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Case Report - Year2019 - Volume34 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0219

RESUMO

Introdução: Lesões que acometem as mãos com importante perda cutânea frequentemente requerem retalhos para cobertura precoce, visto que permitem melhor reabilitação. Dentre as opções, o retalho interósseo posterior reverso do antebraço é o mais utilizado para defeitos no dorso da mão e punho, com baixas taxas de complicações. Normalmente, esse retalho não é utilizado para a reconstrução de defeitos em região palmar, já que geralmente não alcança esse local.
Relato de caso: Apresentamos o caso de um paciente com queimadura elétrica de terceiro grau, em palma da mão direita, cuja reconstrução foi realizada com o uso do retalho interósseo posterior reverso do antebraço, após debridamentos conservadores, no 14o dia após a queimadura. O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, sem complicações ou sequelas funcionais a longo prazo.
Conclusão: O retalho interósseo posterior reverso do antebraço permite cobertura adequada de lesões em palma da mão, preservando sua funcionalidade.

Palavras-chave: Queimaduras; Queimaduras por corrente elétrica; Retalhos cirúrgicos; Técnicas de fechamento de ferimentos; Traumatismos da mão

ABSTRACT

Introduction: Lesions affecting the hands with significant skin loss often require flaps for early coverage, as these permit faster healing. Among the various options, the reverse posterior interosseous flap of the forearm is most commonly used for defects involving the back of the hand and wrist due to low complication rates. Normally, this flap is not used for the reconstruction of defects in the palmar region since its distal reach is insufficient. Case report: We present the case of a male patient with third-degree electrical burns on his right palm, whose reconstruction was performed on the 14th day postinjury using the reverse posterior interosseous flap of the forearm after conservative debridement. The patient presented good postoperative evolution, without long-term complications or functional sequelae. Conclusion: The reverse posterior interosseous flap of the forearm permits adequate coverage of palm injuries, preserving its functionality.

Keywords: Burns; Burns by electric current; Surgical flaps; Techniques for wound closure; Hand injuries.


INTRODUÇÃO

A cobertura de defeitos causados por queimadura elétrica em membros superiores é desafiadora, especialmente quando há exposição óssea, tendínea ou articular. Dentre as opções de retalhos locais para a cobertura de lesões profundas nas mãos, destacam-se os pediculados na artéria radial ou ulnar1; entretanto, ambos acarretam grande morbidade à área doadora, além do sacrifício de uma das principais artérias responsáveis pela irrigação da mão2. Já os retalhos a distância, como o groin flap e os abdominais, são alternativas confiáveis; porém, requerem mais de uma cirurgia e podem resultar em tempo prolongado de imobilidade, prejudicando a reabilitação3.

O retalho interósseo posterior reverso do antebraço é uma alternativa reprodutível para a cobertura de lesões da mão, com pequena morbidade à área doadora, baixas taxas de perda e excelentes resultados estéticos4. Originalmente descrito como um retalho fasciocutâneo, com rotação para a área do cotovelo, mantido pela artéria interóssea posterior do antebraço, apresenta uma modificação baseada no fluxo reverso dessa artéria, através de sua anastomose distal para a artéria interóssea anterior, permitindo a rotação em direção à mão; no entanto, em 18% dos casos essa anastomose inexiste, impossibilitando sua realização5.

Trata-se de um retalho comumente utilizado para a cobertura de lesões em dorso do punho e da mão, polegar e primeira comissura, visto que não alcança habitualmente a região palmar6. Dessa forma, apresentamos o uso do retalho interósseo posterior reverso do antebraço para cobertura da palma da mão direita em paciente com trauma elétrico, apresentando queimadura de terceiro grau.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 33 anos, hígido, deu entrada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), 40 minutos após sofrer queimadura elétrica, causada por contato de objeto metálico em rede elétrica de alta tensão - 10.000 volts. Após medidas inicias de atendimento ao politraumatizado, foi transferido para leito de terapia intensiva da Unidade de Queimados, para monitorização cardíaca e vigilância da função renal.

Apresentava 3% da superfície corporal queimada, acometendo: a palma da mão direita (Figura 1A), ponto de entrada; e, a face posterior do ombro esquerdo, ponto de saída; ambas de terceiro grau. Além disso, havia queimadura de segundo grau profundo na face anterior do braço esquerdo.

Figura 1 - A: Área de queimadura em face palmar da mão direita no momento da admissão. B: Aspecto evolutivo da lesão após primeiro debridamentos, no 7o dia pós-queimadura (DPQ). C: Evolução após debridamento realizado no 10o DPQ. D: Defeito resultante após terceiro debridamentos no 14o DPQ.

