INTRODUÇÃO
A criptotia é uma deformidade auricular congênita comum em orientais, com incidência
de 1:400 na população japonesa, porém bastante rara em ocidentais1. A causa exata não é bem compreendida e existem diferentes teorias, incluindo o mau
desenvolvimento embriológico, a pressão mecânica intrauterina e a anormalidade muscular
da orelha2,3.
Apresenta-se como invaginação do polo superior da orelha sob a pele da região temporal.
Como resultado, o sulco auriculocefálico é perdido2,4. Quanto à classificação, Hirose et al., em 19853, dividiu a criptotia em duas categorias, de acordo com o tipo de constrição da cartilagem
e desenvolvimento anormal da musculatura intrínseca: o tipo I (tipo transversal muscular
ou tipo cruz superior) e tipo II (tipo músculo oblíquo ou tipo cruz inferior)3.
Anormalidades secundárias que podem coexistir com a criptotia incluem: deformidade
da cartilagem, escafa subdesenvolvida e cruz da anti-hélice acentuadamente curva3. Os portadores dessa patologia têm como um de seus comprometimentos estéticos-funcionais
a impossibilidade de usar óculos, devido à perda de apoio, além de um estigma estético
bastante aparente.
O presente estudo tem por objetivo relatar o caso de um paciente adulto ocidental
portador de criptotia, submetido à reconstrução com retalho de pedículo subcutâneo
mastóideo e revisar as principais técnicas descritas para o tratamento desta patologia.
RELATO DE CASO
Paciente masculino S.M.S., de 53 anos de idade, natural de Pernambuco, procurou o
ambulatório de cirurgia plástica do Hospital Agamenon Magalhães - PE, em novembro
de 2014. Queixava-se da dificuldade em adaptar os óculos sobre a orelha direita, pois
necessitava utilizar uma alça entre as hastes dos óculos para este fim, além da aparência
inestética, causada pela orelha aderida à têmpora. Nunca havia sido submetido à procedimento
cirúrgico prévio.
Ao exame, o polo superior da orelha direita estava encoberto pela pele da região temporal,
com sulco auriculotemporal direito ausente. A cartilagem auricular encontrava-se com
leve constricção anteroposterior, compatível com a classificação tipo II de Hirose
et al., em 19853 (Figura 1).
Figura 1 - Aparência pré-operatória da orelha direita. Nota-se ausência do sulco auriculotemporal.
Figura 1 - Aparência pré-operatória da orelha direita. Nota-se ausência do sulco auriculotemporal.
O procedimento cirúrgico foi realizado sob anestesia local e sedação, com solução
de lidocaína a 0,5% e adrenalina 1:200.000. Foi realizada a técnica descrita por Yoshimura
et al., em 20007, o sulco retroauricular foi demarcado caudalmente e a ilha de pele projetada sobre
a mastoide com sua porção central posicionada no sulco. Após a incisão e liberação
da cartilagem do polo superior, a fáscia mastóidea superficial foi identificada e
dissecada posteriormente e anteriormente. A ilha de pele foi incisada juntamente com
a fáscia em sua região caudal, a qual foi liberada cranialmente até que o arco de
rotação do retalho fosse alcançado (Figuras 2 e 3).
Figura 2 - Retalho demarcado com porção central sobre o sulco.
Figura 2 - Retalho demarcado com porção central sobre o sulco.
Figura 3 - Retalho dissecado com pedículo baseado na fáscia mastóidea superficial.
Figura 3 - Retalho dissecado com pedículo baseado na fáscia mastóidea superficial.
Foram realizadas incisões radiais na superfície côncava posterior da hélice, para
liberação da constricção cartilaginosa. O retalho foi posicionado na área do defeito
e fixado com suturas separadas de nylon 5-0 (Figura 4).
Figura 4 - (A): Retalho levantado como possibilidade de grande arco de rotação; (B): Retalho fixado para reconstrução do sulco auriculotemporal.
Figura 4 - (A): Retalho levantado como possibilidade de grande arco de rotação; (B): Retalho fixado para reconstrução do sulco auriculotemporal.
O retalho manteve-se bem perfundido no pós-operatório, com discreta área de epidermólise
em porção distal, porém sem prejuízo estético ou funcional. Após 2 semanas, os pontos
foram retirados e o paciente liberado a apoiar os óculos sobre o retalho. O resultado
obtido foi satisfatório, tanto do ponto de vista estético - com uma definição do contorno
do polo superior da orelha -, quanto do ponto de vista funcional, proporcionando melhor
apoio dos óculos sobre a orelha (Figura 5).
Figura 5 - (A): Aparência pré-operatória; (B) e (C): Aparência pós-operatória.
Figura 5 - (A): Aparência pré-operatória; (B) e (C): Aparência pós-operatória.
DISCUSSÃO
O manejo não-cirúrgico da criptotia é descrito com o uso de talas ou fitas. É indicado
para pacientes com deformidade leve, normalmente crianças de 1 semana a 6 meses de
vida2. Matsuo et al., em 19845, relataram que a correção é possível pelo uso de aparelhos para compressão e fixação
nos primeiros 6 meses de vida. Deformidades residuais persistem frequentemente, necessitando
de intervenção cirúrgica menor5.
Todas as técnicas cirúrgicas utilizadas no tratamento da criptotia visam corrigir
a falta de pele no polo superior da orelha e os defeitos da cartilagem existentes4. Contudo, a maioria das técnicas descritas deixam cicatrizes visíveis na linha capilar
da região temporal, na região pré-auricular ou ainda podem rebaixar a linha capilar
da têmpora, levando folículos pilosos para o sulco auriculotemporal e hélice, como
por exemplo na técnica em V-Y6,7.
