INTRODUÇÃO
A demanda por cirurgia plástica tem aumentado progressivamente, devido principalmente
as novas técnicas cirúrgicas e maior aceitação social. Dentre os procedimentos de
cirurgias plástica mais frequentes estão as cirurgias de mamas (aumento ou redução),
seguido de lipoaspiração, abdominoplastia e cirurgias faciais1.
A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP), que é o desfecho
mais grave, são componentes da entidade nosológica conhecida como tromboembolismo
venoso (TEV) e são complicações relativamente comuns para os pacientes que são submetidos
a cirurgia. Na literatura, existem poucas publicações sobre incidência de TEV em cirurgia
plástica2.
A embolia pulmonar é uma das causas de morte hospitalar evitáveis, apesar de corresponder
a mais de 200.000 mortes anuais somente nos Estados Unidos. Recentemente este tema
tem recebido mais atenção dentro da cirurgia plástica, visando maior segurança na
execução dos procedimentos3.
A trombose venosa profunda e a embolia pulmonar permanecem como inimigos oportunistas,
que pela baixa incidência, por vezes levam o cirurgião plástico a menosprezar os riscos4.
De acordo com estatísticas da Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos, aproximadamente
275.000 procedimentos de lipoaspiração, quase 59.000 abdominoplastias e, aproximadamente,
124.500 lifiting de face foram realizados nos Estados Unidos. Nestes procedimentos
a incidência de trombose venosa profunda pode chegar a 18.340 casos por ano. Isso
é particularmente preocupante, dado que 60% dos cirurgiões plásticos no estudo de
Rohrich et al., em 20036, não usaram a profilaxia da trombose venosa profunda.
O tromboembolismo venoso é um risco bem documentado de cirurgia. A incidência de embolia
pulmonar fatal em pacientes que não recebem nenhuma forma de profilaxia é de 0,1 a
0,8% em pacientes submetidos a cirurgia geral eletiva, de 2 a 3% em pacientes submetidos
a artroplastia eletiva de quadril, 4 a 7% em pacientes submetidos a cirurgia para
fratura de quadril é de X a X%. Embora haja menos informações sobre o risco de tromboembolismo
venoso em cirurgia plástica, um grande estudo relatou um risco de 0,39% de trombose
venosa profunda e um risco de 0,16% de embolia pulmonar em pacientes que foram submetidas
a lifting facial. Claramente, a cirurgia plástica não está imune aos perigos do tromboembolismo
venoso. Com base nesses estudos e dado o amplo escopo dos procedimentos de cirurgia
plástica, é imperativo entender os riscos de tromboembolismo venoso em várias operações
e usar essas informações para ajudar a nortear o uso de profilaxia de tromboembolismo
venoso em cirurgia plástica7.
OBJETIVO
Avaliar a incidência e o perfil das pacientes vítimas de fenômenos tromboembólicos
(TVP e/ou TEP) que foram submetidas a mamoplastia de aumento e redutora, comparando
com os dados da literatura.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo de prontuários de pacientes que foram submetidas
a mamoplastia de aumento e redutora no Hospital PUC-Campinas, no período entre janeiro
de 2015 e junho de 2018, e que evoluíram com complicações tromboembólicas no pós-operatório.
No período avaliado foram operadas um total de 288 pacientes, incluindo tanto mamoplastia
de aumento quando mamoplastia redutora, sendo que a maior parte das cirurgias realizadas
foi a mamoplastia redutora em virtude do escopo de procedimentos, que podem ser realizados
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no serviço da residência médica do Hospital Escola.
Fato este que explica um número menor de cirurgias de mamoplastia de aumento. Foram
excluídas as pacientes que foram submetidas a reconstrução de mama.
Os dados avaliados das pacientes que tiveram complicações tromboembólicas foram: idade,
tipo de cirurgia, uso de anticoncepcional, IMC, presença de varizes em membros inferiores,
comorbidades associadas, cirurgia combinada, tabagismo, história pregressa gestacional,
local da TVP e/ou TEP, uso de meias elásticas, uso de profilaxia farmacológica e dias
de pós-operatório que foi diagnosticada a complicação tromboembólica.
No presente estudo todas as pacientes preencheram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido
(TCLE) previamente ao procedimento cirúrgico. Foi seguido todos os princípios de Helsinque.
RESULTADOS
Obtivemos os seguintes resultados: foram realizadas 13 mamoplastias de aumento e 275
mamoplastias redutoras. A incidência encontrada foi de 0,69% de complicação tromboembólica,
das 288 cirurgias realizadas duas (n=2) evoluíram com TEP (tromboembolismo pulmonar).
A idade das pacientes variou entre 24 a 33 anos. As pacientes estavam com IMC (índice
de massa corpórea) normal (entre 21-24).
Nenhuma paciente era tabagista. Não faziam uso de anticoncepcional. Não tinham sinal
e/ou presença de varizes em membros inferiores. Quanto a história ginecológica ambas
eram nulíparas.
