INTRODUÇÃO
A reconstrução de defeitos cutâneos na porção distal do nariz sempre é um desafio.
As irregularidades na coloração, na textura, na espessura da pele e em seu contorno
são facilmente percebidas1,2. O retalho de dorso nasal, originalmente descrito por Gillies, em 19203, ficou conhecido quando Rieger, em 19674, descreveu o uso de um retalho de rotação modificado que utilizava a pele redundante
da glabela para reparar defeitos de espessura total da metade inferior do nariz com
tamanho igual ou menor a 2cm, permitindo a reconstrução em somente um tempo cirúrgico2,4. Inicialmente o retalho era randomizado, porém, Marchac, 19705, o modificaram, criando um padrão axial baseado em perfurantes da artéria angular.
Diversos outros autores publicaram modificações a técnica, permitindo o seu refinamento.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é demonstrar uma série de 6 casos de reconstrução de defeitos
do nariz utilizando o retalho de Rieger, realizado pelo Serviço de Cirurgia Plástica
Prof. Dr. Oswaldo de Castro, durante o período de 2017 a 2019.
MÉTODOS
Um estudo retrospectivo foi realizado, selecionando prontuários de pacientes que foram
atendidos no consultório privado de Cirurgia Plástica do Serviço de Cirurgia Plástica
Prof. Dr. Oswaldo de Castro, sob a coordenação do Dr. Antônio Egidio Rinaldi, no período
de 2017 a 2019, que apresentavam carcinoma basocelular, em região de terço médio e/ou
inferior do nariz. Alguns pacientes realizaram biópsia incisional para confirmação
diagnóstica. Os tumores foram ressecados, mantendo-se uma margem cirúrgica mínima
de 5mm, sem a realização de biópsia de congelação transoperatória.
Foi aplicado em todos os pacientes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, incluindo
a autorização para divulgação e uso de imagens com fins acadêmicos. O estudo seguiu
os princípios da Declaração de Helsinki e da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde.
Após a ressecção do tumor nasal, é confeccionado um retalho de rotação com seu pedículo
baseado lateralmente, em ramos da artéria angular, com uma linha de relaxamento. A
partir do defeito criado é desenhada uma linha curvilínea que passa na transição entre
a parede lateral do nariz e a bochecha, depois, se estende superiormente para a região
da glabela. A extensão glabelar deve corresponder aproximadamente a 1 ½ vezes a altura
vertical do defeito (Figura 1).
Figura 1 - A. Paciente 2: Lesão em ponta nasal de 1cm de diâmetro com desenho do retalho de Rieger,
que é um retalho de dorso nasal modificado com base nos ramos da artéria angular.
B. Tumor cutâneo ressecado e a liberação do retalho. C. Retalho elevado: a porção glabelar é dissecada no plano subcutâneo e a porção nasal
no plano submuscular. D. Resultado pós-operatório imediato após rotação e fixação do retalho.
Figura 1 - A. Paciente 2: Lesão em ponta nasal de 1cm de diâmetro com desenho do retalho de Rieger,
que é um retalho de dorso nasal modificado com base nos ramos da artéria angular.
B. Tumor cutâneo ressecado e a liberação do retalho. C. Retalho elevado: a porção glabelar é dissecada no plano subcutâneo e a porção nasal
no plano submuscular. D. Resultado pós-operatório imediato após rotação e fixação do retalho.
Após a infiltração de solução anestésica local contendo lidocaína 2%, mais epinefrina,
na concentração de 1:200.000UI, a área do retalho na região glabelar é elevada no
plano subcutâneo e as demais em plano submuscular. Após sua liberação e rotação, é
importante verificar a existência de diferenças nas espessuras da pele e se há distorções
importantes nas asas e na ponta nasal. Pontos simples com fio mononylon 5- 0 são realizados
para a fixação do retalho, sendo que a área doadora na glabela é fechada por sutura
primária, podendo ser necessário realizar um avanço V-Y. A remoção das suturas é realizada
após o período de 7 dias.
RESULTADOS
O número total de pacientes foi de seis, com idade variando entre 64 a 95 anos, com
média de 80,67 anos. Cinco destes pacientes eram do sexo masculino, sendo somente
uma do sexo feminino (Tabela 1).
Tabela 1 - Características dos pacientes.
Paciente |
Idade (anos) |
Sexo |
Localização do tumor (subunidades estéticas do nariz) |
Defeito (cm) |
1 |
93 |
M |
ponta nasal |
1,0 |
2 |
95 |
F |
inferior do dorso, lateral esquerda, asa nasal esquerda |
3,0 |
3 |
78 |
M |
inferior do dorso, asa nasal direita |
1,5 |
4 |
64 |
M |
ponta nasal |
2,5 |
5 |
82 |
M |
dorso nasal |
2,0 |
6 |
72 |
M |
ponta nasal |
1,0 |
Média |
80,67 |
|
|
1,8 |
Tabela 1 - Características dos pacientes.
