ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2020 - Volume35 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2020RBCP0031

RESUMO

Introdução: O sistema único de saúde brasileiro organiza-se basicamente em unidades básicas de saúde, hospitais de média e hospitais de alta complexidade. A composição dos serviços de média complexidade é variável, podendo contar ou não com especialistas como o cirurgião plástico. O objetivo do presente trabalho é o de descrever dados do tratamento dos pacientes com tumores cutâneos atendidos por um cirurgião plástico, em um hospital de média complexidade.
Métodos: Coorte prospectiva com análise de dados epidemiológicos demográficos, de custos, resultados, complicações e grau de satisfação.
Resultados: No período de 9 meses foram atendidos 166 pacientes dos quais 103 foram operados. As patologias mais comuns foram: carcinomas basocelulares, tumores benignos de subcutâneo e pele, carcinoma epidermóide e melanoma, em ordem decrescente de ocorrência. A maioria das lesões foi tratada com cirurgia de exérese e sutura. Reconstruções mais complexas foram necessárias em 29 pacientes. O grau de resolução dos casos foi alto, com apenas um paciente sendo encaminhado a hospital de alta complexidade. O grau de satisfação com o tratamento também foi elevado. Contudo, o repasse financeiro estimado do SUS, no caso do tratamento dos tumores malignos, foi em torno de 25% menor do que seria na alta complexidade.
Conclusão: A atuação do cirurgião plástico em hospitais de média complexidade pode impedir que doenças como o câncer de pele cheguem em estágios avançados em hospitais de alta complexidade, com alto grau de satisfação. Contudo, adaptações no repasse governamental precisariam ocorrer para viabilizar a atuação rotineira deste profissional nestas instituições.

Palavras-chave: Neoplasias cutâneas; Sistema Único de Saúde; Custos e análise de custo; Avaliação de resultado de intervenções terapêuticas; Cirurgia plástica

ABSTRACT

Introduction: The Brazilian health system is organized into basic health units, medium complexity hospitals, and high complexity hospitals. The composition of medium complexity services is variable, with or without specialists such as the plastic surgeon. The objective of the present study is to analyze data on the treatment of patients with skin tumors by a plastic surgeon in a medium complexity hospital.
Methods: prospective cohort with analysis of epidemiological, demographic data, costs, results, complications, and degree of satisfaction.
Results: In nine months, 166 patients were treated, of whom 103 underwent surgery. The most common pathologies were: basal cell carcinomas, benign subcutaneous and cutaneous tumors, squamous cell carcinoma and melanoma, in decreasing order of appearance. Most of the injuries were treated with exeresis and suture surgery and in 29 patients, more complex reconstructions were required. The degree of resolution of cases was high, and only a patient was derived to a high complexity hospital. The degree of satisfaction with the treatment was also high. However, the estimated financial transfer of SUS, in the case of malignant tumors treatment, was approximately 25% less than it is in a high complexity hospital.
Conclusion: The role of the plastic surgeon in medium complexity hospitals can prevent diseases such as skin cancer from reaching high complexity hospitals in advanced stages. However, there would have to be adaptations in the government transfer to enable the routine performance of this professional in these institutions.

Keywords: Skin neoplasms; Unique Health System; Costs and cost analysis; Therapeutic interventions results evaluation; Plastic surgery.


INTRODUÇÃO

O Sistema Único de Saúde (SUS) está organizado basicamente em unidades básicas de saúde e estabelecimentos de média e alta complexidade. A porta de entrada ao sistema são as unidades básicas de saúde, que devem resolver os principais problemas de saúde com medidas simples e baratas e atuar na prevenção de doenças. Já os hospitais de média e alta complexidade contam com profissionais especializados e recursos tecnológicos especiais1.

A divisão entre média e alta complexidade representa bastante dificuldade aos gestores do SUS1 e, infelizmente, sua visão desta área é ainda fragmentária, com conjuntos de procedimentos relacionados nas tradicionais “Tabelas de procedimentos do sistema”, ambulatorial ou hospitalar, que são muitas vezes limitantes, penalizando principalmente as instituições de médio porte, que realizam muitos dos procedimentos e que conforme essas Tabelas seriam de exclusividade da alta complexidade.