Quanto ao tipo de procedimento, uma paciente foi submetida a mamoplastia de aumento
pela via sulco mamário e implantação de prótese de silicone texturizada, em plano
subglandular, com tempo cirúrgico de uma hora. A outra paciente foi submetida a mamoplastia
redutora pela técnica de pedículo superomedial, tempo cirúrgico de cinco horas, sendo
ressecado 470g de tecido mamário da direita e 550g de tecido mamário da esquerda.
Nos dois procedimentos as pacientes usaram meias elásticas de compressão e não foi
realizado profilaxia medicamentosa para TEV (tromboembolismo venoso).
As duas complicações tromboembólicas encontradas foram o TEP (tromboembolismo pulmonar)
sem presença de TVP (trombose venosa profunda). O tempo de pós-operatório no qual
houve relato de sintomas foi no sétimo dia, sendo a principal queixa a dispneia de
repouso. Ambas pacientes foram submetidas a exame de imagem tomográfico com protocolo
para tromboembolismo pulmonar e também a exame ultrassonográfico de Doppler venoso
de membros inferiores, no qual, não foram encontrados sinais de trombose venosa profunda
no território estudado, não foi realizada investigação nos membros superiores, apesar
deste território venoso também poder ser o foco do evento tromboembólico.
Quanto ao local do TEP, a paciente que foi submetida a mamoplastia de aumento foi
confirmado pela tomografia de tórax presença de imagem correspondendo a trombo subsegmentar
à direita.
Na paciente submetida a mamoplastia redutora, obteve-se como resultado de tomografia
de tórax TEP subsegmentar à esquerda conforme mostra a figura 1.
Figura 1 - Foto do exame tomográfico evidenciando pequena área de infarto subsegmentar pulmonar
à esquerda.
Figura 1 - Foto do exame tomográfico evidenciando pequena área de infarto subsegmentar pulmonar
à esquerda.
Quanto a evolução das pacientes em questão, ambas foram submetidas ao tratamento com
anticoagulação plena e heparina de baixo peso molecular durante cinco dias, em regime
de internação hospitalar aos cuidados da clínica médica e, então, iniciado anticoagulação
oral com varfarina, sendo realizado o ajuste da dose e monitorização com exames de
INR, recebendo alta hospitalar no sétimo dia após comprovação do alvo do INR (entre
2-3). Após a alta foi realizado o acompanhamento ambulatorial com equipe de cardiologia,
bem como investigação hematológica. No desfecho dos casos ambas as pacientes usaram
anticoagulação oral por período de seis meses. Não foram encontradas nenhuma causa
relacionada à Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAF). Seguiram de alta médica
e ambulatorial após um ano de seguimento.
Segue os dados dos dois casos disposto no Quadro 1.
Quadro 1 - Perfil das pacientes que evoluíram com complicação tromboembólica
|
Caso 1 |
Caso 2 |
Idade |
24 anos |
33 anos |
Índice de massa corpórea |
24 |
21 |
Tipo de Cirurgia |
Mamoplastia Aumento |
Mamoplastia Redutora |
Tabagismo |
Não |
Não |
Presença Varizes |
Não |
Não |
Uso de Meias elásticas |
Sim |
Sim |
História Ginecologica |
Nulipara/Nuligesta |
Nulipara/Nuligesta |
Complicação Tromboembólica |
TEP/ Subsegmentar à direita |
TEP/ Subsegmentar à esquerda |
Tempo Cirúrgico |
1 hora |
5 horas |
Cirurgia combinada |
Não |
Não |
Uso de profilaxia medicamentosa |
Não |
Não |
Quadro 1 - Perfil das pacientes que evoluíram com complicação tromboembólica
DISCUSSÃO
A busca do entendimento dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos com tromboembolismo
data de 1859, quando o patologista alemão Rudolf Virchow descreveu três maiores fatores
que acreditava serem responsáveis por tal fenômeno: 1 - a estase venosa causada por
mudança no volume ou fluxo sangüíneo; 2 - o dano ao endotélio vascular por inflamação
ou injúria; 3 - o estado de hipercoagulabilidade3.
Especificamente no caso da cirurgia, todos os aspectos da tríade de Virchow são exacerbadamente
encontrados. A estase venosa é agravada pela imobilização prolongada na mesa cirúrgica3.
A prevenção do TEV tem ocupado espaço cada vez mais proeminente nos últimos anos,
bem como as propostas para a normatização de protocolo a serem adotados. Especificamente
a cirurgia plástica, onde o dilema no qual o cirurgião plástico se encontra tendo
como algoz: o tromboembolismo de um lado e complicações pós-operatórias hemorrágicas
do outro3.