O tamanho dos defeitos variou de 1,5 a 3cm, tendo como média o valor aproximado de
2,0cm de diâmetro. A paciente 2 apresentou lesão que se estendia além do terço inferior
do nariz, que comprometia toda a metade inferior, sendo necessária a realização de
um retalho nasogeniano para complementar o fechamento do defeito superiormente (Figura 2). Ainda, o paciente 3 apresentou lesão em região malar direita, onde a área cruenta
foi fechada com retalho de avanço (Figura 3).
Figura 2 - A. Paciente 2: Lesão em ponta nasal de 3cm, ocupando a região inferior do dorso, a lateral
esquerda e a asa nasal esquerda, necessitando realizar um retalho nasogeniano para
permitir o fechamento de toda a área do defeito. B. 7 dias de pós-operatório, ainda, evidenciando áreas com muito edema; C. Pós-operatório de 12 meses.
Figura 2 - A. Paciente 2: Lesão em ponta nasal de 3cm, ocupando a região inferior do dorso, a lateral
esquerda e a asa nasal esquerda, necessitando realizar um retalho nasogeniano para
permitir o fechamento de toda a área do defeito. B. 7 dias de pós-operatório, ainda, evidenciando áreas com muito edema; C. Pós-operatório de 12 meses.
Figura 3 - A. Paciente 3: Imagem de pré-operatória mostrando lesão em porção inferior do dorso
e asa nasal direita com 1,5cm. B. Pós-operatório com 14 dias de evolução. C. Pós-operatório de 6 meses.
Figura 3 - A. Paciente 3: Imagem de pré-operatória mostrando lesão em porção inferior do dorso
e asa nasal direita com 1,5cm. B. Pós-operatório com 14 dias de evolução. C. Pós-operatório de 6 meses.
Não houve intercorrências durante ou após os procedimentos. Como também, não ocorreram
casos de infecção, sangramento, hematoma, deiscência ou necrose do retalho. Ainda,
todos exames anatomopatológicos apresentaram margens cirúrgicas livres de neoplasia.
Nenhum caso que necessitou a realização de segundo tempo cirúrgico para refinamento.
Os pacientes, sem exceção, ficaram satisfeitos com o resultado estético, questionamento
realizado durante cada consulta de pós-operatório (Figuras 4, 5 e 6).
Figura 4 - A. Paciente 4: Imagem de intraoperatório mostrando lesão em ponta nasal com 2,5cm. B. Pós-operatório com 30 dias de evolução. C. Pós-operatório de 12 meses.
Figura 4 - A. Paciente 4: Imagem de intraoperatório mostrando lesão em ponta nasal com 2,5cm. B. Pós-operatório com 30 dias de evolução. C. Pós-operatório de 12 meses.
Figura 5 - Paciente 5: Pós-operatório tardio com mais de 2 anos e seis meses de ressecção de
lesão em dorso nasal com 2cm de diâmetro.
Figura 5 - Paciente 5: Pós-operatório tardio com mais de 2 anos e seis meses de ressecção de
lesão em dorso nasal com 2cm de diâmetro.
Figura 6 - A. Paciente 6: Lesão em ponta nasal de 1cm de diâmetro. B. Pósoperatório imediato. C. Imagens de 05 meses de pós-operatório. D. Imagens de 05 meses de pós-operatório.
Figura 6 - A. Paciente 6: Lesão em ponta nasal de 1cm de diâmetro. B. Pósoperatório imediato. C. Imagens de 05 meses de pós-operatório. D. Imagens de 05 meses de pós-operatório.
DISCUSSÃO
O nariz é a unidade estética mais exposta da face, sendo a parte inferior do nariz
a mais vulnerável às radiações ultravioletas e a traumas. Qualquer irregularidade
de coloração, textura, espessura e de contorno da pele nesta região são facilmente
percebidas. Ainda, a intensa atividade das glândulas sebáceas nessas áreas resulta
em aumento de tecido cicatricial. Com isso, os defeitos localizados nesta região,
ponta nasal e região alar, são os mais desafiadores durante uma reconstrução1,6,7.
O retalho de Rieger é um retalho de rotação modificado que utiliza a pele redundante
da glabela, tendo seu pedículo baseado lateralmente na região do canto medial do olho,
permitindo realizar a reconstrução recrutando tecidos adjacentes que possuem características
semelhantes, sendo feito de uma forma fácil e rápida. Ainda, ele é realizado em único
tempo operatório, durando cerca de 30 a 50 minutos, podendo utilizar somente anestesia
local, com alto nível de satisfação dos pacientes, sendo uma alternativa ao retalho
paramediano2,8.
