INTRODUÇÃO
A paquidermoperiostose ou síndrome de Touraine-Solente-Golé é uma doença hereditária
rara, predominante no sexo masculino, caracterizada pelo espessamento cutâneo (paquidermia),
baqueteamento digital, periostose dos ossos longos, podendo estar associada à hiperhidrose
e dermatite seborreica1. A deformidade facial corresponde a uma das principais queixas destes pacientes e
o tratamento cirúrgico é a melhor estratégia para correção. Existem várias opções
cirúrgicas, entre essas destacam-se técnicas convencionais de lifting facial e ressecções
locais de pele2.
As técnicas de lifting facial surgiram no início do século XX3. Os primeiros passos para o tratamento das rugas faciais foram creditados a Charles
Conrad Miller, devido à sua publicação sobre erradicação das rugas, na qual propunha
a secção subcutânea dos músculos faciais4. Insatisfeito com os resultados de pequenas retiradas de pele na frente da orelha
e na borda do couro cabeludo, Eugene Von Hollander, em 19015, foi o primeiro cirurgião a realizar lifting facial através de uma longa incisão
vertical na frente da orelha e lateralmente, indo em direção ao pescoço3,4.
Posteriormente, Lexer, em 19316, sugeriu que os retalhos cutâneos fossem dissecados em um plano subcutâneo e foi
o primeiro cirurgião a realizar lifting da região frontal7.
Ao final da Primeira Guerra Mundial, a grande demanda por cirurgias reparadoras foi
a base do lifting facial. Em 1926, Hunt8 descreveu a incisão coronal com ressecção de couro cabeludo e, em 1931, Joseph9 descreveu o uso de incisão na linha capilar para o mesmo propósito10. Em 1960, Pagman et al.11 descreveram lifting frontais por incisão coronal na linha do cabelo ou para dentro
da inserção capilar10.
A partir dos anos 1970, houve maior ênfase em refinamentos técnicos, diminuição de
cicatrizes, manipulação da musculatura e dos sistemas musculoaponeuróticos4. Skoog descreveu, em 197412, a elevação do platisma do pescoço e terço inferior da face sem descolamento cutâneo4,7. Este método de dissecção mais profunda, junto à descrição do sistema músculo aponeurótico
superficial (SMAS) por Mitz e Peyronie, em 197613, abriu o caminho para as modernas técnicas de lifting facial3,10.
A relação dos músculos corrugadores e as linhas de expressão verticais na área da
glabela foi reconhecida por Pierce et al., em 194714, que defenderam abordar esses músculos através de incisão supraciliar4. Castanhares, em 196415, defendeu ressecção de fuso de pele por incisão acima da sobrancelha com objetivo
de elevar a porção lateral10.
Muitos liftings frontais iniciais envolviam a ressecção da pele da testa ou do couro
cabeludo sem enfraquecer a força do músculo frontal. Regnault, em 197216, marcou o músculo frontal; Skoog, em 197412e Vinas et al., em 197617, defenderam a ressecção de tiras frontais para enfraquecer o músculo10.
Como toda atividade científica, o processo evolutivo é contínuo. As técnicas e táticas
continuam surgindo, evidenciando a importância das ritidoplastias para o cenário da
cirurgia plástica4.
O relato de caso, objeto deste trabalho, tem sua peculiaridade por se tratar de paciente
com fácies sindrômica, apresentando forte manifestação cutânea, especialmente em terço
distal na região frontal, impossibilitando a correção do defeito pelas técnicas usuais
de lifting facial, onde a tração do retalho frontal é realizada em sentido cranial.
Sendo assim, foi necessário elaborar uma incisão atípica para atender a este paciente
europeu, que migrara para o Brasil exclusivamente na tentativa de encontrar tratamento
para seu problema. O lifting frontal reverso foi a técnica cirúrgica idealizada para
o caso. É uma técnica inovadora não havendo publicação prévia na literatura.
