INTRODUÇÃO
As fraturas da extremidade distal do rádio são definidas como aquelas que ocorrem
até três centímetros da articulação radiocárpica1. Possuem uma incidência de aproximadamente 1:10000 pessoas, representando 16% de
todas as fraturas do corpo humano2. A faixa etária mais acometida é entre 60 e 69 anos, principalmente em mulheres,
mas nota-se uma elevação da incidência entre jovens devido aos acidentes de trânsito
e traumas esportivos, de alta energia1-3. A incidência elevada em idosos se correlaciona à osteoporose, sexo feminino, raça
branca e menopausa precoce1-3.
O diagnóstico das fraturas do rádio é baseado na história clínica, no exame físico
e na avaliação por imagem, normalmente obtido com radiografias simples do punho na
incidência anteroposterior (AP) e em perfil1-3. As fraturas da extremidade distal do rádio são divididas de acordo com o padrão
da lesão. Assim, as classificações são importantes na medida em que auxiliam na tomada
de decisão do tratamento a ser instituído e orientam o prognóstico das fraturas4.
A classificação de Frykman foi, por muitos anos, o sistema mais utilizado, e se baseia
no envolvimento das superfícies articulares do rádio, podendo ser classificada de
1 a 85. A classificação Universal ou de Rayhack foi criada em 1990 e modificada por Cooney,
em 19936. Diferencia as fraturas em intra ou extra-articulares, com ou sem desvios, sua redutibilidade
e estabilidade6. A classificação do Grupo A.O./OTA foi criada em 1986 e revisada em 1990. Divide-se
em extra-articular (tipo A), articular parcial (tipo B) e articular completa (tipo
C). Os três grupos são organizados em ordem crescente de gravidade com relação à complexidade
morfológica, dificuldade de tratamento e prognóstico7.
Os estudos atualmente encontrados na literatura apresentam metodologias muito distintas
e mostram baixa reprodutibilidade intra e interobservador nas diferentes classificações
das fraturas da extremidade distal do rádio, não havendo um consenso de qual sistema
deve ser utilizado na prática diária e na realização de estudos científicos4,8-10.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é avaliar a reprodutibilidade das três principais classificações
e definir qual delas tem maior concordância intra e interobservador, e se o estágio
de formação dos participantes influencia na avaliação.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional, incluindo exames de imagem de 14 pacientes atendidos
no pronto socorro de um hospital da rede pública de saúde, com diagnóstico de fratura
da extremidade distal do rádio, no período de junho a setembro de 2017. Todos os pacientes
incluídos possuíam radiografias em duas incidências, anteroposterior e em perfil.
Foram excluídos os pacientes com esqueleto imaturo, aqueles que não possuírem radiografia
de qualidade satisfatória, e aqueles com fraturas ou deformidades prévias no punho.
Para a avaliação foram apresentados aos avaliadores 15 casos, pois propositalmente
um paciente se repetia, com o intuito de melhorar a acurácia intraobservadores.
Selecionados como participantes 12 ortopedistas em diferentes estágios de formação,
sendo oito membros da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, dois especialistas
em cirurgia da mão e seis não especialistas; e, quatro médicos residentes, um no primeiro
ano de formação (R1), dois no segundo ano (R2) e um no terceiro ano (R3). Os avaliadores
classificaram as fraturas apresentadas após uma breve explanação sobre os sistemas
de classificação e foi permitida a consulta deles a qualquer momento da avaliação.
Após sete dias os participantes classificaram novamente as mesmas fraturas.
O estudo atendeu todos os requisitos em relação aos direitos dos seres humanos e foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (parecer consubstanciado
n° 2.294.348).
Análise estatística
A análise inferencial foi composta pelo coeficiente de Kappa ponderado para análise
de concordância intra e interobservador das classificações de Frykman, Universal e
AO. O teste t de Student para amostra pareadas foi aplicado para verificar se existia diferença
significativa no grau de concordância interobservador entre os instrumentos. A interpretação
dos valores Kappa foi feito de acordo com o proposto por Landis e Koch, em 197711, segundo os quais, valores Kappa menores que zero representam uma má reprodutibilidade,
de zero a 0,20 desprezível, 0,21 a 0,40 reprodutibilidade leve, 0,41 a 0,60 reprodutibilidade
moderada, 0,61 a 0,80 reprodutibilidade grande e acima de 0,80 considera-se uma concordância
quase perfeita. Os valores obtidos da estatística Kappa foram testados em nível de
significância de 5%.