Assim, as técnicas descritas para a correção da criptotia podem sem divididas em retalhos
locais, enxertia cutânea e expansão tecidual. Os retalhos locais são os mais utilizados
e uma variedade deles foi descrita, como o retalho em V-Y e suas variações6, retalhos de rotação3, de transposição8, zetaplastias2 e retalhos pediculados no subcutâneo7. Apresentam geralmente um bom resultado estético, com variações nas cicatrizes resultantes,
a depender da técnica utilizada e baixos índices de complicações6. A recorrência pode ser um problema com essas técnicas, devido ao defeito de pele
desta patologia e a necessidade de grandes segmentos cutâneos, resultando em cicatrizes
extensas e alterações significativas da região capilar temporal e mastóidea2.
Os enxertos cutâneos têm a vantagem de cobrir extensões maiores de feridas, no entanto,
demoram mais tempo para cicatrizar. A textura e a cor da região também apresentam
alterações, muitas vezes inaceitáveis e geralmente ocorrem problemas com a cicatrização9. A correção da criptotia com expansor cutâneo tem a vantagem de prover boa quantidade
de pele para reconstrução do sulco auriculotemporal10. Contudo, é uma técnica pouco utilizada, pois necessita de dois tempos cirúrgicos,
expansão cutânea durante semanas e incômodo na região do expansor.
Desse modo, a técnica selecionada para o paciente relatado foi descrita por Yoshimura
et al., em 20007: o retalho em ilha da fáscia mastóidea é suprido pelo ramo posterior da artéria temporal
superficial e/ou a artéria auricular superior7. Nesta técnica é possível corrigir o defeito cutâneo sem alterar a linha de implantação
capilar, sem adicionar cicatrizes muito aparentes na região mastóidea ou temporal,
resultando apenas em uma cicatriz escondida no sulco retro auricular.
CONCLUSÃO
Portanto, apesar da maioria dos estudos descreverem a correção em crianças e orientais,
o retalho de pedículo subcutâneo mastóideo também demonstrou ser adequado para a correção
da criptotia em paciente adulto ocidental.
COLABORAÇÕES
JAVO
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação
do original, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização
|
AFMN
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Metodologia, Redação - Preparação do original, Supervisão, Visualização
|
LASL
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Metodologia, Redação - Preparação do original, Supervisão, Visualização
|
CLAA
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação -
Revisão e Edição, Supervisão, Visualização
|
LKDB
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
EGS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados,
Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
ALNS
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Metodologia,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
JIMA
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Metodologia,
Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição
|
REFERÊNCIAS
1. Fukuda O. Otoplasty of cryptotia. Keisei Geka. 1968 Apr;11(2):117-125.
2. Hikiami R, Kakudo N, Morimoto N, Hihara M, Kusumoto K. A new modified method of correcting
cryptotia with a subcutaneous pedicled flap. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017 Oct:5(10):e1548.
PMID: 29184751 DOI: https://doi.org/10.1097/GOX.0000000000001548
3. Hirose T, Tomono T, Matsuo K, et al. Cryptotia: our classification and treatment.
Br J Plast Surg. 1985 Jul;38(3):352-60. PMID: 4016423 DOI: https://doi.org/10.1016/0007-1226(85)90241-3
4. Kim SK, Yoon CM, Kim MH, Kim MS, Lee KC. Considerations for the management of cryptotia
based on the experience of 34 patients. Arch Plast Surg. 2012 Nov;39(6):601-5. PMID:
23233884 DOI: https://doi.org/10.5999/aps.2012.39.6.601
5. Matsuo T, Hirose T, Tomono T, et al. Nonsurgical correction of congenital auricular
deformities in the early neonate: a preliminary report. Plast Reconstr Surg. 1984
Jan;73(1):38-51. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-198401000-00010
6. Chang SO, Suh MW, Choi BY, Park MH, Oh SH, Kim CS. A new technique for correcting
cryptotia: V-Y swing flap. Plast Reconstr Surg. 2007 Aug;120(2):437-441. DOI: https://doi.org/10.1097/01.prs.0000267423.72239.a0
7. Yoshimura K, Ouchi K, Wakita S, Uda K, Harii K. Surgical correction of cryptotia with
superiorly based superficial mastoid fascia and skin paddle. Plast Reconstr Surg.
2000 Mar;105(3):836-841. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-200003000-00002
8. Ono I, Gunji H, Suda K, Tateshita T, Kaneko F. A new operative method for treating
severe cryptotia. Plast Reconstr Surg. 1995 Aug;96(2):461-8. PMID: 7624424 DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-199508000-00033
9. Park S, Takushima M, Minegishi M. Reconstruction of cryptotia using a skin graft.
Ann Plast Surg. 1994 Apr;32(4):441-4. PMID: 8210169 DOI: https://doi.org/10.1097/00000637-199404000-00023
10. Mutimer KL, Mulliken JB. Correcting of cryptotia using tissue expansion. Plast Reconstr
Surg. 1988 Apr;81(4):601-4. DOI: https://doi.org/10.1097/00006534-198804000-00021
1. Universidade Federal de Pernambuco, Caruaru, PE, Brasil.
2. Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE, Brasil.
3. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Jonathan Augusto Vidal Oliveira Avenida República do Líbano, 251, Riomar Trade Center, Salas 2005 e 2006, Recife,
PE, Brasil. CEP: 51110-160. E-mail: jvidalplastica@gmail.com
Artigo submetido: 20/10/2018.
Artigo aceito: 10/2/2019.
Instituição: Hospital Agamenom magalhaes, Recife, PE, Brasil.
Conflitos de interesse: não há.