RELATO DO CASO
Paciente italiano, sexo masculino, 56 anos, com diagnóstico de paquidermoperiostose
apresentando espessamento de derme e epiderme (paquidermia), baqueteamento digital
e periostose (Figura 1). A manifestação cutânea era mais expressiva na região frontal da face com presença
de uma pele inelástica, redundante e com formação de sulcos profundos, o que gerava
desconforto estético ao paciente (Figura 2). Pelas características da pele e da distância da incisão coronal ao local a ser
tratado, a tração em sentido cranial seria ineficaz. Diante disso, idealizou-se uma
incisão atípica de lifting facial, denominada frontal reversa, onde a tração do retalho
frontal é feita em sentido caudal.
Figura 1 - Paciente com paquidermia, baqueteamento digital e aumento de volume dos quirodáctilos.
Figura 1 - Paciente com paquidermia, baqueteamento digital e aumento de volume dos quirodáctilos.
Figura 2 - Esquerda: Pré-operatório vista frontal; Direita: Pré-operatório vista perfi l.
Figura 2 - Esquerda: Pré-operatório vista frontal; Direita: Pré-operatório vista perfi l.
MÉTODOS
A incisão se inicia na raiz da hélice no ponto A, contorna o supercílio em linha sinuosa
distando meio centímetro da implantação dos pelos da sobrancelha indo até a região
da glabela, curvando para a raiz do nariz, indo encontrar com dimensões idênticas
do outro lado (Figura 3). Do ponto A, ascende uma linha curva inclinando-se para o sentido medial, com uma
distância de 2cm, de forma a permitir uma base segura de nutrição de todo o retalho.
A intenção é diminuir a distância entre a área a ser tracionada e a área de incisão,
a fim de obter maior tração, possibilitando assim a correção do aspecto da face em
foco. Após a incisão foi realizado descolamento subgaleal em sentido cranial da testa,
e tratadas as musculaturas frontal e interciliar. A tração do retalho é feita em sentido
caudal (reverso) com posterior marcação e ressecção do excesso cutâneo na região frontal,
de forma simétrica, resultando em cicatriz supraciliar (Figuras 4 e 5).
Figura 3 - Traçado saindo da raiz da hélice (ponto A) contornando os supercílios, curvando para
a raiz do nariz, indo encontrar dimensões idênticas do outro lado. Do ponto A ascende
uma linha curva inclinando-se para o sentido medial, a uma distância um do outro que
permita uma base segura de nutrição de todo o retalho.
Figura 3 - Traçado saindo da raiz da hélice (ponto A) contornando os supercílios, curvando para
a raiz do nariz, indo encontrar dimensões idênticas do outro lado. Do ponto A ascende
uma linha curva inclinando-se para o sentido medial, a uma distância um do outro que
permita uma base segura de nutrição de todo o retalho.
Figura 4 - Foto da técnica sendo realizada no intraoperatório. Ressecção do tecido excedente
em região frontotemporal.
Figura 4 - Foto da técnica sendo realizada no intraoperatório. Ressecção do tecido excedente
em região frontotemporal.
Figura 5 - Foto da técnica sendo realizada no intraoperatório. Tração caudal do retalho.
Figura 5 - Foto da técnica sendo realizada no intraoperatório. Tração caudal do retalho.
Os terços médio e inferior da face foram tratados através de incisão de MACE pré-intracapilar,
retroauricular, pré-auricular e pré-tragal, indo ao encontro do ponto A, com posterior
descolamento amplo do retalho, plicatura do SMAS e abordagem do platisma medial. Foi
realizada ressecção de fuso de pele nos sulcos nasogenianos que, por serem pronunciados,
exigiram tração local seguindo o mesmo conceito empregado no terço superior. Para
tratar o excesso cutâneo da região mentoniana foi realizada exérese de pele no submento.
RESULTADOS
A tração caudal do retalho, através de incisão supraciliar, possibilitou a correção
do defeito em região frontal sem que houvesse alteração da linha de implantação capilar
ou ascensão excessiva das sobrancelhas. O tratamento dos terços médio e inferior da
face, somado à ressecção de fuso de pele em sulco nasogeniano e submento, permitiu
também o rejuvenescimento da face em amplo aspecto e a suavização dos sulcos (Figuras 6 e 7).