Os profissionais especialistas que trabalham nestes hospitais de média complexidade vivem esta realidade todos os dias, uma vez que estes locais contam cada vez mais com recursos e especialistas de múltiplas áreas, com grande potencial resolutivo, evitando a maioria das transferências às já superlotadas instituições de alta complexidade. E isto ocorre não só porque os hospitais de médio porte têm estrutura e qualificação para atender muitos dos procedimentos ditos de alta complexidade, mas também porque a alta complexidade não consegue absorver todos esses casos por falta de vagas.

No contexto dos tumores cutâneos, atendidos nos hospitais de média complexidade, o referido acima se repete proeminentemente no caso dos tumores malignos. São hospitais que têm recursos para operar a maioria dos tumores, incluindo tumores malignos maiores, desde que conte com um profissional especializado em cirurgia plástica ou áreas afins. Essas instituições contam com centro cirúrgico, anestesista e até mesmo Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), viabilizando inúmeros procedimentos. No entanto, os códigos cirúrgicos em oncologia são restritos à alta complexidade.

Os tumores de pele não melanoma são o câncer mais prevalente na população2,3, e a inclusão dos hospitais de médio porte no atendimento destas lesões poderia contribuir para reduzir o tempo de espera de encaminhamento às instituições de alta complexidade. Infelizmente, além de não receberem repasse para tratamento conforme códigos em oncologia, nem sempre estas instituições contam com profissionais capazes de tratar estes tumores em casos mais avançados. Diante disso, faz-se necessária a avaliação de custo e dos benefícios do tratamento destas lesões, bem como discutir possíveis soluções para um melhor funcionamento do sistema.

OBJETIVO

O objetivo do presente estudo é descrever a experiência de 9 meses de um cirurgião plástico no tratamento de pacientes com tumores cutâneos, em uma instituição de médio porte, não só descrevendo a epidemiologia e resultados do tratamento destas lesões, como também discutir como otimizar o atendimento destes pacientes e estimar os custos no âmbito do SUS.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte prospectiva realizada de janeiro de 2017 a setembro de 2017, no Hospital Getúlio Vargas em Sapucaia do Sul, Rio Grande do Sul. A coleta de dados foi realizada em banco de dados em Excel®, com dados demográficos como sexo, idade, dados sobre a cirurgia, área operada, técnica realizada, resultado de anatomopatológico, número de cirurgias, entre outros. Repasses financeiros, conforme Tabelas do SUS, foi estimado para cirurgias maiores realizadas no bloco cirúrgico e apenas para os tumores malignos de pele. O grau de satisfação foi medido e, conforme escala Glascow Benefit Inventory (GBI), aplicado em parte da amostra em pacientes chamados em torno de 2 anos após a cirurgia. Este questionário é composto de 18 perguntas cujas respostas são graduadas de 1 a 5, medindo um escore global e subescores global, social e de saúde variando de -100 (impacto negativo máximo) a +100 (impacto positivo máximo)4,5. Os custos com cada paciente foram estimados conforme códigos usados para cada paciente e com base no site do SUS com as Tabelas disponibilizadas on-line6. Esse último dado foi usado para comparar com os códigos exclusivos da alta complexidade que seriam mais adequados para o caso de cada paciente.

Critérios de inclusão na coorte geral foram todos os pacientes com tumores cutâneos e de subcutâneo benignos e malignos que consultaram no período do estudo. Apesar deste ambulatório ser voltado aos tumores de partes moles, consultaram e foram tratados também pacientes por outras patologias como dermatocalaze palpebral, ectrópio, hipertrofia de mama, placas ortopédicas expostas e feridas complexas, mas estes foram excluídos do presente estudo. Os dados foram analisados em SPSS, versão 20, IBM®.

Este trabalho foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) número 5329, Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV-RS), designado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sob o número de Certificado de Apresentação e Apreciação Ética (CAAE) 16036719.2.0000.5329. Os pacientes com fotos publicadas neste trabalho aprovaram sua divulgação através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Pacientes cujos dados são aqui expostos em conjunto, sem chances de identificação, foram dispensados do TCLE.