Segundo dados da literatura, a incidência de TEV em cirurgia plástica difere de acordo
com o tipo de cirurgia realizada, sendo aproximadamente 0,35% para lifting facial,
1,3% para reconstrução de mama, 1,4 a 2% para abdominoplastia, 9,4% para lipoaspiração
circunferencial e 6,6% para abdominoplastia associada a outra cirurgia. Em comparação
com outros dados da literatura, quanto a incidência de complicação por tromboembolismo
pulmonar em mamoplastias não houve grande variação, ficando entre 0,2 a 0,7%, conforme
relatado no artigo da autora Montandon, em 20145, no qual obteve-se 0,36% de TEP como complicação em mamoplastia de aumento. Vale
ressaltar que neste estudo o número de cirurgia de mamoplastia de aumento não deve
ser comparado com este outro estudo, no caso com (n) muito superior, fato este que
explica uma incidência de 7,7% de TEP relacionadas a este procedimento realizado em
nosso serviço e no período descrito. No que se refere a estratégia de prevenção de
complicações com fenômenos tromboembólicos, pode-se utilizar protocolos de profilaxia
para TEV de acordo com os fatores de riscos de cada paciente. O protocolo adotado
no serviço do Hospital PUC-Campinas pela equipe de cirurgia plástica é o protocolo
de Anger, o mesmo protocolo que está descrito em publicação na RBCP (Revista Brasileira
de Cirurgia Plástica) no trabalho dos autores Justino et al., em 20182. Nos dois casos de tromboembolismo pulmonar, ambas as pacientes estavam classificadas
como baixo risco, sendo adotada medidas não farmacológicas para profilaxia de TEV,
e mesmo assim evoluíram com a complicação. Portanto, deve-se atentar para estas complicações
visto que mesmo com baixa incidência traz dano importante para as pacientes1,3,5.
O uso da profilaxia incontestavelmente diminui a incidência de TEV, a profilaxia mecânica,
caracterizada por compressão intermitente de panturrilhas e associada ao uso de meias
elásticas, além da deambulação precoce, com redução em até 60%, devendo ser iniciada
antes da indução anestésica. Por outro lado, a profilaxia química, caracterizada pela
heparinoterapia profilática, diminui a incidência de TEV em 78%. Apesar de todos esses
benefícios, muitos cirurgiões plásticos não utilizam a tromboprofilaxia por acreditarem
na baixa incidência e também pela preocupação com sangramentos. A respeito do receio
de hemorragias, estudos sugerem não haver aumento significativo do risco de sangramento
com uso de heparina de baixo peso molecular ou não fracionada4.
CONCLUSÃO
Conclui-se com a análise dos dados que a incidência de fenômenos tromboembólicos em
procedimentos de mamoplastia de aumento e redutoras foi de 0,69%, sendo uma baixa
incidência de complicação, o que também está de acordo com os demais dados da literatura,
visto que as pacientes se enquadraram como baixo risco para desenvolvimento de complicação
tromboembólica, de acordo com protocolos de profilaxia.
COLABORAÇÕES
RSRN
|
Análise e/ou interpretação dos dados, Coleta de Dados, Concepção e desenho do estudo,
Gerenciamento do Projeto, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação -
Revisão e Edição.
|
ACCV
|
Aprovação final do manuscrito, Gerenciamento do Projeto, Supervisão, Visualização.
|
GLD
|
Supervisão, Visualização.
|
TSS
|
Supervisão, Visualização.
|
RAMA
|
Revisão crítica do conteúdo, Aprovação finaldo manuscrito, Surpevisão.
|
REFERÊNCIAS
1. Saldanha OR, Salles AG, Llaverias F, Saldanha Filho OR, Saldanha CB. Fatores preditos
de complicações em procedimentos da cirurgia plástica - sugestão de escore de segurança.
Rev Bras Cir Plást. 2014;29(1):105-13.
2. Justino TA, Varoni ACC, Duz GL. Tromboembolismo venoso (TEV) em abdominoplastias:
um protocolo de prevenção. Rev Bras Cir Plást. 2018;33(1):33-38.
3. Paiva RA, Pitanguy I, Amorim NFG, Beger R, Shdick HA, Holanda TA. Tromboembolismo
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Cir Plást. 2010;25(4):583-8. DOI: https://doi.org/10.1590/S1983-51752010000400003
4. Moulin JL, Sobreira ML, Malgor RD, et al. Estudo comparativo entre protocolos para
profilaxia da trombose venosa profunda: uma nova proposta. Rev Bras Cir Plást. 2010;25(3):415-422.
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5. Montandon R. Estudo de complicações em próteses mamárias: avaliação de 546 casos em
oito anos. Rev Bras Cir Plást. 2014;29(3):352-360.
6. Rohrich RJ, Rios JL. Venous thromboembolism in cosmetic plastic surgery: maximizing
patient safety. Plast Reconstr Surg. 2003 Sep;112(3):871-2. PMID: 12960870 DOI: https://doi.org/10.1097/01.PRS.0000067916.54634.43
7. Davison SP, Venturi ML, Attinger CE, Baker SB, Spear SL. Prevention of Venous thromboembolism
in the plastic surgery patient. Plast Reconstr Surg. 2004 Sep;114(3):43E-51E. PMID:
15318036 DOI: https://doi.org/10.1097/01.PRS.0000131276.48992.EE
1. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Autor correspondente: Rubens Silva Reis Neto Rua Salvador Penteado, 76, Bonfim, Campinas, SP, Brasil. CEP: 13070-270. E-mail:
rubensneto_@hotmail.com
Artigo submetido: 21/01/2019.
Artigo aceito: 26/06/2019.
Conflitos de interesse: não há.