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A cada dia, uma plêiade de artigos científicos tem sido submetidos em centenas de jornais, neste momento de pandemia pela Covid-19. Estudos com qualidades científicas diversas e níveis de evidência dos mais variados tem sido enviados às mais renomadas revistas, buscando divulgar achados originais, corroborar premissas conhecidas ou revelar ao mundo potenciais curas desta nova doença.
A necessidade em se acelerar a divulgação de informações científicas referentes ao diagnóstico, tratamento e desfechos, no manejo da Covid-19, tem pressionado as revistas científicas no sentido de acelerarem seus processos editoriais.
Apesar de poder representar uma oportunidade positiva para a melhoria dos processos (simplificação de processos, agilidade, aprimoramento de meios eletrônicos e celeridade entre a submissão e publicação) um perigo oculto emerge e se relaciona diretamente às publicações realizadas sem a devida revisão por pares.
Neste curto período de alguns meses foi possível assistir à divulgação de relevantes achados científicos - publicados em periódicos de elevado índice de impacto - posteriormente desmentidos após análise por revisores experts nos respectivos assuntos.
O perigo em pular etapas é bem conhecido no meio científico, motivo pelo qual inúmeras exigências foram criadas e devem ser respeitadas, sob pena de recusa sumária de uma submissão. Nesta condição se enquadram a necessidade de submissão dos estudos à aprovação de comitês de ética em pesquisa, a informação da participação de cada coautor no estudo e o uso de termos de consentimento em estudos clínicos, como alguns exemplos. Por parte do autor, garantir a segurança científica de seu estudo só eleva as chances de publicação com credibilidade científica. Portanto, isso é bom.
A necessidade de artigos serem submetidos a revisão de seu conteúdo por estudiosos experientes no assunto e sem nenhum tipo de viés científico é também um ponto positivo para aumentar a qualidade dos estudos. Revisores devem ser isentos, precisam gostar de ler e ensinar, visando o progresso da ciência, desprovido de sentimentos negativos. A condição ideal para uma revisão é que seja realizada sem conhecimento da autoria do estudo, por um número ímpar de revisores (maior que 1, obviamente) e que comentem construtivamente sobre o desenho, conteúdo e conclusões.
A pressa em divulgar informações não pode se sobrepor à seriedade científica. O chamado excepcionalismo científico, não pode estar à frente dos 5 princípios corretos de uma pesquisa, como citado por London e Kimmelman em recente artigo publicado na revista Science1 , quais sejam: importância do estudo, desenho adequado, integridade analítica, relato completo do estudo e viabilidade.
A publicação sem revisão no modo chamado preprint tem sido utilizado para divulgar estudos mesmo antes de sua aceitação formal. Segundo a ASAPbio1, uma iniciativa dirigida por cientistas em prol do uso de preprints nas ciências da vida2, “Um preprint é um manuscrito científico completo que é depositado pelos autores em um servidor público. O preprint contém dados e metodologias completos; é frequentemente o mesmo manuscrito que está sendo submetido a um periódico (…). Depois de uma breve inspeção de controle de qualidade para garantir que o trabalho é de natureza científica, o manuscrito do autor é publicado na Web dentro de aproximadamente um dia sem passar por avaliação pelos pares e pode ser visualizado gratuitamente por qualquer pessoa no mundo”. Fica claro o risco que se corre em aceitar informações oriundas destes estudos como absolutamente confiáveis. Da mesma forma, publicar sem revisar pode causar riscos indeléveis a um jornal científico. Além de manchar a credibilidade de importantes revistas científicas, causa confusão na recomendação de condutas e como sabemos, o desmentido nunca tem o mesmo impacto da primeira notícia, podendo manter informações falsas permanentemente. O site retractionwatch.com3, como exemplo, lista de janeiro a junho de 2020, 25 artigos publicados sobre a Covid-19 que tiveram retratações, permanentes (22) ou temporárias (3). Estes artigos incluíram 14 artigos publicados, 9 artigos em pré-impressão, 1 carta e 1 comunicação em evento. Algumas destas publicações ocorreram nas mais renomadas revistas científicas mundiais.
Há maneiras éticas para acelerar a divulgação de ideias e resultados clínicos de pesquisas. O melhor exemplo é a divulgação nos meios eletrônicos dos artigos aceitos e ainda não direcionados a fascículos específicos de um periódico, Conhecidos tradicionalmente como artigos “no prelo” (denominados em inglês de “ahead of print”) permitem a rápida aparição no meio científico com praticamente toda a relevância de um artigo já publicado.
A corrida por primeiro publicar uma nova informação não pode jamais ultrapassar os limites éticos da publicação científica. Esta é nossa meta e sempre será nosso lema.
Referências
1. London AJ, Kimmelman J. Against pandemic research exceptionalism. Science. 2020;368(6490):476-7. DOI: https://doi.org/10.1126/science.abc1731
2. ASAPbio (US). Preprint info center. What is a preprint? [Internet]. San Francisco: ASAPbio; 2016; [acesso em 2017 Feb 16]. Disponível em: http://asapbio.org/preprint-info
3. Retraction Watch (CHN). Retracted coronavirus (COVID-19) papers [Internet]. China: Retraction Watch; 2020; [acesso em 2020 Jul 08]. Disponível em: https://retractionwatch.com/retracted-coronavirus-covid-19-papers/
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