Quatro tipos regimes de cirurgia foram utilizados conforme o caso em tratamento: em sala ambulatorial com anestesia local, em bloco cirúrgico com anestesia local, em sala cirúrgica com sedação ou em sala cirúrgica com anestesia geral. O manejo dos pacientes foi realizado conforme “guidelines” para remoção de tumores cutâneos7,8 e as reconstruções foram realizadas conforme o caso e baseadas na literatura vigente9-11, respeitando os recursos disponíveis na Instituição.

RESULTADOS

No período do estudo foram atendidos 166 pacientes, dos quais 63 foram excluídos da análise por serem pacientes com outras patologias que não tumores cutâneos e de subcutâneo, ou pacientes que não foram operados. Restaram 103 pacientes que foram operados que tiveram dados completos para análise.

A média de idade dos pacientes operados foi de 60,1 anos. Presença de comodidades associadas foi encontrada em 50,5% da amostra. As comorbidades mais frequentes encontradas foram: hipertensão arterial sistêmica, diabete, hipotireoidismo e depressão; sendo que a maioria apresentava mais de uma comorbidade ao mesmo tempo. A média de consultas foi de 3 consultas por paciente. Tabela 1 demonstra os dados demográficos da coorte.

Tabela 1 - Dados demográficos dos 103 pacientes da coorte de pacientes atendidos em hospital de média complexidade.
Variável N (%) ou Média e
desvio padrão
Sexo  
Masculino 45 (43,7)
Feminino 58 (56,3)
Idade 60,12 (16,0)*
Presença de Comorbidades 52 (50,5)
Múltiplas 25 (24,3)
Hipertensão 9 (8,7)
Outras 18 (17,5)
Número de Consultas por Paciente  
Uma 16 (15,5)
Duas 32 (31,1)
Três 25 (24,3)
Quatro 15 (14,6)
Cinco ou mais 15 (14,6)
Local da Cirurgia  
Ambulatório 53 (51,5)
Centro Cirúrgico 50 (48,5)
Área Operada  
Face 72 (69,9)
Múltiplas áreas 18 (17,3)
Membros 8 (7,8)
Tronco 5 (4,9)
Técnica de reconstrução  
Exérese e sutura 74 (71,8)
Exérese e retalho 21 (20,4)
Exérese e enxertia 8 (7,4)
Reconstrução (enxerto/retalhos) 29 (28,1)
Reconstrução tardia (pós-AP) 9 (8,7)
Diagnóstico Anatomopatológico  
Carcinoma Basocelular 46 (44,7)
Carcinoma Epidermóide 9 (8,7)
Melanoma 3 (2,9)
Cistos Epidérmicos 13 (12,6)
Outros 27 (26,2)
Margens (tumores malignos não melanoma) 55 (53,4)
Livres 46 (83,6)
Comprometida 9 (16,4)
Número de cirurgias por paciente  
Uma 87 (84,5)
Duas 11 (10,7)
Três 3 (2,9)
Quatro 2 (1,9)
Complicações 2 (1,9)

* Dados com distribuição normal pelo teste de Shapiro-Wilk representados por média de desvio padrão.

Tabela 1 - Dados demográficos dos 103 pacientes da coorte de pacientes atendidos em hospital de média complexidade.

As principais áreas do corpo acometidas pelos tumores foram a face, seguido de áreas múltiplas, membros e tronco (Figura 1). O carcinoma basocelular foi o tumor mais comum encontrado (44,7%), seguido de tumores benignos de pele e de subcutâneos incluindo nevos, cistos epidérmicos e lipomas. Os tumores epidermóides foram encontrados em 8,7% dos casos e foram operados 3 pacientes com melanomas. Estes últimos todos em estágio inicial (inferior a 0,75mm de espessura e sem ulcerações), precisando somente de ampliação de margem, sem necessidade de outras intervenções12,13. Considerando a classificação de risco para os tumores de pele não melanoma do NCCN (National Comprehensive Cancer Network) cujos critérios são expostos na Tabela 2 14, 38,7% foram de baixo risco, 55,5% de alto risco e 5,8% já localmente avançados.