O paciente foi submetido a três debridamentos conservadores da área de queimadura da mão, delimitando uma lesão palmar de aproximadamente 8,5cm x 3,5cm e 1,5cm de profundidade (Figuras 1B, 1C e 1D). Na face posterior do ombro esquerdo, o defeito possuía 2,5cm de profundidade e, aproximadamente, 8cm de diâmetro.

Optou-se pela realização de um retalho interósseo posterior reverso do antebraço direito do tipo peninsular, no 14º dia após o trauma (Figura 2). O retalho dissecado, de 15cm x 4 cm, permitiu cobertura adequada de toda a lesão na face palmar, sendo necessário enxerto de pele obtido da região inguinal, para fechar a área doadora do retalho no antebraço. A lesão do ombro foi fechada com retalho local de avanço no mesmo ato. No 5º dia pós-operatório, o retalho interósseo estava viável, sem congestão ou isquemia e a área enxertada teve integração de 100% (Figura 3).

Figura 2 - A: Retalho peninsular fasciocutâneo interósseo posterior reverso do antebraço dissecado e mantido em seu leito. B: Nervo interósseo posterior do antebraço preservado, após a dissecção do retalho. C: Defeito resultante na face posterior do antebraço após transposição do retalho. D: Retalho posicionado no defeito em face palmar da mão direita.
Figura 3 - A: Aspecto do retalho no 1o dia pós-operatório (DPO), ainda congesto. B: Retalho com redução do edema e excelente aspecto no 5o DPO, sem áreas de necrose. C: Área doadora enxertada, evoluindo com boa integração do enxerto; e, visão parcial de perfil do retalho transposto para a região palmar.

O paciente iniciou, após a alta hospitalar, fisioterapia para melhorar a motricidade da mão direita. Mantém evolução satisfatória nos últimos 3 anos (Figura 4), com funcionalidade da mão direita preservada e aspecto estético adequado, sem queixas.

Figura 4 - A: Face ventral do antebraço e da mão mostrando retalho com excelente aspecto após 03 anos de seguimento. B: Visão da face dorsal do antebraço, sem cicatrizes. C: Área doadora do retalho com cicatriz discreta; e, visão de perfil do retalho, evidenciando boa cobertura

DISCUSSÃO

Lesões profundas da mão tendem a causar exposição de estruturas nobres, requerendo retalhos para cobertura adequada e melhor reabilitação. O retalho utilizado deve ser versátil para cobertura das mais variadas lesões, de execução técnica reprodutível e vascularização confiável7.

O retalho interósseo posterior reverso do antebraço é um retalho longo e com muitas vantagens, tendo sido descrito pela primeira vez por Zancolli e Angrigiani, em 19868, mostrando-se útil para a cobertura de defeitos do dorso da mão e do punho. Tem proximidade com o leito receptor da mão, amplo arco de rotação, mínima lesão aos vasos linfáticos, preservação dos principais vasos que perfundem o antebraço e a mão (artéria radial e ulnar), ausência de necessidade de técnica microcirúrgica, além de potencial fechamento primário da área doadora, o que não foi observado no nosso caso3. Além disso, é pouco espesso, tem boa flexibilidade, textura de pele mais semelhante à da mão e permite carrear tecidos variados, como ossos, músculo, tendão e fáscia.

Apesar de ser um retalho considerado na literatura como de simples execução e reprodutibilidade, já foram descritas variações anatômicas do vaso perfurante, bem como lesões do nervo interósseo posterior do antebraço e ruptura da anastomose distal, sendo importante o cuidado na dissecção e o conhecimento anatômico da região9.

A principal complicação do retalho interósseo posterior reverso do antebraço é a congestão por oclusão do retorno venoso após sua rotação, podendo evoluir para necrose7. A ocorrência de necrose parcial foi de 15% e total em 5% na casuística de Neuwirth et al., em 20134, após avaliar 40 retalhos para cobertura de lesões em punho e dorso da mão. A dissecção de um retalho peninsular, como no caso descrito, possibilita a inclusão de perfurantes localizadas distalmente, reduzindo a possibilidade de ocorrência de congestão e necrose5.