RESULTADOS
Dentre as classificações observou-se melhor reprodutibilidade na classificação Universal,
tendo com índice Kappa de 0.72 considerado como grande reprodutibilidade intraobservadores.
Já na avaliação interobservador esse índice apresentou uma ligeira queda, deixando
de ter uma grande reprodutibilidade, passando para moderado com valor de 0.48. A classificação
de Frykman apresentou um índice Kappa de 0.51, sendo considerado moderada a reprodutibilidade
quanto às avaliações intraobservadores. Na avaliação interobservador o índice foi
de 0.36, classificado como leve. A classificação do grupo A.O. apresentou reprodutibilidade
leve intraobservadores e interobservador (κ = 0.38 e 0.25, respectivamente) (Tabelas 1 e 2).
Tabela 1 - Concordância geral interobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio pelo índice Kappa.
Momento 1 |
Momento 3 |
Sistema |
Kappa |
Concordância |
Kappa |
Concordância |
Frykman |
0,36 |
Leve |
0,41 |
Moderada |
Universal |
0,48 |
Moderada |
0,47 |
Moderada |
A.O. |
0,25 |
Leve |
0,29 |
Leve |
Tabela 1 - Concordância geral interobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio pelo índice Kappa.
Tabela 2 - Concordância geral intraobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio pelo índice Kappa.
Sistema |
Kappa |
Concordância |
Frykman |
0,51 |
Moderada |
Universal |
0,72 |
Grande |
A.O. |
0,38 |
Leve |
Tabela 2 - Concordância geral intraobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio pelo índice Kappa.
Ao analisar a classificação da fratura que se repetia, notou-se que apenas um avaliador
questionou ser a mesma radiografia já avaliada anteriormente, porém todos os avaliadores
classificaram a lesão da mesma forma em pelo menos um dos três sistemas. A classificação
de Frykman apresentou reprodutibilidade igual à classificação Universal, com sete
acertos, enquanto a do grupo A.O. apresentou cinco acertos (Figura 1).
Figura 1 - Concordância geral intraobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio.
Figura 1 - Concordância geral intraobservadores das classificações de Frykman, A.O. e Universal
para fratura de extremidade distal do rádio.
Ao se analisar o grau de formação e experiência do avaliador, não se obteve variação
estatisticamente significativa em relação aos valores do índice Kappa (p < 0.05).
DISCUSSÃO
A classificação ideal de qualquer fratura deve fornecer informações suficientes para
auxiliar na tomada de decisão do tratamento adequado, determinar o prognóstico, além
de ter uma reprodutibilidade satisfatória e ser de fácil memorização12. A reprodutibilidade do sistema é conferida pelas concordâncias inter e intraobservadores,
sendo essencial uma classificação ter uma boa reprodutibilidade para que possa ser
largamente aceita e permitir que diferentes séries sejam comparadas4,8. No presente estudo, analisamos a reprodutibilidade das fraturas da extremidade distal
do rádio e observou-se maior concordância inter e intraobservadores na classificação
Universal, seguida pela de Frykman e, por último, a da A.O. Nos diversos trabalhos
encontrados na literatura, assim como neste, a maioria utilizava o índice Kappa inter
e intraobservadores para avaliar a concordância dos diferentes tipos de classificações
das fraturas4,8,10.
Andersen et al., em 199613, estudaram quatro classificações para as fraturas distais do rádio: Frykman, Melone,
Mayo e A.O. Verificaram que nenhuma delas mostrou grande concordância interobservador
(Kappa entre 0.61 e 0.80). Na classificação de Frykman, a concordância intraobservadores
variou de 0.40 a 0.60 e a interobservador teve o índice Kappa médio de 0.36. Com relação
ao sistema A.O. completo, a concordância média intraobservadores variou de 0.22 a
0.37 e, quando reduzida para três categorias, obteve-se um nível de concordância de
0.58 a 0.70. Contudo, reduzindo para três categorias, o sistema A.O. passa a ter valor
questionável frente às outras classificações.