Figura 1 - Distribuição dos tumores conforme áreas acometidas.

Tabela 2 - Características de alto risco para os tumores malignos de pele não-melanoma.
  Baixo Risco Alto Risco
Localização/Tamanho <20mm na área L >20mm na área L
<10mm na área M >10mm na área M
<0,6mm na área H >0,6mm na área H
Bordas Bem definidas Mal definidas
História Primárias Recorrentes
Imunossupressão Não Sim
Radiação prévia Não Sim
Diagnóstico anatomopatológico CBC nodular/superficial CBC: moreaforme, basoescamoso, esclerodermiforme, micronodular CEC: acantolítico, adenoescamoso, desmoplásico, metaplástico

Zona H: Face central, pálpebras, supercílio, nariz, lábios, queixo, mandíbula, pré-auricular, pós-auricular, orelhas, genitáia, mãos, pés; Zona L: Tronco, membros (excluindo unhas, pés, mãos e pré-tibial); Zona M: Bochechas, fronte, couro cabeludo, pescoço e pré-tibial; CBC: Carcinoma basocelular; CEC: Carcinoma espinocelular.

Tabela 2 - Características de alto risco para os tumores malignos de pele não-melanoma.

Nove pacientes com tumores basocelulares e epidermóides tiveram margens descritas como comprometidas ou exíguas. Destes, todos realizaram ampliação, exceto um que se negou a ampliar as margens e outra que decidiu observar não retornando para ampliação. Dos sete pacientes operados, dois vieram com carcinoma residual na peça cirúrgica, sendo que apenas um manteve-se com margem comprometida até a reconstrução perdendo o enxerto. Este último foi o único paciente que teve que ser encaminhado à alta complexidade por se tratar de um paciente com carcinoma epidermóide pouco diferenciado de região temporal, já com invasão da glândula parótida, localmente avançado e de mau prognóstico. O mesmo foi operado posteriormente em conjunto com o cirurgião de cabeça e pescoço que realizou parotidectomia parcial e esvaziamento cervical. O paciente foi encaminhado à radioterapia após a ressecção.

Reconstruções mais complexas com enxertos ou retalhos foram necessárias em apenas 28% do total de pacientes operados, sendo que em 31% destes pacientes se optou por reconstrução tardia, deixando os pacientes com curativo local até o diagnóstico anatomopatológico (AP) definitivo, seguido de reconstrução em torno de 2 semanas depois da primeira cirurgia no caso de margens livres.

Foram feitos 21 retalhos que incluíram técnica de Limberg, bilobado, bandeira, retalho glabelar (Rieger), nasogeniano e retalho triplo em catavento de couro cabeludo. As Figuras 2 a 4 mostram resultados de alguns desses casos de reconstrução mais complexos.

Figura 2 - Paciente com carcinoma basocelular, reconstrução com retalho nasogeniano. Deformidade em alçapão (trapdoor) com resolução espontaneamente.

Figura 3 - Paciente com carcinoma basocelular de asa nasal reconstruído com enxerto de cartilagem auricular e retalho nasogeniano. Reconstrução tardia após anatomopatológico definitivo. Fotos de pré-operatório, pós-operatório sem reconstrução com retração de asa nasal, após a reconstrução e fotos finais após refinamento do pedículo do retalho com reconstrução do sulco nasogeniano.

Figura 4 - Tumor de dorso nasal reconstruído com retalho glabelar ou de Rieger.

Ocorreram complicações em 16,5% dos pacientes que incluíram 5 casos de infecção de ferida operatória, 1 hematoma, 1 paciente com dor persistente que cedeu após 3 meses, 1 deiscência de sutura com necrose gordurosa, 2 necroses parciais de retalhos, 2 hipertrofias de cicatriz, 1 perda parcial de enxerto, 3 deformidades em alçapão (trapdoor) que melhoraram em 6 meses, 1 paralisia temporária do ramo temporal do facial pelo anestésico local e uma paralisia definitiva do ramo temporal e zigomático do facial que estava comprometido por tumor (paciente que realizou a parotidectomia acima descrito). A Figura 5 mostra caso de paciente com necrose parcial de retalho com boa resolução final com curativos, demonstrando o bom resultado mesmo no caso de complicações.