O retalho de Rieger, é melhor indicado em pacientes idosos que tenham maior frouxidão
da pele, tanto da glabela quanto da pele nasal, pois garante uma melhor rotação do
retalho, assim como, faz com que a cicatriz glabelar fique ocultada nas rítides. A
técnica é melhor empregada nas correções de defeitos de pele localizados centralmente
na ponta nasal, entretanto, é possível utilizar esse retalho para corrigir lesões
em regiões de dorso e, também, da parede nasal lateral2,9.
É importante frisar que apesar de, originalmente, o retalho de Rieger ter sido descrito
para ser utilizado em lesões de espessura parcial, de até 2,0cm de diâmetro, mesmo
defeitos maiores que 2cm podem ser corrigidos utilizando esse retalho, às custas de
um maior deslocamento cefálico da margem da narina e da ponta nasal. Com isso, devemos
sempre buscar respeitar a distância de 1cm da margem alar para evitar problemas na
função da válvula nasal externa, assim como, distorções importantes1,2. Wentzell, em 20108, demonstrou que o retalho de dorso nasal pode ser utilizado para defeitos de espessura
total, não necessitando de enxertos cartilaginosos ou de retalhos de mucosa.
CONCLUSÃO
O retalho de Rieger é uma boa opção para casos de reconstrução de defeitos localizados
em metade inferior do nariz, sendo realizado em tempo único, de fácil execução e com
alto nível de satisfação dos pacientes na casuística estudada, fornecendo um adequado
resultado estético da área reconstruída, em textura e cor, por utilizar tecidos próprios
da cobertura nasal.
COLABORAÇÕES
FLD
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação final do manuscrito,
aquisição de financiamento, coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho
do estudo, gerenciamento de recursos, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia,
realização das operações e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação
- revisão e edição, supervisão, validação, visualização.
|
AER
|
Análise e/ou interpretação dos dados, análise estatística, aprovação final do manuscrito,
coleta de dados, conceitualização, concepção e desenho do estudo, gerenciamento de
recursos, gerenciamento do projeto, investigação, metodologia, realização das operações
e/ou experimentos, redação - preparação do original, redação - revisão e edição, supervisão,
validação, visualização.
|
REFERÊNCIAS
1. Eren E, Beden V. Beyond Rieger’s original indication; the dorsal nasal flap revisited.
J Craniomaxillofac Surg. 2014 Jul;42(5):412-6. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jcms.2013.05.031
2. Baker SR. Retalhos de rotação. In: Baker SR. Retalhos locais em reconstrução facial.
Rio de Janeiro: Di Livros; 2009. p. 109-33.
3. Gillies HD. Plastic surgery of the face. London: Oxford Medical Publishers; 1920.
4. Rieger RA. A local flap for the repair of the nasal tip. Plast Reconstr Surg. 1967;40:147-9.
5. Marchac D. Lambeau de rotation fronto-nasal. Ann Chir Plast Esthet. 1970;15:44-9.
6. Raschke GF, Rieger UM, Bader RD, Kirschbaum M, Eckardt N, Schultze-Mosgau S. Evaluation
of nasal reconstruction procedures results. J Craniomaxillofac Surg. 2012;40(8):732-49.
DOI: https://doi.org/10.1016/j.jcms.2012.01.023
7. Yong HK, Hyung WY, Seum C, Yoon KC. Reconstruction of cutaneous defects of the nasal
tip and alar by two different methods. Arch Craniofac Surg. 2018 Dec;19(4):260-3.
DOI: https://doi.org/10.7181/acfs.2018.02271
8. Wentzell MJ. Dorsal nasal flap for reconstruction of full-thickness defects of the
nose. Dermatol Surg. 2010 Jul;36(7):1171-8. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1524-4725.2010.01603.x
9. Redondo P, Bernad I, Moreno E, Ivars M. Elongated dorsal nasal flap to reconstruct
large defects of the nose. Dermatol Surg. 2017 Aug;43(8):1036-41. DOI: https://doi.org/10.1097/DSS.0000000000001149
1. Serviço de Cirurgia Plástica Prof. Dr. Oswaldo de Castro, Cirurgia Plástica, São
Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Filipe Lopes Decusati Praça Santa Terezinha, nº 20 - Tatuapé, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 03308-070 E-mail:
decusati@gmail.com
Artigo submetido: 10/12/2019.
Artigo aceito: 22/02/2020.
Conflitos de interesse: não há.
Instituição: Clínica Plastiquè, Tatuapé, São Paulo, SP, Brasil.