Figura 6 - Vista frontal do pré e pós-operatório.
Figura 6 - Vista frontal do pré e pós-operatório.
Figura 7 - Vista de perfil do pré e pós-operatório.
Figura 7 - Vista de perfil do pré e pós-operatório.
Entretanto, é essencial o aconselhamento pré-operatório para que o paciente tome conhecimento
que as cicatrizes ficarão mais aparentes, mas se fazem necessárias para a obtenção
de um resultado mais eficaz.
DISCUSSÃO
Ainda não existe um consenso para o tratamento das rugas frontais e nasoglabelares
e também não está estabelecida qual é a melhor opção cirúrgica para os pacientes com
diagnóstico de paquidermoperiostose. O lifting endoscópico é uma das técnicas mais
utilizadas por ter tempo cirúrgico reduzido e cicatrizes menos aparentes. Porém, apresenta
como desvantagem a dificuldade para o posicionamento do supercílio e a persistência
de pele redundante, já que com esta técnica só os tecidos moles são elevados, sem
realizar ressecções de pele4,18.
As abordagens transpalpebrais são outras das alternativas para o tratamento da região
frontal, mas estão indicadas apenas para pequenos graus de ptose do supercilio e tem
recidiva frequente. Mais recentemente, tem se descrito a utilização de toxina botulínica,
ácido hialurônico, fios de sustentação e técnicas cirúrgicas, como o glinding brow lifting, como opções menos invasivas para o tratamento da região frontal19,20,21,22. Técnicas também indicadas para casos com menos excedente cutâneo, uma vez que os
tecidos não são ressecados.
No caso apresentado a redundância de pele era mais acentuada na região frontal, principalmente
no terço caudal, próximo ao supercílio. Diante disso, a correção não seria possível
utilizando técnicas de ritidoplastia coronal existentes, uma vez que o tecido cutâneo
apresentava característica inelástica. A tração do retalho no sentido cranial seria
ineficaz neste caso, devido à distância entre a incisão e a área a ser corrigida.
Encontram-se na literatura descrições de tratamento da região frontal com a incisão
coronal tradicional, tendo como desvantagem a necessidade de submeter o paciente a
múltiplos tempos cirúrgicos para corrigir o excedente cutâneo na região supraciliar2,23.
Sendo assim, o autor deste artigo desenvolveu a técnica do lifting frontal reverso,
que permite tratar o excesso de pele no terço caudal da testa, enquanto atenua também
as rugas frontais e nasoglabelares. O mesmo conceito de tração local se aplica para
a região do sulco nasogeniano, que não seria corrigido apenas com a tração do SMAS
e da pele sobrejacente. O ônus das ressecções locais são as cicatrizes mais aparentes,
contudo, aceitas por este paciente sem resistência.
CONCLUSÃO
Apesar da vasta gama de técnicas de lifting facial, os cirurgiões não estão livres
de se deparar com casos desafiadores que necessitam de abordagem através de incisões
atípicas. A técnica de lifting frontal reverso foi criada para um caso específico
de paquidermoperiostose. Quando bem indicada para aplicação em casos excepcionais,
esta técnica pode ser utilizada atingindo bons resultados. Apesar da maior exposição
cicatricial, com uma sutura realizada por planos e pele criteriosamente bem coaptada,
é possível atingir um resultado satisfatório.
COLABORAÇÕES
RP
|
Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento do Projeto, Realização das operações
e/ou experimentos, Redação - Preparação do original
|
GHP
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Supervisão
|
REFERÊNCIAS
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1. Serviço de Cirurgia Plástica Professor Ronaldo Pontes, Cirurgia Plástica, Niterói,
RJ, Brasil.
Autor correspondente: Ronaldo Pontes, Av. Sete de Setembro, 301, Santa Rosa, Niterói, RJ, Brasil. CEP: 24230-251. E-mail:
servicopgronaldopontes@gmail.com
Artigo submetido: 19/02/2019.
Artigo aceito: 29/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.