Figura 5 - Paciente com tumor basocelular submetido à reconstrução com retalho em catavento que evoluiu com necrose parcial dos retalhos, mas com bom resultado final após cuidados e curativos.

Entrou-se em contato com 20 pacientes para responder questionário para cálculo da escala GBI, sendo que 3 haviam falecido e os 9 não atenderam ou não compareceram no dia da entrevista, restando apenas 8 para a aplicação do questionário. Nestes, mostrou-se melhora nos quatro subdomínios da escala, com média de 53,8 pontos na escala geral, 75 pontos na subescala geral, 4,1 na subescala social e 18,75 na subescala de saúde.

Considerando os repasses conforme a Tabela SUS por cirurgia e apenas os pacientes operados no bloco cirúrgico por tumores malignos, resultou-se em 37 pacientes para estimativa. Nestes pacientes, o custo estimado ao SUS foi de 349,25 reais por paciente, sendo 253,38 reais por cirurgia. Se fosse possível usar os códigos oncológicos que são apenas autorizados à alta complexidade, mas que seriam mais adequados às cirurgias realizadas, o repasse poderia ser em média de 470,94 por paciente e 341,66 por cirurgia, ou seja, em torno de 25% maior. Além disso, procedimentos comuns realizados nesta coorte de paciente como exérese de múltiplos tumores malignos de pele, exérese de tumores de lábio e de pavilhão auricular não encontram códigos equivalentes na Tabela de média complexidade, sendo que o código usado nestes casos foi muito inferior em termos de repasse se comparado aos disponíveis na alta complexidade. Felizmente, no caso de códigos de enxertos e retalhos o repasse é menor, mas menos impactante, 10% menores do que os códigos de enxertos e retalhos pós-exérese oncológica das Tabelas da alta complexidade.

DISCUSSÃO

Os tumores de pele não melanoma são a neoplastia mais prevalente, sendo que nos EUA seu diagnóstico é maior do que o diagnóstico de todos os cânceres somados2. Na coorte apresentada neste trabalho, o carcinoma basocelular foi a lesão mais comumente encaminhada, superando até mesmo os tumores benignos de pele e subcutâneo. O local mais acometido foi a face seguida dos membros. Autores que estudaram tumores de face15 e tumores basocelulares (CBCs)5 encontraram resultados semelhantes aos aqui demonstrados16,17. Em revisão recente sobre os cânceres de pele queratinocíticos (não-melanoma), destaca-se que sua incidência e, portanto, custos com esta doença vêm em elevação no mundo inteiro, com risco estimado entre 20-30% de desenvolvimento ao longo da vida em pacientes brancos, segundo estimativas norte-americanas7,8,18.

Esses tumores podem ser divididos e em alto e baixo risco, conforme critérios propostos pelo NCCN19, constam na Tabela 2 traduzida de Hughley et al., em 201814. Chama a atenção que nesta coorte, conforme tais especificações, a maioria dos pacientes (61,3%) já se apresentavam com carcinomas basocelulares e epidermóides de alto risco ou localmente avançados.

Os retalhos nestes casos de tumores de face são preferidos aos enxertos por terem melhores resultados estéticos16. Como em nossa casuística a área mais acometida foi a face, no caso de reconstruções os retalhos foram os preferidos, com 21 retalhos versus 8 enxertos realizados, sendo que apenas 2 destes casos de enxerto foram utilizados na face. Em 9 casos, nos quais as reconstruções com retalhos foram propostas, foi optado por reconstrução tardia apenas após anatomopatológico comprovando margens livres de doenças, conforme recomendado na literatura7,8,14,19, para diminuir o risco de perda da reconstrução. Segundo guidelines de tratamento dos tumores de pele, a melhor indicação para muitos dos casos desta coorte seria a cirurgia micrográfica de Mohs, por se tratarem de lesões com vários critérios de alto risco conforme NCCN14. Porém, esta técnica não é disponível na instituição, sendo optado por ressecção padrão e reconstrução tardia no caso de necessidade de grande mobilização de tecidos para reconstrução.

