em canto medial
esquerdo, com excelente resultado funcional e cosmético.
Figura 5 - Retalho de Imre, reconstrução de grande defeito em canto medial
esquerdo, com excelente resultado funcional e cosmético.
Figura 6 - Retalho de Imre: sequência cirúrgica.
Figura 6 - Retalho de Imre: sequência cirúrgica.
Caso 5
Retalho glabelar: paciente de 76 anos, com lesão ulcerada em região
de transição de canto medial palpebral para dorso nasal, realizado retalho
glabelar (Figura 7).
Figura 7 - Retalho glabelar transposto para restaurar anatomia de canto
medial esquerdo.
Figura 7 - Retalho glabelar transposto para restaurar anatomia de canto
medial esquerdo.
Casos 6 e 7
Retalho de Esser: foram operados uma paciente de 73 anos e um
paciente do sexo masculino de 81 anos, ambos com diagnóstico de CBC (Figuras 8 e 9).
Figura 8 - Retalho de Esser após amplo descolamento é rodado para correção
de defeito em zona II e III.
Figura 8 - Retalho de Esser após amplo descolamento é rodado para correção
de defeito em zona II e III.
Figura 9 - Caso 7. Retalho de Esser com bom posicionamento final da
cicatriz.
Figura 9 - Caso 7. Retalho de Esser com bom posicionamento final da
cicatriz.
RESULTADOS
Foram operados 7 pacientes com idade entre 69 e 90 anos, quatro do sexo feminino e
três do sexo masculino, sendo 6 com diagnóstico de CBC e um de tumor sebáceo.
Todos
os casos operados localizavam nas zonas II e/ou III periorbitais, no canto medial
da
pálpebra inferior unilateral. Todos evoluíram com boa função, sem apresentar
retrações ou distorção da anatomia e preservação da drenagem das vias lacrimais.
DISCUSSÃO
Nas lesões superficiais utiliza-se o enxerto de pele livre, que é obtido de
preferência da região retroauricular. A pele a ser enxertada, após a limpeza do
tecido celular subcutâneo é suturada no leito receptor e confeccionado um curativo
de Brow. Cinco dias após é feito o curativo, retirando-se o
“tie-over”4. Nas lesões
profundas em que após a ressecção é exposta a parte óssea se utiliza o retalho
VY da
glabela, que é simples e prático; duas incisões formando um V invertido na região
da
glabela são realizadas, em seguida o retalho é descolado e deslizado para o local
onde foi ressecada a lesão e suturado1,5.
Nos casos em que forem incluídas na ressecção as extremidades das pálpebras é
utilizado o retalho frontomedial. Nestes casos a cirurgia será realizada em dois
tempos - inicialmente é feita a transposição do retalho frontomedial; após 3 a
4
semanas é feito o 2° tempo: o pedículo é ressecado, sendo o restante levado para
o
seu leito de origem. Em seguida é realizado o desengorduramento da área e refeitas
as extremidades das pálpebras5,6.
O retalho frontal é seguro, com pouca morbidade na área doadora e é uma importante
opção para as reconstruções palpebrais. A necessidade de um ato cirúrgico posterior
para a ressecção do pedículo e do excesso de volume de tecido adiposo do retalho
é
uma das principais desvantagens deste procedimento. O paciente apresentou evolução
pós-operatória adequada e sem complicações7,8.
Quando o defeito é superior a 50% da pálpebra inferior e esse mesmo defeito tem uma
forma circular deve-se pensar na realização do retalho de deslizamento de Imre.
A
incisão é paralela à margem palpebral inferior com extensão até ao canto interno
e
descendo ao sulco nasolabial. Este retalho deve ser bem descolado em toda a região
geniana para evitar ectrópio9.
O uso do retalho de Imre proporcionou bom resultado estético e funcional,
assemelhando-se aos outros retalhos comumente utilizados para reconstruções desse
tipo, como o de Mustardé, Esser e o retalho glabelar para o canto medial. Como
vantagem, acreditamos que esse método assegura um melhor posicionamento da cicatriz
final nos sulcos naturais da face9.
O retalho glabelar simples ou bilobado caracteriza-se pela sua transposição de pele
desde a região glabelar para o canto medial do olho. É importante que se incorpore
no pedículo vascular deste retalho à artéria supratroclear. O resultado poderá
não
reproduzir a concavidade típica do canto medial do olho. É importante destacar
que a
presença de pelo na região glabelar representa uma desvantagem na utilização desse
retalho, uma vez que pode proporcionar o crescimento de pelos numa zona de pele
glabra, como é o canto interno do olho1,6.
O retalho de Esser é utilizado para reparar grandes defeitos da pálpebra inferior.
Sua incisão inicia-se no canto lateral, prolonga-se no sentido ascendente e desce
na
região pré-auricular (Figuras 8 e 9). Disseca-se todo o retalho na região geniana e
pré-auricular, através de um plano imediatamente acima do sistema
musculoaponeurótico e, para finalizar, ele é rodado e avançado para cobrir o
defeito1,5,7.
CONCLUSÃO
A reconstrução palpebral exige não somente um conhecimento anatômico preciso, mas
também das mais variadas técnicas cirúrgicas, para se obter um resultado funcional
e
esteticamente satisfatório e, desta forma, minimizando as complicações
pós-operatórias.
REFERÊNCIAS
1. Mélega JM. Cirurgia Plástica - os princípios e a atualidade I.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2004.
2. Baker SR. Retalhos locais em reconstrução facial. 2º ed. Rio de
Janeiro: DiLivros; 2009.
3. Spinelli HM, Lewis AB, Elahi E. Atlas of aesthetic eyelid &
periocular surgery. New York: W. B. Saunders; 2004.
4. Galimberti G, Ferrario D, Casabona GR, Molinari L. Utilidade dos
retalhos de avanço e rotação para fechamento de defeitos cutâneos na região
malar. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(1):769.
5. Sasson EM, Codner MA. Eyelid reconstruction. Operat Tech Plast
Reconstr Surg. 1999;6(4):250-64.
6. Lima EA. Enxertia de tecido palpebral na reconstrução de tumores
cutâneos. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(4):333-5.
7. Spinelli HM, Jelks GW. Periocular reconstruction: a systematic
approach. Plast Reconstr Surg, 1993;91(6):1017-24;discussion:
1025-6.
8. Kakizaki H, Madge SN, Mannor G, Selva D, Malhotra R. Oculoplastic
surgery for lower eyelid reconstruction after periocular cutaneous carcinoma.
Int Ophthalmol Clin. 2009;49(4):143-55.
9. Metzger JT. Joseph Imre, Jr., and the Imre flap. Plast Reconstr
Surg Transplant Bull. 1959 Mai;23(5):501-9.
1. Hospital Federal de Ipanema, Departamento
de Cirurgia Plástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Autor correspondente:
Délcio Aparecido Durso Rua Antônio Parreiras 126, Apart. 803,
Ipanema, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22411-020 E-mail:
delciodurso@gmail.com
Artigo submetido: 08/07/2019.
Artigo aceito: 15/07/2020.
Conflitos de interesse: não há.