No estudo de Kai et al., em 20136, que avaliou o retalho reverso do antebraço baseado na artéria interóssea posterior, para reconstrução de primeira comissura da mão em 12 pacientes pós-queimadura, demonstrou sua segurança em pacientes queimados, não havendo nenhum caso de congestão ou necrose na sua casuística. O mesmo preconiza um intervalo de duas semanas para a reconstrução após queimaduras elétricas, quando há melhor delimitação da área de necrose, que é evolutiva nas duas primeiras semanas, necessitando de múltiplos debridamentos, como observado em nosso caso. Em pacientes queimados graves esse intervalo pode ser estendido até 3 a 4 semanas6.

De acordo com Gavaskar, em 201010, o alcance distal do retalho em sua série foi até a articulação proximal do polegar. Defeitos além desse ponto podem ser de difícil cobertura, uma vez que a tração no pedículo pode causar insuficiência vascular. No caso relatado, o retalho manteve sua irrigação pela artéria interóssea anterior, com excelente perfusão mesmo após sua rotação para face palmar e posicionamento anterior.

CONCLUSÃO

O retalho interósseo posterior do antebraço com arco de rotação reverso constitui uma boa opção de tratamento de lesões profundas da palma da mão, permitindo cobertura adequada e preservando sua funcionalidade.

COLABORAÇÕES

RCL

Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Realização das operações e/ou

experimentos, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

WMM

Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

PTJ

Aprovação final do manuscrito, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

DAM

Aprovação final do manuscrito, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

HAN

Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Realização das operações e/ou experimentos, Redação - Revisão e Edição

RG

Aprovação final do manuscrito, Redação - Revisão e Edição

REFERÊNCIAS

1. El-Shazly M. Fashioning reversed axial pattern forearm tissues in different challenging conditions of the forearm territory as a reliable substitute for free tissue transfer. Acta Chir Plast. 2012;54(2):53-8. PMID: 23565845.

2. Hekner DD, Abbink JH, van Es RJ, Rosenberg A, Koole R, Van Cann EM. Donor-site morbidity of the radial forearm free flap versus the ulnar forearm free flap. Plast Reconstr Surg. 2013 Aug;132(2):387-93. PMID: 23584626. DOI: https://doi.org/10.1097/PRS.0b013e318295896c

3. Baylan JM, Chambers JA, McMullin N, et al. Reverse posterior interosseous flap for defects of the dorsal ulnar wrist using previously burned and recently grafted skin. Burns. 2016 Mar;42(2):e24-30. PMID: 26652146. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2015.06.020

4. Neuwirth M, Hubmer M, Koch H. The posterior interosseous artery flap: clinical results with special emphasis on donor site morbidity. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2013 May;66(5):623-628. PMID: 23375239. DOI: https://doi.org/10.1016/j.bjps.2012.12.018

5. Fujiwara M, Kawakatsu M, Yoshida Y, Sumiya A. Modified posterior interosseous flap in hand reconstruction. Tech Hand Up Extrem Surg. 2003 Sep;7(3):102-109. PMID: 16518227.

6. Kai S, Zhao J, Jin Z, et al. Release of severe post-burn contracture of the first web space using the reverse posterior interosseous flap: our experience with 12 cases. Burns. 2013 Sep;39(6):1285-1289. PMID: 23523223. DOI: https://doi.org/10.1016/j.burns.2013.02.002

7. Acharya AM, Bhat AK, Bhaskaranand K. The reverse posterior interosseous artery flap: technical considerations in raising an easier and more reliable flap. J Hand Surg Am. 2012 Mar;37(3):575-582. PMID: 22321438. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhsa.2011.12.031

8. Zancolli E, Angrigiani C. Posterior interosseous island forearm flap. J Hand Surg Br. 1988 May;13(2):130-35. PMID: 3385286.

9. Zaidenberg EE, Farias-Cisneros E, Pastrana MJ, Zaidenberg CR. Extended posterior interosseous artery flap: anatomical and clinical study. J Hand Surg Am. 2017 Mar;42(3):182-189. PMID: 28259275. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhsa.2017.01.004

10. Gavaskar AS. Posterior interosseous artery flap for resurfacing posttraumatic soft tissue defects of the hand. Hand. 2010 Apr;5(4):397-402. PMID: 22131922. DOI: https://doi.org/10.1007/s11552-010-9267-7











1. Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Autor correspondente: Rodolfo Costa Lobato Rua Doutor Melo Alves, nº 55, CJ 23, Cerqueira César, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01417-010. E-mail: rodolfolobato49@yahoo.com.br

Artigo submetido: 22/10/2018.
Artigo aceito: 21/4/2019.

Instituição: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Conflitos de interesse: não há.

 

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