Avaliando a reprodutibilidade do sistema A.O. em 30 radiografias de fraturas distais
do rádio, classificadas por 36 observadores com diferentes níveis de experiência,
Kreder et al., em 199614, mostraram que a concordância interobservadores foi melhor para a classificação simplificada
(κ = 0.68) e decresceu progressivamente ao incluir os grupos (κ = 0.48) e subgrupos
(κ = 0.33) deste sistema. O índice Kappa variou de 0.25 a 0.42 na concordância intraobservadores
com o sistema A.O. completo e de 0.40 a 0.86 na classificação simplificada. Não houve
diferença em relação ao grau de experiência dos observadores ao classificarem os “grupos”
e “subgrupos”.
Illarramendi et al., em 199815, utilizaram 200 radiografias classificadas por seis observadores com níveis diferentes
de experiência. Para a classificação de Frykman, obtiveram reprodutibilidade interobservador
moderada (κ = 0.43) e intraobservadores boa (κ = 0.61). Para a classificação A.O.,
encontraram uma leve reprodutibilidade interobservador (κ = 0.37) e moderada intraobservadores
(κ = 0.57). Para a obtenção de tais resultados, entretanto, os autores simplificaram
as classificações de Frykman e A.O., melhorando a reprodutibilidade de ambas, o que
talvez não ocorreria se estivessem completas. Houve maior reprodutibilidade intraobservador
que interobservador e a concordância não melhorou com o aumento da experiência do
observador.
Ainda não há um consenso sobre a metodologia ideal nos estudos de reprodutibilidade
de classificações, uma vez que o número de exames de imagens analisados e a quantidade
de avaliadores influenciam na concordância das respostas13-15. No estudo de Kreder et al., em 199614, foram 30 imagens e 36 avaliadores, enquanto no apresentado por Illarramendi et al.,
em 199815, seis participantes julgaram 200 imagens.
No presente estudo, optamos por diminuir o número de fraturas, totalizando 15 com
duas incidências cada, para não tornar o processo cansativo, o que poderia prejudicar
o resultado das avaliações. Entretanto, concordando com os estudos prévio, do ponto
de vista da reprodutibilidade, constatamos que as classificações avaliadas não foram
satisfatórias, com resultado considerado bom somente para a concordância intraobservadores
na Universal, no restante, a concordância foi leve à moderada13-15. Outro ponto de consentimento com os estudos citados é a pouca influência do nível
de experiência dos participantes ao classificarem as fraturas distais do rádio, uma
vez que não houve diferença significativa entre residentes e especialistas13,15.
Além disso, diferentemente de pesquisas prévias, propositalmente repetimos um caso
para melhor avaliação concordância intraobservadores. Observou-se que muitos avaliadores
não conseguiram identificar que estavam classificando radiografias repetidas, ratificando
a dificuldade em se criar um sistema de classificação altamente reprodutível.
CONCLUSÃO
A maior concordância intra e interobservador foi observada na classificação Universal,
seguida pela de Frykman e, por último, a do grupo A.O.; entretanto, constatamos que
a reprodutibilidade das classificações não foi satisfatória, com resultado considerado
bom somente para a concordância intraobservadores na Universal. Além disso, notou-se
que a reprodutibilidade da classificação independe do grau de experiência do avaliador.
COLABAORAÇÕES
HM
|
Análise e/ou interpretação dos dados, aprovação final do manuscrito, concepção e desenho
do estudo, gerenciamento do projeto, redação - preparação do original, redação - revisão
e edição, supervisão.
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LDG
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Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, coleta de dados, metodologia,
realização das operações e/ou experimentos, redação - preparação do original.
|
REFERÊNCIAS
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As classificações das fraturas do rádio distal são reprodutíveis? Concordância intra
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1. Hospital Sírio-Libanês, Brasília, DF, Brasil.
2. Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
3. Hospital Regional do Paranoá, Brasília, DF, Brasil.
Autor correspondente: Henrique Mansur, Área Militar do Aeroporto Internacional de Brasília, Lago Sul, Brasília, DF, Brasil.
CEP: 71607-900. E-mail: henrimansur@globo.com
Artigo submetido: 20/09/2019.
Artigo aceito: 22/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.