Quanto às análises de custos, resultados e grau de satisfação dos pacientes, é importante esclarecer sob qual perspectiva a análise é feita20. No caso da presente coorte, sob a perspectiva hospitalar há de certa forma prejuízo financeiro à instituição quanto ao atendimento desses paciente; contudo, ao SUS, há um ganho de se tratar essas lesões no nível médio, pois o repasse é menor do que o feito à alta complexidade e pelo acesso ser mais rápido. Este trabalho compara o repasse do SUS entre a média e alta complexidade, mas não estima se este repasse cobre os verdadeiros custos hospitalares com o tratamento destas lesões. Neste contexto, Bócoli et al., em 201321, fez essa comparação, demonstrando que o gasto interno com os tratamentos destas lesões é superior ao que é repassado pelo SUS. Neste estudo, contudo, o autor não especifica se a estimativa foi feita em hospital de média ou alta complexidade, contudo, cita que era em um Hospital Universitário, provavelmente se tratando de alta complexidade. Portanto, considerando os achados de Bócoli et al., em 201321, o prejuízo da instituição de média complexidade é provavelmente ainda maior do que o demonstrado neste estudo em hospitais de alta complexidade.

Quanto aos resultados, houve baixa taxa de complicações, especialmente se considerarmos tratar-se de uma coorte com vários tumores de alto risco de recidiva e por se tratar de uma população com média de idade elevada e presença de comorbidades em 50,5% da amostra. Também, conforme questionário de grau de satisfação que foi aplicado em parte dos pacientes, nota-se melhora em todos os domínios do questionário, principalmente nos escores geral e subescore geral. Além disso, quanto à resolubilidade, destacamos que apenas um paciente não pôde ser tratado na média complexidade, sendo encaminhado à hospital de alta complexidade. Desse modo, sob a perspectiva populacional os ganhos são muitos.

CONCLUSÃO

Diante do acima exposto e considerando que o câncer de pele não melanoma é uma doença em ascensão mundial e no Brasil, conclui-se que esta doença causa e continuará causando de forma crescente enorme impacto ao Sistema Único de Saúde, que deve procurar alternativas para viabilizar o acesso destes pacientes ao tratamento de forma eficaz. Neste contexto, a inclusão dos hospitais de médio porte no atendimento destes pacientes parece uma ótima estratégia para otimizar o funcionamento do sistema. Contudo, a viabilização desta atuação rotineira neste nível de atenção à saúde deveria passar por uma revisão nas Tabelas de procedimentos do SUS, que deveriam ser atualizadas, uma vez que na prática vários procedimentos de exclusividade da alta complexidade já são realizados na média complexidade, através de códigos de substituição que em sua maioria não contemplam a verdadeira complexidade dos procedimentos realizados, com valores recebidos 25% inferiores.

A presença de profissionais habilitados a tratar este problema adequadamente, como o cirurgião plástico no nível médio de complexidade, pode contribuir sobremaneira para que esta doença de alta incidência seja resolvida sem encaminhamento à alta complexidade. Conforme a coorte aqui apresentada, o grau de resolubilidade dos casos na média complexidade foi grande, sendo que a inclusão rotineira de instituições de médio porte no tratamento dos cânceres de pele colaboraria com o melhor atendimento dos pacientes e com o melhor funcionamento do SUS.

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1. Hospital Ernesto Dornelles, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Instituição: Fundação Hospitalar Getúlio Vargas de Sapucaia do Sul.

COLABORAÇÃO

DWD

Análise e/ou interpretação dos dados, Análise estatística, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Preparação do original

Autor correspondente: Daniele Walter Duarte, Rua General Caldwell 969, Bairro Menino Deus, Porto Alegre, RS. Brasil. CEP: 90130-051. E-mail: daniwalterduarte@gmail.com

Artigo submetido: 21/12/2019.
Artigo aceito: 22/02/2020.

Conflitos de interesse: não há.

 

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